Inflação: faz diferença se o governo usa seu dinheiro para bons ou maus propósitos?

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inflação_18707 (1)Este artigo foi extraído do livro Seis Temas para Entender o Mundo, publicado pelo IEE – Instituto de Estudos Empresariais.

Com a fixação do homem na terra inflação_18707 (1).jpge o fim de sua condição de nômade, criaram-se pequenas comunidades que se utilizavam da vegetação e da caça disponível na região para se alimentar e para o sustento da família. Essas comunidades foram crescendo, multiplicando-se e se expandindo e formando outros núcleos familiares, que procuravam delimitar suas áreas de plantio de alimentos e de caça para subsistência dos seus núcleos. Tem-se aí o início do processo de racionalização de atividades agrícolas, quando alguns núcleos passam a se dedicar ao cultivo de grãos, e outros à caça. Dessa forma, surgiu o primeiro conceito de comércio: o escambo, troca direta de mercadorias, por meio de um demanda necessária. Nessa forma de economia, as mercadorias de maior valor são o boi e o sal.

A moeda surgiu como uma consequência natural do processo de trocas de mercadorias, bens e serviços. Seu objetivo era o de organizar, facilitar e estabelecer padrões do comércio de produtos, além de substituir a simples troca de mercadorias, a qual era predominante. É a passagem da troca, do escambo de um produto por outro, para as trocas indiretas, feitas por meio de algo com valor intrínseco.

O gado foi a mercadoria-moeda mais utilizada, pois tinha uma vantagem em relação às outras: enquanto era guardado como uma poupança, essa moeda se multiplicava por meio da reprodução, rendia juros. Mas também tinha suas desvantagens: o gado não podia ser dividido. Para que uma mercadoria possa ser utilizada como moeda, ela deveria ter algumas qualidades, como ter durabilidade, divisibilidade, homogeneidade e facilidade de manuseio e transporte.

Nos primeiros séculos de utilização das moedas, elas tinham um valor real, ou seja, representavam fielmente seus valores de acordo com o metal que era usado na fabricação. Após certo tempo, os valores passaram a ser nominais, não tendo relação necessária com o tipo de metal.

Com a evolução maior das sociedades e das divisões entre países, cada país passou a ter sua própria moeda, tendo sua emissão e controle feitos pelo Estado. Dessa forma, são criados os Bancos Centrais, que passam a ser os responsáveis por esse controle de moeda e também pela supervisão de todo o sistema financeiro de determinada nação.

Com o uso das moedas, cria-se um fenômeno chamado inflação. A definição mais simples e utilizada a respeito da inflação é a da elevação contínua do nível de preços, isto é, uma taxa contínua de crescimento dos preços num período determinado. Porém, essa é apenas uma métrica do fenômeno, sendo ele definido como a perda do valor da moeda em decorrência da emissão da própria moeda em volume superior àquele demandado pelo mercado, sendo esta apenas um instrumento de troca, como se fosse uma outra mercadoria ou bem qualquer. Quando há excesso de oferta, é necessário oferecer mais dessa mercadoria em troca de outra que manteve a sua quantidade original.

Mises, reconhecido líder da Escola Austríaca de pensamento econômico, apresentou a teoria que afirma que, se um governo aumenta a quantidade de papel-moeda, a consequência é a queda progressiva do poder de compra da unidade monetária e a correspondente elevação dos preços. A isso se chama inflação. Porém, muitos países preferem ver a causa da inflação não no aumento da quantidade de dinheiro, mas na elevação dos preços. Até hoje nenhum autor apresentou qualquer contestação séria à interpretação econômica da relação entre os preços e a quantidade de dinheiro, ou da relação de troca entre a moeda e outros bens, mercadorias e serviços. Nas condições tecnológicas atuais, os governos poderiam fabricar pedaços de papel e imprimir sobre eles determinados valores monetários. Portanto, é necessário que tenhamos políticas muito bem ajustadas e severas para controle de emissão de moeda pelo governo.

Porém, o que muitos não sabem é que o fenômeno inflacionário tem sua origem em um processo monetário de excesso de liquidez, que é motivada principalmente pelos constantes aumentos do gasto público e das necessidades de financiamento do governo central. Esses constantes aumentos dos gastos públicos geram um déficit, originado basicamente de investimentos improdutivos, corrupção e aumento do número de empregos públicos, que podem afetar no aumento da inflação, mas não são a sua causa direta.

Investimentos improdutivos são aqueles que não trazem benefícios permanentes para a sociedade. Resultam, geralmente, de má administração, pela alocação de pessoal não qualificado nos projetos. Resultam também da necessidade de geração de renda para pagamento de comissões extras e também para a entrega de projetos para empresas financiadoras de campanhas políticas.

Na corrupção temos uma série de exemplos de desvio de dinheiro para créditos pessoais e para enriquecimento ilícito de políticos e seus “apadrinhados” – no caso do aumento de cargos públicos, quando os políticos eleitos “pagam” seus cabos eleitorais por meio de cargos públicos e, ao assumirem as funções, quando colocam seus parentes e amigos em cargos de confiança. Esse enchimento da máquina pública vai se acumulando ano após ano, onerando o contribuinte e destruindo iniciativas bem-intencionadas no setor público.

Agora, para compensar esses distúrbios no orçamento, o governo procede basicamente da seguinte maneira: efetua aumento real dos impostos, os quais são repassados pelas empresas para o consumidor; promove aumento real dos preços dos produtos das estatais (gasolina, energia elétrica), com acréscimos acima da inflação; paga os títulos da dívida pública, que vão vencendo, por meio da venda de novos títulos a taxas de juros mais altas, forçando a alta dos juros e fazendo uma “rolagem da dívida”; atrasa o pagamento de fornecedores, que são obrigados a elevar seus preços para compensar o atraso; emite papel-moeda e levanta empréstimos junto aos bancos nacionais e internacionais, fazendo subir ainda mais as taxas de juros.

Um padrão interessante seria aquele em que a quantidade de dinheiro disponível é independente das políticas governamentais e dos partidos políticos. Constitui-se, dessa forma, uma proteção contra gastos indevidos dos homens públicos. Se um governo resolve fazer gastos em um novo empreendimento, deverá fazer um planejamento de como irá adquirir o dinheiro para aquela finalidade. Num sistema inflacionário, nada é mais simples para os políticos que ordenar ao órgão governamental encarregado da impressão do papel-moeda a emissão de quanto dinheiro lhes seja necessário para seus projetos.

Sob condições inflacionárias, o povo se condiciona a considerar o governo uma instituição que tem recursos ilimitados à sua disposição, e a pensar que o Estado pode tudo.

Um exemplo recente é que, em 2008, tivemos um colapso financeiro mundial, em que diversas empresas praticamente quebraram devido resumidamente à má gestão dos seus recursos. Grande parte dessas companhias estava situada nos Estados Unidos, uma das economias mais liberais do mundo até então. Porém, o governo resolveu intervir nessa questão, gerando um pacote de mais de um trilhão de dólares para salvá-las.

Essa conta será paga pelo contribuinte americano, que já está sentindo uma elevação na taxa de juros interna para conter as pressões inflacionárias da economia – o que mostra que gastar errado o dinheiro do contribuinte, seja via imposto, seja emitindo moeda, não é privilégio de países subdesenvolvidos.

Não há nenhuma maneira secreta para a solução dos problemas financeiros de um governo: se este precisa de dinheiro, tem de obtê-lo impondo tributos aos seus contribuintes ou tomando emprestado de instituições monetárias internacionais. Entretanto, o empresário nem sempre consegue transferir o valor dos impostos para os preços pelos quais deseja vender suas mercadorias. O imposto é um valor a ser pago ao governo obrigatoriamente em caso de venda, mas somente em caso de venda; entretanto, o consumidor pode resolver comprar de um concorrente, ou mesmo outra mercadoria. E o que acontece, se não se consegue vender, porque o potencial comprador decidiu comprar outra coisa, é prejuízo.

Uma redução na carga tributária iria acarretar em aumento da lucratividade das empresas, gerando maior competitividade. Desnecessário lembrar que impostos são custos, e tornam as empresas menos eficientes.

Em relação aos salários, vale dar algumas explicações nesse aspecto, bem como a apresentação de alguns fatos.

Após a Primeira Guerra Mundial, a Grã-Bretanha restabeleceu a equivalência entre o ouro e a libra, numa correspondência que vigorava antes da guerra. Isto é, elevou o valor da libra. Com isso, elevou-se o poder de compra dos salários de todos os trabalhadores. Num mercado desobstruído, tal alteração teria acarretado uma queda do salário nominal em dinheiro. Essa queda, por sua vez, teria compensado a alteração. Como resultado final, o salário real dos trabalhadores teria permanecido inalterado. O fato é que os sindicatos da Grã-Bretanha não admitiram um ajustamento dos padrões salariais ao poder de compra mais elevado da unidade monetária; assim sendo, os salários reais foram consideravelmente acrescidos em decorrência daquela medida monetária. Isso representou uma verdadeira catástrofe para a Inglaterra, uma vez que a Grã-Bretanha é um país predominantemente industrial, obrigado, por um lado, a importar matérias-primas, produtos semiacabados e alimentos para sobreviver, e, por outro, a exportar bens manufaturados para pagar essas importações. Com a elevação do valor internacional da libra, os preços dos produtos ingleses subiram nos mercados externos, causando um declínio das vendas e exportações. Na verdade, para todos os efeitos, o que a Grã-Bretanha fez foi fixar os próprios preços à revelia do mercado mundial.

Lamentavelmente temos hoje, em quase todos os países do mundo, um segundo poder, depois do governo, com condições de exercer força: são os sindicatos trabalhistas. Essas entidades determinam os salários, bem como as greves que os devem impor, da mesma maneira que o governo poderia decretar um salário mínimo. A política sindical consiste em elevar os padrões salariais acima do nível que estes alcançariam num mercado desobstruído. Em consequência disso, uma parte considerável da população potencialmente ativa só pode ser empregada por pessoas físicas ou por indústrias que tenham condições de suportar prejuízos. E uma vez que os negócios não têm como se manter sob a sangria de prejuízos, eles fecham as portas, e seus trabalhadores perdem o emprego. A fixação de padrões salariais superiores aos que se estabeleceriam num mercado desimpedido redunda inevitavelmente no desemprego de parcela ponderável da população ativa.

Os aumentos de salários não se refletem diretamente nos índices inflacionários, sendo estes refletidos apenas nas emissões de moeda. Em uma economia indexada, o governo, por ter de aumentar salários – e sem outras fontes de recursos -,vê-se na obrigação de emitir moeda para pagar esse aumento salarial. Com o livre mercado, os preços são ditados pelo próprio mercado, que define quanto será pago por determinado cargo ou função exercida. Isso acaba se refletindo diretamente em benefícios aos usuários, que irão pagar por um serviço dentro das suas condições e necessidades.

Uma falácia comum abordada pelos protecionistas é a de que o livre comércio causa desemprego. Ele pode apenas causar um efeito sobre o salário dos trabalhadores. O que acontece é que cada país tenderá a se especializar na produção dos bens em que ele é mais eficiente que os outros. O livre comércio não causa desemprego; o que ele realmente faz é mudar os padrões de demanda dentro das economias, conduzindo a novos padrões de emprego. Podemos ter apenas um desemprego transitório, enquanto os trabalhadores estiverem fazendo a transição para novos padrões, porém não um desemprego permanente. Quem afirma isso o faz porque jamais quer que haja mudanças na demanda por bens e nos processos produtivos.

Como considerações finais, chega-se à conclusão de que, na maioria das vezes, o governo gasto o dinheiro com maus propósitos. Por meio de ostensivas tributações, o governo arrecada cada vez mais, e acompanhamos uma deteriorização dos serviços públicos. A carga tributária no Brasil é bastante elevada, considerando-se os padrões internacionais; ademais, só vem aumentando ao longo dos anos. Segundo o IBPT (Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário), em 2009 os tributos arrecadados pelo governo passaram de um trilhão de reais, valor que representa 36% do PIB brasileiro no mesmo período. Pra que se tenha uma ideia do montante arrecadado, se esse valor fosse dividido entre a população brasileira, seria como se cada indivíduo desembolsasse mais de R$ 5 mil somente em tributos, o que dá quase R$ 15 por dia. Ou seja, é o dinheiro que você poderia usar para usufruto próprio, da maneira que bem entendesse.

É necessário que seja feita uma completa reestruturação nas atividades do Estado, para termos uma liberdade de escolha dos serviços que iremos utilizar. A cobrança de altas cargas de impostos compulsoriamente e a emissão de moeda sem critérios de governança travam o crescimento da população e empobrecem os serviços prestados pelo país. Se os serviços são bons e necessários, os indivíduos naturalmente pagarão por essas atividades prestadas pelo Estado. Na iniciativa privada, uma empresa que faz uma má gestão dos seus recursos acabará indo à falência caso não consiga oferecer ao mercado o que ele está demandando. Dessa mesma forma deveria ser permeada a ação do Estado, com uma racionalização do uso do dinheiro público para as atividades que estiverem sobre a sua determinação.

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