Inflação brasileira e austeridade europeia

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A seguir, dois artigos publicados respectivamente no Jornal do Comércio e no Zero Hora.

 

Inflação: causas e sintomas

Na década de 1980, a ganância dos empresários e a indexação eram apontadas como as causas da inflação.  Quem não se lembra dos “fiscais do Sarney” com suas tabelas em mãos denunciando qualquer tentativa de cobrança do “ágio”?  Após a introdução do real, a relativa estabilidade de preços trazida pela âncora cambial fazia do dólar o centro das atenções.  Mas em 1999 o Banco Central (Bacen) se viu obrigado a adotar o sistema de câmbio flutuante e metas de inflação.  Malditos especuladores! A autoridade monetária persegue, desde então, um alvo para o nível dos preços, o qual foi definido em 4,5% em 2005, permanecendo em vigor até os dias de hoje.  Ao longo de todo esse período, foram vários os ditos vilões da inflação: os alimentos; o combustível; o salário-mínimo; o dólar. Ora, se os alimentos, os automóveis ou o petróleo são a causa da inflação, então o termômetro é a causa da febre. O Brasil vivenciou quase 50 anos de inflação crônica e, espantosamente, grande parte dos economistas parece não entender esse fenômeno. Que a definamos claramente: inflação é uma política. É uma política por meio da qual o governo aumenta a quantidade de dinheiro na economia. Sua consequência, o seu efeito, é uma elevação geral nos preços de bens e serviços ofertados no País.

O famoso liberal Roberto Campos, já na época do Plano Cruzado, alertava contra o errôneo entendimento da inflação. “Se inflação é alta de preços”, dizia Campos, “então o culpado é o empresário que faz a alta de preços; mas se inflação é expansão monetária, então o culpado é o governo”.  Ironicamente, foi um dos idealizadores da instituição responsável pela expansão monetária no Brasil, o Banco Central. A o final de sua vida, entretanto, reviu seus conceitos: “Quando me perguntam se sou ou não a favor da ‘independência’ do BACEN, minha resposta é de tipo existencial: será que o monstro deve existir?”.  Independentemente da resposta, a existência do monstro é a causa da inflação.  O que me faz questionar: será que inflação precisa existir?

 

Austeridade não é uma opção

François Hollande é o salvador. Angela Merkel, a impiedosa e implacável.  Julgando pelas recentes vitórias do socialista francês nas urnas, austeridade fiscal é um mero capricho germânico ao qual franceses, gregos e espanhóis não precisam curvar-se.  Basta vontade política e uma boa dose de demagogia para, em seguida, reescrever a história, ainda que bem recente, até que não reste dúvida quanto às causas da crise europeia.

A causa principal, segundo Hollande e companhia, é a brutal austeridade fiscal imposta por credores, FMI, Alemanha e economistas insensíveis.  Não haveria relação alguma com anos de gastos estatais elevados.  Nem se deveria ao inchaço de seus governos, ou dos infindáveis benefícios sociais, todos financiados com muita dívida barata e pouca parcimônia fiscal.  Tampouco poderíamos culpar legislações trabalhistas que desestimulam o empreendedorismo, ou fortes sindicatos que mantêm salários artificialmente altos, protegidos por lei, assegurando que os excluídos permaneçam assim, excluídos.

Infelizmente, o povo tem memória curta.  Na realidade, a crise europeia teve sua origem precisamente na falta de austeridade fiscal.  Vale lembrar que, no seu início, nos referíamos à “crise da dívida soberana europeia”.  O que gera uma crise de endividamento não é a prudência na conduta das finanças públicas.  É, sim, seu extremo oposto: o descontrole fiscal.

Não importa o que os economistas keynesianos defendam: não se curam anos de desordem nas contas públicas e alto endividamento com mais gasto estatal e ainda mais dívida.  Evitando medidas de austeridade, Hollande agravará a débâcle europeia.  O fato é que presenciamos não apenas uma crise de endividamento, mas uma crise do estado de bem-estar social.  De um modelo que fracassou e chegou ao seu esgotamento.  Esgotado também está o arsenal intelectual de keynesianos e afins, os quais já viram empregado todo o seu rol de políticas, nas últimas décadas e especialmente nos últimos anos: estímulos fiscais; estímulos monetários; trilhões de euros criados do nada.  E, ainda assim, alegam que é preciso fazer mais.  Quantos trilhões mais?

Para que a França e demais países em desalento econômico possam voltar a crescer, é imprescindível sanar as contas públicas e desatar os nós que emperram suas economias. Pregar contra a austeridade fiscal ganhará votos, indiscutivelmente.  Mas não resolverá absolutamente nada.

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