O salário mínimo, a discriminação e a desigualdade

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RacialDiscriminationPaperDollsUma das coisas que mais me atraiu para a economia foi a sua lógica.  A lógica econômica é tão magnífica que algumas vezes nos leva a conclusões contrárias à nossa intuição.  Um perfeito exemplo dessa situação envolve as regulamentações sobre o mercado de trabalho.  O salário mínimo eleva a renda de alguns trabalhadores, mas diminui a renda de outros.  Regulamentações sobre a segurança do trabalho beneficiam aqueles que são muito avessos ao risco à custa daqueles que estão dispostos na aceitar riscos maiores em troca de rendimentos mais altos.  Leis contra o “trabalho infantil” beneficiam os relativamente abonados à custa dos mais necessitados.

A ironia trágica do mercado de trabalho regulado é que ele afeta mais adversamente aqueles que estão à margem da sociedade.  Além de seus efeitos danosos sobre a empregabilidade daqueles cuja mão-de-obra se torna submarginal em decorrência de regulamentações sobre os salários e sobre as condições de trabalho, as regulamentações sobre o mercado de trabalho também exacerbam e perpetuam injustiças que de outra maneira seriam mitigadas pelo processo de mercado.

O racismo e o machismo têm sido aspectos torpes do ambiente social humano desde tempos imemoriais.  Comentaristas e críticos teorizam que os membros do grupo étnico e cultural dominante obtêm vantagens de sua condição de membros dessa classe socioeconômica dominante.

Utilizarei o meu próprio exemplo.  Por mais que eu queira ter orgulho de mim mesmo por ter trabalhado duro para chegar aonde cheguei, a cor da minha pele, minha base religiosa e cultural e uma criação relativamente estável fizeram com que o caminho que tive de percorrer fosse menos tortuoso do que aquele percorrido pelos menos venturosos.

Disso não se conclui que intervenções governamentais bem intencionadas – como as que objetivam aumentar salários por meio de decretos legislativos – sejam um corretivo adequado.  Tragicamente, regulamentações sobre as condições de trabalho e um salário mínimo maior tendem a exacerbar – ao invés de mitigar – as desigualdades sociais, pois removem as penalidades que empregadores preconceituosos sofreriam em um mercado competitivo e eliminam uma importante margem que poderia ser utilizado por grupos marginalizados.

Quando as pessoas não mais podem competir com base em preços, quantidade e qualidade, as empresas passam a poder discriminar com base em algo que não seja a produtividade.

Em um mercado livre e desimpedido, um empregador racista seria penalizado (lucros menores que os de seus concorrentes) se ele incorresse em qualquer tipo de discriminação.  Sem um salário mínimo imposto, seria caro para um empregador racista negar a mão-de-obra de um trabalhador negro que se dispusesse a trabalhar por um valor menor que o de um branco.  Porém, quando o estado passa a fixar o preço da mão-de-obra, e as condições de trabalho são determinadas por decreto, esse mesmo empregador estará apto a exercer suas preferências racistas sem que receba uma merecida punição capitalista.

É por isso que um salário mínimo mais alto acaba com o único trunfo que os grupos historicamente discriminados têm a seu favor – e isso pode ser ilustrado através de um exercício de raciocínio que costumo utilizar em minhas aulas de economia.

Imagine que duas pessoas se inscrevam para um emprego em um restaurante de fast-food.  Uma delas é Carlos o Viciado, um negro de meia idade que acabou de sair da prisão, onde passou os últimos anos após ter roubado um ex-patrão.  Carlos renasceu – ou pelo menos é o que ele alega.  Largou as drogas, arrependeu-se de seus erros e sinceramente deseja melhorar sua situação, querendo esquecer sua vida pregressa de contravenções.

O outro candidato é alguém de sobrenome Rockefeller, um adolescente branco e loiro que mora em uma vizinhança rica e que vai para sua entrevista de trabalho dirigindo um BMW.  Após estacionar o veículo, ele adentra o recinto todo empertigado e desinibido, trajando um Armani impecavelmente lustroso e disparando sorrisos reluzentes para todos, enquanto preenche seu formulário utilizando sua caneta tinteiro adornada com monogramas.  Suas referências são impecáveis.  Quem vai ganhar o emprego?

A resposta é, “depende”.

Carlos sabe que precisa transmitir sinceridade e fidelidade para um potencial empregador.  E tendo esfarelado sua credibilidade por causa de sua vida desordeira e turbulenta, as pessoas que querem lhe conceder o benefício da dúvida ainda assim têm motivos para permanecerem céticas, embora ele tenha prometido que, desta vez, as coisas serão diferentes.  Em um mercado desregulamentado, Carlos poderia aceitar um salário mais baixo ou até mesmo condições de trabalho mais arriscadas para poder concorrer mais igualmente com o Rockefeller.

Entretanto, quando os salários e as condições de trabalho são fortemente regulamentados, a lei acaba com o potencial que Carlos tinha de competir contra Rockefeller.  Com toda a certeza, Rockefeller irá ganhar o emprego e Carlos será novamente empurrado para as margens da sociedade.  Uma das consequências involuntárias do salário mínimo e das regulamentações do mercado de trabalho é que ambos perpetuam as desigualdades.

Alguém poderia contestar esse cenário dizendo que Carlos precisa é de educação, e não de um trabalho sem perspectivas, como o de limpar chão no McDonald’s.  Isso pode até ser verdade, mas é bom lembrar que muitas habilidades valiosas só são aprendidas no local de trabalho, e não em sala de aula.  É o desenvolvimento desse conhecimento tácito e dessas habilidades valiosas que Carlos está perdendo ao ser mantido fora do mercado de trabalho pelas regulamentações.

No cenário descrito, a escolha era bem clara.  Dado que o preço pelo trabalho já estava decretado pelo estado, o Rockefeller desde o início aparentava ser a escolha menos arriscada, não importa se o empregador era racista ou não.  Mas o racismo é um erro empreendedorial.  E é um erro que seria punido imediatamente pelo livre mercado.  Porém, quando há restrições sobre a maneira como opera o mercado de trabalho, o erro empreendedorial (e a abominação moral) que é o racismo poderá passar sem sofrer qualquer punição.

Milton Friedman argumentava abertamente que as leis do salário mínimo são racistas na prática, conquanto não o sejam na teoria.  No início dos anos 1960, ele mostrou que, em decorrência de salários mínimos mais altos, o desemprego entre adolescentes negros era muito maior do que seria caso contrário.  O economista Walter Williams, negro, professor da George Mason University, escreveu o seguinte em seu livro The State Against the Blacks:

Ainda em 1948, a participação de jovens negros no mercado de trabalho era maior que a de jovens brancos, e sua taxa de desemprego era menor.  Mas a cada aumento dado ao salário mínimo, bem como o aumento na abrangência de sua lei, o cenário foi se alterando.  Hoje a situação é exatamente a oposta daquela.

Por ser-lhes negada a oportunidade de ter uma renda e adquirir habilidades valiosas, aqueles que são adversamente afetados pelo salário mínimo não podem partilhar da prosperidade geral que uma economia de mercado produz.  Evidências empíricas apontadas pelos economistas David Neumark e William Wascher sugerem que dentre os efeitos de longo prazo de um salário mínimo estão um menor grau de diplomação, menor treinamento prático e menor renda durante toda a vida profissional.

Em seu livro A Arrogância Fatal, F.A. Hayek disse que “a curiosa tarefa da economia é demonstrar aos homens o quão pouco eles realmente sabem sobre aquilo que imaginam poder planejar.”

Em um mundo imperfeito, sofremos de uma “arrogância fatal” toda vez que imaginamos sermos capazes de fazer com que a justiça e a retidão sejam implantadas ao simplesmente aprovarmos leis que digam “que assim seja”.  Com efeito, leis como essa irão frequentemente fazer com que a justiça e a retidão sejam diminuídas, perpetuando as desigualdades que historicamente agem contra os grupos desfavorecidos.

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