Matando de fome os mais pobres do mundo

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biofuelOs preços dos alimentos em todo o mundo aumentaram dramaticamente — quase 60 por cento em média — desde março do ano passado, de acordo com o índice compilado pela World Food and Agricultural Organization, e não há qualquer sinal de que eles vão diminuir substancialmente no futuro próximo. Com os preços dos contratos futuros de commodities agrícolas batendo recordes na Bolsa de Chicago, parece bastante provável que os altos preços dos alimentos vieram para ficar por um bom período de tempo.

Naturalmente, governos por todo o mundo agora se sentem compelidos a corrigir a situação e, assim, estão ocupadíssimos decretando ou se preparando para decretar várias medidas que, crêem eles, irão ajudar a aliviar o aumento dos preços alimentícios. Em geral, no entanto, tudo o que eles conseguem é apenas a piorar as coisas.

Em alguns lugares como a Argentina, o Egito, a Índia, o Cazaquistão e a Indonésia, por exemplo, os governos locais impuseram novas tarifas de exportação com o intuito de evitar que o mercado doméstico de alimentos sofra pressões com a alta internacional dos preços. Isso só estimula ainda mais o cenário para escassezes endêmicas. Em outros lugares, como Rússia ou China, as coisas foram ainda mais longe, e às tarifas de exportações foram anexadas controles de preços sobre itens alimentícios básicos como pão, leite e ovos.

O governo mexicano, por outro lado, reagiu mesclando uma idéia ruim — a saber, controle dos preços dos alimentos — a uma idéia boa um tanto tardiamente: diminuindo tarifas de importação para vários produtos agrícolas. Governos em vários outros países da América Latina, da África e da Ásia, incluindo a União Européia — apesar dos protestos do ministro da agricultura francês — diminuíram ou até mesmo suspenderam tarifas de importação para várias commodities agrícolas procedentes de determinados parceiros comerciais. Conquanto isso esteja longe do ideal, que é a imediata abolição de todas as tarifas — além de ser algo inerentemente distorsivo, como todo o comércio politicamente gerenciado o é, mesmo em tempos de crise —, certamente é um pequeno passo na direção certa e pode ajudar a garantir um fornecimento mais regular de comida em alguns lugares.

De modo geral, entretanto, parece haver pouco que possa ser feito no curto prazo para os mais pobres do mundo. As centenas de milhões de pessoas que vivem na linha de pobreza, que gastam quase toda a sua renda em comida, agora enfrentam a ameaça da fome generalizada. Em mais de dezessete países ao redor do mundo, do México à Indonésia, da Argentina à Mongólia, e do Moçambique ao Marrocos, os pobres famintos já provocaram tumultos e desordem civil por causa da alta nos preços dos alimentos, alta essa que eles não podem bancar. A raiva sentida por essas pessoas rústicas porém frágeis, fruto do desespero gerado pela habitual mistura de pobreza e opressão que caracteriza as partes subdesenvolvidas do mundo, pode algumas vezes estar mal orientada; mas em sua manifestação mais básica, ela é apenas corajosa e até meritória.

Mas como isso aconteceu? Com centenas de bilhões de dólares gastos a cada ano em ajuda internacional e em vários outros programas anti-pobreza no chamado terceiro mundo, com uma gama de agências governamentais e inter-governamentais criadas para tirar os mais pobres do planeta da miséria, e sem que tenha havido qualquer desastre natural que afetasse as colheitas e a produção agrícola, como uma crise alimentícia que ameaça de fome milhões de pessoas se originou?

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Indubitavelmente, o aumento observado nos preços do petróleo e de fertilizantes derivados do petróleo teve de fato um impacto sobre os preços dos alimentos, mas o preço do petróleo não pode ser inteiramente responsabilizado pelo aumento estrondoso ocorrido nos preços dos alimentos. Certamente é verdade que o aumento da demanda por parte dos países emergentes, como China e Índia, também intensificou a pressão altista nos preços. Ademais, o aumento da demanda desses países por carne e laticínios — resultado de uma mudança de dietas, que estão se afastando das comidas vegetarianas mais tradicionais e indo em direção a refeições mais ao estilo Ocidental — deve ter acionado um processo de ajustamento ao longo da estrutura do capital que vai necessitar de algum tempo antes que seja capaz de suprir a demanda específica adicional.

Entretanto, a pressão advinda tanto dos altos preços do petróleo como do alto consumo de grãos nas economias emergentes empalidece em comparação ao recente aumento da demanda industrial por grãos para a produção de vários tipos de biocombustíveis. Esse aumento da demanda industrial só começou a ocorrer em anos recentes.

Assim, quase toda a produção adicional de milho nos EUA entre 2004 e 2007, por exemplo, foi redirecionada para a produção de etanol, enquanto que a produção do etanol na Europa mais que triplicou durante esse mesmo período. O aumento do uso de grãos para a produção de etanol levou a uma queda na oferta de grãos em relação à demanda total durante os últimos sete anos (com a exceção de 2006, quando a oferta foi ajudada pelo uso das reservas de grãos, que agora estão em seu menor nível global dos últimos 25 anos). Entretanto, essa situação não é resultado de um fenômeno natural de mercado, mas, sim, o resultado direto de vários programas governamentais — que normalmente ocorrem nas economias mais desenvolvidas do mundo, apesar de que os países em desenvolvimento estão rapidamente aprendendo a imitar — que têm a intenção de promover energias tecnológicas ou auto-suficientes que sejam mais ambientalmente amigáveis. Os governos tentam atingir esses objetivos através de pesados subsídios para o setor, além de obrigar que uma porcentagem crescente de commodities agrícolas como milho, cana-de-açúcar, trigo e outras sejam redirecionadas para a produção de etanol e de biodiesel.

SS298.jpgO aumento da produção de biocombustíveis nos EUA, no Brasil, na Europa e em outros lugares é, portanto, obtido às custas da produção de alimentos — ou, como está acontecendo, potencialmente às custas das vidas dos milhões de habitantes mais pobres do mundo, que agora estão fora do mercado de alimentos por causa da alta dos preços.

Ponderar sobre os grotescos efeitos colaterais dos subsídios ao etanol dados nas economias mais desenvolvidas do mundo é quase que insuportável. Ao passo que todo o mundo é afetado pela alta dos preços dos alimentos, para algumas pessoas isso significa apenas que elas deixarão de comprar um novo par de sapatos, ou deixarão de sair algumas noites. Para outros, entretanto, os alimentos mais caros colocam em risco a sua própria subsistência. É claro que os políticos que tiveram a idéia de subsidiar o redirecionamento de grãos para a produção de etanol não tinham a intenção de matar de fome as pessoas mais pobres; mas o fato de as conseqüências não terem sido as pretendidas não os absolve da responsabilidade.

1 COMENTÁRIO

  1. Quando a oferta de feijão por exemplo, reduz, num livre mercado seu preço aumenta, isso incentiva os agricultores a plantarem essa cultura, aumentando a oferta de feijão, fazendo que seu preço tende a cair. Se o estado interfere criando subsídio para cana, por exemplo, fazendo valer mais a pena cultivar a cana do que o feijão, temos uma oferta “artificial” de cana, e enquanto isso a falta de feijão tende a piorar, e como o setor energético é mais regulamentado que o de alimento (existência de vários Brás e agências, como a ANP), na prática, mesmo com uma oferta relativamente boa de cana, o preço do álcool tende a não reduzir.

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