O estado é um esquema Ponzi compulsório – e eventuais ajustes fiscais não resolverão isso

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ponziUm esquema Ponzi ou piramidal é uma operação fraudulenta, que seduz e atrai aplicadores mediante a promessa de pagar-lhes retornos muito altos, retornos esses obtidos com o dinheiro pago por novos aplicadores que sucessivamente aceitam entrar no esquema, sem qualquer base em lucros verdadeiros das aplicações.

Evidentemente, esse tipo de fraude oferece ganhos de curto prazo altos para iludir e atrair novos investidores, mas quem se apropria das elevadas remunerações são sempre os primeiros a entrarem no esquema, tal como em uma pirâmide: o primeiro deles — o seu criador — ganha mais do que todos os demais, depois os segundos, os terceiros, e assim sucessivamente.

É lógico que, para continuar a pagar retornos elevados, é necessário que o fluxo de pessoas que entram no esquema e o fluxo de dinheiro sejam crescentes. Obviamente, por não existirem retornos reais, já que o dinheiro é meramente repassado dos últimos entrantes para os primeiros, o sistema acaba mais cedo ou mais tarde ruindo e, dado que os membros mais antigos são pagos pelos novos membros, estes últimos, então, assumem o prejuízo.

Em outras palavras, como se pode ler nesta interessante matéria, no topo da pirâmide estão o criador ou os criadores do esquema, que atraem novos “investidores” com a promessa de dinheiro fácil e rendimentos elevados (inclusive oferecem comissões elevadas para recrutar novos “investidores”). Os “investidores” interessados em participar entregam o dinheiro aos que estão no topo e estes pagam o retorno prometido, usando o dinheiro captado pelas entradas e o dinheiro de outros “investidores” que entram depois.

Este tipo de esquemas de investimento é fraudulento, punível por lei e só continuará a funcionar enquanto o número de novos “investidores” for suficiente para sustentar os “investidores” antigos na pirâmide.

Esse tipo de fraude financeira surgiu nos Estados Unidos em 1919, quando Carlo Ponzi, um emigrante italiano, convenceu várias pessoas a investirem dinheiro na sua ideia, com a promessa de um retorno exagerado (50% em prazo curtíssimo), pago mensalmente e utilizando dinheiro de novos membros que entravam. Tratava-se da venda de notas promissórias que, em sete meses, já exigia um número de novos investidores da ordem de 20.000, praticamente impossível de manter-se em crescimento, o que levou as autoridades a investigarem.

Logicamente, o sistema começou a ruir por falta de novas adesões em número suficiente para mantê-lo. Logo depois, veio o colapso e Ponzi foi condenado a cinco anos de cadeia. Anos mais tarde, tentou um novo esquema semelhante na Flórida e foi novamente condenado. Em seguida, foi deportado para a Itália, de onde emigrou novamente, desta vez para o Brasil (o homem achava que era mesmo esperto), onde terminou seus dias, no ano de 1949, em um hospital para indigentes na cidade do Rio de Janeiro.

Um dos casos recentes mais conhecidos desse esquema foi o de Bernard Madoff, chairman da Nasdaq, descoberto em 2008, que enganou bancos, empresas especializadas em aplicações financeiras e muitos milionários. Esta famosa fraude teria alcançado os 65 bilhões de dólares, o maior golpe financeiro conduzido por somente um indivíduo. Em 2009, Madoff foi condenado a 150 anos de prisão por um tribunal de Nova York.

No Brasil, os três casos mais famosos foram: Fazendas Reunidas Boi Gordo (1998), Avestruz Master (2004) e TelexFree(2013).

Pois bem.  O leitor já parou por uns instantes para perceber que o estado é um caso explícito de esquema Ponzi, com o agravante de ser compulsório?  Os que estão no poder, ou seja, no alto da pirâmide, vivem à custa dos que se situam nas camadas inferiores, em proporções crescentes, ou seja, quanto mais inferior a posição na pirâmide, maior o sacrifício exigido e também maiores as perdas.

Somos forçados a enriquecer o estado — que utiliza argumentos semelhantes aos de Ponzi, Madoff e outros picaretas, argumentos esses disfarçados de “serviços públicos” — de quatro formas distintas, que nos levam inexoravelmente a perder no longo prazo: para sustentar a realeza piramidal e os que lhe estão próximos, nós — os súditos — temos de “financiá-los” com impostos, dívida interna, dívida externa e emissões de moeda e expansões de crédito sem lastro em poupança.

Tal como no esquema Ponzi, durante algum tempo a coisa se sustenta, e até mesmo as camadas inferiores eventualmente obtêm ganhos, mas, como o sistema exige a entrada permanente de recursos a taxas crescentes, mais cedo ou mais tarde o esquema desmorona como um castelo de cartas. Basta um breve exame da Teoria Austríaca dos Ciclos Econômicos, ou a leitura de O Caminho da Servidão, de Hayek, ou da maioria das obras dos economistas austríacos, ou mesmo do famoso The Calculus of Consent, de Buchanan e Tullock, para entender por que um belo dia (belo?) o sistema desmorona.

Para manter-se no alto da pirâmide de Ponzi, tornam-se necessários mais e mais impostos, mais e mais dívidas do estado e mais e mais moeda. O estado, no longo prazo, se torna contabilmente falido, a carga tributária torna-se insuportável e o desemprego surge como consequência da inflação plantada no passado.

A diferença é que Carlo Ponzi, um estelionatário, nunca obrigou ninguém a ser vítima de sua excessiva esperteza, enquanto o estado é um estelionatário “legalizado” que, além de nunca ser condenado, ainda é idolatrado por milhões de analfabetos em economia.

O mundo de hoje, depois do crescimento exponencial do estado que vem se verificando desde os anos 1930, é um claro exemplo, com raríssimas exceções, de um esquema Ponzi estourado. O longo prazo chegou e muitos teimam em não perceber a verdade de que a fraude do estado-babá chegou ao fim. Que o digam — e apenas para citarmos alguns casos — a Grécia, Portugal, Itália e Europa em geral, Japão, Estados Unidos, China, Brasil e toda a América Latina.

Obviamente, os que estão no alto da pirâmide tentam fazer de tudo para lá manter-se, como, por exemplo, o governo grego. Pois vejam que a Grécia está na bancarrota e mesmo assim seu primeiro-ministro socialista Alexis Tsipras “criticou os credores do país por insistirem naquilo que descreve como reformas absurdas que só têm servido para impedir o progresso das negociações para um acordo que evite que o país entre na bancarrota”.

O povo, por sua vez, que nada entende de economia, geralmente, em qualquer país do mundo — e sempre levantando a bandeira rota do “progressismo”, sem o saber e achando que está defendendo os seus “direitos” —, sempre se manifesta contra as reformas do estado, essenciais para desmontarem o esquema Ponzi de que são as próprias vítimas, inocentes úteis — e patriotas inúteis.

No Brasil de 2015, assiste-se a uma hilariante — para não dizer revoltante — discussão sobre a chamada “reforma fiscal”, com muitas vozes desmioladas (no dizer do Professor José Manuel Moreira) jurando de pés juntos que a aludida reforma não é necessária. Claro, estão no alto da pirâmide e não querem perder seus ganhos, sejam materiais ou políticos. Mas não perceberam que o esquema Ponzi estatal já ruiu há muito tempo e que nada, absolutamente nada, em termos de populismo, será capaz de salvá-lo.

Ajustes fiscais não resolvem; é necessário mudar o regime fiscal

É consensual — salvo entre economistas de esquerda, que acreditam que gastos públicos possuem o pretenso poder mágico de melhorar as vidas das pessoas — a necessidade de um forte ajustamento nas contas do estado, para corrigir os descalabros praticados pela equipe econômica do governo desde 2010 (a rigor, desde 2008).

Não gosto da expressão “ajuste fiscal” porque ela dá a impressão de que bastam alguns esforços de curto prazo — tarefa para cerca de um ano — nas áreas da despesa e da receita (especialmente na última) para que as coisas sejam recolocadas em ordem. Prefiro a expressão mudança de regime fiscal, pois esta indica a real profundidade do problema e, assim, aponta para o caminho correto a ser tomado.

Para esclarecer melhor, assinalo que uma alteração de regime é um conjunto de medidas de longo alcance, que não se restringem ao curto prazo, mas representam mudanças estruturais nas contas ditas “públicas”.

No intuito de explicar minha preferência semântica, vou dar um exemplo simples, o de uma família que durante muitos anos, mês após mês, gasta mais do que seus membros ganham. (Em uma situação desse tipo, podemos dizer que o regime de gastos e receitas dessa família é deficitário).

Suponhamos, por exemplo, que a renda mensal dessa família seja de R$ 5.000,00 e os gastos de R$ 6.000,00, o que gera um déficit anual de R$ 12.000,00. Admitamos, agora, que, ao longo dos meses de janeiro a abril, os gastos caiam para R$ 5.000,00 (ou que a receita mensal aumente temporariamente nesse período para R$ 6.000,00), ou seja, que a referida família faça um “ajuste fiscal” e assim equilibre seu orçamento mensal.

Assim, o déficit anual cai em R$ 4.000,00, passando de R$ 12.000,00 para R$ 8.000,00.

Mas é imperioso não nos esquecermos de que o problema continua, ou seja, de que a família continua endividada, com todos os problemas que tal situação acarreta.

Já uma mudança no regime exigiria que em todos os meses — e não apenas de janeiro a abril — os gastos não ultrapassassem a renda familiar, até que a dívida desaparecesse integralmente.

Passemos agora da semântica para a economia, enfatizando dois pontos.

O primeiro é que o estado brasileiro precisa urgentemente de realizar uma drástica alteração em seu regime fiscal. Quando um indivíduo que vive permanentemente endividado decide mudar sua situação, ele tem as seguintes possibilidades, que não são mutuamente excludentes: cortar seus gastos (mesmo que tenha que tomar empréstimos para renegociar em bases melhores sua dívida com o cheque especial, o cartão de crédito etc.) e aumentar sua renda.  O mesmo acontece com uma empresa.

Com o estado, porém, é diferente, pois, além dessas alternativas, ele pode — como sempre faz — valer-se da dita dívida pública, do aumento de impostos e da emissão de moeda para cobrir suas necessidades de financiamento.

Nossa economia precisa, como condição necessária — embora não suficiente — de uma forte e vigorosa — e posso até afirmar categoricamente: radical — mudança no regime fiscal, porém conduzida nos seguintes termos: reforma tributária para valer, com eliminação de nosso manicômio tributário, extinção da maioria dos tributos e expressiva redução de alíquotas; e cortes profundíssimos nos gastos do setor público, especialmente nos destinados ao custeio.

É evidente que tais condições pressupõem reformas pesadas no estado, como a administrativa, a previdenciária, uma desregulamentação severa, privatizações abrangentes e conduzidas sem espalhafato e sem leilões, mas com a simples venda em bolsa de ações das empresas estatais ao setor privado, e outras reformas que apontem no mesmo sentido e que sejam respaldadas na convicção — infelizmente, inexistente entre nós — de que o estado não é nosso patrão e muito menos nosso pai, mas sim nosso criado e que, quanto menor seu tamanho, maior será o dos indivíduos e empresas.

Medidas nessa linha ainda se encaixam no plano dos sonhos e quimeras, mas somente elas podem mudar de fato o regime fiscal, com a garantia de que no longo prazo, primeiro, o estado será o menor possível, e segundo, que o equilíbrio de suas contas estará garantido.

(Um lembrete aos libertários radicais: não estou cá a defender filosoficamente nenhum “estado mínimo”, pois também tenho a convicção de que o ideal seria seu encolhimento e sua sujeição à competição; o que estou a tentar argumentar é que, entre um estado gigantesco, um estado mínimo e um estado nulo, dado que o último é — pelo menos nos dias que correm — inviável, temos que ficar com o segundo, que é infinitamente superior ao primeiro em termos de proporcionar o bem estar individual.)

O segundo ponto que me propus a esclarecer decorre do primeiro. Por mais que o ministro da economia da vez esteja tentando fazer o propalado “ajuste fiscal” e considerando com otimismo (e ingenuidade) que logre obter êxito, mesmo que conduzindo o ajuste em aumento de receitas (e não em cortes de despesas), os problemas de nossa economia poderão, com muita sorte, poderão apenas ser reduzidos, e mesmo assim de modo muito efêmero, pois suas causas — das quais a principal são o tamanho gigantesco do estado, a centralização que manda às favas o federalismo e o princípio da subsidiariedade, a intromissão do governo na vida das pessoas e o desincentivo ao trabalho e à atividade empreendedora — permanecerão, na melhor das hipóteses, intocadas e, serão, na mais realista, agravadas.

Ou seja, o “ajuste fiscal” do Dr. Levy simplesmente não vai resolver os graves problemas de nossa economia. Tudo leva a crer que esse ajuste será calcado em aumentos de tributos.  Sendo assim, a natureza do ajuste que está em curso nos induz a denominá-lo de “ajuste tributário” e não de “ajuste fiscal”, pois o último deveria incluir severos cortes de despesas.

Portanto, parece bem realista supor que, se Levy conseguir equilibrar, digamos, em dois anos, as contas públicas, é praticamente certo que os gastos voltarão a crescer por motivos políticos (e, neste governo, ideológicos) e os problemas econômicos ressurgirão mais à frente, lançando fora todo o sacrifício que já está e continuará a ser exigido da população durante o período do ajuste.

“Ajustes fiscais” possuem natureza keynesiana porque trazem embutida a falsa ideia de que as chamadas políticas de “sintonia fina” devem ser seguidas à risca, o que contraria a teoria austríaca e — mais do que isso — agride a realidade. A história dos ciclos econômicos está aí mesmo para comprovar minha afirmativa, bem como a leitura de qualquer manual de Macroeconomia, para demonstrar a crença no argumento da necessidade do fine tuning.

Sublata causatollitur effectus, diziam com sabedoria nossos bisavós romanos. “Ajustes fiscais” não atacam as causas do gravíssimo problema do estado brasileiro, inflado, ineficiente, explorador, corrupto, insaciável, perdulário, estroina, rufião, de índole ditatorial e, acima de tudo, Ponzi. Restringem-se tais “ajustes” a remediar temporariamente efeitos, mantendo as causas dos problemas intocadas. Logo, não são capazes de proporcionar qualquer solução, são apenas paliativos. Amargos, sim, mas sempre meros paliativos, simples protelatórios, reles postergatórios, grosseiros procrastinatórios.

Mudar o regime fiscal é condição necessária para a verdadeira solução. Exige, sem dúvida, sacrifícios temporários, mas que resolvem definitivamente e são sentidos de uma só vez; já os ajustes, embora exigindo também sacrifícios da população, apenas empurram para adiante os problemas, que vão se agravando cada vez mais, além de exigirem periodicamente mais apertos.

Penso ser obrigação de todo liberal/libertário enfatizar, dentre tantos outros pleitos, que nosso regime fiscal tem de ser drasticamente alterado. Sei que no momento isto é impossível, mas minha convicção é a de que todos os liberais/libertários devem se unir e bater nesta tecla, especialmente entre os jovens e mesmo sabendo que não podemos contar com o apoio da chamada “grande mídia”, que está quase que completamente contaminada pelos vícios da idolatria ao estado.

Os padrões da teoria econômica e política que vêm sendo ensinados nas universidades e papagueados sem qualquer reflexão pela mídia precisam mudar com urgência. O fracasso da mainstream economics é, a esta altura, claramente patente. É tempo de se estudar nas universidades e é nosso dever procurar popularizar em linguagem acessível os ensinamentos da Escola Austríaca e da Escola da Escolha Pública.

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