O mercado de drogas (Concurso IMB)

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Nota do IMB: o artigo a seguir faz parte do concurso de artigos promovidos pelo Instituto Mises Brasil (leia mais aqui).  As opiniões contidas nele não necessariamente representam as visões do Instituto e são de inteira responsabilidade de seu autor.

 

Através da perspectiva econômica, em quais conclusões se pode chegar a respeito do impacto da criminalização do consumo e comércio de drogas sobre o usuário e a sociedade como um todo? Esta proibição é permissível do ponto de vista ético-normativo? Este artigo tentará dar uma resposta breve a estas perguntas.

Este é um assunto de especial interesse para boa parte das pessoas neste país, um assunto que recentemente tem sido debatido nas esferas política e social, principalmente em relação aos problemas diretamente ligados às organizações criminosas dedicadas à produção e comércio de substâncias ilegais. Além do crime organizado estar frequentemente associado aos distúrbios à ordem social, o combate a estas organizações é um dos grandes destinatários da verba pública destinada à segurança e execução da justiça. Por este motivo, é a partir deste aspecto que a questão será inicialmente abordada. Será oferecida uma análise praxeológica e, portanto, livre de juízo de valor, do mercado de drogas.

Antes, se faz necessária uma pequena exposição a respeito de um conceito extremamente simples e, no entanto, essencial à análise econômica: a idéia de incentivos econômicos, fortemente fundamentada no axioma da ação. Segundo as leis da ação humana, indivíduos agem a partir de incentivos econômicos. Mas o que são tais incentivos? Toda ação humana compreende necessariamente um juízo de valor, o agente tem como fim alcançar um estado de coisas que lhe pareça mais valioso que o anterior, segundo o seu próprio julgamento. Por isto toda ação humana pode ser analisada através da ótica da cataláxia, toda ação envolve uma troca. Ainda que o indivíduo não esteja trocando bens e serviços com outros agentes, a partir do momento em que ele age, ele troca um estado de coisas por outro que considere melhor, de acordo com seu julgamento ex ante.

Dado que exista uma demanda reconhecida por um determinado bem, existirá o incentivo econômico para que este bem seja ofertado. E a demanda por substâncias que alterem ou induzam estados de consciência, por exemplo, para fins recreativos, é largamente reconhecida. Se existe um mercado para drogas, é porque aqueles que se engajam nesta atividade enxergam incentivos nos lucros que podem ser obtidos a partir deste negócio. Quer dizer que o valor dado pelos produtores e comerciantes de drogas a sua própria atividade lhes é maior que o custo subjetivo envolvido na mesma. Será explicado como este custo é alterado através da criminalização desta atividade, e sobre como isto, necessariamente influencia para quais tipos de agentes este negócio é economicamente vantajoso.

Ora, a criminalização obviamente aumenta de forma considerável os custos envolvidos no negócio da droga, a partir do momento em que os produtores e comerciantes precisam driblar os empecilhos criados pelo aparato governamental de repressão. O próprio ato de empreender neste campo significa ir contra as leis vigentes, o que significa que, aqueles indivíduos para os quais o custo de ser repreendido pela justiça é impagável por quaisquer que sejam os lucros, são naturalmente colocados de fora deste mercado. De outra forma, com a criminalização da produção e comércio de drogas é mais provável que os agentes que enxerguem incentivos para este negócio sejam aqueles dispostos a quebrar leis, incluindo aquelas que proíbem cometer crimes violentos. Além disto, por estar fora da lei, o mercado de drogas precisa se armar para garantir o cumprimento de seus contratos e acordos comerciais, além do provimento da sua própria defesa. Aí estão as causas por trás da gênese da máfia, da quadrilha organizada militarmente. Conclui-se com isto que a criminalização gera incentivos para que o mercado de drogas se organize violentamente, sendo este crime organizado um dos grandes males atuais em nosso país. Obviamente que esta não é uma resposta definitiva para o defensor da criminalização. Ele poderia naturalmente concordar que o crime organizado é um resultado da própria criminalização de um negócio rentável, mas que o combate a este crime é necessário. Em outras palavras, para o defensor da criminalização o custo de descriminalizar as drogas é maior do que aquele envolvido em combater a máfia. Nossa análise pode prosseguir por esta diferente perspectiva do problema.

Já foi visto que um dos resultados esperados seria uma diminuição das quadrilhas violentas, do crime organizado. A partir da mudança na legislação; i) a produção e comércio de drogas seria um negócio mais atrativo para agente para os quais o respeito à lei é valioso, ii) a possibilidade de recorrer à justiça e ao aparato de execução de lei (polícias, sistema presidiário etc.) faria com que houvesse menos incentivo para a organização violenta e armada do tráfico. A luz destas conclusões, quais seriam os problemas relacionados a uma possível descriminalização do mercado de drogas que a tornariam indesejável?

Um dos receios geralmente demonstrados é o de que, com a descriminalização, os efeitos nocivos relacionados ao uso destas substâncias proibidas saíssem do controle. Esta é uma visão que não se sustenta a partir de argumentos econômicos. Como foi visto, a criminalização aumenta os custos envolvidos em todas as etapas do mercado de narcóticos. Estes custos adicionais são refletidos nos preços das drogas, aumentando os mesmos em relação aos preços que se observariam num cenário livre de restrições (assumindo-se que a demanda não fosse drasticamente diferente nos dois cenários). Qual o efeito de preços mais altos sobre o usuário? Para começar, é possível argumentar que isto gera incentivos para o uso de drogas mais baratas e com propriedades mais fortes (e geralmente mais nocivas), já que do ponto de vista do usuário dependente químico, é mais vantajoso procurar o maior “benefício” pelo menor preço. Somando-se a isto, a diminuição de preços alcançada com a descriminalização diminuiria os crimes cometidos por dependentes químicos sem condições de sustentar seu vício. Ou seja, o fim da proibição tenderia a diminuir não apenas o crime organizado como crime isolado cometido para financiar o consumo de narcóticos, bem como diminuiria os incentivos econômicos que tornam atrativas as drogas mais “sujas” (mais pesadas e baratas, como o crack). Ou seja, a criminalização acaba sendo a criadora de incentivos contraproducentes com os seus próprios objetivos.

Outro argumento que se tenta levantar contra o mercado de drogas é que o que se deseja evitar é a imoralidade representada pela produção, comércio e consumo de drogas. O argumento central que desafia esta noção, e neste ponto a discussão já se distancia da análise econômica até então empregada, é que a criminalização não torna as pessoas mais morais. Para que uma ação possa ser considerada como moralmente defensável, é necessário que o agente moral intente agir daquela forma. Colocando de uma forma mais explícita, é necessário que ele enxergue a virtude em agir da maneira correta. Se o ato de consumir, produzir ou comercializar drogas é considerado imoral, por quaisquer que sejam os motivos, a proibição não melhora a situação, a partir do ponto em quem nenhuma lição moral é passada. Delegar escolhas morais para outras pessoas é uma maneira de contornar o problema sem apresentar realmente uma solução para ele.

Alguém poderia afirmar que este é um argumento que poderia ser usado em favor da descriminalização de todos os crimes. Acredita-se que não, já que alguns crimes representam desobediência de imperativos morais categóricos. Segundo a tradição de direitos naturais, ações humanas não permissíveis são aquelas que representem violência contra pessoa e propriedade alheia. Ora, considerando que a mera produção, comércio e consumo de narcóticos não é agressão a pessoa ou propriedade, conclui-se que estas sejam atividades deontologicamente permissíveis. Em outras palavras, esta é uma escolha que deve ser tomada na esfera individual, não sendo permitido o uso da força para impor uma decisão sobre um indivíduo livre.

Aceitando a idéia de direitos naturais, é possível colocar a questão sobre bases éticas ainda mais fortes. Criminalizar a produção ou comércio de drogas é injusto. Seres humanos enquanto agentes racionais devem ser livres para escolher o que fazer com seus próprios corpos, desde que não agridam outras pessoas. Fazer uso recreativo de narcóticos não é em si agressão a ninguém; legislar sobre isto é escolher o que o indivíduo deve fazer com o próprio corpo, uma violação da sua liberdade natural. O uso da força para proibir e punir o consumo/comércio é ilegítimo do ponto de vista ético.

Até agora foram colocados argumentos tanto econômicos quanto éticos contra a proibição legal do mercado de drogas. Ainda se poderia fazer uma análise social, cujo esboço será indicado aqui, para indicar outros efeitos negativos desta proibição. Para começar poderiam ser levados em conta os efeitos colaterais desta proibição que recaem sobre uma grande parte da população, tal como a violência em que são mergulhados os moradores em regiões em poder do tráfico (predominantemente comunidades pobres). Tais regiões costumam ser colocadas no epicentro da guerra entre a polícia (que costuma notadamente apresentar um comportamento abusivo e agressivo, incentivado por políticas públicas que se contentam em conter a qualquer custo as quadrilhas nos limites destas regiões) e o crime organizado. Além disto, poderia ser questionada a arbitrariedade da proibição de algumas substâncias, em detrimento do status legal de outras.  Todos os argumentos que se poderiam levantar pela criminalização das drogas que são proibidas (seja da produção, do comércio, do consumo ou da posse) poderiam ser colocados contra o álcool e tabaco, por exemplo. São substâncias tão ou mais perigosas que outras drogas proibidas.

Em resumo, este artigo tenta dar uma resposta para o problema da proibição das drogas. As conclusões a que ele chega são que a proibição não representa uma solução para os problemas que motivam a sua existência e que ela é uma injustiça em si. Umas das críticas que poderiam ser levantadas contra um dos argumentos centrais do artigo é uma refutação da suposição de que a demanda por drogas num cenário de descriminalização não seria significativamente maior. Entre as contribuições que poderiam ser dadas estão sugestões sobre quais seriam as melhores formas de colocar em prática a transição de um cenário de proibição para um de descriminalização.

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Leia também o artigo de Lew Rockwell sobre o mesmo tema:

Drogas, adultério e a guerra sem fim

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