Cooperação ou competição?

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“As escolas devem enfatizar a cooperação, e não a competição”, trombeteiam os progressistas. Em Nova York, aliás, uma escola primária aboliu os jogos em que há confrontos, aboliu as competições e aboliu todas as modalidades esportivas que têm rodadas eliminatórias. O intuito era fazer com que as diferenças entre as habilidades atléticas dos alunos fossem minimizadas.
Isso pode até ser aceitável em algumas aulas de educação física, mas imagine como seriam as Olimpíadas ou a Copa do Mundo?

Se a cooperação, e nãoCollaboration Misperceptions Image-08-03-11-CJ a concorrência ou a competição, fosse imposta ao comércio e à produção, isso iria condenar milhões à pobreza e à inanição. Façamos uma análise de alguns princípios fundamentais.

Na economia, a competição não é a antítese da cooperação. Ao contrário: a competição é uma das maiores e mais benéficas formas de cooperação. Essa ideia pode parecer contra-intuitiva: afinal, a competição não requer um comportamento de rivalidade, até mesmo “predatório”? Não seria verdade que alguns competidores irão necessariamente perder?

A questão é que a competição em uma economia de mercado — naquela em que há liberdade de empreendimento, e ausência de privilégios e protecionismos estatais — significa simplesmente que você tem de se esforçar para bem servir seus clientes, e você agirá assim pensando em seu beneficio próprio. Em outras palavras, os vendedores cooperam com os consumidores, atendendo às suas necessidades e preferências.

Várias pessoas acreditam que a competição é algo diretamente relacionado ao número de vendedores em um determinado mercado. Ou seja, quanto mais vendedores existirem, ou quanto menor for a fatia de mercado de cada um deles, mais competitivo será o mercado. Ledo engano. A competição pode ser mais feroz entre apenas dois ou três rivais do que entre 10 ou 20 empresas.

Como explicou Hans Sennholz em seu artigo definitivo sobre o tema:

Em uma economia de mercado, milhares de bens distintos são, cada um deles, produzidos por um único produtor — isto é, por um monopolista —, e isso está longe de ser preocupante. Todas as mercearias e todas as lojas de conveniência estão repletas de itens produzidos por monopolistas. E, ainda assim, todos estes itens são vendidos a preços competitivos. Por quê? Por causa da concorrência potencial. Enquanto houver qualquer potencial de concorrência, um monopolista não poderá cobrar preços monopolísticos.

A concorrência potencial existe em todas as áreas da produção e do comércio em que haja liberdade de entrada; áreas em que qualquer pessoa seja livre para entrar e competir. Em outras palavras, em qualquer setor em que o governo não impeça a livre entrada por meio de licenças, concessões, parcerias e outras formas de controle, a concorrência potencial irá existir.

As empresas e os empreendedores estão continuamente em busca de novos itens e novas linhas de produção. Motivados pela busca do lucro e guiados pelo sistema de preços, eles estão constantemente ávidos para empreender em qualquer área pouco explorada cujos rendimentos potenciais sejam atipicamente altos.

Não havendo regulamentações e burocracias governamentais, a incursão em outro setor da economia exigirá de uma empresa pouco mais do que uma simples reorganização, atualização e aquisição de novos equipamentos, algo que pode ser feito em algumas semanas ou meses. Ou, no extremo, instalações novas podem ser construídas para se empreender uma vigorosa incursão neste novo setor. Assim, um produtor, seja ele um monopolista, um duopolista ou um concorrente dentre vários, estará sempre enfrentando a concorrência potencial de todos os outros produtores existentes no mercado.

Em um livre mercado, sem leis antitruste, mesmo se uma grande corporação detivesse o monopólio de determinadas mercadorias, ela ainda assim teria de agir como se fosse apenas mais uma produtora entre várias. Pois ela estaria continuamente submetida à concorrência potencial de várias outras corporações — grandes, médias ou pequenas — que poderiam se unir para competir contra ela, tomando fatias do seu mercado.

Esses potenciais concorrentes indubitavelmente teriam os recursos, o conhecimento técnico e o domínio da maneira de organizar a distribuição e a comercialização das mercadorias, tornando-se capazes de concorrer com a grande.

No extremo, mesmo se não houver concorrentes com tamanho e estrutura similar, o monopolista ainda sim deve se preocupar com a concorrência potencial que pode surgir da noite para o dia. Vários financistas, organizadores de empresas, promovedores e especuladores, tanto nacionais quanto estrangeiros, estão continuamente em busca de oportunidades para criar e estabelecer novas empresas. Várias empresas gigantes foram formadas assim no passado. Havendo liberdade de mercado, estes indivíduos estarão dispostos a arriscar capital caso vejam uma oportunidade para grandes lucros e formar um empreendimento conjunto.

Justamente por temer que seu setor seja invadido por esses empreendedores, o monopolista terá de agir exatamente como se já estivesse cercado por vários concorrentes. Ele terá de se manter em constante alerta, sendo sempre “competitivo”. Ele terá de aprimorar continuamente seus produtos e serviços, reduzindo seus preços. Caso contrário, outra empresa irá invadir seu setor. E essa empresa recém-chegada provavelmente será uma concorrente formidável, pois estará com máquinas e equipamentos novos. Certamente estará com novas ideias e irá aplicar novos métodos de produção. E ela certamente contará com a boa vontade de todos os consumidores. Com efeito, o monopolista que relaxar estará clamando por um desastre.

Se, ainda assim, uma empresa continuar usufruindo uma posição monopolística, então é porque ela deve necessariamente ser a mais eficiente em sua área. Em outras palavras, em um setor em que haja liberdade de entrada e livre concorrência, qualquer monopólio sempre será um monopólio eficiente. O governo impor restrições a esta empresa ou mesmo dissolvê-la à força seria o mesmo que destruir o produtor mais eficiente e trazer para o setor o produtor menos eficiente. Neste caso, a economia irá sofrer uma perda líquida de produção e eficiência.

Obviamente, a única maneira de uma empresa ineficiente continuar mantendo uma alta fatia de mercado é se o governo estabelecer regulamentações que impeçam a entrada de concorrentes naquele mercado específico. Tal arranjo ocorre tipicamente em setores supervisionados por agências reguladoras. Mas aí, obviamente, não está havendo nenhuma falha de mercado, mas sim uma profunda intervenção no mercado.

Por outro lado, nenhum governo tem de estimular a competição ou impor a concorrência por decreto. Tudo o que ele tem de fazer é liberar o mercado e impedir — e punir — a coerção, a fraude e a quebra de contratos. Indivíduos empreendedores irão naturalmente concorrer entre si simplesmente porque tal atitude é do seu interesse financeiro. Eles irão agir assim mesmo que preferissem não fazê-lo.

A competição estimula a criatividade e a inovação, e força os produtores a cortarem seus custos. E é aí — no corte de custos — que está o segredo do processo.

A livre concorrência faz com que novas empresas sejam atraídas para aqueles mercados que apresentam altas taxas de lucro. Esse processo provoca uma redução de preços, que reduz essas altas taxas de lucros. Consequentemente, todos aqueles envolvidos na produção de bens e serviços tentam a todo o momento encontrar métodos de produção que sejam menos custosos, na tentativa de voltar a aumentar seus lucros. Com o tempo, esses lucros acabam atraindo novos concorrentes. E essa concorrência elimina os altos lucros e faz com que os baixos custos de produção tenham de ser repassados ao consumidor na forma de preços mais baixos. A contínua busca por lucros leva à descoberta e à implantação de novos métodos de produção ainda menos custosos, com o mesmo resultado acima. A consequência é uma queda progressiva nos preços reais de todos os produtos. (A queda nominal nos preços não ocorre simplesmente por causa da contínua inflação monetária estimulada pelo banco central).

Você jamais pensaria em interromper uma corrida de cavalos e reclamar que um dos cavalos está à frente. O mesmo deve ser dito sobre o livre mercado, um processo no qual a corrida jamais termina e os competidores entram e saem continuamente.

Teoricamente, há dois tipos de monopólio: o coercivo e o eficiente. Um monopólio coercivo ocorre quando o governo concede um privilégio exclusivo a uma empresa. Ou seja, para que ocorra um monopólio coercivo, o governo deve efetivamente tomar partido de alguém no mercado. Ele tem de fazer com que seja difícil, custoso ou até mesmo impossível para que qualquer indivíduo ou empresa possa concorrer com essa empresa protegida pelo governo. Os Correios são um ótimo exemplo de monopólio coercivo.

Em outros casos, o governo não necessariamente proíbe a concorrência, mas pode simplesmente conceder privilégios, imunidades ou subsídios para uma ou mais empresas de um determinado mercado, ao mesmo tempo em que impõe exigências e custos proibitivos para outras empresas que queiram entrar nesse mercado. As empresas que atuam em setores protegidos por agências reguladores são um exemplo deste oligopólio coercivo.

Independente de qual seja o método, uma empresa que usufrui um monopólio coercivo está em posição de prejudicar os consumidores e ainda se safar.

Já um monopólio eficiente, por outro lado, ocorre quando uma empresa detém uma alta fatia de mercado simplesmente porque é a melhor e fornece um ótimo serviço ou um produto de qualidade. Ela não recebe nenhum favor especial do governo, e não há nenhuma legislação específica que a proteja. Qualquer outra empresa é livre para entrar no mercado e concorrer com ela, de modo que, se os consumidores quiserem, esta nova entrante poderá crescer e se tornar tão grande quanto a “monopolista”.

Com efeito, uma empresa que usufrui um “monopólio eficiente” não é exatamente um monopólio no sentido tradicional do termo. Ela não restringe a produção, ela não eleva seus preços, ela não impede as inovações; ela, na realidade, consegue vender cada vez mais porque sabe satisfazer os consumidores e sabe como atrair novos consumidores ao aprimorar seus produtos e serviços.

De resto, como explicou George Reisman,

Liberdade de entrada não significa capacidade de entrar em um dado setor. Se as pessoas não possuem a capacidade de entrar em uma determinada área da economia (porque, por exemplo, elas não possuem o capital para isso), isso não significa que a liberdade de entrada no mercado foi violada. Assim, por exemplo, se for necessário um investimento mínimo de, digamos, $1 bilhão, para se ter uma mínima esperança de poder competir no setor de aparelhos eletrônicos e informática, isso não significa de modo algum que tal setor não possui liberdade de entrada, ou que a minha liberdade, como indivíduo, de entrar em tal setor foi violada de alguma forma só porque eu pessoalmente não tenho a capacidade de levantar o bilhão necessário.

O fato de eu não possuir ou não poder levantar o capital necessário não implica uma violação da minha liberdade de entrada, assim como o fato de eu não possuir um canal de televisão ou um jornal, e não gozar do apoio de nenhum deles, não implica uma violação da minha liberdade de expressão ou de imprensa.

Em um mercado livre de intrusões anti-concorrenciais do governo, os seguintes fatores são suficientes para garantir que nenhuma empresa, no longo prazo e independentemente de seu tamanho, poderá cobrar o preço que quiser por seus produtos e serviços:

1. Livre entrada no setor: os novos entrantes podem ser dois caras operando em uma garagem ou um gigantesco conglomerado que vislumbrou a oportunidade de se expandir para uma nova linha de produção;

2. Concorrência estrangeira: desde que o governo não impeça o comércio internacional, e nem imponha onerosas tarifas de importação para proteger a indústria nacional, os produtos estrangeiros sempre representam uma poderosa fonte anti-monopólio.

3. Concorrência de substitutos: as pessoas sempre podem substituir um produto por outro que seja diferente porém similar. Na fabricação de roupas, por exemplo, dúzias de diferentes materiais concorrem entre si pelo dinheiro do consumidor. Os produtores de suspensórios concorrem não apenas entre si e com outros potenciais concorrentes, mas também com os produtores de cintos. Na indústria de transportes, os trens concorrem com caminhões, carros, aviões, oleodutos e navios. Na indústria da construção civil, a madeira concorre com alumínio, aço, tijolos e pedras. Uma aspirina da Bayer concorre com a Medley, a Boehringer Ingelheim e a Eurofarma.

4. A concorrência de todos os bens e serviços pelo mesmo dinheiro do consumidor: cada empresa compete com absolutamente todas as outras empresas existentes para conseguir a limitada quantidade de dinheiro em posse do consumidor.

Conclusão: pense na competição em um livre mercado não como um fenômeno estático, mas sim como um processo dinâmico e sem fim, no qual o líder de hoje pode ser o retardatário de amanhã.

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