O Brasil e a guerra cambial – ganhando e, por isso mesmo, perdendo

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imagem_2509121348579287_gExatamente dois anos atrás, em um relatório sobre mercados emergentes, o analista do Nomura Bank, Tony Volpon, havia identificado o Brasil como sendo o “maior perdedor” da guerra cambial que vinha sendo travada naquele momento. Com uma combinação de 1) altas taxas de juros, o que incentivava investidores internacionais a se aproveitarem de um fácil carry trade; 2) uma alta inflação de preços, caminhando para mais de 6% já àquela época; e 3) uma taxa de câmbio em rápida apreciação, tendo apreciado mais de 40% ao longo dos dois anos anteriores, o Brasil estava perdendo em todas as áreas. Pelo menos era isso o que dizia o senso comum.
Quando em julho de 2011 o dólar chegou à cotação de R$1,53, seu menor valor em 12 anos frente ao real, ao mesmo tempo em que o IPCA já estava perto de 7%, senti-me impelido a abordar esta questão na primeira edição de nossa carta da VOGA (em setembro de 2011). Com o título de “Quão forte está o real?”, fizemos uma análise da robustez de nossa moeda em relação a uma cesta formada por várias moedas globais. “Com o intuito de analisarmos sensatamente a situação do real,” escrevemos na ocasião, “utilizaremos um mecanismo similar ao que analisa a situação do dólar americano, o chamado US Dollar Index, ou USDX”. Ato contínuo, criamos dois índices para o real: um que o compara às moedas mais transacionadas do mundo (BRDX1), e outro que o compara às moedas dos maiores parceiros comerciais do Brasil (BRDX2).

Sob o prisma desta análise, em meados de 2011 estava claro que nosso país era de fato o de moeda mais apreciada. Nosso índice BRXD2 atingira seu valor máximo de 113,1 em julho (gráfico 1), ao passo que o BRDX1 também se apreciara significativamente, mas não tanto quanto.

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Gráfico 1: BRDX1 (linha cinza), BRDX2 (linha vermelha) e BRDX1 sem o dólar (linha pontilhada)

Para Guido Mantega, essa situação era inaceitável. Segundo ele, “não iríamos apenas ficar sentado, observando o real ganhar valor e afetando nossa balança comercial”. Um ano e meio depois, o que houve com o real? Como ele se comportou? O senhor Mantega estava apenas blefando? Esse é o tópico do momento.

Que diferença um ano pode fazer…

O processo de ‘afrouxamento quantitativo 2’ (Quantitative Easing 2) de Ben Bernanke foi completado ao final de julho de 2011, tendo acrescentado US$600 bilhões ao balancete do Federal Reserve. Moedas se apreciando ao redor do mundo era o resultado natural e esperado desta liquidez extra injetada pelo Fed nos mercados financeiros.

Com o real em uma cotação recorde, o Banco Central brasileiro tomou a arriscada decisão de estipular uma meta (informal) para a taxa de câmbio, deixando a inflação de preços em segundo plano. Por meio de uma série de ousados cortes na taxa básica de juros (a SELIC), em conjunto com a compra contínua de títulos do Tesouro, Alexandre Tombini parecia estar bastante tranquilo com o IPCA bem acima dos 7%. Em agosto de 2012, as reservas internacionais chagaram a US$378 bilhões, aumento de US$30 bilhões em relação ao ano anterior.

De agosto de 2012 a janeiro de 2013, o dólar passou a ser cotado entre duas bandas informais: R$ 2,00 e R$2,10. Em fevereiro, após o IPCA de janeiro ter apontado 0,86%, acima do esperado, o Banco Central tem deixado o dólar se aproximar de R$1,95.

Estamos na era do “câmbio flutuante controlado”. Como o ex-presidente do BACEN Gustavo Franco disse em uma entrevista ao jornal O Estado de São Paulo, “a taxa de câmbio hoje é tão fixa quanto era durante a minha gestão.” No entanto, a depreciação do real em 2012 não se manteve confinada apenas ao dólar, e foi exatamente isso que tentamos mostrar em nosso gráfico acima.

Contra a moeda controlada por Bernanke, o real perdeu 24% de seu valor entre julho de 2011 e o final de 2012 (gráfico 2). O índice BRDX1 depreciou-se 21% e o BRDX2, 20%. Mantega advertiu e Tombini executou. No final, nosso Ministro da Fazenda realmente não estava blefando. Para júbilo dos exportadores, o real foi desvalorizado. Mas não somente em relação ao dólar: considerando a cesta de moedas em BRDX1 e BRDX2, o governo brasileiro conseguiu, em 2012, a impressionante façanha de desvalorizar o real contra todas as principais moedas do mundo. Até mesmo o tão abusado peso argentino ganhou valor em relação ao real (gráfico 3).

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Gráfico 2: desvalorização do real em relação às moedas de (da esquerda para a direita): Hong Kong, EUA, Reino Unido, Suécia, Canadá, Austrália, Nova Zelândia, Zona do Euro, Japão e Suíça

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Gráfico 3: desvalorização do real em relação às moedas de (da esquerda para a direita): China, EUA, Coréia do Sul, Reino Unido, Chile, Zona do Euro, México, Rússia, Japão, Argentina e Índia.

Isso nos faz pensar: se, em janeiro de 2011, o Brasil era o “maior perdedor” da guerra cambial, será que agora revertemos o placar e podemos cantar vitória? Já chego neste ponto.

A balança comercial

O senso comum diz que um país, para restaurar seu crescimento econômico (ao menos em termos de PIB), tem de desvalorizar sua moeda para assim ganhar competitividade no comércio exterior (estimulando suas exportações e desestimulando suas importações).

O primeiro item da receita (desvalorizar a moeda) foi diligentemente implementado pelo BACEN: em 2012, o real despencou frente a todas as moedas estrangeiras. Isso melhorou a competitividade dos exportadores? Sim, melhorou. Mas só por algum tempo.

O volume de exportações aumentou até o primeiro trimestre de 2012. Desde então, os números foram se arrefecendo. Em 2011, o total de exportações havia sido de US$256 bilhões. Em 2012, caiu para US$242 bilhões. Por outro lado, com uma moeda depreciada, é claro que as importações cairiam ainda mais do que as exportações, certo? Nem tanto. As importações caíram apenas 1,5%, chegando a US$223 bilhões no ano passado. No final, ao contrário do senso comum e dos desejos do governo, em vez aumentar, a balança comercial do Brasil declinou em 2012. Embora tudo indique que o Brasil tenha “vencido” a guerra cambial no ano passado, os resultados almejados e esperados não se concretizaram.

O fato difícil de aceitar é que a competitividade da mão-de-obra e da indústria brasileira continua ruim, e isso não pode ser corrigido por meras manipulações cambiais. O que os mercantilistas parecem ainda não ter entendido — não obstante já tenham tido dois séculos para isso — é que uma taxa de câmbio depreciada pode beneficiar os exportadores apenas temporariamente, pois uma desvalorização da moeda necessariamente significa que os preços domésticos subirão mais acentuadamente ao longo do tempo. E dado que os produtores domésticos terão de arcar com o aumento em seus custos de produção, todas as supostas bênçãos trazidas pela depreciação cambial rapidamente desaparecem. Portanto, aos olhos dos mercantilistas e do governo, o Brasil está perdendo, ainda que esteja momentaneamente vencendo a guerra cambial.

Já aos olhos dos economistas pró-livre mercado, o Brasil está perdendo, independentemente de qual seja a perspectiva adotada: temos uma moeda que vale 20% menos do que valia há um ano e meio, a inflação de preços acumulada em 12 meses está acima dos 6%, e quase nada foi feito em termos de melhorar nossa competitividade no mercado internacional. A boa notícia para os exportadores é que a China parece estar conseguindo evitar seu ciclo econômico mais uma vez, adiando sua recessão. Temores de um “pouso forçado” da economia chinesa parecem ter se arrefecido por ora, e o crescimento econômico está reaparecendo a um ritmo mais rápido.

Próxima etapa da guerra cambial

Nós economistas jamais nos cansamos de fazer previsões. Até mesmo economistas seguidores da Escola Austríaca, que sabem que as incertezas deste mundo são inerradicáveis, se sentem tentados a, ocasionalmente, fazerem algumas previsões acerca do futuro. Embora saibamos que a condição ceteris paribus jamais se materializará, ainda assim somos capazes de antecipar alguns padrões e tendências para a economia. Especialmente aqueles relacionados às ações tomadas pelos bancos centrais.

Bernanke não teve a intenção de começar uma guerra cambial. Porém, ao socorrer os bancos e consequentemente o governo americano, os trilhões de dólares magicamente criados pelo Fed tiveram a involuntária (e inevitável) consequência de fazer com que os outros bancos centrais ao redor do mundo também incorressem em desvalorizações cambiais para manterem seu setor exportador competitivo.

Anunciado em setembro de 2012, foi somente em janeiro de 2013 que o QE3 (Quantitative Easing 3) oficialmente começou. No dia 17 de janeiro, o balancete do Fed (no caso, seus ativos, todos adquiridos por meio da simples criação de dinheiro) chegou à inacreditável quantia de US$3 trilhões, valor mais alto de sua história. Se Bernanke se mantiver fiel a essa sua política declarada, o Fed irá acumular pelo menos mais US$300 bilhões até o meio do ano. Logo, pode-se dizer que ainda há espaço para criações adicionais de dinheiro sem sérias consequências no curto prazo. Mas fica a pergunta: como este revigorado esquema de impressão de dinheiro irá reverberar ao redor do mundo?

O novo primeiro-ministro do Japão, Shinzo Abe, deu sua resposta em janeiro. Pressionando o Banco Central do Japão (BoJ) a “pensar grande”, Abe quer que uma nova meta de inflação de preços de 2% seja buscada de agora em diante. “Trata-se de uma ousada reconsideração sobre nossa política monetária”, disse Abe a jornalistas após uma reunião com os dirigentes do BoJ. A questão é que, durante a última década, o BoJ se tornou famoso por falar muito, mas fazer muito pouco. Em outras palavras, ele sempre ameaçou inflacionar, mas sempre se mantinha austero. Não obstante, promessas de estímulos monetários “ilimitados” e “sem data para acabar” foram feitas. Resta saber se tais ameaças se concretizarão. Também resta saber como os outros bancos centrais reagirão.

Em um recente artigo para o Project Syndicate, o CEO da PIMCO, Mohamed A. El-Erian, escreveu que “no mundo de hoje, nenhum grupo significativo de países quer ter uma moeda forte. Alguns resistem ativa e abertamente a uma apreciação; outros o fazem de maneira um pouco menos visível.” Porém, “para que algumas moedas possam se desvalorizar, outras têm de se apreciar. É aí que as coisas ficam interessantes, complexas e potencialmente perigosas”, concluiu. As consequências de uma guerra cambial intensificada não podem ser facilmente previstas. Mas quanto mais a fundo formos neste caminho, mais os desequilíbrios e os riscos irão se acumular.

Conclusão

Nesta era em que bancos centrais parecem operar na base do “a qualquer custo”, o BACEN de fato fez todo o necessário para desvalorizar o real. Mas isso veio a um custo. A inflação de preços se manteve teimosamente acima da meta de 4,50%, e hoje já está próxima do limite superior de 6,50%.

A nova rodada de impressão monetária do Fed irá se espalhar por todo o globo. Iremos “testemunhar um surto nos fluxos de capital para os mercados emergentes quando os investidores saírem em busca de maiores retornos financeiros”, escreveu El-Erian. Mais ainda: estes influxos “estão cada vez mais desconectados dos fundamentos econômicos e financeiros dos países que os recebem”, acrescentou ele.

Sendo um dos beneficiários deste fluxo de capital, as autoridades monetárias do Brasil terão de tomar uma decisão difícil: determinar uma meta para a inflação ou determinar uma meta para a taxa de câmbio? Minha previsão: eles escolherão a taxa de câmbio. Em um mundo cada vez mais interconectado, é mais fácil esconder a inflação de preços doméstica do que a taxa de câmbio.

Os exportadores, portanto, continuarão sendo subsidiados à custa de todo o resto da economia. O mercantilismo está mais vivo e vigoroso do que nunca. E não somente no Brasil. Ao redor de todo o globo, o mercantilismo é a regra e não a exceção.

Considerando o fato de que nossa economia é incrivelmente fechada, e que as exportações respondem por apenas um décimo do PIB, é realmente de causar perplexidade a opção do governo de subsidiar uma pequena fatia da economia e socializar os custos para todo o resto da população.

Como mencionado no início deste artigo, na primeira edição de minha carta da VOGA, em setembro de 2011, escrevi que “a momentânea força do real certamente não é a causa da falta de competitividade do Brasil; ela apenas a torna mais evidente”. Ironicamente, a fraqueza do real ao longo de todo o ano de 2012 também não melhorou nossa competitividade.

Não deixe de conferir nossos artigos e blogs sobre economia brasileira.

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