O problema com o sistema de metas de inflação

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tombini-coletivaA política de determinar metas de inflação é mundialmente popular.  As autoridades monetárias acreditam que isso irá não apenas estabilizar a taxa de inflação, mas irá também ajudar a estabilizar a atividade econômica em torno de níveis sustentáveis.  Em suma, determinar metas de inflação poderia eliminar a ameaça dos ciclos econômicos.

O sistema de metas de inflação foi apenas o último dos grandes modismos em uma longa série história de políticas criadas pelos bancos centrais.  As autoridades monetárias acreditam que elas têm uma missão a cumprir — e, em uma economia de mercado genuinamente livre, isso não existiria —, e, consequentemente, não deveria ser surpresa alguma o fato de que elas vão tropeçando de erro em erro, e até mesmo reciclam erros antigos quando os novos resultam em retumbantes fracassos.

Ainda assim, a ideia de metas de inflação merece uma análise mais detalhada.

De acordo com a teoria, uma redução na demanda geral por bens e serviços irá diminuir o produto total da economia [como ocorreu recentemente no Brasil em 2009].  Da mesma forma, como resultado do declínio da demanda geral por bens e serviços, a taxa de inflação irá cair abaixo da meta determinada pelo banco central. (As autoridades monetárias consideram essa meta como sendo consistente com a estabilidade de preços).

Com o intuito de manter a meta de inflação, o Banco Central irá afrouxar a política monetária — isto é, reduzir a taxa básica de juros, injetando mais dinheiro na economia.  Isso, por sua vez, irá estimular a demanda por bens e serviços.  Consequentemente, os produtores irão agir de acordo com esse aumento na demanda e elevarão a produção de bens e serviços — com isso, ocorrerá um aumento no produto total da economia.  Como resultado do aumento da demanda geral por bens e serviços, a queda na taxa de inflação também será revertida e voltará a subir para perto da meta estabelecida pelo banco central.

Observe que a política de se aderir à taxa de inflação não apenas estabilizou a taxa de inflação, mas também elevou a taxa de crescimento do produto geral, o qual é consistente com a estabilidade de preços — ao menos, é o que eles acreditam.

Quando a economia fica superaquecida [como a brasileira atualmente], e a taxa de inflação sobe para além da meta de inflação estabelecida [no Brasil, 4,5%], o banco central atua para “esfriar” a economia adotando uma política monetária mais rígida — isto é, reduzindo as injeções monetárias na economia, o que eleva os juros.  Isso, consequentemente, reduz a demanda por bens e serviços e deixa a demanda geral mais de acordo com o potencial de produção da economia (o chamado “produto potencial”, ou “PIB natural”).  Como resultado de tudo isso, a taxa de inflação volta a cair para perto da meta estabelecida pelo banco central.

Novamente, a política de se manter a taxa de inflação em linha com a meta de inflação estabelecida leva a uma estabilidade de preços e a uma taxa de crescimento do produto que é consistente com a estabilidade de preços.

Essa é, em resumo, a teoria por trás da adoção do sistema de metas de inflação.

Tal raciocínio foi primorosamente resumido por Frederic Mishkin, um dos funcionários do alto escalão do Banco Central americano, em abril de 2007:

Para ver melhor como esse processo funcionaria, considere um choque negativo na demanda agregada (tal como um declínio na confiança do consumidor) que faça com que as famílias passem a cortar gastos.  Essa queda na demanda, por sua vez, irá levar a um declínio no produto da economia em relação ao seu potencial, isto é, o nível de produção que a economia pode produzir em um nível máximo e sustentável de emprego.  Como resultado, a inflação futura cairá para níveis menores do que aqueles consistentes com a estabilidade de preços, e o banco central irá então adotar um política monetária expansionista para evitar que a inflação caia.

A política expansionista irá então resultar em um aumento na demanda que irá elevar novamente o produto, fazendo-o voltar para o nível de produto potencial, retornando a inflação a um nível consistente com a estabilidade de preços.  Por exemplo, durante a última recessão americana [2001—2003], o Federal Reserve reduziu a taxa básica de juros em 5,5 pontos percentuais [de 6,5 para 1%], e esse estímulo não apenas contribuiu para a recuperação econômica, mas também ajudou a evitar um indesejável declínio adicional na inflação [e foi exatamente essa política que aditivou a bolha imobiliária americana].  Em outros casos, a adoção de uma política monetária mais restritiva torna-se necessária para impedir um “superaquecimento” da atividade econômica, desta forma evitando um ciclo de expansão e recessão no nível do emprego bem como uma indesejável aceleração da inflação.

Vamos examinar a lógica dessa abordagem.  Pode o banco central elevar o produto geral da economia estimulando a demanda por bens e serviços por meio de injeções monetárias e consequentes reduções nas taxas de juros?

Ao se pensar desta maneira, a demanda parece ser o fator limitador.  Mas será isso verdade?  A verdade é que nunca há um problema de demanda por bens.  O problema é como pagar por vários bens e serviços que os indivíduos desejam ter.  Por exemplo, um indivíduo pode ter uma demanda por uma Mercedes 600; os meios à sua disposição, entretanto, permitem que ele adquira apenas uma bicicleta.  Assim, como pode uma política monetária mais frouxa aumentar a capacidade das pessoas de comprar bens e serviços?

Capital e dinheiro: qual a diferença?

Peguemos, por exemplo, um padeiro, João, que produziu dez pães.  Ele consome dois pães e utiliza o resto para trocar por outros bens de consumo, como vegetais e frutas.  Observe que João compra as frutas e vegetais utilizando os oito pães que ele produziu e poupou.  Da mesma forma, a frutas e vegetais poupados pelos agricultores permitiram a eles fazer suas compras de pães.

Nesse exemplo, os meios de financiamento — ou o conjunto da poupança real — são formados por pães, frutas e vegetais, ou seja, bens de consumo que foram poupados (não consumidos) e que, por isso, foram utilizados em trocas que auxiliaram a vida e promoveram o bem-estar das pessoas.  (Observe que a contribuição do padeiro para o conjunto da poupança real é de oito de pães, isto é, dez pães produzidos menos dois que o próprio padeiro consumiu para sua sobrevivência).

O que permite a expansão do conjunto da poupança real é um aumento na quantidade e a melhora na qualidade das várias máquinas e ferramentas utilizadas para produzir mais bens.  Com uma maior quantidade de máquinas e ferramentas de melhor qualidade, quantias maiores e variedades mais amplas de bens de consumo final podem ser produzidas — o que gera um aumento no padrão de vida das pessoas.

A fatia do conjunto da poupança real que os indivíduos estão direcionando para a fabricação de ferramentas e maquinários é a força-motriz essencial para a expansão da riqueza.  Se os indivíduos decidissem alocar toda a sua poupança real para a produção de bens de consumo final, então nós não teríamos o aumento no estoque de máquinas e ferramentas.  Consequentemente, não seria possível aumentar a poupança real.

Por exemplo, ao invés de trocar os oito pães por vegetais e frutas, o padeiro pode decidir aperfeiçoar seu forno contratando os serviços de um técnico.  Em outras palavras, ao invés de utilizar os pães que produziu para adquirir outros bens de consumo, o padeiro irá utilizá-los para investir no aprimoramento do seu forno (ou seja, irá utilizar os pães para pagar pela mão-de-obra do técnico), medida essa que ele espera irá elevar sua produção diária de pães.

O técnico, como dito, será pago pelos oito pães.  Seus serviços irão permitir que ele adquira o bem de consumo final — pão, o qual irá sustentar o técnico e aumentar seu bem-estar.

Com um forno aprimorado, João pode agora produzir vinte pães.  Isso — assumindo-se que ele ainda consome somente dois pães — permitirá que ele agora poupe dezoito pães, os quais poderão ser utilizados para adquirir uma maior variedade de outros bens de consumo.  Com esses pães adicionais, João também poderá fazer outro investimento e, com isso, aumentar ainda mais seu padrão de vida.

(Incidentalmente, quando o padeiro utiliza seus pães para pagar por bens de consumo final, ele está com efeito financiando a produção de bens de consumo final.  Assim, os pães que os agricultores de frutas e vegetais estão adquirindo do padeiro são utilizados para sustentar suas atividades, pois agora esses agricultores podem utilizar esses pães para adquirir outros bens de consumo final enquanto eles continuam sua produção de frutas e vegetais.)

A introdução do dinheiro não altera a essência do que foi dito até agora — a saber, que o que financia a demanda por bens e serviços são os outros bens de consumo final que foram poupados.  Indivíduos pagam por vários bens e serviços utilizando bens de consumo final e serviços.

Quando um padeiro troca seus oito pães por $8 e em seguida troca esses $8 por frutas e vegetais, isso não significa que ele pagou pelas frutas e vegetais com dinheiro.  O padeiro paga pelas frutas e vegetais com os pães que ele poupou.  O dinheiro é utilizado aqui apenas para facilitar a transação — para tornar possível a troca indireta de pães por frutas e vegetais.

Sendo assim, pode a expansão da oferta monetária gerar uma maior produção de bens de consumo final?  No mínimo, a redução dos juros e o consequente aumento da quantidade de dinheiro irão piorar as coisas.  Por exemplo, os ganhadores desse novo dinheiro poderão agora se apropriar de bens de consumo final sem terem produzido nada em troca.  Consequentemente, ao desviarem para si esses bens de consumo final sem terem produzido nada em troca, os portadores desse novo dinheiro farão com que haja menos pães, frutas e vegetais para o padeiro e para outros produtores, restringindo desta forma a capacidades destes em gerar riqueza.

Em resumo, a expansão da oferta monetária gera uma troca de alguma coisa (bens de consumo final) por nada (papel criado sem uma concomitante produção) — e isso gera empobrecimento econômico.  Portanto, se uma política monetária expansionista não pode gerar crescimento econômico, como explicar o fato de que, na maioria das vezes, reduções de juros e consequentes expansões monetárias produzem crescimento econômico?

Antes de tudo, vale lembrar que o crescimento econômico é mensurado em termos de PIB, o qual calcula apenas transações monetárias.  Isso significa que quanto mais dinheiro for jogado na economia, maior será o PIB nominal e, consequentemente, maior será o alegado crescimento econômico.

Mesmo se aceitássemos que um aumento no PIB significasse um aumento no crescimento econômico real, o que tudo isso tem a ver com as políticas do banco central?  Como vimos, o que gera crescimento econômico real é um crescimento no conjunto da poupança real.  Riqueza não pode ser criada por meio de afrouxamentos na política monetária.  Se fosse fácil assim, a pobreza mundial já teria sido eliminada há muito tempo. (Quem quiser ver um bom exemplo prático de como uma política monetária expansionista cria pobreza, basta olhar a economia do Zimbábue.)

O que uma política monetária expansionista pode produzir durante uma recessão é um estímulo artificial, o qual dará suporte a várias atividades que são na realidade consumidoras de riqueza — no exemplo acima, as pessoas que adquiriram o dinheiro recém-criado a saíram comprando pães, frutas e vegetais.  Essas atividades consumidoras de riqueza, por sua vez, diluem o conjunto da poupança real, enfraquecendo assim as possibilidades de um crescimento econômico real e sustentável.

Enquanto o conjunto da poupança real estiver se expandindo, a expansão monetária pode gerar a ilusão de que o banco central pode fazer a economia crescer [foi isso que aparentemente ocorreu no Brasil em 2010].  Porém, tão logo o conjunto da poupança real se estagnar ou começar a encolher, essa ilusão será destruída e a realidade irá se impor [que é o que já está começando a acontecer agora, com inflação em alta].

Nos EUA, em decorrência de uma política monetária excessivamente frouxa nos últimos anos, suspeita-se que o conjunto da poupança real esteja em forte contração, o que explica a situação desanimadora da economia americana.

Em uma economia de livre mercado, na qual ninguém imprime dinheiro e cada indivíduo tem de produzir antes de consumir, não é possível haver superaquecimento da economia.  Para que haja superaquecimento, alguns indivíduos precisam receber dinheiro em troca de nada — como, por exemplo, quando o banco central cria dinheiro e o injeta na economia via sistema bancário — e então trocar esse dinheiro por bens e serviços.  Isso gera um aumento na demanda que não é acompanhado por um aumento na produção.  Aí ocorre o superaquecimento da economia, o qual assume a forma de um aumento generalizado nos preços.

Em decorrência dessa expansão monetária, várias atividades consumidoras de riqueza surgem em seu rastro.  Assim, se o banco central apertar sua política monetária a fim de impedir o superaquecimento, essas atividades entrarão em colapso.  Observe que o que gerou a base para o colapso dessas atividades foi a própria política monetária frouxa que o banco central havia implementado anteriormente com o intuito de estimular a economia e impedir que o nível de preços ficasse abaixo da meta.

Resumo e conclusão

Para recapitular: uma política monetária expansionista que eleva a taxa de inflação para perto da meta estipulada pelo banco central gera várias formas artificiais de atividades econômicas — dá-se início a um boom econômico.  À medida que o tempo passa, isso resulta no chamado superaquecimento econômico.

Quando o banco central reduz a expansão monetária com o intuito de “esfriar” a economia para trazer a taxa de inflação para perto da meta, tal medida começa a solapar aquelas várias formas artificiais de atividades econômicas — começa aí a fase da contração econômica, ou recessão.

Podemos, portanto, concluir que, ao contrário do que dizem os defensores da política de metas de inflação, criar uma meta inflacionária e aderir-se a ela irá apenas desestabilizar a economia e piorar ainda mais as coisas.

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