O desastre econômico da Argentina

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[N. do T.: o texto a seguir data de Março de 2002]

 Argentinos fazem fila para sacar    dinheiro.

Como em todas as calamidades econômicas, os “especialistas” irão encontrar alguma maneira de jogar a culpa da crise e do colapso da Argentina no capitalismo, na desregulamentação, ou no setor privado em geral. Pura tolice. Essa crise é o produto de incompetência governamental, feita sob medida pelo FMI, pelas lideranças políticas da Argentina, e pelos EUA. Como lembrete de que a escolha da política econômica não é algo trivial, os erros do governo resultaram em fome, derramamento de sangue, e na renúncia (e conseqüente fuga, ainda que apertada) do presidente do país.

Sinais do mais recente problema vieram em Novembro de 2001, quando Domingo Cavallo, ministro da Fazenda da Argentina, anunciou: “Os argentinos irão perceber que será muito melhor deixar o dinheiro nos bancos”. Perguntando-se onde o dinheiro do próprio Cavallo estava, todo argentino com neurônios percebeu que ele estava mentindo e, sensatamente, colocou seus interesses econômicos pessoais à frente de bobos apelos patrióticos.

Os cidadãos correram para sacar cada peso que pudessem dos bancos do país. Mais de $2,5 bilhões em dinheiro passaram para mãos privadas no dia 27 de Novembro, antes de as coisas realmente saírem do controle.

Até esse ponto, o governo tinha feito escárnio dos rumores que diziam que ele estava considerando limitar saques em espécie como maneira de evitar a moratória do pagamento da dívida nacional. Mas os sagazes cidadãos argentinos, por outro lado, sabiam que, quando se trata das finanças do governo, é sempre melhor acreditar no pior. Assim, eles confiaram nos seus instintos e correram aos bancos, o que (surpresa!) forçou a trupe do governo a limitar os saques em $1000 por mês, exatamente como se tinha imaginado.

E não apenas isso: o governo, por meio de leis executivas, proibiu que se saísse do país com dinheiro – chegando a instituir revistas físicas nos aeroportos – e decretou moratória nas transações em depósitos a prazo. A ordem dizia que juros sobre os depósitos feitos em peso não poderiam legalmente ser maiores que os juros sobre depósitos feitos em dólar. Além disso, qualquer saque em espécie acima de $1000 deveria ser feito através de cartões de débito ou cheques, de maneira que o governo pudesse manter um controle completo de quem estava fazendo o quê.

Que desculpa poderia haver para medidas tão totalitárias? Como Cavallo disse, “A Argentina está sendo atacada por aqueles querendo lucrar . . . com uma desvalorização da moeda”. A implicação é que se você quiser manter toda a poupança da sua família a salvo da classe de saqueadores do governo, você está praticando terrorismo financeiro.

Observe também a tentativa de macaquear o estilo de linguagem do “estamos sendo atacados”, utilizada pelos políticos americanos após o 11 de setembro, como se pessoas na esperança de proteger suas poupanças fossem moralmente equivalentes a seqüestradores que destroem arranha-céus e trucidam milhares. Em uma entrevista ao Financial Times, Cavallo foi ainda mais descarado em suas acusações ao povo: “O que está acontecendo é que as entidades financeiras estão sofrendo um problema de liquidez por causa das retiradas dos depósitos, e é isso que ainda temos que resolver.”

Após isso, Cavallo, com a credibilidade arruinada, voltou a falar: “Colocar o dinheiro embaixo do colchão ou em cofres de segurança não será nada bom para a Argentina”. Tradução: não será nada bom para o governo. É claro que a melhor coisa para o governo – se nos preocupássemos com ele – seria que os cidadãos lhe entregassem cada centavo ganho, agora e no futuro. Mas imaginar que esse seja o real interesse de cada indivíduo é insânia absoluta.

A corrida aos bancos se acelerou, o que não é algo de todo ruim. Uma corrida aos bancos ajuda a manter os governos e os bancos um pouco mais honestos. Ela ajuda a expurgar algumas irresponsabilidades financeiras, relembra os bancos da necessidade de se adotar procedimentos mais idôneos, e força os governos a aprovar políticas econômicas mais sensatas. Mas, acima de tudo, uma corrida aos bancos é a maneira através da qual as pessoas se protegem de governos vorazes.

A corrida aos bancos não é a causa da crise; ela é a evidência de que o governo e seus aliados do sistema bancário precisam se ajustar. Em qualquer caso, tentar evitá-la é inútil.

Muitos outros estavam ansiosos para jogar a culpa da crise argentina no currency board (conselho da moeda), um sistema que elimina a capacidade do banco central criar dinheiro além de suas reservas internacionais. O problema é que a Argentina nunca teve um verdadeiro currency board, apesar de toda a propaganda. Em 1991, o governo meramente fixou uma moeda sobrevalorizada, o peso, ao dólar. Entrementes, de 1991 a 1994, o banco central explodiu a oferta de peso, fazendo com que a média anual de crescimento fosse de 60 por cento (em um momento chegando a 140 por cento!). Logo em seguida, ele pisou no freio com força.

A contração até que resolveu o problema da inflação na Argentina, mas não resolveu o problema do peso sobrevalorizado, nem o problema da dívida crescente causada por empréstimos irresponsáveis feitos pelo FMI. Impostos e gastos governamentais dispararam. As alíquotas dos impostos de renda e corporativo subiram para 35 por cento, o que é bem mais do que qualquer economia em desenvolvimento pode tolerar.

Para piorar as coisas, o governo (ele de novo, e incitado pelo FMI) instituiu uma perseguição severa ao setor informal, levando-o para uma informalidade ainda maior, e criou mais taxas e impostos. Um ano atrás, o FMI já havia dado ao governo argentino outros $40 bilhões, o que serviu apenas para adiar a dor. Então, em agosto de 2001, os EUA aprovaram um pacote de empréstimo de $8 bilhões, apenas para nos relembrar que o governo é o pior investidor jamais inventado pelo homem. Quanto aos cortes de gastos que foram prometidos pelo governo argentino, eles jamais ocorreram.

Âncoras cambiais não são a cura para uma moeda sobrevalorizada ou para um governo que está fiscalmente fora de controle. Nesse caso, só há uma saída: passar a navalha nos gastos. Mas ao invés de seguir esse curso, o governo apontou suas armas para os clientes dos bancos, insultando-os e denunciando-os por simplesmente querer proteger seus bens.

Não importa quantos tipos de controle o governo imponha sobre o dinheiro, e não importa quão rigorosamente ele siga os conselhos do FMI, nenhum poder do mundo pode repelir a lei de Gresham. Esse antigo princípio observa que o dinheiro forte (nesse caso, o dólar) sempre vai expulsar o dinheiro fraco (nesse caso, o peso).

A moratória só vai ser evitada se fizerem mais daquilo que foi a exata causa da crise: ignorar as pressões do mercado e salvar um sistema falido (isto é, conceder mais empréstimos ao governo). Assim como a corrida aos bancos, a moratória também tem um certo mérito: ela rotula o governo argentino como indigno de crédito, sendo, portanto, um investimento de altíssimo risco. Assim, demoraria muito para que o FMI e os bancos americanos emprestassem ao governo argentino qualquer dinheiro adicional. Em certos casos, tudo que você tem que fazer é puxar o plugue.

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