Contra a Propriedade Intelectual

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Capítulo V – PI COMO CONTRATO

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Os Limites do Contrato

A lei, então, deveria proteger direitos individuais sobre o próprio corpo e recursos escassos legitimamente adquiridos (propriedade). Não existe um direito natural a objetos ideais – às inovações ou criações intelectuais – mas apenas a recursos escassos. Muitos oponentes de direitos sobre PI tipicamente apoiam apenas arranjos contratuais para proteger ideias e inovações – contratos privados entre donos de propriedade.[1] Suponha, por exemplo, que A escreve um livro e venda cópias físicas dele para numerosos compradores B1, B2,… Bn com uma condição contratual de que cada comprador B seja obrigado a não vender ou fazer uma cópia do texto. Sob todas as teorias de contrato, todos os compradores B se tornam sujeitos a A, ao menos quanto a danos, se violarem essas condições.[2]

Mas os defensores da abordagem contratual à PI estão errados se acreditam que contratos privados podem ser usados para recriar o mesmo tipo de proteção garantida pelos modernos direitos sobre PI. Patentes e direitos autorais são bons contra todos os terceiros, independente de terem consentido a um contrato. Eles são direitos reais que unem todos, da mesma forma que meu título a uma parcela de terra une todos com respeito a minha propriedade – mesmo se eles não tiverem feito um contrato comigo. Um contrato, em contraste, une apenas as partes contratantes. É como uma lei privada entre as partes.[3] Ela não envolve terceiros, isto é, aqueles não envolvidos com as partes originais.[4]

Assim, se o comprador de livros B relata a terceiros T o enredo de um romance comprado, esses terceiros T não estão envolvidos, em geral, com a obrigação contratual original entre A e B. Se eu aprender como ajustar o carburador do meu carro para duplicar sua eficiência, ou se eu aprender um poema ou enredo de um filme que alguém escreveu, porque eu deveria fingir ser ignorante dessas coisas, e me abster de agir com base nesse conhecimento? Eu não me obriguei contratualmente com os criadores. Eu não nego que obrigações contratuais podem estar implícitas ou tácitas, mas não existe nenhum contrato implícito em tais situações. Nem pode ser dito como uma regra geral que eu roubei ou adquiri fraudulentamente a informação, pois há muitas maneiras legítimas através das quais os indivíduos podem adquirir informação. Trabalhos artísticos, por sua própria natureza, tipicamente são feitos públicos. Descobertas científicas e inovações também podem se tornar conhecidas além das partes que entram num acordo de confiança. E certamente não pode ser dito que eu usar meu carburador, ou escrever um romance usando o mesmo enredo, interfere fisicamente com o uso da propriedade tangível do próprio criador. Não chega nem a impedir o criador de usar sua própria ideia de carburador para melhorar o seu carro ou o de outros, ou de usar aquele enredo.

Então, ajustar meu carburador não é uma quebra de contrato; não é roubo; e não é uma transgressão física da propriedade tangível do inventor. Mexer com meu carburador não viola os direitos do inventor. No máximo, meu uso dessa ideia irá diminuir seu valor para o inventor ao diminuir sua capacidade de explorá-la monopolisticamente. Como vimos, entretanto, não se pode possuir um direito sobre o valor da propriedade de alguém, mas apenas possuir sua integridade física.[5]

Assim, o uso do contrato nos leva apenas até esse ponto. Uma pessoa que publica livros pode ser capaz contratualmente de obrigar seus compradores a não copiarem seu livro, mas ele não pode impedir terceiros de publicá-lo e vendê-lo, a menos que algum contrato impeça tal ação.

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Contratos versus Direitos Reservados

Terceiros que não são então partes do contrato e não estão envolvidos com o contratante e com o contratado, não estão sujeitos a tal relação contratual. Por essa razão, mesmo que um inovador seja capaz de usar contratos para impedir certos indivíduos de usar livremente suas ideias, é difícil usar o direito contratual padrão para impedir terceiros de usarem as ideias que obtêm de outros. Talvez sentindo esse problema, alguns quase defensores da PI mudam de uma abordagem puramente contratual para uma abordagem de “direitos reservados”, na qual direitos de propriedade sobre recursos tangíveis são vistos como um conjunto divisível de direitos. Por exemplo, sob a visão padrão de conjunto de direitos, um dono de terras pode vender o subsolo para uma companhia petrolífera enquanto mantém direitos sobre a superfície, exceto por um alívio (submissão) garantindo passagem para um vizinho e um usufruto vitalício garantindo o uso da superfície para sua mãe. Amparados pela noção de conjunto de direitos, a abordagem de “direitos reservados” mantém que um tipo de PI “privada” pode ser gerada “reservando direitos” criativamente sobre itens tangíveis reproduzíveis vendidos para compradores.

Rothbard, por exemplo, argumenta que é possível garantir “posse” condicional (ou “conhecimento”) para outro, enquanto “se mantém o poder de propriedade para disseminar o conhecimento da invenção”. Ou, Brown, o inventor de uma ratoeira melhor, pode estampar “copyright” e então vender o direito a cada ratoeira exceto o direito de reproduzi-la. Assim como os direitos reais que acompanham a PI estatuária, tais “reservas” supostamente unem todos, não só aqueles que fizeram contratos com o vendedor original. Assim, terceiros que se dão conta, compram, ou que de qualquer outra ficam em posse do item restrito não podem reproduzi-lo – não porque eles firmaram um contrato com Brown, mas porque “ninguém pode adquirir um título de propriedade mais importante do que aquele que já foi concedido ou vendido”. Em outras palavras, o terceiro adquire uma coisa tangível – um livro ou uma ratoeira – mas de alguma forma não possui a parte “direito de copiar” do conjunto de direitos que “normalmente” constituem os direitos sobre tal coisa. Ou, o terceiro adquire “posse” da informação de alguém que não possuía a informação, e, portanto, não estava permitido a transmiti-la para outros.[6]

Mas com certeza algo está errado aqui. Suponha que A escreveu um romance e vendeu uma primeira cópia, LIVRO1, sem restrições (isto é, sem reserva de direitos) para B1; e uma segunda cópia, LIVRO2, para B2 – mas “reservando” o “direito de copiar” inerente ao livro. Os dois livros, LIVRO1 e LIVRO2, parecem idênticos para terceiros. No entanto, eles não são: um é incompleto; o outro de alguma forma contém mais da mística “essência de direitos” em meio a suas páginas. Suponha que B1 e B2 deixem esses livros num banco de praça, onde são descobertos pelo terceiro T. De acordo com Rothbard, o LIVRO2 “não possui incluso” o “direito de copiar”, assim como um brinquedo eletrônico que é vendido “sem baterias inclusas”. É como se houvesse um rebento místico, invisível, de “posse do direito de reprodução” que saísse do LIVRO2 e se esticasse até seu dono verdadeiro A, seja lá onde ele estiver. Assim, mesmo se T encontrar e se apropriar do LIVRO2 abandonado, esse livro simplesmente não contém “consigo mesmo” o direito de permitir ao dono copiá-lo. Este está sendo constantemente sugado por um buraco que conecta o item ao dono A. Assim, se T se apropriar do livro, ele ainda não o faz num grau maior que a mera aquisição da cópia. T apenas se apropria de um livro sem uma permissão para copiar “embutida”, e, portanto, não possui o direito de copiar o LIVRO2. O mesmo é válido para terceiros subsequentes que venham a possuir o livro. Tal visão é sustentável? Podemos conceber direitos de propriedade funcionando dessa forma? Mesmo se pudéssemos, eles atingiriam o resultado desejado aqui – prevenir terceiros de usar as ideias protegidas? É difícil sustentar que direitos podem ser reservados dessa maneira. Uma função dos direitos de propriedade, afinal, é impedir conflito e noticiar terceiros quanto aos limites de propriedade. As fronteiras de propriedade devem ser necessariamente objetivas e intersubjetivamente determináveis; elas devem ser visíveis. Apenas se fronteiras são visíveis elas são capazes de serem respeitadas e os direitos de propriedade cumprem sua função de evitar conflitos. Apenas se essas fronteiras são visíveis e objetivamente justas (justificáveis em discurso) elas podem ser esperadas como sendo adotadas e seguidas. Mas pense nos dois livros, LIVRO1 e LIVRO2. Como alguém reconheceria a diferença entre eles? Como alguém veria o rebento conectado ao último e não ao primeiro? Como terceiros conseguirão respeitar um limite de propriedade amorfo, invisível, místico, fantasmagórico, possivelmente desconhecido e impossível de conhecer? As implicações de tal visão são complicadas. Palmer escreve:

“A separação e retenção do direito de cópia do conjunto de direitos que chamamos de propriedade é problemático. Seria possível reservar o direito, por exemplo, de lembrar algo? Suponha que eu escrevi um livro e lhe ofereci para leitura, mas retive apenas um direito: o direito de lembrar dele. Teria eu justificativas para levá-lo a um tribunal se eu pudesse provar que você lembra o nome do personagem principal do livro?”[7]

Há diversos problemas com esse raciocínio. Primeiro, Black meramente vê a ratoeira de Green. Ele não vê ou tem acesso às ideias na cabeça de Green. Ele nem precisa ter tal acesso para duplicar características evidentes da ratoeira. Além do mais, ideias na cabeça de alguém não são mais “possuídas” do que trabalho o é. Apenas recursos escassos são possuídos. Ao esquecer-se da escassez como um aspecto necessário de algo passível de apropriação, e da regra do primeiro ocupante para possuir tais coisas, Rothbard e outros são desviados em direção a noção errônea que ideias e trabalho podem ser possuídos. Se reconhecermos que ideias podem ser possuídas (elas não são recursos escassos), que criação não é necessária nem suficiente para apropriação (e sim primeira ocupação), e que o trabalho não precisa ser “possuído” para se poder ser um apropriador original, então o problema causado por essas noções confusas desaparece. Se Black de alguma forma acaba possuindo as ideias implícitas num item que Brown inventou (no exemplo de Rothbard ele “calha em ver”), é irrelevante que a ratoeira pudesse não ter um “direito de copiar” embutido. Black não precisa de tal permissão para usar sua própria propriedade como bem entender. Como é que “calhar em ver” a ratoeira faz de Black um transgressor ou violador dos direitos de Brown?[8]

Toda ação, incluindo ação que empregue meios escassos possuídos (propriedade), envolve o uso de conhecimento técnico.[9] Parte desse conhecimento pode ser adquirida através de coisas que vemos, incluindo a propriedade de outros. Nós não precisamos ter um “direito de copiar” como parte de um conjunto de direitos para ter o direito de impor um padrão ou forma conhecida num objeto que possuímos. Pelo contrário, nós temos o direito de fazer qualquer coisa com e dentro de nossa propriedade, contanto apenas que não acabemos por invadir os limites de propriedade de outros. Não devemos perder de vista esse ponto libertário crucial. Se eu possuo 100 acres de terra, eu posso correr pelado nele, não porque a terra é dotada de algum “direito de correr pelado”, mas porque eu possuo a terra e isso não (necessariamente) viola os direitos de propriedade de outros caso eu use minha propriedade dessa forma.

Da mesma forma, eu posso fazer o que eu quiser com minha propriedade – meu carro, meu papel, meu processador de textos – incluindo melhorar o carburador do meu carro ou usar minha tinta para imprimir palavras no meu papel. Isto é, a menos que eu tenha me obrigado contratualmente com alguém para restringir minhas ações com respeito ao uso daquele conhecimento. Eu não preciso primeiro achar na minha propriedade um “direito de usar de certa forma”, pois todas as maneiras de usá-la, exceto aquelas que causam invasões aos limites de propriedade de outros, já estão incorporadas ao direito geral de usar minha propriedade. No libertarianismo, nós vivemos através de direitos, não de permissões. Nós não precisamos encontrar permissão para praticar ações com nossa própria propriedade. Contrário à prática de sociedades totalitárias, todas as coisas que não são proibidas são permitidas. A visão de reserva de direitos reverteria isso ao supor que todo uso de propriedade é válido apenas se aquele direito a um uso particular fosse, de alguma forma, localizado ou encontrado na propriedade. Considere a seguinte analogia. O fazendeiro Jed descobre petróleo embaixo de sua terra. Ninguém em milhas sabe do ouro negro. Jed planeja comprar a propriedade de seus vizinhos por uma pechincha: eles a venderão barato, uma vez que não sabem sobre o petróleo. No meio da noite, seu vizinho intrometido Cooter, desconfiado com as recentes boas intenções de Jed, entra na fazenda de Jed e descobre a verdade. Na manha seguinte, na barbearia de Floyd, Cooter espalha a notícia para Clem e os garotos. Um deles rapidamente vai em direção a um orelhão e dá uma dica a um repórter do Wall Street Journal (que por coincidência é seu sobrinho). Rapidamente, vira senso comum a notícia de que há petróleo na vizinhança. Os vizinhos agora pedem preços exorbitantes por sua terra, frustrando assim os planos de Jed. Vamos dizer que Cooter pode ser processado por transgressão e danos consequentes. A questão é, podem os vizinhos de Jed ser impedidos de agirem de acordo com seu conhecimento? Ou seja, eles podem ser forçados de alguma forma a fingir que não sabem sobre o petróleo, e vender para Jed pelo preço que “eles teriam vendido” caso estivessem na ignorância? Claro que eles não podem ser forçados. Eles possuem sua própria terra, e tem direito a usá-la como bem entenderem. Diferente da propriedade intangível, a informação não é passível de apropriação; não é propriedade. O possuidor de um relógio roubado deve devolvê-lo, mas enquanto aquele que adquire conhecimento não o faz ilicitamente ou quebrando contratos, ele é livre para agir levando-o em conta.

Note, no entanto, que de acordo com a visão dos direitos reservados, os vizinhos não seriam permitidos agirem com base no seu conhecimento porque eles o obtiveram um última instancia de Cooter, um transgressor que não possuía título àquele conhecimento. Assim, eles não poderiam ter obtido um “título superior” àquele que o próprio Cooter tinha. Note também que outros, tais como geólogos pesquisadores mapeando poços de petróleo não poderiam incluir essa informação em seus mapas. Eles devem fingir ignorância até terem permissão de Jed. Essa ignorância imposta é correlata à escassez artificial imposta pela PI. Claramente, não há justificativas para a visão na qual, de alguma forma, direitos reservados podem proibir terceiros de usarem o conhecimento que adquirem.

É simplesmente ilegítimo restringir o uso que um proprietário pode praticar a menos que esse proprietário tenha se obrigado contratualmente ou então adquiriu informação através de uma violação dos direitos do dono da informação. Falar em reservar o direito de copiar é meramente uma forma de evitar a noção contratual de que apenas partes de um contrato estão ligadas por ele.[10] Logo, como uma regra geral, compradores podem estar obrigados através de contratos com os vendedores a não copiarem ou mesmo não revenderem a coisa. Contudo, assim que terceiros se dão conta das ideias por trás da invenção ou trabalho literário, seu uso daquele conhecimento não viola em geral nenhum direito reconhecível de propriedade do vendedor.

Dada essa visão de escassez, propriedade e contrato, examinaremos a legitimidade das formas comuns de PI.

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Patentes e Direitos Autorais

Como deveria ser claro, direitos autorais e patentes tentam impedir os donos de propriedade tangível – recursos escassos – de usar sua propriedade como bem entendem. Por exemplo, esses são proibidos, sob as leis de patente, de praticarem métodos patenteados, usar sua propriedade, ou moldar sua própria propriedade sob a forma de aparelhos patenteados, mesmo se independentemente inventarem o método ou dispositivo. Sob a lei de direitos autorais, terceiros que não firmaram contrato com o autor são impedidos de copiar ou lucrar com o trabalho original do autor. Claramente, vendedores de dispositivos recentes ou trabalhos literários podem firmar contratos com compradores para prevenir esses compradores de reproduzirem, ou mesmo revenderem o item. Essas teias contratuais podem ser elaboradas; um escritor de romances pode licenciar sua história para um estúdio de filmes sob a condição que o estúdio obrigue seus fregueses a concordarem a não reproduzirem o enredo do filme, e por aí vai. Contudo, uma vez que terceiros não unidos pelo contrato adquirem essa informação, eles são livres para usá-la como bem entenderem. A abordagem de direitos reservados não muda isso. Assim, provavelmente seria difícil manter algo similar às nossas leis de patentes e direitos autorais usando apenas contratos.

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Segredos Comerciais

Segredos comerciais são mais fáceis de justificar do que patentes ou direitos autorais. Palmer argumenta que eles “surgem” de direitos do tipo daqueles do direito comum, e, portanto, são legítimos.[11] Leis de segredos comerciais permitem a obtenção de reparações, ou então de mandados para prevenir atos de “apropriação indébita” de um segredo. Isso pode ser aplicado contra a pessoa que impropriamente adquiriu o segredo ou que divulga o segredo contrariando uma obrigação contratual, e também contra outros que sabem que estão obtendo o segredo de tal pessoa.[12] Suponha que o empregado A da companhia X tenha acesso aos segredos comerciais da companhia, como por exemplo, sua fórmula secreta para um refrigerante. Ele está sujeito a um acordo de emprego que o obriga a manter essa fórmula como um segredo. Ele então vai até o competidor de X, Y. Y quer usar essa fórmula que aprende com A para competir com X. Sob as leis atuais, enquanto a fórmula secreta não tenha sido divulgada, X pode conseguir uma ordem judicial para impedir A de revelar o segredo para Y. Se A já revelou o segredo para Y, X também pode conseguir um mandato para impedir Y de usar ou publicar a fórmula.

Claramente, o mandato e as reparações contra A são apropriadas porque A está violando seu contrato com X. Mais questionável é o mandato contra Y, porque Y não tinha contrato com X. No contexto em que tais situações usualmente aparecem, entretanto, onde o competidor Y quer o segredo e sabe que o empregado desertor está quebrando contrato, poderia ser dito que competidor Y está agindo em conluio ou como cúmplice do empregado A em violar os direitos (contratuais) do detentor do segredo X. Isso porque A na verdade não quebrou seu acordo de manutenção do segredo até que ele o revele para Y. Se Y ativamente solicita que A faça isso, então Y é um cúmplice ou parceiro na violação dos direitos de X. Assim, da mesma forma que o motorista de fuga num roubo de banco ou como o chefe da máfia que ordena um assassinato são corretamente considerados culpados por atos de agressão cometidos por outros com os quais eles conspiram, terceiros podem, em casos estritamente definidos, serem impedidos de usarem um segredo obtido através do ladrão do segredo.[13]

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Marcas Registradas

Palmer também sugere que leis de marca registrada são legítimas.[14] Suponha que algum Lachmaniano[15] mude o nome de sua decadente cadeia de hambúrgueres de Lachmann Burgers para Rothbard Burgers, que já é o nome de outra cadeia de hambúrguer. Eu, como consumidor, estou ávido por um Rothbard Burguer. Eu vejo uma das filiais falsas do Rothbard Burgers sendo operadas pelo furtivo Lachmaniano e compro um hambúrguer. Sob as leis atuais, Rothbard, o “dono” da marca registrada “Rothbard Burgers”, pode impedir o Lachmaniano de usar a marca Rothbard Burgers para vender hambúrgueres porque ela é “confusamente similar” à sua própria marca. Isto é, ela possivelmente irá enganar consumidores quanto à verdadeira fonte dos bens comprados. A lei, então, dá um direito ao detentor da marca contra o infrator.

No meu ponto de vista, são os direitos dos consumidores que são violados, e não os do dono da marca. No exemplo anterior, eu (o consumidor) pensei que estava comprando um Rothbard Burger, mas em vez consegui um inferior Lachmann Burger com seu estranho molho calêidico. Eu deveria ter o direito de processar o Lachmaniano por fraude e quebra de contrato (para não mencionar imposição intencional de distúrbios emocionais e má representação de verdades praxeológicas). No entanto, é difícil ver como esse ato de fraude, perpetrado pelo Lachmaniano contra mim, viola os direitos de Rothbard. As ações do Lachmaniano não invadem fisicamente a propriedade de Rothbard. Ele não chega nem a convencer outros a fazerem isso; no máximo, pode ser dito que ele convenceu outros a praticarem uma ação dentro de seus direitos, ou seja, comprar um hambúrguer do Lachmaniano em vez do de Rothbard. Assim, parece que, sob o libertarianismo, leis de marca registrada dariam aos consumidores, e não aos usuários da marca, o direito de processar piratas de marca. Além disso, extensões mais recentes de marca registrada, tais como direitos contra diluição de marca ou contra certas formas de cybersquatting, não poderiam ser justificadas. Assim como o detentor de uma marca não possui direito a sua marca, ele não tem direito contra a diluição da mesma. A lei contra cybersquatting é simplesmente baseada numa oposição economicamente ignorante à arbitragem e “especulação”. Não há, claro, nada de errado em ser o primeiro a adquirir um domínio e depois vendê-lo ao comprador mais ávido.
[1] Ver McElroy, “Intellectual Property: Copyright and Patent”; Roy Halliday, “Ideas as Property,” Formulations 4, no. 4 (Verão 1997); Bouckaert, “What is Property?” pp. 804-5; Palmer, “Intellectual Property: A Non-Posnerian Law and Economics Approach,” pp. 280, 291-95; Palmer, “Are Patents and Copyrights Morally Justified?” pp. 821 n. 8, 851-55, 864; e Richard O. Hammer, “Intellectual Property Rights Viewed as Contracts,” Formulations 3, no. 2 (Inverno 1995-96).

[2] Ver, por exemplo., Kinsella, “A Theory of Contracts”; Rothbard, The Ethics of Liberty, chap. 19; Williamson M. Evers, “Toward a Reformulation of the Law of Contracts”, Journal of Libertarian Studies 1, no. 1 (Inverno 1977): 3-13; e Randy E. Barnett, “A Consent Theory of Contract,” Columbia Law Review 86 (1986): 269-321.

[3] Sob a meta-regra do direito internacional pacta sunt servanda (os contratos devem ser observados), contratos entre soberanos (estados, no contexto do direito internacional) criam uma “lei de acordo” entre as partes. Ver Paul E. Comeaux e N. Stephan Kinsella, Protecting Foreign Investment Under International Law: Legal Aspects of Political Risk (Dobbs Ferry, N.Y.: Oceana Publications, 1997), caps. 2, 5.

[4] Para uma definição de “envolvimento com contratos” (“privity of contract” no original – N.T.), ver Black’s Law Dictionary, 6th ed. (St. Paul, Minn.: West Publishing, 1990), p. 1199. Ver também, no contexto da PI, Bouckaert, “What is Property?” pp. 795, 805.

[5] Hoppe, A Theory of Socialism and Capitalism, pp. 139-41, 237 n. 17.

[6] Rothbard, The Ethics of Liberty, p. 123.

[7] Palmer, “Are Patents and Copyrights Morally Justified?” p. 853. Palmer também cita as seguintes passagens esclarecedoras. “Hegel argumentou: A substancia do direito de um autor ou inventor não pode em primeira instância ser encontrada na suposição de que quando ele dispõe de uma única cópia de seu trabalho ele arbitrariamente cria uma condição de que o poder de produzir cópias como coisas, um poder que, por causa daquilo, passa para a propriedade de outros, não deva ser a propriedade do outro, mas sim permanecer como sua. A primeira questão é se tal separação entre posse da coisa e o poder de produzir cópias que é dada com a coisa é compatível com o conceito de propriedade, ou se ela não cancela a completa e livre disposição sob a qual originalmente depende a opção do produtor de trabalho intelectual de reservar para si o poder de reproduzir, ou então abrir mão desse poder como uma sendo uma coisa de valor, ou ainda não atribuir valor algum e abandoná-la com o único exemplar de seu trabalho. (Hegel’s Philosophy of Right, p. 55, citado em Palmer, “Are Patents and Copyrights Morally Justified?” p. 853 n. 138) E como notou Kant: Aqueles que consideram a publicação de um livro como sendo um exercício dos direitos de propriedade com relação a uma única cópia – ela pode ter chegado às mãos do proprietário como um [manuscrito] do autor, ou como um trabalho impresso por alguem que publicaria anteriormente – e que ainda iriam, através da reserva de certos direitos… restringir o direito de exercer direitos de propriedade, mantendo a ilegalidade da reprodução – nunca irão atingir seu fim. Isso porque os direitos de um autor no que tange seus próprios pensamentos continuam disponíveis apesar da reprodução; e como não pode haver uma permissão distinta dada ao comprador do livro para tanto, e uma limitação de seu uso como propriedade, quão menos é uma mera presunção suficiente para tal peso de obrigação?” (Immanuel Kant, “Was ist ein Buch?” em Die Metaphysic die Sitten, ed. W. Weischedel [Frankfurt a.M.: Suhrkamp Verlag, 1977], p. 581, traduzido e citado em Palmer, “Are Patents and Copyrights Morally Justified?” p. 853 n. 138) Para uma traduçao alternativa, ver Essay Three: Of the Injustice of Counterfeiting Books, trans. John Richardson, ed. e rev. Stephen Palmquist (Philopsychy Press, 1994). Mas terceiros ainda constituem um problema para essa teoria. Mesmo se um vendedor de um objeto fosse de alguma forma capaz de “reservar” certos direitos de uso com respeito ao objeto vendido, como isso iria prevenir terceiros de usar informação aparente ou inclusa no objeto? Defensores dos direitos reservados dizem que mais do que a suposição de que o comprador imediato B1 é obrigado a não reproduzir o livro: esse resultado poderia ser obtido ao apontar o contrato implícito entre o vendedor A e o comprador B1. Vamos considerar um terceiro, T1, que encontra e lê o livro abandonado, dessa forma aprendendo a informação contida nele. Alternativamente, considere o terceiro T2, que nunca possuiu ou viu o livro; ele meramente aprende a informação contida no livro graças a fofocas, grafite, e-mail não solicitado, e por aí vai. Nem T1 nem T2 possuem um contrato com A, mas agora ambos possuem certo conhecimento. Mesmo se o livro não contenha com ele um “direito de reproduzir”, como isso iria impedir T1 e T2 de usarem seu próprio conhecimento? E mesmo se dissermos que T1 de alguma forma está “ligado” a um aviso de direito autoral impresso no livro (uma visão indefensável de contrato), como estaria T2 ligado a qualquer contrato ou direito reservado? Rothbard tenta defender essa visão da seguinte forma:

Uma objeção comum é a seguinte: OK, seria um crime se Green [o comprador] produzisse e vendesse a ratoeira Brown; mas suponha que outra pessoa, Black, que não fez um contrato com Brown, acabe por ver a ratoeira de Green e produza e venda a réplica? Porque ele deveria ser processado? A resposta é que… ninguém pode adquirir um título de propriedade superior sobre algo que já foi dado ou vendido. Green não possuía o direito de propriedade total sobre sua ratoeira, de acordo com seu contrato com Brown – todos os direitos exceto o de vender… uma réplica. Mas então o título de Black sobre a ratoeira, a posse das ideias na cabeça de Black, não pode ser superior que o de Green, e, portanto, ele também seria um violador da propriedade de Brown mesmo se ele próprio não tivesse firmado o contrato em questão 87.

[8] Rothbard, The Ethics of Liberty, p. 123.

[9] Kinsella, “Knowledge, Calculation, Conflict, and Law”; Jörg Guido Hülsmann, “Knowledge, Judgment, and the Use of Property,” Review of Austrian Economics 10, no. 1 (1997), p. 44.

[10] Com certeza é difícil prever que regimes contratuais extensivos, redes e instituições irão surgir sob o anarco-capitalismo. Vários enclaves ou comunidades poderão obrigar seus fregueses, patronos, ou “cidadãos” a obedecer a certas regras de PI. Sobre anarco-capitalismo ver, por exemplo, Hans-Hermann Hoppe, “The Private Production of Defense,” Journal of Libertarian Studies 14, no. 1 (Inverno 1998-1999): 27-52.

[11] Palmer, “Intellectual Property: A Non-Posnerian Law and Economics Approach,” pp. 280, 292-93; e Palmer, “Are Patents and Copyrights Morally Justified?” pp. 854-55.

[12] UTSA, § 1; Halligan, “Restatement of the Third Law-Unfair Competition: A Brief Summary,” § 40, comment d.

[13] Sobre responsabilidade por conduta de outros ou conspiração, ver, por exemplo, Texas Penal Code, §§ 7.02 (Criminal Responsibility for Conduct of Another), e 15.02 (criminal conspiracy). Para definições de “auxiliar”, “parceiro”, “cúmplice”, “colaborador”, “companheiro” e “conspiração”, ver Black’s Law Dictionary.

[14] Palmer, “Intellectual Property: A Non-Posnerian Law and Economics Approach,” p. 280.

[15] [N.T] Kinsella aqui faz uma piada com o economista austríaco Ludwig Lachmann. É uma caricatura da “cisão” da Escola Austríaca entre os seguidores de Hayek, que aceitam a existência do “problema do conhecimento” e os seguidores de Mises e Rothbard, aprioristas puros.

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