Os jogos de azar

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“Não roube: o governo detesta competição.” (Frase de bumper sticker)

A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara aprovou a legalização de bingo e videopôquer (máquinas caças-níqueis) dentro das casas de bingo. O projeto será votado pelo plenário da Câmara antes de ir para o Senado. Os jogos de bingo e as máquinas caça-níqueis estão proibidos no Brasil desde 2004, por conta de um escândalo envolvendo o governo Lula*. Os defensores da legalização do jogo argumentam em prol da criação de empregos, e os opositores afirmam que o jogo é prejudicial e serve para atividades criminosas, como lavagem de dinheiro. Ambos os lados erram o foco.

O argumento de que há muita corrupção associada aos bingos, incluindo lavagem de dinheiro, e que por isso eles devem ser vetados, é totalmente absurdo. Por essa “lógica”, teríamos que acabar com quase todas as atividades, sem falar do próprio governo (essa até não seria má idéia). A fiscalização deve conter os abusos, mas estes não devem tolher o uso. E o uso do jogo como entretenimento é uma escolha individual. Não há crime no ato de participar de algum jogo de azar. E não é porque alguns exploram esse negócio de forma irresponsável que os demais devem perder o direito de manter sua diversão.

Além disso, é preciso ter em mente que os crimes que acompanham a atividade dos jogos de azar são, em boa parte, resultado justamente de sua proibição pelo governo. Quando este decide que certa atividade é ilegal, mesmo que se trate de uma troca voluntária sem vítimas, ele está empurrando para os verdadeiros crimes todos os envolvidos no setor. Basta pensar quais são os setores com maior grau de corrupção e criminalidade. Prostituição, jogos de azar e consumo de drogas, esses são os inimigos públicos número um, não por sua própria natureza, mas sim porque o governo resolveu que são todos ilegais.

O caso do jogo do bicho é sintomático. O jogo recebeu esse nome quando foi lançado, em julho de 1892, por João Batista Vieira Drummond, o barão de Drummond, dono de uma chácara com um pequeno jardim zoológico localizado em Vila Isabel, Rio de Janeiro. Antes do bicho, havia outros jogos semelhantes no Brasil, como os jogos das flores, das frutas e dos pássaros. Manuel Zevada, um mexicano e influente banqueiro do jogo das flores, propôs ao barão a criação de uma réplica de tal jogo, só que usando bichos. O objetivo era conseguir recursos para manter os animais e toda a estrutura do zoológico. Os visitantes eram estimulados a participar de sorteios. Cada bilhete trazia o desenho de um bicho. Tratava-se claramente de um empreendimento criativo. Mas o governo não gosta de competição, e condenou os “banqueiros do bicho” à ilegalidade, ainda que o próprio governo ofereça loterias e “raspadinhas”. O convite ao crime foi feito pelo próprio governo.

Na mesma linha, temos o exemplo do ramo de bebidas. Em Chicago, durante a Lei Seca, tivemos o famoso Al Capone, um criminoso que se meteu em diversos negócios ilegais, uma vez que seu contrabando de bebidas proibidas já tinha aberto o caminho para o resto. O governo havia decidido, através de uma lei, que a demanda existente da população por bebidas com álcool não mais poderia ser atendida pelo livre mercado. Mas papel e caneta nunca foram capazes de alterar as leis da natureza, e a demanda continuou existindo. Alguém iria atendê-la, e este foi Al Capone. O governo foi o verdadeiro responsável pelo surgimento de alguém como ele. Quando a proibição acabou, tivemos o nascimento de grandes e importantes empresas, como a Coors e Imbev, fornecendo pacificamente seus produtos no mercado.

Por fim, resta o argumento de que o próprio indivíduo deve ser protegido dele mesmo pelo governo. Mas quem somos nós para decidir o que cada indivíduo fará da sua própria vida? Que direito tem a maioria, ou o Estado, de intervir numa decisão pessoal que diz respeito somente ao indivíduo? Liberdade pressupõe responsabilidade. Não podemos defender o direito de voto – infelizmente um dever no Brasil – e logo depois considerar os cidadãos como mentecaptos, incapazes de decidir o rumo de suas vidas. Não faz sentido algum. É uma enorme contradição pregar o sufrágio universal da democracia e o paternalismo estatal. E um Estado que proíbe o jogo porque os pobres cidadãos seriam vítimas de uma irresistível tentação é extremamente paternalista. Cidadãos não são súditos. Ao contrário, o governante é empregado do povo, e não tem o direito de jogar na ilegalidade um setor que atende uma demanda que afeta somente o indivíduo em si.

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* O cerco contra os bingos fechou quando o braço direito de José Dirceu, então todo-poderoso ministro de Lula, foi flagrado numa fita acertando propina com um bicheiro ligado aos bingos. Homem de extrema confiança de Dirceu, inclusive com fortes laços pessoais, Waldomiro Diniz foi pego numa gravação de vídeo cobrando propina do bicheiro Carlinhos Cachoeira. Waldomiro era subchefe de Assuntos Parlamentares da Presidência da República, e pelas evidências apresentadas extorquia dinheiro dos contraventores para engordar o caixa do partido. O esquema contava com a estrutura dos bingos. O PT se mobilizou para evitar a “CPI dos Bingos” e, em vez de estimular o avanço das investigações, decidiu simplesmente fechar as casas de jogo. A postura do governo Lula foi análoga a do marido traído que, ao flagrar a esposa com outro no sofá da sala, resolve jogar fora o sofá.

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