Os habitantes de Veneza votaram para se separar da Itália – o que isso significa para a Europa?

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veneza-830x474_830x474Com 89% dos votos a favor, os cidadãos de Veneza decidiriam em um referendo se separar da Itália (veja a notícia em italiano, em inglêse em português).

Na prática, o que isso realmente significa é que os venezianos não mais estão a fim de serem obrigados a pagar impostos para sustentar Roma.  Aparentemente, os venezianos — que residem naquela que foi a histórica capital de uma das mais ricas e mais bem-sucedidas repúblicas da história da humanidade — não querem mais subsidiar os notoriamente corruptos burocratas de Roma.

O sul da Itália sempre foi considerado pelos habitantes do norte — que é mais rico, mais limpo e mais eficiente — como um sorvedouro de recursos.  Os habitantes do norte trabalham para sustentar, via impostos, o dolce far niente dos habitantes do sul.  De acordo com a reportagem do jornal The Daily Mail, já há movimentações para estender o movimento secessionista para outras áreas do norte da Itália.

Um dos organizadores do movimento secessionista é seguidor das ideias de Hans-Hermann Hoppe:

O ativista Paolo Bernardini, professor de história europeia da Universidade de Insubria, em Como, no norte da Itália, disse que ‘já era hora’ de Veneza voltar a ser um estado autônomo.

‘Embora a história jamais se repita, estamos hoje vivenciando um forte retorno ao arranjo de pequenas nações, de países pequenos e prósperos, capazes de interagir entre si em um mundo globalizado.’

‘O povo veneziano percebeu que somos uma nação digna de autonomia e que não mais deve ser abertamente oprimida por uma burocracia longínqua.  Todo o mundo está se movendo em direção à fragmentação; trata-se de uma fragmentação positiva, em que as tradições locais se misturam às trocas comerciais globais’.

Luca Zaia, membro da separatista Liga do Norte, exultou: “O desejo e o clamor pela secessão estão crescendo de forma muito robusta.  Estamos apenas no Big Bang do movimento separatista — mas revoluções são originadas de fome, e estamos muito famintos.  Veneza pode agora se libertar.”

A nova Repubblica Veneta seria formada por cinco milhões de habitantes da região de Veneto.  Caso a secessão de Veneza realmente aconteça, a região da Lombadia e a província de Trento provavelmente farão o mesmo, gerando uma profunda partição da Itália.

Naturalmente, as grandes nações-estado da Europa odeiam — e estão apavoradas com — ocorrências como essa.  Porém, como bem sabe qualquer um que conheça minimamente a história da Europa, não há praticamente nenhuma “tradição” no atual formato das fronteiras europeias.  Logo, os burocratas das grandes nações simplesmente não têm argumentos para dizer que as “tradições” devem ser mantidas.  O atual formato da Itália foi desenhado por políticos, assim como o da Alemanha, que foi moldada à força por políticos autoritários como Otto von Bismarck, que obviamente odiava o liberalismo clássico e o capitalismo com todas as fibras do seu ser.

A Europa em polvorosa

Os movimentos secessionistas estão se espalhando por toda a Europa.

A ilha de Sardenha também quer se separar da Itália e se tornar uma nova Suíça.

Ao prepararem seu referendo, os venezianos foram à Escócia para observar todos os preparativos que estão sendo feitos pelo Partido Nacional da Escócia para o referendo que irá ocorrer no dia 18 de setembro deste ano.  A intenção dos escoceses é abolir o Tratado de União de 1707, e com isso se separar em definitivo da Inglaterra.

Também observando os preparativos da Escócia estavam representantes da Catalunha, que irão fazer um referendo similar no segundo semestre para se separar da Espanha.  Secessionistas do País Basco também estavam presentes na Escócia.

Em um relatório publicado recentemente intitulado de “A Europa sob julgamento“, uma pesquisa feita com 20.000 britânicos descobriu que a Rússia (antes da crise com Kiev e da anexação da Criméia) era vista mais positivamente do que a União Europeia e o Parlamento Europeu.

Por uma diferença de 49 a 31, os cidadãos da Grã-Bretanha acreditam que os custos da filiação à União Europeia sobrepujam os benefícios, e estão igualmente divididos, 41-41, sobre se devem ou não sair totalmente da União Europeia.

O primeiro-ministro britânico David Cameron já marcou para 2017 um referendo sobre a continuidade da filiação à União Europeia.  Ao que tudo indica, o Partido Trabalhista britânico — até então o mais favorável à manutenção da união —, percebendo a impopularidade de UE, também parece mais aberto a alterar o tratado da UE e a fazer um referendo para se despedir da Europa caso voltem ao poder em 2015.

Por que a UE está sob esta crescente pressão centrífuga?  Por que várias nações da Europa estão no limiar da secessão?

Não há uma explicação única ou simples.

Veneza e todo o norte da Itália se sentem explorados.  “Por que temos de subsidiar um sul que é menos trabalhador e mais preguiçoso, e que consome os impostos que geramos aqui?”, perguntam eles.  Vários italianos do norte acreditam terem muito mais em comum com os suíços do que com os romanos, napolitanos e sicilianos.

Na Bélgica, a região de Flandres pensa o mesmo sobre os valões.

Escoceses e catalães acreditam ter uma cultura, uma história e uma identidade totalmente distinta das nações às quais pertencem.

Por toda a Europa, há também um temor de que o caráter étnico de seus países esteja sendo alterado permanentemente, e contra a vontade de sua população.  Búlgaros, romenos e ciganos chegam em levas do Leste Europeu, buscando asilo e refúgio econômico no lado ocidental.  Migrantes desembarcam aos milhares anualmente na ilha italiana de Lampedusa e nas Canárias espanholas.  Recentemente, o The New York Timesrelatou um surto de 80.000 migrantes africanos buscando refúgio nos pequenos enclaves espanhóis de Ceuta e Melilha na costa do Marrocos.

O objetivo dessas pessoas desesperadas?  Usufruir o rico estado assistencialista oferecidos pelos países do Velho Continente.  Pessoas reagem a incentivos e, se há o estímulo do assistencialismo, é impossível conter o desejo delas.  A culpa não é dos imigrantes, que compreensivelmente querem melhorar de vida, mas sim do generoso estado assistencialista, que utiliza os impostos incidentes sobre a população que trabalha para bancar os privilégios de quem não trabalha.  E os gastos dessa “caridade” não param de crescer.

Obviamente, aqueles que sustentam tudo isso já estão previsivelmente fartos, e buscam na secessão uma maneira de preservar suas riquezas.

Os filhos da Europa estão hoje se rebelando contra as consequências daquilo que seus pais, paralisados pelo temor do politicamente correto, se recusaram a atacar.

Era previsível, foi previsto, e vai acontecer.

O futuro

No caso específico de Veneza, será interessante ver o que Roma irá fazer.  Será que seus burocratas mandarão um exército para coletar seus impostos?  Talvez irão apenas fazer uma guerra cultural e recorrer a algum tipo de campanha de ódio contra os venezianos, apelando a um suposto patriotismo italiano.  Essas coisas quase sempre funcionam.

Dado que Obama recentemente declarou que todos os movimentos de secessão são ilegítimos (exceto aqueles apoiados pelo governo americano, é claro), ainda não dá para prever qual será o apoio que Veneza pode esperar da comunidade internacional.

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Em uma entrevista concedida em 2004, Hans-Hermann Hoppe falou sobre as vantagens de um arranjo formado por países pequenos e independentes:

Ao contrário, a maior esperança para a liberdade vem justamente dos países pequenos: Mônaco, Andorra, Liechtenstein, e até mesmo Suíça, Hong Kong, Cingapura, Bermuda etc.  Quem preza a liberdade deveria torcer e fazer de tudo pelo surgimento de dezenas de milhares destas entidades pequenas e independentes.  Por que não uma Istambul e uma Esmirna livres e independentes, que mantêm relações cordiais com o governo central da Turquia, mas que não têm de pagar impostos e nem receber repasses, e que não mais reconhecem as leis impostas pelo governo central, pois têm as suas próprias?

Os apologistas de um estado forte e centralizado alegam que tal proliferação de unidades políticas independentes levaria à desintegração econômica e ao empobrecimento.  No entanto, não apenas a evidência empírica contradiz esta alegação — todos os pequenos países citados acima são mais ricos que seus vizinhos —, como também uma reflexão teórica mostra que tal alegação não passa de mais um mito estatista.

Governos pequenos possuem vários concorrentes geograficamente próximos.  Se um governo passar a tributar e a regulamentar mais do que seus concorrentes, a população emigrará, e o país sofrerá uma fuga de capital e mão-de-obra.  O governo ficará sem recursos e será forçado a revogar suas políticas confiscatórias.  Quanto menor o país, maior a pressão para que ele adote um genuíno livre comércio e maior será a oposição a medidas protecionistas.  Toda e qualquer interferência governamental sobre o comércio exterior leva a um empobrecimento relativo, tanto no país quanto no exterior.

Porém, quanto menor um território e seu mercado interno, mais dramático será esse efeito.  Se os EUA adotarem um protecionismo mais forte, o padrão de vida médio dos americanos cairá, mas ninguém passará fome.  Já se uma pequena cidade, como Mônaco, fizesse o mesmo, haveria uma quase que imediata inanição generalizada.

Imagine uma casa de família como sendo a menor unidade secessionista concebível.  Ao praticar um livre comércio irrestrito, até mesmo o menor dos territórios pode se integrar completamente ao mercado mundial e desfrutar todas as vantagens oferecidas pela divisão do trabalho.  Com efeito, seus proprietários podem se tornar os mais ricos da terra.  Por outro lado, se a mesma família decidir se abster de todo o comércio inter-territorial, o resultado será a pobreza abjeta ou até mesmo a morte.  Consequentemente, quanto menor for o território e seu mercado interno, maior a probabilidade de sua adesão ao livre comércio.

Por fim, irei apenas mencionar, mas sem no entanto adentrar em detalhes explicativos por pura falta de espaço, que a secessão também promoveria uma integração monetária e levaria à substituição do atual sistema monetário baseado em moedas fiduciárias nacionais — que flutuam entre si e se desvalorizam diariamente — por um padrão monetário baseado em uma commodity totalmente fora do controle dos governos.  Em suma, o mundo seria formado por pequenos governos liberais e seria economicamente integrado por meio do livre comércio e por uma moeda-commodity internacional, como o ouro.  Seria um mundo de prosperidade, crescimento econômico e avanços culturais sem precedentes.

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Participaram deste artigo:

Ryan McMaken, editor do site do Ludwig von Mises Institute dos EUA

Patrick Buchanan, co-fundador e editor da revista The American Conservative, e também autor de sete livros, dentre eles Where the Right Went WrongA Republic Not An Empire, e o polêmico Churchill, Hitler, and the Unnecessary War.

Hans-Hermann Hoppe, membro sênior do Ludwig von Mises Institute, fundador e presidente da Property and Freedom Society.  Recebeu seu Ph.D e fez seu pós-doutorado na Goethe University em Frankfurt, Alemanha.  É o autor, entre outros trabalhos, de Uma Teoria sobre Socialismo e Capitalismo e The Economics and Ethics of Private Property.

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