Os fundamentos praxeológicos da Teoria Legal Libertária

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35435064-law-design-concept-with-house-of-justice-trial-by-jury-honest-judge-icon-flat-set-isolated-vector-ilIntrodução

Neste trabalho pretendo fazer uma reconstrução da teoria legal austríaca a partir da ótica praxeológica, obtendo assim seus principais postulados bem estabelecidos, a saber, a função da escassez como pressuposto para uma ética normativa, as normas libertárias básicas como autopropriedade e homesteading, as noções básicas de propriedade e agressão, a teoria da responsabilidade legal (na tradição de Reinach) e a abordagem de estoppel para a punição. Seguiremos para esse intuito os principais autores libertários que se aventuraram nesse recente e prolífico campo do conhecimento que é a teoria legal. Em ordem cronológica de contribuições podemos citar, dentre outros, Murray N. Rothbard, Hans-Hermann Hoppe, Stephan Kinsella, Frank van Dun e Konrad Graf. Sempre com os pressupostos da ação humana em mente, daremos um tratamento lógico rigoroso para o arcabouço legal construído por esses autores, aperfeiçoando e ao mesmo tempo sintetizando os principais pontos acerca da ética e do direito libertário.

Começaremos com um breve histórico dos avanços iniciais na teoria, justificando nosso ponto e, reciprocamente, mostrando que toda teoria legal pressupõe certos pressupostos praxeológicos básicos. Na seção seguinte, começamos a teoria legal propriamente dita, com aquele que é um de seus conceitos chaves: a escassez. É através dela que surge a necessidade de se formular normas, pois os conflitos interpessoais só são possíveis dentro de uma realidade de escassez. Seguindo Konrad Graf, daremos um tratamento puramente praxeológico para a escassez, mostrando como nosso conceito legal do termo pode ser perfeitamente intercambiável com o econômico. Nessa seção destaca-se importantes análises de escassez como a das ondas de rádio e dos Bitcoins.

Na terceira seção nos munimos da lógica formal, da ética argumentativa hoppeana e seus instrumentos lógicos centrais como a contradição performativa e, inserindo-a no contexto geral da ação, deduzimos as duas normas básicas de delimitação de direitos de propriedade – i.e. de controle exclusivo de recursos escassos -, a saber, autopropriedade e homesteading. São as chamadas normas austrolibertárias de delimitação ou de fronteiramento. Junto com as deduções, algumas observações históricas são delineadas, assim como alguns equívocos comuns são desfeitos e depois esclarecidos.

As duas últimas seções fazem a transição fundamental entre a ética (a ciência do “deve ser”) para o direito (a ciência daquilo que “é”), unindo-as pelo conceito de agressão, um dos pontos centrais do moderno libertarianismo. Após uma detalhada explicação acerca do entrelaçando de conceitos chaves do direito libertário e de seu uso para distinguir as filosofias políticas bem como para caracterizar a libertária, iniciamos o estudo do direito, discutindo duas de suas áreas centrais: A Responsabilidade Legal e a Teoria da Punição. Na primeira, que trata das condições necessárias e suficientes para determinação da culpabilidade legal, fazemos, seguindo Hoppe, uma importante revisão na abordagem rothbardiana, contextualizando os conceitos legais de Adolf Reinach para o ferramental praxeológico. Na segunda fazemos uma breve e rigorosa exposição da abordagem de estoppel (preclusão) que Kinsella introduziu no âmbito libertário para demonstrar o direito de punição, i.e., o início de força com justificativa legal.

Esse texto tem como pretensão ser uma primeira sistematização em português de recentes e importantes revoluções que vem se concretizando dentro da Escola Austríaca, onde as implicações da praxeologia vem, cada vez mais, sendo aplicadas em distintas áreas das ciências sociais, além da economia – no nosso presente interesse, a teoria legal. Além disso, uma abordagem com definições mais precisas e demonstrações mais rigorosas também está entre os diferenciais desse texto. Desse modo, presume-se certa familiaridade com a Escola Austríaca de Economia na vertente misesiana e em particular da praxeologia, bem como de seu status epistemológico. Um conhecimento, mesmo que superficial, da ética rothbardiana e de suas principais conclusões, também é recomendável, apesar de não necessário.

A Escola Austríaca e a abordagem praxeológica para a lei

A princípio, pode parecer estranho para alguém versado em Economia Austríaca (EA) ouvir falar em uma abordagem austríaca para a lei. Em primeiro lugar, porque os âmbitos legais e econômicos estão separados epistemologicamente pela chamada guilhotina de Hume, que estabelece uma distinção das análises descritivas (o campo do “que é”, no qual a economia se insere) das análises prescritivas do dever (o campo do “deve ser”, que compete à ética), de modo que é categoricamente errado derivar verbos no imperativo a partir de outros no indicativo. A economia, como qualquer outra ciência que descreve fatos sobre a realidade, é essencialmente isenta de juízos de valor, i.e., é wertfrei – no linguajar alemão. Em segundo lugar, e ainda mais relevante para uma primeira reação de estranheza, Ludwig von Mises, um dos maiores nomes da Escola Austríaca de Economia, defendia enfaticamente a impossibilidade de uma ciência normativa, [1] uma ciência que faça juízo de valor ditando o que tem de ser feito, pois para o economista, não existiria algo como um “valor objetivo”, seja no mercado de trocas voluntárias, seja na conduta humana em geral.

No âmbito do pensamento austríaco, o ceticismo de Mises foi em parte mitigado pelo seu pupilo Murray N. Rothbard que em seu Ética da Liberdade [2] resgatou o conceito de propriedade para o cerne da economia; e baseado neste conceito e combinado-o com algumas observações empíricas gerais (biológicas e físicas) ou suposições naturais, Rothbard deduziu o corpus da lei libertária, desde a lei da apropriação até a dos contratos e da punição. Mas exatamente por suposições iniciais baseadas no vago conceito de “natureza humana” e ainda clamando por um empirismo dentro das ciências normativas, a análise legal de Rothbard, embora importante pelo conteúdo inovador dentro da EA e por trazer ao debate importantes temas aos que se interessam pelos fundamentos da economia, não é algo que podemos afirmar ter um pedigree austríaco. Seus fundamentos ainda eram bastante nebulosos do ponto de vista epistemológico e necessitariam de mais robustez metodológica. Isso contrasta veementemente com a praxeologia misesiana, [3] que foi capaz de dar uma justificação epistemológica última para a ciência econômica, independentemente de observações empíricas. Houve então uma lacuna a ser preenchida.

A solução a ela foi dada por Hans-Hermann Hoppe, um filósofo alemão que obteve seu Phd com o famoso pensador da Escola de Frankfurt, Jürgen Habermas. Este último, junto com Karl-Otto Apel, foi o responsável por fornecer a Hoppe aquilo que seria o ingrediente fundamental para unificar a praxeologia com o campo do dever, que é a sua filosofia política baseada no conceito de “ética da argumentação”. De acordo com essa teoria, o próprio fato de fazer um argumento, de tentar persuadir um leitor ou ouvinte, implica certos preceitos éticos: e.g., reconhecer pontos válidos num argumento. Como bônus temos ainda que a dicotomia fato/valor pôde ser transcendida visto que a procura por fatos implica logicamente que adotamos certos valores ou princípios éticos. Influenciado mais tarde pela economia misesiana, Hoppe pode dar uma abordagem praxeológica para a ética argumentativa, inserindo a argumentação no campo geral da categoria da ação. Rothbard pôde ver esse aperfeiçoamento metodológico ainda em vida e, sobre ele, comentou:

“Hans Hoppe provou ser um notavelmente produtivo e criativo praxeologista, em parte porque ele é o único praxeologista (até onde eu saiba) que chegou à doutrina originalmente da filosofia em vez de da Economia. Ele portanto trouxe à tarefa credenciais filosóficas especiais.

A descoberta mais importante de Hoppe foi partir de axiomas praxeológicos (e.g., de que todos os seres humanos agem, isto é, empregam meios para atingir objetivos) e notavelmente chegar a uma ética política anarco-lockeana intransigente. Por mais de 30 anos eu tenho pregado à profissão econômica que isso não pode ser feito: que economistas não podem chegar a quaisquer conclusões de políticas (e.g., de que o governo deveria fazer X ou não fazer Y) estritamente de uma Economia livre de juízos de valor. […]

E no entanto, notável e extraordinariamente, Hans Hoppe demonstrou-me errado. Ele conseguiu: deduziu uma ética anarco-lockeana a partir de axiomas autoevidentes. Não apenas isso: ele demonstrou que, bem como o próprio axioma da ação, é impossível negar ou objetar a ética anarco-lockeana sem cair imediatamente em uma autocontradição e uma autorrefutação.” [4]

Essa abordagem, com foco na ação ao invés dos atores, se distingue fundamentalmente da abordagem jusnaturalista clássica, defendida por Murray Rothbard, o percussor das modernas teorias legais libertárias, [5] onde uma ética objetiva é determinada pelo que satisfaz aquilo que é melhor para a natureza humana – entendida em seu sentido sociológico, psicológico e biológico. Não é nosso objetivo aqui fazer críticas à posição jusnaturalista, mas apenas enfatizar essa diferença fundamental. Em seu Economics and Ethics of Private Property, [6] Hans-Hermann Hoppe destacou essa divergência metodológica, apesar das conclusões serem as mesmas da análise de Rothbard, seu mestre inspirador:

“Concordando com Rothbard sobre a possibilidade de uma ética racional e, mais especificamente, sobre o fato de que apenas uma ética libertária pode, efetivamente, ser moralmente justificada, proponho uma abordagem diferente, não-natural de direitos para estabelecer estas duas reivindicações relacionadas. […]

Tem sido uma discussão comum com a posição dos direitos naturais, mesmo por parte de observadores de outra forma simpáticos, que o conceito de natureza humana é muito difuso para permitir a derivação de um determinado conjunto de regras de conduta. A abordagem praxeológica resolve este problema, reconhecendo que não é o conceito mais amplo da natureza humana, mas o mais estreito, de trocas proposicionais e de argumentação que devem servir como ponto de partida para derivar uma ética. Além disso, existe uma justificação a priori para esta escolha na medida em que o problema de verdadeiro e falso, de certo e errado, não se coloca independente das trocas proposicionais. Ninguém, então, poderia desafiar tal ponto de partida, sem contradição. Finalmente, é a argumentação que requer o reconhecimento da propriedade privada, portanto, um desafio argumentativo da validade da ética propriedade privada é praxeologicamente impossível.”

O grande insight de Hoppe foi observar que tudo o que é justo deve ser justificado por argumentos e a própria prática discursiva é, por definição mesmo, uma ação isenta de conflitos. Analisando a ação argumentativa e tirando conclusões lógicas de sua estrutura sociológica podemos identificar quais normas são impossíveis de serem justificadas em um discurso sem que o interlocutor caia em uma contradição prática, ou na denominação de Hoppe, uma contradição performativa. No âmbito do estabelecimento da teoria legal, a argumentação é portanto a categoria fundamental da ação para determinarmos a justiça das normas de alocação de recurso, mas, apesar de desse status especial, ela deve ser analisada pelos mesmos pressupostos gerais da praxeologia misesiana. Com isso, podemos estabelecer uma teoria legal libertária que, junto com a economia austríaca, são ramos de uma mesma ciência, a serem diferenciadas pela perspectiva que o praxeologista assume em um determinado fenômeno unitário de ação. Como argumentou Konrad Graf, [7] “a mudança de um campo para o outro pode consistir no foco teórico de mudanças para abordar diferentes aspectos do dado fenômeno da ação utilizando diferentes conceitos aplicados com o mesmo método contrafactual-dedutivo.” Um exemplo disso poderá ser visto na seção seguinte, onde daremos à escassez – um conceito que já é bem conhecido na teoria econômica – uma definição puramente jurídica e perfeitamente intercambiável com a econômica.

Por outro lado, uma análise mais detalhada da estrutura da responsabilidade legal, nos mostra que qualquer abordagem coerente para uma teoria legal irá necessariamente pressupor alguns aspectos gerais da ação humana e, portanto, terá, ao menos implicitamente, que assumir algumas proposições praxeológicas. Vamos destacar dois pontos fundamentais. O primeiro é a importante distinção entre ação humana e mero comportamento instintivo. Enquanto a ação é um comportamento propositado, expressão última da vontade humana na prática, o comportamento (que engloba, por exemplo, os nossos reflexos e o comportamento inconsciente dos órgãos e células do organismo) é apenas um dado como qualquer outro do mundo exterior. A ação não propositada possui, na acepção de Mises, a mesma importância de dados externos: é parte das condições gerais sob as quais ocorre a ação humana – a ação propositada. O segundo aspecto praxeológico a ser destacado é a questão da causalidade, colocada por Ludwig Von Mises da seguinte forma: “A própria categoria ou conceito de ação compreende os conceitos de meios e fins, de preferir e pondo de lado, viz., de valorização, de sucesso e fracasso, de lucros e perdas e de custos. Como nenhuma ação pode ser concebida e aventurada adiante sem ideias concretas sobre a relação de causa e efeito, a teleologia pressupõe causalidade.” [8] A ação humana exige que ações causais invariantes no tempo podem ser entendidas e exploradas por um indivíduo cujas ações não estão, elas mesmas, sujeitas à relações de causalidade invariantes no tempo. Pois caso contrário, não haveria nada para distinguir a ação humana de forças naturais cegas. Em tal mundo, leis seriam inúteis, porque ninguém poderia ser responsável por suas próprias ações e seres humanos não seriam mais atores, mas sim meros softwares passivos controlados por processos mecânicos. Podemos também entender a causalidade pelas concepções kantiana de categoria pura e de sintético a priori [9]. Em suma, um juízo sintético a priori é um juízo ampliativo (que amplia o conhecimento sobre a realidade) e que independe da experiência externa na medida em que versa sobre as condições transcendentais para a própria experiência. Os juízos sintéticos a priori são os que se utilizam de conceitos puros e seus derivados. No nosso caso de interesse, o juízo sintético a priori seria: “Todo evento A na realidade é sucedido por outro evento B”; que é um juízo pautado na categoria pura da causalidade e esquematizada pela intuição pura do tempo.

Estando preocupada com as implicações éticas da ação, a teoria legal pergunta se um ator deve ser responsabilizado pelas consequências de suas ações. E para manter alguém responsável por elas, estamos implicitamente adotando os dois aspectos supra citados. Com efeito, para termos consequências, em primeiro lugar, o mundo físico deve ser percebido como sendo regido relações causais invariantes no tempo. E para manter um ator responsável por essas consequências, devemos determinar que elas podem ser rastreadas de volta para seu próprio uso deliberado do meio para alcançar um resultado desejado: a “ação” não pode ela própria ser uma resposta meramente mecânica a estímulos físicos; ela é a responsável, ou a “causa”, dos resultados alcançados. Em outras palavras, como a economia austríaca, a teoria jurídica deve pressupor a causalidade invariante no tempo – visto que um ator não poderia empregar meios para atingir sua meta de outra forma – e também que o próprio ator é a causa dos resultados que ele pretendia alcançar pela utilização de certos meios.

Ação e escassez no âmbito legal

Como já observamos, a ação humana para nós significa um comportamento propositado, de modo que agir é intencionalmente mudar um estado de coisas que são subjetivamente percebidas e avaliadas como menos satisfatórias para um estado que aparente ser mais compensador. Esta ação portanto envolverá meios e fins, que podem ser diferenciados pelo conceito econômico de escassez, já que os meios são, necessariamente, insuficientes para alcançar todos os objetivos pretendidos pelo homem – se não fosse assim, seria desnecessária qualquer ação humana para obtê-los. Podemos diferenciar dois tipos de recursos que se apresentam quando contextualizamos a ação humana em casos de interesse da teoria legal, que é onde mais de uma pessoa existe, as amplitudes de suas ações se sobrepõem, e onde não há nenhuma harmonia e sincronização de interesses pré-estabelecidos entre as pessoas. Nesse caso, podemos encontrar um conflito quando há duas reivindicações antagônicas de um mesmo bem a ser usado pelos agentes para atingir qualquer fim, meta ou objetivo. E daí extraímos o significado do termo escassez que aqui se refere à possível existência de conflitos sobre a posse de um recurso no seguinte sentido: um recurso será dito ser escasso se, e somente se, sua reivindicação de controle por duas ou mais pessoas é passível de confronto interpessoal.

Uma conclusão lógica imediata da definição acima é que a finitude é uma pré-condição para a escassez uma vez que não pode existir a possibilidade de conflito para recursos que têm uma abundância infinita. Imagine, por exemplo, que, magicamente, todas as maçãs se tornassem auto-replicantes quando trocadas por outro recurso qualquer de modo que ao darmos uma maçã a uma pessoa, outra iria aparecer magicamente em seu lugar, permitindo-lhe manter uma réplica idêntica da maçã original, ao mesmo tempo. Assim, o próprio ato de doá-la, criaria outra cópia idêntica magicamente. Acrescente também uma hipótese regenerativa: toda vez que a maçã é consumida ou danificada, ela se auto-regenera instantaneamente. As maçãs passariam portanto a serem consideradas bens abundantes ou não escassos já que a propriedade de replicabilidade automática impossibilitaria a existência de conflitos sobre seu uso. Note que, alguém, uma vez em posse de uma tal maçã, poderia alegar que tem uma justa propriedade sobre ela, mas tal reivindicação seria sem sentido, pois alguém poderia adquirir uma cópia idêntica pelo ato de replicá-la, de modo a ambos terem a mesma maçã sem nada ter sido subtraído no processo. Obviamente, uma pessoa poderia manter uma tal maçã mágica em segredo e nunca deixar que ninguém descubra sua existência. Mas isso não muda sua natureza intrínseca de replicabilidade, de modo que ela continua sendo um bem que pode ser copiado sem limite. E a capacidade de manter o segredo é o resultado do direito de propriedade sobre – a capacidade de controlar – o recurso escasso do próprio corpo. Alguns exemplos de recursos que efetivamente satisfazem isso são o fogo (conforme observado por Thomas Jefferson), as ideias e as imagens de um determinado objeto. Uma canção também tem a mesma natureza: ela pode ser compartilhada e replicada, sem limite, pois eu posso, por exemplo, cantar uma canção, e você pode aprende-la me escutando e assim cantar a mesma canção sem contudo “levar” a música de mim.

Todo recurso escasso é finito mas nem todo recurso não escasso é infinito. A escassez está vinculada à teoria da ação e, portanto, o contexto da ação pode alterar o status de escassez de um recurso bastando para isso alterar um cenário onde não há possibilidade de conflito para um onde há. Um exemplo clássico é o caso do ar atmosférico que, se tratando de matéria disposta no planeta Terra, é obviamente finito, mas não é escasso visto que no contexto em que vivemos, no qual o ar está livremente disposto ao longo de todo espaço que circunda na Terra, não é possível haver qualquer contenda quanto ao uso desse bem. Contudo, se considerarmos uma estação espacial tripulada, obviamente o ar lá dentro será um bem escasso, pois é artificialmente produzido e seus custos o torna passível de conflito interpessoal. Essa diferença pode ser vista a partir da teoria econômica pelos clássicos conceitos de bens livres e bens econômicos. O ar enquanto disposto na atmosfera em quantidade e em condições tais que o homem os possa obter sem esforço, ele será um exemplo de bem livre, mas enquanto disposto em uma estação espacial, ele precisará da ocorrência de esforço para sua produção e obtenção, sendo assim considerado um bem econômico. Ainda sobre o ar e outras considerações gerais, Rothbard escreveu,

“O fato de que as pessoas agem necessariamente implica que os meios empregados são escassos em relação aos fins desejados; pois, se todos os meios não fossem escassos, mas superabundantes, os fins já teriam sido atingidos, e não haveria necessidade de ação. Colocado de outra forma, recursos que são superabundantes não mais funcionam como meios, porque eles deixam de ser objetos da ação. Assim, o ar é indispensável para a vida e, portanto, para o alcance de objetivos; entretanto, o ar sendo superabundante não é um objeto da ação e, portanto, não pode ser considerado como um meio, mas como o que Mises chamou uma “condição geral do bem-estar humano”. Onde o ar não é superabundante, ele pode se tornar um objeto de ação, por exemplo, onde ar frio é desejado e ar quente é transformado pelo condicionador de ar. Mesmo com o absurdamente improvável advento do Éden (ou o que uns poucos anos atrás foi considerado em alguns círculos como sendo um eminente mundo “pós-escassez”), no qual todos os desejos podem ser satisfeitos instantaneamente, ainda haveria pelo menos um meio escasso: o tempo do indivíduo, do qual cada unidade, se alocada para um propósito, é necessariamente não alocada para algum outro objetivo.” [10]

De acordo com o senso comum a respeito da escassez, apenas bens tangíveis, corpóreos seriam passíveis de serem considerados escassos, mas sendo a escassez baseada não apenas nas propriedades físicas dos objetivos mas também, e principalmente, nas características da ação humana envolvida em seu uso, fica clara a possibilidade de termos recursos imateriais que também são escassos. Isso contudo, não é algo recente na Economia Austríaca. Eugen Böhm von Bawerk, em artigo de 1888, escreveu:

“São os serviços de execuções, em vez de os próprios bens que, como ter matéria de princípio, constituem as unidades básicas primárias de nossas transações econômicas. E é apenas a partir das interpretações de serviço que os bens, secundariamente , derivam seu próprio significado.” [11]

A escassez de bens econômicos deriva da sua disponibilidade limitada e não em seu sentido geral, mas com respeito às reais extremidades que são capazes de satisfazer. Os objetos se tornam mercadorias apenas em relação às pessoas e às suas ações. Um bem tem propriedades que o torna útil dentro das estruturas de ação e esta deve ser entendida principalmente em termos de tais estruturas e apenas secundariamente em termos das propriedades físicas dele. Um exemplo simples de bem imaterial escasso é o espaço aéreo, que claramente cumpre o pré-requisito de ser suscetível de gerar conflito interpessoal quanto a seu uso. Isto se deve à sua incapacidade de satisfazer, como meio de ação, os fins que os indivíduos delegam ao usá-lo – como por exemplo, a delimitação de vias aéreas para o transporte aviário. Outros exemplos são o espectro eletromagnético e as ondas de rádio, que são escassos porque uma dada emissora A não pode utilizar o espectro de radiodifusão se outra emissora B envia uma transmissão pelo mesmo canal e na mesma região física; necessariamente, haverá interferência e portanto presença de conflito. Assim, a fim de evitar o conflito, a ideia básica é que a primeira emissora a utilizar uma determinada largura de banda em uma determinada região deverá ser considerada como tendo se apropriado da onda de rádio ou do espectro em questão, ainda que tais espectro consistam, como dados, de meras sequências numéricas.

Indo ainda mais afundo na questão da intangibilidade, podemos também considerar o caso dos Bitcoins [12] e, munindo-se de nossa perspectiva na ação, mostrar que eles são de fato escassos. [13] Os Bitcoins também atendem outra qualidade de um bem econômico que Bawerk identificou: eles podem ser exclusivamente e efetivamente controlados e colocados em uso por usuários específicos. Eles empregam pares de chaves criptográficas e assinaturas digitais para oferecer a exclusividade do controle. As carteiras de bitcoin contém chaves e endereços para os quais as unidades de bitcoin são criptograficamente atribuídos como gravados na blockchain. [14] Uma vez que um usuário transfere Bitcoins de uma carteira para outra, ele deixa de controlá-los com as chaves da carteira de origem, que passam, ao invés disso, a serem controláveis exclusivamente com as chaves da carteira de destino. Um estado de atribuição de endereço de uma unidade dada é mutuamente exclusivo de estar em algum outro estado. Mais do que uma parte poderia, potencialmente, obter simultaneamente um acesso a uma cópia da chave, mas, em última análise, apenas uma das partes poderá conseguir usar a chave para gastar quaisquer Bitcoins associados. A segurança em nível de usuário é portanto dependente de um controle adequado de designação de chaves de assinatura. Apesar dos Bitcoins serem parte do mundo digital, eles não podem ser copiados. Em vez disso, tal como referido acima, o seu estado atual de atribuição de endereço apenas pode ser alterado com as assinaturas digitais requeridas de uma transação que se torna incluída na blockchain . Tal “gasto” de Bitcoin é na verdade uma transferência de atribuição de controle. Embora o Bitcoin seja informativo, o protocolo e a rede nunca operam para entregar unidades a propósitos incompatíveis. Isso permite ao Bitcoin funcionar, em seu papel social, facilitando a troca indireta. Ele simplesmente não poderia fazê-lo se fosse um bem digital não-rival, no sentido de ser mutuamente controlável por diversos usuários simultaneamente ou se fosse possível replicá-lo indefinidamente – e quase todos os bens digitais antes da Bitcoin eram não-rivais. Os Bitcoins comprem portanto todos pré-requisitos praxeológicos para serem considerados bens escassos.

Finalmente, vale observar que podem existir alguns recursos completamente inúteis e desprezados por todos – como uma garrafa de plástico usada e furada – e ainda assim serem escassos. O fato de ser um recurso que ninguém dá valor, significa que trata-se de um recurso que não é um bem econômico – ou simplesmente que não é um bem. Contudo, sempre vai existir um potencial para ele ser valorizado, já que o valor, como a Escola Austríaca de Economia nos ensinou, [15] não é intrínseco aos objetos mais dependem das vontades dos indivíduos.

Existem bens econômicos que também não são escassos, como o fogo e o ar; e bens não escassos que também não são econômicos, como um ruído ou rabiscos aleatórios incompreensíveis. Um teste simples para saber se um recurso é ou não escasso é o seguinte: se o recurso pode ser tomado (compartilhado) sem deslocar o original, é sempre não escasso; se tomar o original, significando que ele não pode mais existir na posse do proprietário original ou possuidor, então trata-se de um bem escasso. Todos os recursos se enquadram em uma ou outra categoria, sendo bens econômicos ou não.

As normas libertárias sob a ótica praxeológica

Dado que os recursos escassos são as aqueles onde há possibilidade de conflito e que toda teoria legal visa resolver os conflitos oriundos da convivência do homem em sociedade, concluímos que apenas estes recursos devem ser alvos da lei. A questão que emerge desses fatos e que dá origem à teoria legal é: como resolver os conflitos? Ora, visto que não há possibilidade de duas ou mais pessoas controlarem um mesmo bem escasso ao mesmo tempo – por definição mesmo -, então apenas delegando direitos de controle absoluto sobre recursos escassos podemos resolver as disputas acerca de diferentes meios para as ações. Daí segue nossa noção de propriedade, que será definida aqui como o direito exclusivo de controlar um recurso escasso. A propriedade tem portanto um caráter normativo de exclusão, sendo então o direito legal de possuir e excluir as demais reivindicações de controle. E assim somos logicamente conduzidos ao problema de alocação de direitos de propriedade.

Observe que não há escapatória quanto a isso: todo sistema legal coerente precisa abordar apenas aqueles bens que levam a conflitos com respeito a seu uso, pois do contrário ele não estaria realizando seu propósito básico de resolve-los. Assim, uma noção de escassez é inevitável, bem como também uma noção de propriedade, pois não há outra maneira de resolver conflitos a respeito de recursos escassos senão delimitando direitos de controle absolutos sobre eles, i.e., direitos de propriedade. Portanto, como não poderia deixar se ser, todas filosofias políticas, desde as liberais até as comunistas, têm subtendidas suas regras de delimitação de propriedade.

Munidos da análise da argumentação, vamos contextualizá-la no âmbito geral da praxeologia e mostrar que é possível derivar a priori duas normas básicas para estabelecermos uma justa e coerente distribuição de direitos de propriedade. [16]

Autopropriedade

Naturalmente, todos seres humanos têm um controle sob seu próprio corpo – é simplesmente impossível conceber o contrário. Ainda mais evidente, ninguém tem controle direto sobre qualquer parte do corpo de outra pessoa. Apesar de alguns movimentos corporais (por exemplo, espirro, espasmos) ocorrerem sem o consenso da pessoa, outros movimentos ocorrem porque ela os fazem acontecer livre e intencionalmente (por exemplo, ela anuncia e depois levanta a mão esquerda paralisada com a mão direita). Da mesma forma, cada um de nós tem o controle direto sobre partes de nossa mente, e ninguém tem controle direto sobre qualquer parte da mente de outro. Alguns pensamentos (sonhos, alucinações e pensamentos passageiros) apenas podem acontecer a uma pessoa involuntariamente, mas outros pensamentos exigem que ela concentre sua mente (quando, por exemplo, ela se dispõe a demonstrar um teorema matemático), o que ele pode fazer de forma simples e intencionalmente, sem primeiro ter que fazer outra coisa. Embora possa ser possível para uma pessoa delegar poderes de autocontrole aos outros, ele não pode induzir o outro a fazer ou a pensar algo por mero desejo. Ele precisa aplicar força física sob a forma de medicamentos, equipamentos mecânicos ou eletromagnéticos, ou outros, meios menos cientificamente sofisticadas de distração ou tortura para enfraquecer ou desativar poderes de autocontrole do outro. O que nos interessa, porém, é que no contexto da argumentação, o autocontrole é um fato inegável, pelo menos quando os argumentadores estão em causa. É a capacidade de pensar por si mesmo sobre perguntas a serem feitas e respostas para dar, e é a capacidade de falar por si mesmo em fazer afirmações, fazer perguntas, responder a perguntas, e avaliar respostas que nos interessa aqui.

Controle sobre o próprio corpo, embora um fato importante, não é por si só um argumento para a autopropriedade. Trata-se de um fato, uma descrição de onde não se pode pura e simplesmente derivar uma prescrição. O movimento do fato do autocontrole para o direito de autopropriedade exige uma análise da estrutura da argumentação, que, como veremos no que segue, não é algo problemático para os seres humanos.

Todas as partes de um conflito que estão dispostas a resolve-lo pacificamente, em vez de ignorá-lo ou entrar em uma disputa física, não só precisarão reconhecer que existe autopropriedade (i.e. propriedade sobre seu próprio corpo), mas também reconhecer que os autoproprietários deverão exercer o controle que de fato eles têm sobre suas vontades e seus corpos. Por que isto é assim? O acerto de conflito requer alguma forma de comunicação e argumentação. Mas discutir não teria sentido se não pudesse mudar as opiniões e ações dos outros. O ponto é precisamente que nós queremos que nossos parceiros de discussão pensem e ajam de forma diferente. Nós reconhecemos que eles têm controle sobre suas vontades e corpos e, mais ainda, nós queremos que exerçam esse controle. Em outras palavras, em qualquer troca de argumentos, todos os interlocutores concordam pelo menos em duas coisas: (1) que cada um deles é o proprietário de fato da sua vontade e de seu corpo, e (2) que cada um deles deve exercer esse controle. Claramente, pode haver discordâncias sobre a forma como este controle deve ser exercido, mas isso não afeta o consenso sobre os dois pontos acima. Neste sentido, portanto, onde quer que haja discussão e debate, a autopropriedade é justificada per se aos olhos de todos os debatedores. E ninguém que participa de um argumento pode negar isso sem cair em uma contradição performática. [17] Para isso, uma tal pessoa teria que argumentar que seus interlocutores não devem ser os proprietários de fato de si mesmos; ao passo que, pela natureza da prática do discurso, ele estaria ao mesmo tempo pedindo a interlocutores para continuar a exercer essa propriedade.

O cerne do argumento acima é dado em mais detalhes nas palavras de Hans-Hermann Hoppe [18] da seguinte forma. Primeiramente notamos que “a argumentação nunca consiste apenas de proposições ao léu que reclamam serem verdadeiras. Antes, a argumentação é sempre uma atividade, também. Contudo, dado que as revindicações de verdade são levantadas e decididas com base em argumentação e que a argumentação, a despeito do que quer que se diga em seu curso, é uma questão prática, segue-se que normas intersubjetivamente dotadas de significado devem existir – precisamente aquelas que fazem de alguma ação uma argumentação – que têm um status cognitivo especial que são as precondições práticas de objetividade e verdade.” Em seguida partimos para uma análise da estrutura sociológica da argumentação a fim de encontramos normas ou pré-normas (i.e. pré-requisitos para a validade de uma norma) de conduta subtendidas na mesma. Uma das pré-normas é a universalização, pois, “como a argumentação implica que todos que entendem um argumento devem em princípio ser capazes de ser convencidos simplesmente por causa de sua força argumentativa, o princípio de universalização da ética agora pode ser entendido e explicado com base na maior ‘apriori da comunicação e argumentação’.” A norma de nosso interesse, a autopropriedade, é obtida observando que a “argumentação é um meio de interação não conflituoso, não no senso de que sempre há acordo sobre o que é dito, mas no senso que, enquanto a argumentação está em progresso, é sempre possível concordar pelo menos quanto ao fato de que há discordância sobre a validade do que tem sido proposto e isto significa nada mais que um mútuo reconhecimento do controle exclusivo que cada pessoa exerce sobre seu próprio corpo e que deve ser pressuposto enquanto houver argumentação.” A partir dessa observação torna-se claro que a autopropriedade é de fato uma norma pressuposta na prática do discurso, já que o reconhecimento e o respeito do controle exclusivo sobre os próprios corpos é um requerimento para que a argumentação possa ter lugar.

Apropriação original (homesteading)

Uma vez estabelecida a autopropriedade, que versa sobre o direito de controle do nosso corpo – o recurso mais básico e fundamental de todos -, resta-nos analisar a alocação de direitos de propriedade sobre os demais recursos escassos, a saber, aqueles que estão dispostos na natureza, fruto de processos físicos, químicos e biológicos naturais. Primeiramente formulado pelo filósofo britânico liberal John Locke, o chamado homesteading ou apropriação natural, [19] pode ser enunciado dizendo que cada pessoa possui a propriedade de todos os bens escassos que ele coloca em uso com a ajuda de seu corpo antes que qualquer outra pessoa o faça.

Convém mencionar que, embora a proposição de Locke esteja correta, a justificação dos lockeanos está essencialmente errada. Segundo o argumento central, a pessoa é “dona” de si mesma e portanto ela deve possuir o seu “trabalho”, de onde conclui-se que ela possui todos os recursos sem dono em que ela “mistura” ao seu trabalho. Em primeiro lugar, não possuímos nossos “eus”; nós possuímos nossos corpos físicos. Segundo, uma pessoa não é dona do próprio trabalho mais do que ela é dona de suas próprias ações. Contudo, a noção de ser “dono” de ações é algo vago e confuso: uma pessoa pode ser responsável pelas suas ações, mas a posse delas não faz sentido lógico. O correto seria dizer que a pessoa detém controle exclusivo sobre seu corpo físico e essa propriedade dá a ela a capacidade e o direito de usá-lo conforme ela deseja. Como proprietário de, digamos, um binóculo, você tem direito de contemplar uma borboleta em um campo, mas não podemos dizer que existe algum direito autônomo de contemplar as borboletas; tal direito se origina da justiça de sua posse do binóculo. Mesmo se considerássemos em algum sentido que uma pessoa pode possuir o seu trabalho, a sua mistura com alguns recursos – bem, “mistura” é em si mesma uma metáfora ambígua – irá simplesmente resultar na perda da “propriedade” da mão-de-obra, em vez de a aquisição da propriedade do bem misturado com o trabalho. Não existe motivo de meras “misturas” configurarem posse. Em perfeita analogia, se uma pessoa cuspir no oceano, ela apenas perderá saliva, e não terá necessariamente adquirido a posse de todo o oceano. Se queremos evitar conflitos, então basta que o homesteader tenha usado o bem de modo a ter feito o processo de fronteiramento (nas palavras de Hoppe) a fim de deixar clara a primeira posse. O que precisa ocorrer no processo para caracterizar a propriedade é o desenvolvimento de um elo objetivo entre o homesteader e o bem, que, por sua vez, irá estabelecer uma fronteira intersubjetivamente verificável. Assim, a natureza física de um determinado recurso escasso e a maneira pela qual os seres humanos usam esses recursos, irá determinar a natureza das ações necessárias para “controlar” ele e excluir outros de modo que diferentes tipos de recursos escassos são apropriados (e controlados) de diferentes maneiras. Dito isto, a intuição central de Locke estava certa; é apenas muito desnecessariamente complicada e adornada por metáforas imprecisas e etapas sem valor argumentativo.

No que segue, faremos uma defesa praxeológica de que argumentar contra a proposição do primeiro-uso-primeiro-dono fornece uma contradição performática. Comecemos com a seguinte citação de Murray Rothbard a respeito da estreita relação a respeito do valor da vida e da ação comunicativa, que denotaremos, para futuras referências, de Proposição 1:

“Pode-se muito bem perguntar por que a vida deve ser um valor objetivo supremo, por que o homem deve optar pela vida (por sua qualidade e por sua preservação). Em resposta, podemos mencionar que uma proposição eleva-se ao status de um axioma quando aquele que o negar recorre precisamente a ele no próprio decorrer da suposta refutação. Pois bem, qualquer pessoa que participa de qualquer tipo de discussão, incluindo uma sobre valores, está, em virtude desta participação, vivo e afirmando a vida. Pois, se ele realmente fosse contrário à vida, ele não teria nenhum interesse em continuar vivo. Consequentemente, o suposto opositor da vida está realmente afirmando-a no próprio curso de sua argumentação, e por isso a preservação e a proteção da vida de alguém assumem a categoria de um axioma incontestável.” [20]

Em seguida, enunciemos o que será a partir de agora a nossa Proposição 2, que é uma citação de Hans-Hermann Hoppe a respeito da correlação entre a apropriação original, o a prioriargumentativo e a vida:

“seria … impossível sustentar a argumentação por qualquer período de tempo e contar com a força proposicional dos próprios argumentos, se não foram autorizados a apropriar-se ao lado de um corpo de outros meios escassos, através da ação de apropriação, ou seja, colocando-os a usar antes que alguém o faça, e se tais meios, e os direitos de controle exclusivo sobre eles, não forem definidos objetivamente, em termos físicos. Porque, se ninguém tinha o direito de controlar qualquer coisa exceto seu próprio corpo, então nós todos deixaríamos de existir e o problema de justificar normas, assim como todos os outros problemas humanos, simplesmente não existiriam. Assim, em virtude do fato de estar vivo, então, os direitos de propriedade para outras coisas devem ser pressupostos como válidos também. Ninguém que está vivo pode argumentar o contrário. E se uma pessoa não adquiriu o direito de controle exclusivo sobre tais bens por homestading, ou seja, através do estabelecimento de alguma ligação objetiva entre uma pessoa particular e um determinado recurso escasso antes que alguém tivesse feito isso, mas se em vez disso, retardatários assumiram reivindicações de propriedade sobre as coisas, então, literalmente, a ninguém seria permitido fazer qualquer coisa com qualquer coisa pois cada um teria que ter o consentimento dos retardatários antes de fazer o que queira. Nem nós, nossos antepassados, nem nossos descendentes poderiam sobreviver se fosse para seguir esta regra.” [21]

A partir dessas duas proposições vamos demonstrar o homesteading conectando-as através da lógica formal. Consideremos então as duas afirmações:

p: Qualquer um deve possuir o que foi por ele originalmente apropriado.
q: A vida é uma bem básico e que deve ser preservado.

Queremos provar p usando as proposições abaixo e a ferramenta da lógica formal. Primeiramente, na medida em que qualquer pessoa se engaja em uma argumentação, temos, pela proposição 1 acima, que ~q nos dá uma contradição prática, logo concluímos por reductio ad absurdum que vale ~(~q), i.e., obtemos q. Agora, pela proposição 2 também enunciada acima, concluí-se que ~p implica ~q e de forma contrapositiva obtém-se que q implica p. Logo, vale p. Esquematicamente, temos:

  1. ∼q ⇒ contradição performática
  2. ∴ ∼(∼q) reductio ad absurdum
  3. ∴q
  4. ∼p⇒∼q
  5. q⇒p
  6. p

Com isso fica demonstrado logicamente a partir de duas proposições, que essencialmente extraem conteúdo da prática argumentativa, que o direito de homesteading, assim como o de autopropriedade, também está implícito na argumentação de modo que é impossível se engajar em uma discussão para defender qualquer norma que viole o homesteading sem cair em uma contradição prática. Observe que a contradição performática está no cerne dos argumentos presentes nas proposições 1 e 2, mostrando que, em essência, a ética libertária não ambiciona buscar o que é certo, mas em determinar o que com certeza não pode ser justificado. Este raciocínio não deduz um ‘dever ser’ de um ‘ser’; ele apenas enfatiza a autocontradição ao se negar uma proposição de dever ser – o homesteanding ou a autopropriedade. Nesse ponto é também interessante notar que as contradições expostas nas demonstrações acima são de natureza prática, sendo a negação da normas acima não apenas uma incoerência lógica (i.e. um reductio ad absurdum), mas sim uma incoerência ontológica, substantiva e real.

Outra íntima conexão do homesteading com a lógica da ação pode ser encontrada analisando o processo de fronteiramento, que consiste na essência do ato de apropriação. Juridicamente, o estabelecimento desse elo é na verdade uma ação que visa a comunicar às demais pessoas sobre a delimitação da propriedade apropriada, para que elas possam evitar conflitos. Apesar do nome “propriedade privada”, é necessário que suas fronteiras estejam publicamente visíveis e objetivamente determinadas, pois somente assim a divisão entre o seu e o meu estará clara e o comportamento ético será possível.

Assim, atos comunicativos não são limitados à esfera linguística, mas incluem também quaisquer ações que transmitem informações a outros. O fronteiramento atua como uma comunicação não-verbal, funcionando como uma declaração da justiça da apropriação, pois qualquer retardatário terá uma reivindicação necessariamente pior que o homesteader original (ou quem obteve o bem contratualmente com ele), já que o elo entre este e seu bem é objetivamente apurável e mostra, praxeologicamente, que, no passado, o atual dono teve um maior interesse no recurso, concretizado pela sua ação apropriadora. Os retardatários nada têm a reclamar daqueles que primeiro fizeram uso de um bem, pois o homesteading é um movimento superior de Pareto – i.e. gera bem-estar sem prejudicar nenhuma outra pessoa, envolvida ou não na ação -, em virtude da lógica da ação (e inação) do homem. De fato, se ele usa seu trabalho para apropriar algum recurso natural, então ele necessariamente valoriza essa coisa. Portanto, ele deve ter obtido utilidade em sua apropriação. Ao mesmo tempo, a sua ação não faz com que ninguém fique em situação pior, pois, com a apropriação de recursos previamente sem dono, nada é tirado de outrem. Além disso, a inação das outras pessoas, que comprovadamente não se apropriaram de tais bens, mostra uma preferência de não usufruí-los. Assim, elas não perdem utilidade no processo.

Da Ética ao Direito: conflito, controle, propriedade e agressão

O respeito de todos às duas normas expostas acima – autopropriedade e homesteading – nos levaria a uma sociedade isenta de conflitos, onde as relações interpessoais se dariam de forma estritamente voluntária e consensual. Esse é contudo um quadro irrealista e de certa forma, contrário à natureza humana que observamos na prática. Dado que o homem é como ele é, é perfeitamente natural esperarmos violações aos direitos de propriedades justamente atribuídos. De todo modo, não fosse esse o caso, todo nosso propósito com a teoria legal seria inútil, ou no máximo de valor meramente teórico e simbólico. Assim, partindo do razoável pressuposto de que a possibilidade de violação de direitos de propriedade existirá, conclui-se que deve haver como responsabilizar o malfeitor, bem como dar direitos de auto-defesa e punição à vítima. Em diante, veremos como podemos dar um tratamento rigoroso a essas questões.

Uma das maiores confusões que vemos nas diversas interpretações da Ética Libertária é a equivocada identificação entre direito e ética. O primeiro não é deduzido do segundo pois enquanto a ética é uma ciência que trata daquilo que “dever ser”, o Direito, enquanto disciplina jurídica, trata daquilo “que é”.

A Ética é uma disciplina que se ocupa com os critérios de correção ou incorreção de ações humanas no que se refere especialmente a suas relações com outros seres humanos. Na abordagem aqui exposta, derivamos na verdade uma meta-ética, certos postulados que estão implícitos em qualquer discurso argumentativo e que dão base para um arcabouço legal, pois todo conceito legal de agressão e de interação voluntária pressupõe uma norma acerca da justiça de aquisição de posses, que é a implicação da nossa análise do a priori argumentativo exposta na seção anterior. Nenhuma ética pode dizer o que é certo de se fazer em relação a outro indivíduo se tal proposição entra em contradição com qualquer consequência do a priori argumentativo. Contudo, em consonância com autores libertários consagrados, como Murray Rothbard e Hans-Hermann Hoppe, vamos manter o termo “ética” para significar algo mais abrangente, contemplando também a área do conhecimento humano onde se insere as proposições obtidas na seção anterior. [22]

Já o Direito, para o presente texto, significa a ciência jurídica que visa investigar e sistematizar os fenômenos jurídicos – i.e., aquilo é justo na esfera resultante das interações entre seres-humanos. No âmbito libertário, o Direito abrange importantes áreas do conhecimento jurídico como a responsabilidade legal, a teoria da punição, a teoria dos contratos, os conceitos gerais da lei e das normas, dentre outras. Para nós, será de importância as duas primeiras áreas citadas. A primeira se preocupa com as condições gerais as quais podemos inferir responsabilidade legal de culpa a determinado indivíduo supostamente agressor; e a segunda se preocupa com as questões referentes à delimitação e justificação da penalidade aos agressores.

Com esses conceitos em mente, pode-se observar que, se existisse uma regra ética segundo a qual os cidadãos pacíficos teriam que punir agressores, então, além de irrealista, ela iria contradizer a já estabelecida norma da autopropriedade, pois o indivíduo pacífico que negar segui-la teria também que ser agredido. Além disso, uma regra ética distinguindo pessoas em grupos como “pacíficos” e “agressores” sequer passaria no primeiro teste formal da universalização. Contudo, apesar da não-existência dessa implicação, existe uma estreita correlação entre ambas disciplinas, pois se o Direito se preocupa com a justiça, então ele visa resolver conflitos e se quer manter-se ausente de contradições, então deve estar em absoluta consonância com as justas regras de delimitação de direitos de propriedade aqui expostas. [23]

Dentre outras implicações dessa consonância, podemos destacar a noção legal de agressão. Em poucas palavras, agressão é uma invasão não-consensual de fronteiras de uma propriedade justamente adquirida. Assim, a agressão é, como já era de esperar, uma ação humana, logo intencionada e que, portanto, deve se distinguir de mero comportamento; a agressão precisa ser deliberada. Analisando a ação através da perspectiva praxeológica, podemos determinar, através dos conceitos de meios e fins, quando uma ação configura agressão, nos perguntando se ela tem um nexo causal com a violação da fronteira de propriedade. Os meios utilizados podem ser inanimados ou não-humanos regidos apenas por leis causais – como o caso de um avião de guerra não tripulado -, ou pode incluir outros seres humanos que são utilizados como meios para atingir um fim ilícito desejado. A última categoria inclui tanto seres humanos inocentes que se emprega para causar a invasão de fronteiras, tanto seres humanos culpáveis que conspiram e cooperam com o intuito de atingir o fim ilícito.

Até aqui, nosso conceito é puramente formal e pode ser aplicado a diversas filosofias políticas, inclusive aquelas cujos pressupostos violam condutas éticas, bastando para isso alterar o significado da noção de justiça acerca de delimitação de fronteiras. Stephan Kinsella coloca a questão da agressão e sua relação com as filosofias políticas da seguinte forma:

“O princípio da não agressão também depende dos direitos de propriedade, uma vez que a agressão depende de quais são nossos direitos (de propriedade). Se você me bater, isso é agressão porque eu tenho o direito de propriedade sobre o meu corpo. Se eu tomo de você a maça que você possui, isso é transgressão – agressão – somente porque você é dono da maça. Ninguém pode identificar um ato de agressão sem implicitamente atribuir um direito de propriedade correspondente à vítima.

[…] Direitos de propriedade especificam qual pessoa é dona de – isto é, tem o direito de controlar – vários recursos escassos em determinada região ou jurisdição. Todo mundo e toda teoria política desenvolve alguma teoria de propriedade. Nenhuma das várias formas de socialismo nega os direitos de propriedade; cada versão vai especificar um dono para cada recurso escasso. Se o estado nacionaliza uma indústria, ele está afirmando a propriedade desses meios de produção. Se o estado taxa você, ele está implicitamente afirmando a propriedade dos fundos tomados. Se a minha terra é transferida para um empreendedor privado pelo estatuto de domínio eminente, o empreendedor é agora o dono. Se a lei permite que uma vítima de discriminação racial processe seu empregador para receber dinheiro, ele é o dono do dinheiro.

Proteção e respeito pelos direitos de propriedade não é, portanto, exclusividade do libertarianismo. O que distingue o libertarianismo de outras filosofias políticas são suas regras particulares de designação de propriedade: sua visão relativa a quem é o dono de cada recurso contestável, e como determinar isso.” [24]

Tomemos, para fins de ilustração, o socialismo marxista como exemplo. A partir dessa nossa perspectiva, fica claro que tal filosofia política está longe de ser um sistema igualitário, visto que, declarar todos como coproprietários de tudo resolve os problemas das diferenças de propriedade apenas nominalmente, mas não resolve o real problema subjacente: diferenças de poder para controlar. O problema de determinar o que deve ser feito com os meios de produção ainda existe e deve ser resolvido de algum modo, sabido que não há nenhuma harmonia pré-estabelecida e presincronizada de interesses entre todas as pessoas, mas, ao contrário, algum grau de desacordo. Apenas uma opinião sobre o que deve ser feito pode de fato prevalecer e as outras devem serem excluídas. Entretanto, então novamente outras desigualdades aparecerão entre o povo: a opinião de um indivíduo ou de algum grupo deve sobrepor-se às dos demais. A diferença entre a economia de propriedade privada e a socializada está apenas em como aquelas que irão prevalecer em caso de discordância serão determinadas. No capitalismo puro deve haver alguém que controla, e outras pessoas que não, e então diferenças reais entre as pessoas existem, mas a questão sobre qual opinião deve prevalecer é resolvida pela apropriação original e contrato. E é absolutamente impossível contestar a justiça dessa delegação de direitos sem cair em autocontradição. No socialismo, também, diferenças reais entre controladores e não controladores devem necessariamente existir; mas são determinadas de modo arbitrário, pelas vias da regra do mais forte – daqueles que detém maior poder político.

Vejamos isto com detalhes e de um ponto de vista mais formal. Para facilitar nossa exposição, vamos denotar por P a propriedade de uma norma ou de uma ação evitar ou prevenir conflitos. Consideremos os seguintes fatos analíticos, originados puramente de nossas definições:

  1. Recursos escassos são aqueles cujo controle por duas ou mais pessoas leva a possibilidade de violação de P;
  2. Todo indivíduo necessita de controle exclusivo de recursos escassos para sobreviver;
  3. Propriedade é o direito de controle exclusivo sobre recursos escassos;
  4. Agressão é uma violação de direitos de propriedade.

Primeiramente, observe que, se a lei visa preservar P, então, é necessário, por 1, que apenas direitos de propriedade sejam delegados, o que significa dizer que: (i) o direito de controle deve ser exclusivo e (ii) apenas recursos escassos estão sujeitos a tal controle. E dado que todas teorias legais devem permitir a sobrevivência do ser-humano, concluímos que, por 2 e 3, elas sempre pressupõem uma teoria de delimitação de propriedade e consequentemente sempre têm, por 4, um teorema subjacente de não-agressão. Agora, por 1, delimitar direitos de propriedade significa evitar conflitos, logo, se quisermos nos manter isentos de contradições, então a delimitação de direitos de propriedade deve ser de tal forma que respeite P. Mas como já vimos acima, apenas a autopropriedade e o homesteading são capazes de delimitar tais direitos respeitando P e, consequentemente, apenas a filosofia política libertária é justificável. Dessa forma, pelos quatro pontos acima, concluí-se que o correto conceito de agressão deve ser: uma violação não-consensual de fronteiras do próprio corpo de um indivíduo ou de propriedades adquiridas por homesteading ou por uma sequência de relações contratuais voluntárias que remetem a um homesteader. Completa-se assim, usando a Ética, uma importante definição do Direito libertário, a qual será de suma importância para a correta compreensão do famoso princípio da não-agressão (PNA). [25] Podemos afirmar que o PNA libertário é aquele definido de tal forma que P é plenamente respeitado em seu processo de formalização, sendo essa sua característica fundamental que o separa dos demais.

Uma abordagem praxeológica do Direito

No que segue, vamos dar uma breve introdução a uma teoria libertária do Direito, mostrando como podemos tratar os temas de Responsabilidade Legal e Punição sob a perspectiva geral da ação.

Responsabilidade Legal

Em seu clássico artigo, “Law, Property Rights, and Air Pollution”, [26] Murray Rothbard lança os primeiros insights de uma teoria libertária para a responsabilidade legal, englobando tanto o direito civil quanto o criminal. Escreve ele,

“Evidência deve ser probatória ao demonstrar uma cadeia causal estrita de atos de invasão da pessoa ou propriedade. Evidência deve ser construída para demonstrar que o agressor A realmente iniciou um patente ato físico de invasão da pessoa ou propriedade da vítima B.

Então, o que o reclamante deve provar além da dúvida razoável é uma conexão causal estrita entre o réu e sua agressão contra o reclamante. Ele deve provar, em suma, que A realmente “causou” uma invasão na pessoa ou propriedade de B. . . . Para estabelecer culpa e responsabilidade legal, causalidade estrita de agressão levando a dano deve passar no teste rígido de prova além da dúvida razoável. Intuição, conjectura, plausibilidade, mesmo simples probabilidade não são suficientes. . . . Correlação estatística . . . não pode determinar causação.”

Apesar de ter corretamente incluído e dado a necessária ênfase na questão da correlação, a condição rothbardiana de responsabilidade legal peca em ser demasiadamente objetiva, esquecendo-se dos importantes elementos subjetivos presentes na ação humana. Estes devem ser combinados com a análise objetivística da invasão de propriedade a fim de terminarmos toda a cadeia causal do ato. Outro ponto defeituoso é que Rothbard parece abranger todos os atos de invasão física como criminosos, ignorando os fatores centrais de intenção e de culpa. Assim, nem toda invasão física de propriedade é necessariamente criminosa. Por outro lado, é possível incriminar alguém sem que a pessoa tenha se envolvido diretamente no ato de agressão física e, mais ainda, é possível haver crime quando sequer houve uma agressão física de fato – enquanto o seu critério é, por um lado, muito amplo ao incluir invasões acidentais entre as invasões passíveis de punição, por outro lado, parece muito objetivamente restrito ao determinar responsabilidade legal.

Tais possibilidades podem ser justificadas pelo quadro jurídico, fornecido pelo austríaco Adolf Reinach, para a análise da causalidade que, embora emprega uma terminologia ligeiramente diferente, é amplamente compatível com nosso nossos pressupostos causais praxeológicos acima apresentados. Segundo Reinach, uma ação de importância legal (penal)

“é um evento que não pode ser cancelado sem se cancelar também o efeito, na medida em que é de importância legal. . . . A ‘causa’ de um evento . . . é dita entre outras coisas aquela condição que deve ser adicionada a um elemento de um todo conceitual, para que em lugar de seu segundo componente o evento possa ser concebido como tendo ocorrido. . . . Causar um evento significa ativar uma condição de sucesso; causar intencionalmente um evento significa ativar uma condição que traz à tona seu sucesso . . . Causar intencionalmente algo, assim, significa ativar uma condição de sucesso desejando que esta condição – é claro, em conjunção com outras – leve ao sucesso. . . . Esta pessoa portanto deve estar consciente de que ela pode contribuir para o sucesso desejado . . . [e] que o sucesso resultante de sua ‘contribuição’ e outros fatores conhecidos por ele é possível. . . . Sua responsabilidade por comportamento negligente é similar. Neste caso, o sucesso não é desejado; mas eu poderia e deveria tê-lo evitado. Na medida em que ainda é algo cuja ocorrência depende de mim: ela, também, é de uma maneira especial ‘minha’.” [27]

Essa concepção de Reinach é inteiramente compatível com o entendimento austríaco de ação. Ele afirma que um ator que se pretende que um resultado ocorra (i.e., deseja um dado fim ou meta), e cuja ação de fato é parte indispensável da causa deste resultado – ou seja, emprega um meio para atingir esta meta -, então, em seguida, o ator deve ser punido pelo crime.

Esse é um princípio de consistência com os fundamentos da teoria legal, discutidos na primeira seção desse presente texto e sua aplicabilidade deve ser analisada caso a caso, levando sempre em conta os fatores subjacentes de meio e fim de determinadas ações. A título de ilustração, vamos considerar um caso específico e mostrar como essa perspectiva pode nos levar a resultados inteiramente distintos daqueles previstos pelo arcabouço legal rothbardiano.

Consideremos o caso de vender armas a terroristas criminosos, sabendo que elas serão destinadas para fins ilícitos. Vamos portanto admitir que, (1) após a venda, as armas foram de fato usadas para a prática efetiva de crimes; e (2) os vendedores estavam conscientes das intenções dos criminosos. Claramente, ambas hipóteses (1) e (2) são necessárias para a caracterização de crime, sem qualquer uma delas não podemos dar nenhuma justificação de responsabilidade legal por parte do vendedor de armas. Na ética rothbardiana, podemos ir ainda mais além e afirmar que, mesmo sob ambas hipóteses não houve infração alguma, pois apesar de encontrarmos causalidade, não temos culpa, já que essa pertence apenas aos terroristas que de fato dispararam com as armas. Para Rothbard, os vendedores não podem ser diretamente culpados por ações de terceiros e sem culpa, sem crime. Isso é mera consequência do critério de objetividade que Rothbard dá à responsabilidade legal: apenas aqueles que cometeram a ação última que diretamente causou a violação de propriedade.

Diferentemente, Reinach encontraria, pelo pressuposto (1), causalidade e pelo pressuposto (2), intenção. Combinando a causalidade com a intenção, obtemos a culpa, logo a responsabilidade legal. A oposição deve estar clara nesse ponto: na segunda análise, consideramos o vendedor de armas como inserido na cadeia causal que resultou na agressão final para depois, dada a intenção, classificá-lo como responsável (assim como também os terroristas) pelo crime. A análise Rothbardiana enxerga apenas o último elo da cadeia, devendo portanto ser considerada como incompleta.

Nas palavras de Hoppe,

“A principal razão para a solução Rothbardiana parecer insatisfatória é a falta de um análogo na teoria positiva da propriedade e apropriação. Nós não requeremos que um ato de apropriação (ocupação) seja bem-sucedido a fim de notar que ele aconteceu e para determinar posse. Por exemplo, A limpa a vegetação rasteira de um pedaço de terra previamente sem dono a fim de criar um parque. Entretanto, ao fazê-lo, ele acidentalmente queima todas as árvores. A ação de A foi malsucedida. Este não é o resultado que ele queria. Não seria ele, mesmo assim, o dono da floresta queimada? Parece que sim. Entretanto, se há casos de tentativas falhas de apropriação que contam mesmo assim como atos de apropriação, por que não deveria haver casos de agressão malsucedida que ainda assim contassem como agressão?” [28]

Óbviamente, a análise rothbardiana é um passo importante para a determinação de agressão e seus critérios devem sempre estar presentes, sendo considerados necessários para que a responsabilidade legal ocorra. Contudo, ela jamais deve ser considerada suficiente pois, como vimos, seu foco exclusivo na objetividade da invasão é deficiente tendo em vista o arcabouço praxeológico legal a que estamos nos baseando, pois de fato, as ações, além de terem consequências físicas manifestas, têm também aspectos subjetivos que envolvem intencionalidade, consentimento e causalidade que não só podem como devem ser levados em conta por juízes a fim de interpretar os fatos e ter um correto entendimento do devido processo legal.

Punição

Uma vez que é confirmada a responsabilidade legal de um indivíduo por uma agressão, nos deparamos com o problema da punição. Como justificá-la? Existe um direito à punição? Em suma, a punição é uma agressão justificada, um início de violência com autorização legal praticada contra o corpo de uma pessoa ou contra qualquer outra propriedade que esta pessoa possua legitimamente. Observe que a justificação da punição só é necessária para o caso em que o indivíduo alvo se opõe à agressão, pois obviamente, se não houvesse tal oposição, então ela estaria justificada pelo próprio consentimento do suposto malfeitor. Outra característica essencial da punição é que ela é em razão de, ou em resposta a, uma ação ou inação; pois se fosse de outra forma, ela seria simplesmente a prática aleatória de violência.

Seguindo a discussão proposta nesse texto, vamos apresentar uma justificativa dialógica para a punição, baseada na prática discursiva, inserida dentro do âmbito geral da ação. A abordagem proposta aqui, chamada de princípio de estoppel ou reclusão, foi introduzida na perspectiva libertária pelo teórico legal Stephan Kinsella e remonta ao antigo common-law inglês. [29], [30] Suponhamos que um indivíduo de fato tenha intencionalmente integrado no passado uma cadeia causal que deu origem a uma agressão, e que ele rejeite sua punição por parte da vítima. Nesse caso, ele terá que entrar em uma argumentação a fim de justificar sua posição e, assim, sua atitude irá pressupor uma busca pela verdade. O mal-feitor se encontrará buscando coerência ao defender uma postura de não-agressão por parte daqueles que buscam a sua pena. Mas não é possível sustentar essa posição se, no passado, ele mesmo demonstrou praxeologicamente a validez da iniciação de agressão, de modo que seu discurso em defesa da não-punição pode ser invalidado, evocando, para isso, o princípio da consistência. Daí o nome estoppel, pois o princípio tira a permissão legal do argumentador de ignorar ou negar seus próprios atos ou as consequências deles, quando defende um direito que os contradiga. São antigos ditados como “ação valem mais que palavras” ou “faça o que você diz” colocados em prática pela Direito. De fato, Lorde Coke, lembrou explicitamente esse fato ao lembrar que a palavra “estoppel” é usada “porque os atos ou a aprovação de um homem lhe impedem ou fecham-lhe a boca para alegar ou pugnar a verdade.”

Esquematicamente, Kinsella colocou a abordagem da seguinte forma:

“Se B é um agressor violento, tal como um assassino ou um estuprador, como ele poderia não consentir a qualquer punição que A, a vítima (ou a agência da vítima), tentar impingir? Para objetar a sua pena, B deve entrar num diálogo com A; ele deve, pelo menos temporariamente, adotar a posição de uma pessoa pacífica, civilizada, tentando mostrar a A, através do uso da razão e de princípios universais consistentes, por que A não deveria puni-lo. Mas para fazer isso, B deve em essência reivindicar que A não deveria usar força contra ele (B), e para fazer isso B deve reivindicar que é errado usar força. Mas, uma vez que B iniciou o uso de força, ele admitiu (acreditou nisto) que é apropriado usar força, e B iria se contradizer se afirmasse o oposto. Dado que contradições são sempre falsas e que um objetivo inegável do discurso é estabelecer a verdade, tais contradições são excluídas do discurso, já que não podem tender a estabelecer a verdade. Desse modo, B é impedido de fazer essa afirmação contraditória e é, portanto, incapaz de objetar sua punição.” [31]

Vamos denominar essa contradição entre uma alegação de um indivíduo com sua conduta conduta prévia de estoppel dialógico. Observe a semelhança com a contradição performativa, usada no arcabouço lógico da ética argumentativa, onde é explorada uma contradição entre (1) o conteúdo de uma proposição e (2) os pressupostos necessários para enunciá-la em diálogo com outro interlocutor. Vamos mostrar como, a partir da já conhecida contradição performática, obter a dialógica juntando algumas informações extras. Vamos começar com um exemplo simples, considerando a seguinte proposição: “João traiu sua esposa ontem” (1′). Claramente, se tal proposição se confirmar como verídica, podemos trivialmente rejeitar a posição de João caso ele alegue: “Eu não traí minha esposa ontem.” Contudo, a situação se alterada se João faz a seguinte afirmação normativa mais ampla: “Reivindicações feitas por fornicadores devem ser descartadas, sendo consideradas falsas” (2′). Com efeito, a partir de (1′) e (2′), obtem-se o seguinte corolário:

A proposição “Alegações feitas pelos fornicações são falsas” deve ser rejeita como falsa. (3′)

Tendo em vista as informações acerca do status daquele que afirma e sua correlação lógica com o conteúdo normativo de seu discurso, vemos que como certas proposições normativas podem ser classificadas como contraditórias e assim descartadas. Tal contradição é o que chamamos de preclusão dialógica. No nosso exemplo, a preclusão ou o estoppel é aplicado ao privarmos João de afirmar (2′), tendo em vista (1′) uma vez que nesse caso segue (3′).

Agora, vamos retornar à discussão entre o agressor e vítima. O agressor pode querer opor-se a sua punição, alegando “A agressão contra mim não se justifica, porque eu detenho propriedade sobre próprio o meu corpo físico.” Reivindicar que uma ação não é justificada é essencialmente afirmar que tal ato implica na legalidade do uso de força retaliativa. No entanto, dado o agressor cometeu um ato de agressão contra o corpo de outra pessoa, se ele faz tal afirmação normativa, então ele deve também aceitar que a agressão contra ele é justificada em retaliação às suas próprias ações. Portanto, um agressor não pode opor-se à sua punição sem cair em uma contradição de preclusão dialógica. Sua objeção, dadas as suas acções anteriores, simplesmente não é logicamente consistente. Com isso, e dado que o debate é uma atividade que busca a verdade, o agressor pode ser impedido (precluído [estopped]) de objetar sua pena e assim caímos em situação análoga onde ele consente com sua pena, justificando-a.

Notas

[1] Para mais detalhes sobre a posição de Mises sobre ética e utilitarismo, veja aqui.

[2] Veja, Murray Rothbard; A Ética da Liberdade. Ed. São Paulo. Instituto Ludwig von Mises Brasil, 2010. Disponível online aqui.

[3] Para um tratamento sistemático da praxeologia e seus implicações no âmbito econômico, veja Ludwig von Mises; Ação Humana: Um Tratado de Economia. Ed. São Paulo. Instituto Ludwig von Mises Brasil, 2010. Disponível online aqui.

[4] Citação retirada do artigo “Para Além do Ser e do Dever”, originalmente publicado no periódico Liberty, Novembro 1988. Uma tradução para o português pode ser lida aqui.

[5] Para mais detlhes técnicos e históricos sobre as contribuições de Rothbard à Ética da propriedade privada, veja essa introdução de Hans-Hermann Hoppe a seu segundo magnum opus Ética da Liberdade (c.f. nota [2] acima).

[6] Citação retirada do livro:

Hoppe, Hans-Hermann, The Economics and Ethics of Private Property, (1993) Boston, MA: Kluwer. Auburn, AL: 2007, pag. 131.

Ainda indisponível em língua portuguesa, sua versão original em inglês pode ser encontrada aqui.

[7] Veja o seu artigo “Action Based Jurisprudence”, disponível em inglês aqui.

[8] Citação tirada do livro Teoria e História.

[9] A epistemologia kantiana forma a base na qual Ludwig von Mises dá sustentação à Ciência Praxeológica, daí a importância de um correto entendimento de seus conceitos básicos. Para um aprofundamento de questões chaves como o conceito de sintético a priori discutido aqui, veja:

Kant, I. Crítica da razão pura. Trad. Valério Rohden e Udo B. Moosburger. São Paulo: Abril Cultural, 1980.(Coleção os pensadores).

Para uma discussão mais informal sobre a epistemologia misesiana e sua relação com a Ciência Econômica, veja:

Hoppe, Hans-Hermann, A Ciência Econômica e o Método Austríaco – São Paulo: Instituto Ludwig von Mises Brasil, 2010.
Disponível online aqui.

[10] Citação retirada do artigo “Praxeologia: o Método dos Economistas Austríacos“, disponível aqui.

[11] Veja:

Böhm-Bawerk, Eugen von. 1962 [1881]. “Whether Legal Rights and Relationships are Economic Goods.” Shorter Classics of Eugen von Böhm-Bawerk. South Holland, Illinois: Libertarian Press. Originalmente, “Rechte und Verhältnisse vom Standpunkte der volkwirtschaftlichen Güterlehre.” Innsbruck, Austria: Verlag der Wagner’schen Universitäts-Buchhandlung.

[12] O Bitcoin é o primeiro e mais importante dinheiro eletrônico sem autoridade central, baseado numa tecnologia open-source inédita chamada Blockchain, desenvolvida por Satoshi Nakamoto em janeiro de 2009. Para uma indrodução a essa inovadora tecnologia e suas implicações para nossa realidade, veja esse livro.

[13] Para uma discussão detalhada sobre o fato dos Bitcoins serem apropriáveis, veja esse trabalho de Konrad Graf.

[14] Uma breve introdução ao funcionamento da blockchain pode ser lida aqui.

[15] O austríaco Carl Menger, em seu Princípios de Economia Política, chegou à mesma conclusão dos pré-clássicos: o valor é subjetivo. Mais precisamente, o valor nada tem a ver com a quantidade de trabalho empregada na produção da coisa, mas depende de sua utilidade para a satisfação de um propósito de uma determinada pessoa. A utilidade decresce à medida que mais unidades de um dado bem são adquiridas, posto que a primeira unidade é empregada na função mais urgente segundo a escala de valores de cada um, a segunda unidade exerce a função imediatamente menos urgente etc.

[16] Como dito antes, essa exposição será baseada na ética argumentativa hoppeana, exposta originalmente pelo próprio Hans-Hermann Hoppe nesse artigo. No presente texto, daremos uma abordagem mais detalhada e de um ponto de vista mais formal, evidenciando seus passos lógicos fundamentais, bem como certos aspectos gerais que a caracterizam como uma vertente da praxeologia misesiana.

[17] Para mais detalhes sobre a questão do controle corporal e também uma correta interpretação do mecanismo de contradição performativa (ou performática) dentro do escopo da ética argumentativa, veja o artigo A Reply To The Current Critiques Against Hoppe’s Argumentation Ethics de Marian Eabrasu, disponível em português aqui.

[18] Passagens extraídas da obra:

Hoppe, Hans-Hermann, Uma Teoria Sobre Socialismo e Capitalismo (Ed. São Paulo, Instituto Ludwig Von Mises Brasil), capítulo 7.

Esse livro, cuja leitura é de suma importância para um aprofundamento nas filosofias políticas socialistas e na libertária (capitalista), está disponível online aqui.

[19] No segundo volume de seu clássico “Dois Tratados Sobre o Governo Civil”, o chamado “Segundo Tratado Sobre o Governo”, John Locke escreveu:

“todo homem tem uma propriedade em sua própria pessoa. A esta ninguém tem qualquer direito a não ser ele mesmo. O trabalho de seu corpo e a obra de suas mãos… são propriedade sua. Por isso, seja o que for que ele tira do estado que a natureza proporcionou e ali deixou, ele misturou aí o seu trabalho, acrescentando algo que lhe é próprio, e assim o torna sua propriedade”

[20] Citação retirado do livro Ética da Liberdade (ver nota [2]), pag. 89.

[21] Citação retirada do livro The Economics and Ethics of Private Property (ver nota [3]), pag. 320.

[22] Geralmente, os libertários usam o termo “moral” para se referir aos costumes e comportamentos preferíveis, enquanto que o termo “ética” é reservado para denotar um subconjunto dos valores morais, no qual os comportamentos que se desviam daqueles previstos justificam o uso de força retaliativa. Em seu artigo Private Property and Collective Ownership, [em Tibor Machan, ed., The Libertarian Alternative (Chicago: Nelson-Hall, 1974), págs. 120–21], o padre James A. Sadowsky, reservando à Ética o respeito à propriedade privada, resume bem essa distinção:

Quando dizemos que alguém tem o direito de fazer algo, queremos dizer isto e tão somente isto, a saber, que seria imoral para outro, sozinho ou em grupo, impedi-lo de fazê-lo através da ameaça ou do uso de força física. Nós não queremos dizer que qualquer uso que um homem faça de sua propriedade dentro dos limites expostos seja necessariamente moral.

Contudo, não há consenso sobre o uso dos termos ética e moral. No presente texto, estamos lidando com um conceito bem geral de ética, a fim de evitar desavenças: a ética é uma disciplina que se ocupa com os critérios de correção ou incorreção de ações humanas no que se refere especialmente a suas relações com outros seres humanos. No segundo capítulo de suas “Lições Sobre Ética”, Ernst Tugendhat faz um histórico do termo. Aristóteles tinha designado como “éticas” sua investigação sobre ēthe, sobre as qualidades de caráter boas e más, ou em outras palavras, sobre as virtudes eos vícios. A palavras grega ēthikos foi traduzida em latim por moralis, que significa costumes e hábitos. Segundo Tgendhat, ocorreu aí um curioso erro de tradução por parte dos escritores latinos, que se orientaram pela palavra ēthe, que significava, para Aristóteles, hábitos. Foi dessa confusão que surgiu a nossa palavra moral. Geralmente, tendo em vista isso, a maioria dos autores consideram os termos intercambíveis ou equivalentes. Outros costumam diferenciá-los. Os kantianos geralmente reservam a palavra “ética” para designar aquela disciplina que se ocupa com determinados âmbitos da experiência humana, ou seja, dos problemas morais, em oposição a problemas do âmbito jurídico, político e estético. Fora da Filosofia, e em uso na linguagem usual, a ética se refere à disciplina que visa obter certas regras morais por inspeção racional e foi nesse sentido que Rothbard empregou o termo no seu Ética da Liberdade. Assim, para Rothbard, a ética se refere ao respeito à propriedade justamente adquirida. Já a moral, como observado assim, seria um conjunto de regras cotidianos referentes aos hábitos das pessoas quando interagem em sociedade.

[23] Para uma justificação detalhada do porquê apenas as normas de delimitação libertárias evitam os conflitos, veja esse artigo de minha autoria.

[24] Citação retirada do artigo “O que é Libertarianismo”, disponível aqui.

[25] O princípio da não-agressão foi primeiramente formulado pela filósofa e romancista Ayn Rand. Em seu livro, A virtude do egoísmo, de 1961, Rand escreve: “A pré-condição de uma sociedade civilizada é a restrição da força física nas relações sociais. […] Numa sociedade civilizada, a força pode ser usada apenas em retaliação e somente contra aqueles que iniciam a sua utilização.” Segundo Rothbard, nesse seu artigo sobre o PNA, “todo o credo libertário se baseia em um axioma central: nenhum homem, ou grupo de homens, pode cometer uma agressão contra a pessoa ou a propriedade de terceiros inocentes.” Para mais detalhes históricos sobre o PNA, bem como seu correto entendimento dentro do ponto de vista rothbardiano, veja o artigo “Entendendo o Princípio da Não-Agressão”, de Filipe Celeti, disponível aqui.

[26] Esse artigo está disponível em português aqui.

[27] Essa citação foi destacada por Hans-Hermann Hoppe do artigo:
Reinach, Adolf. 1989.“Über den Ursachenbegriff im geltenden Strafrecht.” In Reinach, Sämtliche Werke, Vol. I. München: Philosophia.

[28] Citação retirada do artigo “Propriedade, Causalidade e Responsabilidade Legal”, de Hans-Hermann Hoppe, onde também é possível encontrar outras análises comparativas entre Rothbard e Reinach. Esse artigo está disponível em português aqui.

[29] Ver Lord Coke, Commentary Upon Littleton 352a (1628), citado em 18 Am. Jur. 2d, Estoppel and Waiver, §1.

[30] Para uma discussão detalhada sobre o tema, incluindo respostas a possíveis objeções iniciais que se pode fazer a respeito da teoria da preclusão, veja o artigo original de Kinsella.

[31] Citação retirada do artigo “Novas Direções Racionalistas nas Teorias Libertárias do Direito”, disponível em português aqui.

2 COMENTÁRIOS

  1. A Economia, como diria Mises, é o ramo da praxeologia até agora mais desenvolvido. A partir da ética argumentativa de Hans-Hermann Hoppe, contudo, outro ramo praxeológico começou a avançar: o da teoria ética ou legal. Nesse trabalho do Lacombi já verificamos avanços de imensa relevância para esse ramo do saber. Embora haja pouquíssimos trabalhos sobre a teoria austríaca da justiça — visto que a Escola Austríaca não se restringe mais ao campo econômico — em comparação à quantidade de estudos sobe a teoria austríaca da economia, aquela primeira já vem esboçando uma estrutura ordenada, que culminará num edifício teórico legal tão inabalável e estético quanto o edifício da Economia misesiana.

  2. Artigo sensacional, junto com “Economia e Ética da Propriedade Privada” (Hans Hermann Hoppe) e “A Ética Objetivista” (Ayn Rand) é um dos melhores artigos sobre ética que já li.

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