A dependência das corporações e o dilema dos utilitaristas

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corporacoesÉ comum o discurso libertário de que se o estado fosse extinto agora, teríamos uma grande prosperidade econômica de súbito. Em tese teríamos sim, mas vale lembrar que ela demoraria para vir. O fato é que a súbita extinção do estado hoje faria apenas pequenas cidades e vilarejos prosperarem rapidamente. O que ocorreria com as grandes cidades? Certamente se instalaria um caos por tempo indeterminado.

A explicação para isso é clara, mas muitos libertários se recusam a enxergar. Hoje estamos estamos escravizados por corporações: montadoras de veículos motorizados, veículos de mídia, empresas de telecomunicações, seguradoras, empresas da indústria farmacêuticas, alimentícia, seguradoras, bancos, etc, que buscam explorar a preferência temporal dos indivíduos. Desses os bancos são os piores, já que se beneficiam do dinheiro de curso forçado e do monopólio da emissão de moeda por parte do estado.

É difícil para muitos libertários admitirem que estamos completamente dependentes dela e elas do estado e o próprio estado também dependente delas. A extinção do estado muito provavelmente levará muitas dessas empresas (especulo que uma gigantesca maioria beirando a totalidade) a falência.

Isso significa que estou sendo contra a extinção imediata do estado? Obviamente que não. Eu defendo a extinção imediata do estado mesmo que isso me custe uma redução drástica na minha qualidade de vida e estou ciente que a extinção imediata do estado agora me deixaria desempregado na semana seguinte por trabalhar para uma empresa que é subsidiária desse tipo de corporação. Mas é bom deixar claro que não estou dizendo que a nossa qualidade de vida depende do estado, mas a acomodação da população em relação ao estado que fez ela ficar dependente dele e de corporações. Infelizmente desde o jardim de infância até o fim da vida somos bombardeados por uma doutrinação estatista implacável. São horas e horas com as instituições de ensino, imprensa, propagandas do governo, etc, mostrando o quão bom o governo é e os supostos opositores divergindo mostrando que o modelo de estado vigente não é o ideal, mas que devemos adotar outro. Ninguém cogita a extinção dele.

A explicação para o surgimento desse corporativismo todo o Murray Rothbard já mostrou em Governo e Mercado sobre as intervenções triangulares. São intervenções em que o estado proíbe ou dificulta uma troca entre duas partes em favor de uma terceira. Porém, essas intervenções ocorrem numa escala colossal e há muito tempo. Talvez desde os meados do Século XIX, com a Revolução Industrial. “Ora, mas a Revolução Industrial não foi boa?”, bem depende do que se diz sobre o que é “bom”. Foi com a Revolução Industrial que tiveram início a diversas formas de intervencionismo. Seja com “incentivos” do governo, seja de formas mais nefastas como o protecionismo.

Essa forma de gerar “prosperidade” com incentivos à indústria elevou o papel do governo. Inclusive muitos chefes de estados do tipo mais facínora são idolatrados por terem “desenvolvido a indústria” como Abraham Lincoln nos EUA e Getúlio Vargas no Brasil. Sem esquecer de outros ditadores como o Otto von Bismarck na Alemanha. O tal do “incentivo” à indústria serviu para criar não apenas o modelo corporativista que vemos hoje, mas também diversas ditaduras socialistas também. A China mesmo tem alianças com algumas das maiores empresas do mundo que são as principais responsáveis pelo seu boom econômico. Assim como foi o Japão também há algumas décadas. Hoje, as maiores economias do mundo são também as que possuem o estado mais forte, vigilante e repressores. Principalmente no que tange a cobrança de impostos. Irwin Schiff que diga.

Vendo esse quadro, fica difícil o “libertário” utilitarista optar entre o gradualismo e o radicalismo dos libertários brutalistas e jusnaturalistas. Defender a utilidade como fim em última instância é defender a presença do estado enquanto ele for útil para o bem estar de um grupo gigantesco de indivíduos. Isso mostra que o estado sabe muito bem explorar a preferência temporal dos indivíduos. Quanto mais alta for a preferência temporal de alguém, mais fácil fica para o estado explorá-lo. Por exemplo, o fim do estado certamente levaria as empresas do Elon Musk à falência, já que elas possuem acordos com diversos governos e se beneficia de diversas regulações. Muitos libertários se doeram quando o critiquei devido a esses acordos. Afinal, a SpaceX depende disso para simplesmente existir. Direta ou indiretamente ela tem como seu principal cliente o estado. O que já mostra que a “ética” utilitarista é completamente incompatível com o ideal libertário. Como a extinção completa do estado lidaria com isso? Sinceramente, eu não sei. Não sei se faríamos uma viagem completamente inútil para tentar colonizar Marte sem fazer acordo com gangues. Eu penso que quem quiser visitar um deserto gelado para planejar uma colonização, que viaje para a Mongólia e se instale no Deserto de Gobbi, mas se insistir com Marte, que use fundos 100% privados e sem dar mais poder ao estado. Fora isso, para fins úteis temos o agorismo para nos livrarmos das regulações do estado. Mas eu aviso uma coisa: a prática de um estilo de vida completamente agorista pode implicar em um desapego material bem grande.

Conclusão, se você for um utilitarista, ainda vai continuar defendendo a extinção imediata do estado mesmo sabendo que isso implicará uma queda vertiginosa na qualidade de vida por um tempo indeterminado? Decerto as pequenas cidades e vilarejos não perceberão tanto a mudança, mas não porque o estado é menos atuante, mas porque as corporações têm pouco interesse nisso. Quem mais vai sentir falta são os habitantes das grandes cidades que dependem dessas corporações para quase tudo: desde transporte até fornecimento de energia elétrica. Por isso Hans-Hermann Hoppe no seu livreto O que deve ser feito sugere a secessão de pequenas cidades e vilarejos como parte da estratégia libertária.

Protecionismo, subsídios, rent seeking, reservas de mercados, bailout, etc. São essas coisas que fazem as grandes empresas serem o que são. Elas odeiam o livre mercado. Vocês acham que o Uber defende a total desregulação do mercado? Sempre pedirá uma “regulamentação” para atuar “dentro da lei” e obviamente não hesitará em abraçar a oportunidade de defender leis que dificultam a entrada de pequenas empresas de transporte com o objetivo de “proteger o consumidor”. E “proteger” sempre será a palavra mais usada por essas empresas. Assim como as grandes montadoras dos EUA usaram essa palavra como pretexto para serem resgatadas pelo governo: proteger os empregos. E é nos “protegendo” e nos “garantindo” a atual qualidade de vida que elas nos escravizam.

Só para fechar o texto: o anarcocapitalismo tende sim a nos garantir maior prosperidade econômica e da maneira mais justa. Mas esqueça a existência de grandes empresas e não pense que essa prosperidade virá rápido. Você não pode sair correndo depois de fazer uma cirurgia no joelho.

3 COMENTÁRIOS

  1. Sim concordo, mas analisando de um modo pragmático uma extinção súbita se tivesse uma repulsa muito forte por parte da população certamente o estado ia voltar com muito força por conta da ruptura bruta.

  2. Por isso que, no intuito de defender seus próprios negócios, as grandes empresas iriam fazer uma descentralização extrema de seu comando, na finalidade de se adaptar a esse cenário de uma sociedade sem estado. Muitas poderiam inclusive vender seus ativos para produtores independentes, e esses dois posicionamentos irão reduzir bastante essa tal “depressão de ajuste” pós anarcocapitalismo. Sobre a relação entre ser agorista e ser pobre, isso depende do nível tecnológico à disposição.

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