Mais falácias sobre a Grande Depressão

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desempregados_1933Christina Romer , economista da Universidade de Berkeley, especialista na Grande Depressão, e atualmente chefe da Junta de Conselheiros Econômicos do presidente Obama, escreveu recentemente uma ode aos gastos deficitários keynesianos, dizendo que eles são o método correto de se curar recessões severas.  Entretanto, basta dar uma olhada no quadro geral para perceber que essa estória keynesiana não faz sentido algum.

Romer comenta os “Erros de 1937”

Romer está preocupada que o presidente Obama sucumba às pressões políticas e corte toda a gastança dos pacotes de estímulo antes que a economia tenha se curado suficientemente.  Ela alega que esse foi o mesmo erro cometido por Roosevelt após seu (aparente) sucesso inicial na batalha contra a Depressão:

[A] recuperação ocorrida nos quatro anos após a posse de Franklin Roosevelt em 1933 foi incrivelmente rápida.  O PIB real teve uma média de crescimento anual superior a 9%.  O desemprego caiu de 25% para 14%.  Excetuando-se a Segunda Guerra Mundial, os EUA jamais vivenciaram um crescimento tão rápido e sustentável.

Entretanto, aquele crescimento foi interrompido por uma segunda e severa retração econômica em 1937-38, quando o desemprego disparou novamente para 19%… A causa fundamental dessa segunda recessão foi uma infeliz, e amplamente negligente, mudança nas políticas monetária e fiscal, que passaram a ser contracionistas.  [Cortes nos gastos e aumento dos impostos] reduziram o déficit para aproximadamente 2,5% do PIB, exercendo uma significativa pressão contracionista.

No presente artigo, não quero me centrar nas declarações de Romer sobre política monetária.  Ao invés disso, quero me centrar em seus argumentos relativos aos gastos deficitários e à “depressão dentro da Depressão” de 1937-38, uma vez que muitos keynesianos proeminentes consideram ser esta uma demonstração incontestável do sucesso de suas receitas.

Recapitulemos o argumento keynesiano: Herbert Hoover imprudentemente tentou equilibrar o orçamento e isso fez com que as coisas ficassem feias (Paul Krugman, por exemplo, constantemente nos alerta de forma veemente a não ousarmos repetir o erro de Hoover).  Então, nos primeiros três anos do New Deal, Roosevelt incorreu em déficits magnânimos, o que fez com que a economia melhorasse tremendamente.  Porém, ó tristeza!, em 1937 Roosevelt se acovardou e tentou equilibrar o orçamento.  Isso reverteu alguns dos ganhos do New Deal, afundando a economia novamente na recessão.  A Depressão só veio a ser curada pelos gigantescos gastos deficitários exigidos pela Segunda Guerra Mundial.

De início, essa história keynesiana parece convincente.  Afinal, ela parece explicar coerentemente duas guinadas acentuadas na taxa de desemprego.  Sendo assim, será que esses malditos austríacos “liquidacionistas” precisam de mais evidências para se convencer de que suas receitas estão completamente erradas?

Entretanto, basta um exame mais detido e todo o argumento keynesiano desmorona.  A descrição histórica de Romer só faz sentido para aqueles que acreditam a priori na função remediadora dos gastos deficitários.

Entendendo o histórico fiscal

Felizmente é possível solucionar essa querela bem rapidamente; todos os dados fiscais relevantes estão convenientemente disponibilizados nesse site.  Mas antes de mergulharmos nos números, algumas palavras sobre essa datação:

O déficit orçamentário federal é mensurado de acordo com os anos fiscais, os quais tinham diferentes datas de início naquela época.  O ano fiscal de 1929 começou em 1° de julho de 1928 e foi até 30 de junho de 1929.  Além disso, naquela época os presidentes eleitos tinham de esperar mais tempo para sua posse.  Hoover venceu a eleição em novembro de 1928, mas só tomou posse no dia 4 de março de 1929.  Naquele momento, o ano fiscal de 1929 tinha somente mais quatro meses pela frente, o que significa que Hoover obviamente pouco teve a ver com ele.  É por isso que o ano fiscal de 1929 deveria ser atribuído a Calvin Coolidge, o presidente anterior.

Com efeito, os historiadores do supracitado site vão ainda mais longe e creditam o ano fiscal de 1930 a Coolidge também. Porém, creio que essa metodologia leva a algumas classificações implausíveis mais à frente.  Creio ser mais sensato dizer que Hoover foi o responsável pelos anos fiscais de 1930-1933, que o ano fiscal de 1934 é o primeiro que deve ser associado a Roosevelt e ao New Deal.

Os déficits de Hoover versus os déficits de Roosevelt: eis um genuíno Efeito Borboleta!

Logo no primeiro ano em que Hoover e o Congresso perceberam que o país estava com sérios problemas, eles incrementaram os gastos federais em estonteantes 31% (do ano fiscal de 1931 ao ano fiscal de 1932), e isso ocorreu ao mesmo tempo em que as receitas tributárias despencavam 39%!  É realmente possível dizer que esses fatos são consistentes com a figura de um Hoover liquidacionista e sovina, como alguns keynesianos modernos gostam de pintar?

De qualquer forma, o último ano fiscal de Hoover foi o de 1933, que começou em 1° de julho de 1932 e foi até 30 de junho de 1933. (Roosevelt tomou posse no dia 4 de março de 1933).  A média do desemprego em 1933 foi de 25%.  Porém, como Romer nos disse acima, a taxa de desemprego caiu rapidamente assim que Roosevelt assumiu a presidência e disparou a gastar.

Entretanto, veja o aumento relativamente insignificante nos déficits.  No pior ano de recessão, 1933, o déficit foi de 4,5% do PIB.  Já nos primeiros três anos do New Deal – quando Romer diz que a economia ilustrou todo o sucesso do (modesto) keynesianismo – o déficit foi de 5,1% do PIB, em média.

Esse resultado não seria um tanto quanto sutil demais? Quero dizer, Romer e os outros keynesianos alegam que um tímido déficit de 4,5% durante o governo Hoover fez com que a economia americana se afundasse na pior Depressão de sua história, com taxas de desemprego mensais acima dos 25%.  Entretanto, ao aumentar o déficit em apenas 0,6 ponto percentual, Roosevelt conseguiu fazer com que a economia americana apresentasse a mais espetacular retomada de sua história.

Pode isso estar certo?  Esses números realmente fazem sentido?  Eu digo que há outros fatores envolvidos, e que dizer que a explicação para o crescimento econômico está no tamanho do déficit orçamentário do governo faz tanto sentido quanto dizer que as vendas de cachorro-quente explicam a quantidade de rebatidas em uma partida de beisebol.

O “problema” do fim da guerra

Como vimos acima, a explicação de Romer baseia-se em uma implausivelmente alta sensibilidade da economia aos déficits governamentais; um déficit que teve um ligeiro aumento de 4,5% do PIB para 5,1% significou a diferença entre o desastre e a recuperação impressiva.

E tem mais: se Romer pudesse criar um modelo elegante que gerasse tal resultado, ela inevitavelmente seria confrontada com um problema exatamente inverso: os gastos e o déficit do governo americano despencaramirrestritamente ao final de Segunda Guerra Mundial e, não obstante, a economia se ajustou bem rapidamente.  Mais especificamente, no ano fiscal de 1945, o déficit foi de 21,5% do PIB; já dois anos mais tarde, houve umsuperávit orçamentário de 1,7% do PIB!

Dado que uma oscilação de 0,6 ponto percentual (ao longo de um ano) significou uma grande diferença entre Hoover e Roosevelt, é de se imaginar que uma oscilação de 23,2 pontos percentuais (ao longo de dois anos) geraria uma discrepância insuportavelmente maior entre as economias de Roosevelt e Harry Truman.  Entretanto, a recessão do pós-guerra durou meros oito meses, e a taxa oficial de desemprego para o ano-calendário de 1946 foi de – está sentado? – incríveis 3,9%.

Conclusão

Os keynesianos não têm onde se apoiar.  Entretanto, vamos entrar no jogo, suspender toda a nossa descrença e aceitar a hipótese de que a maneira de ajudar uma economia deprimida é fazer com que políticos peguem dinheiro emprestado e saiam gastando.  Ainda assim, somente a mais convoluta das histórias seria capaz criar algum elo entre o histórico dos déficits governamentais e a taxa de desemprego nos EUA.  Em sua última tentativa, Christina Romer se concentra naqueles eventos dos anos 1930 e 1940 que apóiam sua teoria, ao mesmo tempo em que ignora solenemente aqueles eventos que comprovadamente a refutam.

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