Por uma nova liberdade – O Manifesto Libertário

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15. UMA ESTRATÉGIA PARA A LIBERDADE

EDUCAÇÃO: TEORIA E MOVIMENTOE aí temos: um conjunto de verdades, sensato na teoria e capaz de ser aplicado aos nossos problemas políticos—o novo libertarianismo. Agora, no entanto, que temos a verdade, como poderemos alcançar a vitória? Estamos diante do grande problema estratégico de todos os credos “radicais” ao longo da história? Como podemos avançar de um ponto a outro, de nosso mundo atual, imperfeito e dominado pelo estado para a grande meta da liberdade?

Não existe uma formula mágica para a estratégia; qualquer estratégia para uma mudança social, que dependa da persuasão e da conversão, só pode ser uma arte, e não uma ciência exata. Uma vez dito isto, no entanto, ainda não nos encontramos desprovidos de sabedoria da busca de nossas metas. Pode haver uma teoria produtiva, ou, no mínimo, uma discussão teórica acerca da estratégia mais adequada para a mudança.

Num ponto dificilmente pode existir qualquer discordância: uma condição primordial e necessária para a vitória libertária (ou, na realidade, para a vitória de qualquer movimento social, do budismo ao vegetarianismo) é a educação: a persuasão e a conversão de um grande número de pessoas para a causa. A educação, por sua vez, tem dois aspectos vitais: chamar a atenção das pessoas para a existência deste sistema, e converter as pessoas ao sistema libertário. Se nosso movimento consistisse apenas de slogans, publicidade, e outros dispositivos visando chamar a atenção, poderíamos ser ouvidos por muitas pessoas, mas logo se descobriria que não teríamos nada a dizer—e o que teríamos a dizer seria inconstante e efêmero. Os libertários, portanto, devem refletir profundamente, se envolver no meio acadêmico, publicar artigos, periódicos e livros teóricos e sistemáticos, e participar de conferências e seminários. Por outro lado, uma mera elaboração da teoria não levará a lugar algum se ninguém ouvir falar dos livros e dos artigos; daí a necessidade de publicidade, slogans, ativismo estudantil, palestras, aparições no rádio e na televisão etc. A educação verdadeira não pode ter sequência sem a teoria e o ativismo, sem uma ideologia e pessoas que levem adiante esta ideologia.

Assim, da mesma forma que esta teoria precisa ser levada à atenção do público, ela também precisa de pessoas que empunhem a bandeira, discutam, suscitem debates e levem adiante a mensagem para um público cada vez maior. Novamente, tanto a teoria quanto o movimento se tornarão fúteis e estéreis sem que um ajude o outro; a teoria morrerá na praia se não contar com um movimento autoconsciente que se dedique a difundir a teoria e sua meta. Já o movimento se tornará uma mera ação sem sentido se perder de vista a ideologia e a meta que tem como alvo. Alguns teóricos libertários sentem que há algo de impuro ou vergonhoso a respeito de um movimento vivo, com indivíduos que realizam ações em prol dele; porém como é possível atingir a liberdade sem libertários para difundir a causa? Por outro lado, alguns militantes ativistas, em sua ânsia pelas ações— qualquer tipo de ação—desprezam o que parecem ser para eles discussões teóricas de salão; no entanto, suas ações se tornam fúteis, um desperdício de energia, se tiverem apenas uma ideia vaga daquilo a respeito do qual estão agindo.

Além do mais, frequentemente se ouve os libertários (bem como os membros de outros movimentos sociais) lamentarem que estão “apenas falando para si mesmos” com seus livros, publicações e conferências; que poucas pessoas do “mundo real” estão ouvindo. Mas esta acusação frequente é uma interpretação errônea e grave dos múltiplos propósitos da “educação” em seu sentido mais amplo. Não é necessário apenas educar osoutros; uma autoeducação contínua também é (igualmente) necessária. As organizações de libertários devem sempre tentar recrutar outros para as suas fileiras, seguramente; mas também devem tentar manter estas fileiras vibrantes e saudáveis. A educação de “nós mesmos” atinge duas metas vitais. Uma é o refinamento e a divulgação da “teoria” libertária—a meta e o propósito de todos os nossos esforços. O libertarianismo, embora seja vital e verdadeiro, não pode ser apenas inscrito em tábuas de pedra; ele precisa ser uma teoria viva, divulgada através de obras escritas e de debates, através da refutação e do combate aos erros à medida que eles forem surgindo. O movimento libertário tem dúzias de pequenos boletins informativos e revistas, que vão de páginas mimeografas a publicações elegantes, surgindo e desaparecendo constantemente. Este é um sinal de um movimento saudável e em crescimento, um movimento formado por inúmeros indivíduos que estão constantemente pensando, argumentando e contribuindo.

Mas existe outro motivo crítico para “falarmos a nós mesmos”, mesmo que isto seja tudo o que façamos. E é este reforço—o conhecimento psicológico necessário de que existem outras pessoas que pensam de maneira similar e que estão dispostas a convencer, discutir e, de modo geral, comunicar e interagir umas com as outras. Atualmente, o credo libertário ainda está restrito a uma minoria relativamente pequena, e, ademais, propõe mudanças radicais no status quo. Logo, ele está fadado a ser um credo solitário, e o reforço de ter um movimento de “falar com nós mesmos” pode servir para combater e superar este isolamento. O movimento atual já é suficientemente velho para ter um conjunto de desertores; porém uma análise destas deserções mostra que, em quase todos os casos, o libertário se viu isolado, afastado do companheirismo e da interação com seus colegas. Um movimento florescente, que conte com um senso de comunidade e esprit de corps é o melhor antídoto contra o abandono da liberdade como sendo uma causa perdida ou “impraticável”.

 

SOMOS “UTOPISTAS”?

Certo, teremos uma educação fornecida tanto através da teoria quanto por um movimento. Mas qual então deverá ser o conteúdo desta educação? Todo credo “radical” está sujeito à acusação de ser “utópico”, e o movimento libertário não é exceção. Alguns dos próprios libertários sustentam que não devemos assustar as pessoas por sermos “radicais demais”, e que, portanto, a ideologia e o programa libertário completos devem ser escondidos do público. Estas pessoas advogam um programa “fabiano” de gradualismo, concentrando-se apenas numa erosão gradual do poder do estado. Um exemplo estaria no campo dos impostos: em vez de se advogar a medida “radical” da abolição de toda e qualquer forma de taxação, ou até mesmo a abolição do imposto de renda, deveríamos nos restringir a pedir por pequenas melhorias; digamos, uma redução em dois por cento no imposto de renda.

No campo do pensamento estratégico, é conveniente aos libertários aprenderem com as lições dos marxistas, já que eles vêm pensando a respeito das estratégias para mudanças sociais há mais tempo que qualquer outro grupo. Assim, os marxistas veem duas falácias estratégias de importância crítica que “desviam” o movimento de seu caminho adequado: uma é o que eles chamam de “sectarismo de esquerda”; o outro, e contrário, é o “oportunismo de direita”. Os críticos dos princípios libertários “extremistas” são análogos aos “oportunistas de direita” marxistas; o principal problema desses oportunistas é que, ao se restringirem estritamente a programas “práticos” e graduais, programas que têm uma boa chance de serem adotados imediatamente, eles correm um grande risco de perder de vista o objetivo final, a meta libertária. Aquele que se restringe ao pedir por uma redução de dois por cento nos impostos ajuda a sepultar a meta final, e, portanto, o ponto de ser um libertário em primeiro lugar. Se os libertários se recusarem a empunhar alto a bandeira do princípio puro, da meta final, quem o fará? A resposta é: ninguém, já que uma das principais fontes de deserção do movimento nos últimos anos tem sido esse caminho errôneo do oportunismo. Um caso célebre de deserção devido ao oportunismo é o de alguém que chamaremos “Robert”, que se tornou um libertário dedicado e militante no início da década de 1950. Apelando rapidamente para o ativismo e as conquistas imediatas, Robert chegou à conclusão de que o caminho estratégico mais adequado seria minimizar todo o discurso da meta libertária e, em especial, a hostilidade libertária ao governo. Sua meta era enfatizar apenas os aspectos “positivos” e o que as pessoas poderiam realizar através das ações voluntárias. À medida que sua carreira avançou, Robert começou a achar os libertários intransigentes um estorvo; então passou a demitir sistematicamente qualquer membro de sua organização que fosse pego tendo pontos de vista “negativos” a respeito do governo. Não demorou até que Robert abandonasse aberta e explicitamente a ideologia libertária e passasse a advogar uma “parceria” entre o governo e a iniciativa privada—entre algo coercitivo e algo voluntário—em suma, visando abertamente conseguir o seu lugar noestablishment. No entanto, quando se embriagava, Robert se referia a si mesmo até mesmo como um “anarquista”, porém apenas num mundo de fantasia, abstrato, totalmente desconexo do mundo tal como ele é.

O economista de livre mercado F. A. Hayek, ele próprio de maneira alguma um “extremista”, escreveu de maneira eloquente a respeito da importância vital para o sucesso da liberdade de se manter elevada uma ideologia pura e “extrema”, como um credo a nunca ser esquecido. Hayek escreveu que um dos grandes atrativos do socialismo sempre foi a sua ênfase contínua numa meta “ideal”, um ideal que permeia, informa e guia as ações de todos aqueles que lutam para obtê-lo. Hayek então acrescentou:

Devemos fazer novamente da construção de uma sociedade livre uma aventura intelectual, um feito de coragem. O que nos falta é uma utopia liberal, um programa que não seja apenas uma mera defesa das coisas tais como elas são nem uma forma diluída de socialismo, mas um radicalismo verdadeiramente liberal, que não poupe a suscetibilidade dos poderosos (incluindo os sindicatos trabalhistas), que não seja excessivamente pragmático e que não se restrinja apenas ao que atualmente pareça ser possível, politicamente. Precisamos de líderes intelectuais que estejam preparados a resistir aos agrados do poder e da influência, e que estejam dispostos a trabalhar por um ideal, por menores que sejam as perspectivas de sua realização inicial. Eles precisam ser homens dispostos a se ater a princípios e a lutar pela realização integral destes princípios, por mais remotos que eles sejam. (…) O livre comércio a liberdade de oportunidade são ideais que ainda atiçam a imaginação de um grande número de indivíduos, porém uma simples “liberdade razoável de comércio” ou uma mera “atenuação dos controles” não é algo nem intelectualmente respeitável nem capaz de despertar qualquer entusiasmo. A lição principal que o liberal genuíno deve aprender com o sucesso dos socialistas é que ser utopista foi um ato de coragem da parte deles, que lhes conquistou o apoio dos intelectuais e, por consequência, uma influência sobre a opinião pública que torna possível, cotidianamente, o que até pouco tempo atrás parecia ser algo totalmente remoto. Aqueles que se preocupam exclusivamente com aquilo que parecia praticável no estado dos pontos de vista já existentes descobriram constantemente que até mesmo isto se torna rapidamente impossível, politicamente, devido às mudanças na opinião pública, que eles nada fizeram para orientar. A menos que possamos novamente fazer das fundações filosóficas de uma sociedade livre uma questão intelectual mais viva, e sua implementação uma tarefa que desafie a engenhosidade e a imaginação de nossas mentes mais brilhantes, as perspectivas da liberdade são, de fato, sombrias. Mas se pudermos reconquistar aquela crença no poder das ideias que caracterizou o liberalismo em seu melhor momento, a batalha não está perdida.[1]

Hayek está ressaltando aqui uma verdade importante, e um motivo importante para enfatizar a meta final: a excitação e o entusiasmo que um sistema que tem uma lógica consistente é capaz de inspirar. Quem, por outro lado, iria às barricadas por uma redução de dois por cento no imposto de renda?

Existe outro motivo tático vital para se apegar aos princípios puros. É verdade que os eventos sociais e políticos cotidianos resultam de diversas pressões, os resultados frequentemente insatisfatórios dos movimentos opostos e conflitantes das diferentes ideologias e interesses. Mas, ainda que apenas por este motivo, é ainda mais importante que o libertário continue a aumentar as apostas. O chamado por uma redução de dois por cento no imposto de renda pode conseguir apenas a leve moderação de um aumentoprojetado nos impostos; um chamado por um corte drástico nos impostos pode de fato conseguir uma redução significativa. E, ao longo dos anos, esse é exatamente o papel estratégico do “extremista”, continuar a empurrar a matriz das ações cotidianas cada vez mais rumo a esta direção. Os socialistas foram particularmente adeptos desta estratégia. Se olharmos o programa socialista proposto 60, ou mesmo 30 anos atrás, ficará evidente que medidas que eram consideradas perigosamente socialistas há uma ou duas gerações atualmente são consideradas parte indispensável do “mainstream” da herança americana. Assim, os compromissos cotidianos de uma política supostamente “prática” acabam sendo empurrados, inexoravelmente, para a direção coletivista. Não há motivo pelo qual os libertários não possam obter o mesmo resultado. Na realidade, um dos principais motivos pelo qual a oposição conservadora ao coletivismo tem sido tão fraca é que o conservadorismo, por sua própria natureza, não oferece uma filosofia política consistente, mas apenas uma defesa “prática” do status quo existente, reverenciado como uma encarnação da “tradição” americana. No entanto, à medida que o estatismo cresce e se expande, ele se torna, por definição, cada vez mais entrincheirado e, por consequência, “tradicional”; o conservadorismo não tem, portanto, como encontrar armas intelectuais para conseguir derrubá-lo.

Aderir a um princípio significa mais do que apenas louvá-lo e não contradizer a meta libertária final. Tambémsignifica lutar para atingir esta meta final o mais rapidamente quanto for fisicamente possível. Em suma, o libertário nunca deve defender ou preferir uma aproximação gradual, em lugar de uma aproximação rápida e imediata, para a sua meta; pois, ao fazê-lo, ele mina a importância fundamental de suas próprias metas e princípios. E se ele próprio dá um valor tão baixo às suas próprias metas, que valor darão os outros a elas?

Resumindo, para perseguir de fato a meta da liberdade, o libertário deve desejar que ela seja atingida através dos meios mais eficazes e rápidos disponíveis. Foi com este espírito que o liberal clássico Leonard E. Read, ao defender uma abolição total e imediata dos controles de preço e salariais após a Segunda Guerra Mundial, declarou, num discurso: “se houvesse um botão neste púlpito que me permitisse apertá-lo e liberar instantaneamente todos os controles sobre os preços e salários, eu colocaria meu dedo sobre ele e o apertaria!”[2]

O libertário, portanto, deve ser a pessoa que apertaria o botão que aboliria instantaneamente todas as invasões de liberdade, se ele existisse. É claro que ele sabe, também, que este botão mágico não existe, mas esta sua preferência fundamental dá cor e forma à toda a sua perspectiva estratégica.

Esta perspectiva “abolicionista” não implica, mais uma vez, que o libertário tenha uma avaliação irrealista de quão rapidamente sua meta será, de fato, atingida. Assim, o libertário e defensor da abolição da escravatura William Lloyd Garrison não estava sendo “irrealista” quando ele levantou pela primeira vez, na década de 1830, o glorioso estandarte da emancipação imediata dos escravos. Sua meta era a mais adequada, moralmente, e seu realismo estratégico estava no fato de que ele não esperava que sua meta fosse atingida com rapidez. Vimos no capítulo 1 que o próprio Garrison fazia a distinção: “por mais energicamente que lutemos pela abolição, ela será, infelizmente, uma abolição gradual, no final das contas. Nunca dissemos que a escravidão será derrubada com um só golpe; mas que ela deve ser derrubada, sempre sustentaremos.”[3]Do contrário, como Garrison avisou com veemência, “o gradualismo na teoria se torna a perpetuidade na prática.”

O gradualismo na teoria de fato mina a própria meta ao admitir que ela deva ficar em segundo ou terceiro plano em relação a outras considerações não-libertárias, ou até mesmo antilibertárias; pois uma preferência pelo gradualismo implica que estas outras considerações são mais importantes que a liberdade. Assim, suponhamos que o abolicionista da escravidão tenha dito: “eu prego o fim da escravidão—mas apenas daqui a dez anos.” Isto implicaria que a abolição a oito, ou nove anos, ou, a fortiori, imediatamente, seria algoerrado, e que, portanto seria melhor que a escravidão continuasse a existir um pouco mais. Mas isto significaria que todas as considerações pela justiça haviam sido abandonadas, e que a própria meta não mais era tida em alta estima pelo abolicionista (ou libertário). Na realidade, tanto para o abolicionista quanto para o libertário isto significaria que eles estariam advogando o prolongamento do crime da injustiça.

Embora seja vital para o libertário manter elevada sua meta final e “extrema”, isto não faz dele, ao contrário do que afirmou Hayek, um “utopista”. O verdadeiro utopista é aquele que advoga um sistema contrário à lei natural dos seres humanos e do mundo real. Um sistema utópico é um sistema que não funcionaria mesmo se todos fossem convencidos a colocá-lo em prática. O sistema utópico não conseguiria funcionar, isto é, não conseguiria se manter em funcionamento. A meta utópica da esquerda: o comunismo—a abolição da especialização e a adoção da uniformidade—não poderia funcionar mesmo se todos estivessem dispostos a adotá-la imediatamente. Ela não funcionaria porque ela viola a natureza essencial do homem e do mundo, especialmente a singularidade e individualidade de cada pessoa, de suas capacidades e interesses, e porque ela traria um declínio tão drástico na produção de riqueza que a grande parte da raça humana estaria fadada à fome e à extinção.

Em suma, o termo “utópico” no discurso popular mistura dois tipos de obstáculos que são encontrados no caminho de um programa radicalmente diferente do status quo. Um é que ele viola a natureza do homem e do mundo e, portanto, não funcionaria uma vez posto em prática. Esta é a utopia do comunismo. O segundo é a dificuldade em se convencer um número suficiente de pessoas que este programa deve ser adotado. O primeiro é uma má teoria, pois ela viola a natureza humana; a segunda é simplesmente um problema davontade humana, de se convencer um número suficiente de pessoas da justeza dessa doutrina. “Utópico”, em seu sentido pejorativo comum, se aplica apenas ao primeiro. Em seu sentido mais profundo, portanto, a doutrina libertária não é utópica, mas eminentemente realista, porque é a única teoria que de fato é consistente com a natureza do homem e do mundo. O libertário não nega a variedade e a diversidade do homem, ele a glorifica e procura dar a essa diversidade uma expressão completa num mundo de liberdade completa. E, ao fazê-lo, ele também gera um aumento enorme na produtividade e nos padrões de vida de todos, um resultado acima de tudo “prático”, que geralmente é desprezado pelos verdadeiros utopistas como um “materialismo” perverso.

O libertário também é eminentemente realista porque somente ele compreende, em sua totalidade, a natureza do estado e seu ímpeto pelo poder. Por outro lado, o conservador, aparentemente muito mais realista, acredita no “governo limitado”, que é a verdadeira utopia impraticável. Este conservador continua repetindo a ladainha de que o governo central deve ser limitado severamente por uma constituição. No entanto, ao mesmo tempo em que o conservador protesta contra a corrupção da constituição original e o aumento do poder federal desde 1789, ele não consegue extrair desta degeneração a lição adequada. A ideia de um estado constitucional estritamente limitado foi um experimento nobre que fracassou, mesmo diante das circunstâncias mais favoráveis e propícias. Se ele fracassou então, por que um experimento semelhante haveria de dar certo agora? Não. É o conservador laissez-fairista, aquele que coloca todas as armas e todo o poder de decisão nas mãos do governo central e então afirma “controle-se” que é o verdadeiro utopista visionário.

Existe ainda outro sentido profundo no qual os libertários desprezam o amplo utopismo da esquerda. Os utopistas da esquerda invariavelmente postulam uma mudança drástica na natureza do homem; para a esquerda, o homem não tem uma natureza. Espera-se que o indivíduo seja infinitamente maleável por suas instituições, para que o ideal comunista (ou o sistema socialista de transição) possa gerar o Novo Homem Comunista. O libertário acredita que, em última análise, todo indivíduo tem o livre arbítrio e é capaz de moldar a si mesmo; seria, portanto, loucura colocar todas as esperanças numa mudança drástica e uniforme nas pessoas realizada através de um projeto de Nova Ordem. O libertário gostaria de ver uma melhoria moral em todos, embora suas metas morais dificilmente coincidam com as dos socialistas. Ele ficaria, por exemplo, transbordando de alegria ao ver todos os desejos de agressão de um homem pelo outro sumirem da face da Terra. Porém ele é por demais realista para confiar neste tipo de mudança. No lugar disso, o sistema libertário é um sistema que seria ao mesmo tempo muito mais moral e funcionaria muito melhor que qualquer outro, pois ele leva em conta os valores e atitudes existentes do ser humano. Quanto mais o desejo de agressão desaparecesse, claro, melhor seria o funcionamento de qualquer sistema social, incluindo o libertário; menos necessidade haveria, por exemplo, de se recorrer à polícia ou aos tribunais. Mas o sistema libertário não deposita sua confiança neste tipo de mudança.

Se, então, o libertário deve defender a conquista imediata da liberdade e a abolição do estatismo, e se o gradualismo, em teoria, é contraditório a esta meta fundamental, que outra postura estratégica o libertário pode assumir no mundo de hoje? Deveria ele necessariamente se limitar a defender a abolição imediata? Seriam “exigências transicionais”, passos rumo à liberdade na prática, necessariamente ilegítimas? Não, pois isto nos levaria a outra armadilha estratégica autoderrotista do “sectarismo de esquerda”. Pois embora muitas vezes os libertários tenham sido oportunistas quando perdem de vista ou minimizam sua meta final, alguns cometeram o erro inverso, ao temer e condenar qualquer tipo de avanço rumo àquela meta como se fosse necessariamente uma traição dela.  A tragédia é que estes sectários, ao condenarem todo tipo de avanço que não atinja efetivamente a meta, servem para transformar em algo vão e fútil a própria meta tão-sonhada; pois enquanto muitos de nós ficaríamos genuinamente felizes se atingíssemos a liberdade total de uma tacada só, os prospectos realistas de que isso venha a acontecer são limitados. Embora a mudança social nem sempre seja minúscula e gradual, ela tampouco ocorre num passo único. Ao rejeitar quaisquer aproximações transicionais rumo à meta, portanto, estes libertários sectários tornam impossível que essa meta seja atingida algum dia. Assim, os sectários podem acabar por “liquidar” totalmente no futuro esta meta pura, da mesma maneira que os próprios oportunistas.

Às vezes, curiosamente, o mesmo indivíduo pode passar por alterações que vão de um destes erros conflitantes ao outro, e em cada uma das etapas ele desprezará o caminho estratégico adequado. Assim, após entrar em desespero depois de anos de uma reiteração fútil de sua pureza enquanto não vê avanços sendo feitos no mundo real, o sectário de esquerda pode pular para dentro da mata fechada do oportunismo de direita, em sua busca por algum tipo de avanço a curto prazo, ainda que à custa de sua meta final. Ou o oportunista de direita, cada vez mais desgostoso com o compromisso de seus colegas com a integridade intelectual e suas metas finais, pode passar para o sectarismo de esquerda e depreciar qualquer tipo de estabelecimento de prioridades estratégicas rumo a essas metas. Desta maneira, estes dois desvios opostos se alimentam e reforçam uns aos outros, e ambos têm um efeito destrutivo sobre a tarefa principal, que é alcançar de maneira eficaz a meta libertária.

Como, então, podemos saber se alguma medida parcial ou exigência transicional deve ser louvada como um passo adiante ou condenada como uma traição oportunista? Existem dois critérios importantes para se responder a esta questão crucial: (1) que, quaisquer que sejam as exigências transicionais, o fim derradeiro da liberdade deve ser sempre sustentado como a meta desejada; e (2) que nenhum passo ou meio devecontradizer, explícita ou implicitamente, a meta final. Uma exigência em curto prazo pode não avançar o tanto que desejaríamos, mas ela deve sempre ser consistente com a meta final; do contrário, esta meta em curto prazo terá um efeito contrário ao propósito em longo prazo, e veremos o princípio libertário ser liquidado de maneira oportunista.

Um exemplo desta estratégia oportunista e contraproducente pode ser extraído do sistema de taxação. O libertário espera ansiosamente uma eventual abolição dos impostos. É perfeitamente legítimo para ele, como uma medida estratégica rumo a esta direção tão desejada, fazer uma campanha por uma redução drástica ou a abolição do imposto de renda. Mas o libertário jamais deve apoiar qualquer novo imposto ou aumento nos impostos. Por exemplo, ele não deve, enquanto faz campanha por um grande corte no imposto de renda, também fazer uma campanha pela sua substituição por um imposto sobre as vendas ou qualquer outro tipo de imposto. A redução, ou melhor, a abolição dos impostos, é sempre uma redução não-contraditória do poder do estado, e um passo significativo rumo à liberdade; porém sua substituição por um novo imposto em qualquer outra circunstância tem justamente o efeito contrário, pois ele significa uma imposição nova e adicional do estado em algum outro setor. A imposição de um imposto novo ou mais alto contradiz frontalmente e mina a própria meta libertária.

Do mesmo modo, nesta época de déficits federais permanentes, muitas vezes nos deparamos com problemas práticos: devemos concordar com um corte nos impostos, mesmo que ele possa acarretar um aumento no déficit governamental? Os conservadores, que a partir de sua perspectiva específica preferem o equilíbrio no orçamento a uma redução nos impostos, invariavelmente se opõem a qualquer corte nos impostos que não venha acompanhado de maneira imediata e estrita por um corte equivalente, ou maior, nos gastos do governo. Porém uma vez que a taxação é um ato ilegítimo de agressão, qualquer corte em impostos—qualquer imposto— que não seja recebido com entusiasmo acaba por minar e contradizer a meta libertária. A hora de se opor aos gastos governamentais é quando o orçamento estiver sendo deliberado e votado; é ai então que o libertário também deve pedir por cortes drásticos nos gastos. Em suma, a atividade governamental deve ser reduzida sempre que possível: qualquer oposição a um corte específico nos impostos ou nos gastos é inadmissível, pois ela contradiz os princípios e a meta libertária.

Uma tentação especialmente perigosa para a prática do oportunismo é a tendência de alguns libertários, especialmente no Partido Libertário, de soarem “responsáveis” ou “realistas” ao apresentar algum tipo de “plano quadrienal” visando a desestatização. O ponto importante aqui não é o número de anos do plano, mas a ideia de se colocar em prática qualquer tipo de programa abrangente e planificado de transição rumo à meta da liberdade total. Por exemplo: que no primeiro ano, a lei A seja revogada, a lei B modificada, o imposto C cortado em 10% etc.; no ano 2, a lei D seja revogada, o imposto C cortado em mais 10% etc. O problema grave com um plano desses, sua severa contradição com o princípio libertário, é que ele implica fortemente que, por exemplo, a lei D não deveria ser revogada até o segundo ano do programa em questão. Logo, estaria aberto o caminho para se cair na armadilha do gradualismo teórico, numa escala maciça. Estes supostos planejadores libertários estariam então numa posição que pareceria se opor a qualquer avanço mais rápido rumo à liberdade do que o que foi proposto pelo seu plano. E, de fato, não há qualquer razão legítima para se adotar um ritmo de avanço mais rápido do que um mais lento; muito pelo contrário.

Existe outro defeito grave na própria ideia de um programa planejado abrangente rumo à liberdade; pois o próprio ritmo estudado e cuidadoso, a própria natureza generalizada do programa, implica que o estado não é de fato o inimigo comum da humanidade, que é possível e desejável utilizá-lo para engendrar um avanço planejado e mensurado rumo à liberdade. A percepção de que o estado é o principal inimigo da humanidade, por outro lado, leva a uma perspectiva estratégica muito diferente: especificamente, a de que os libertários devem advogar e aceitar com contentamento qualquer redução no poder do estado ou em suas atividades em qualquer campo. Qualquer redução, a qualquer momento, deve ser vista como uma diminuição benvinda do crime e da agressão. Portanto, a preocupação do libertário não deve ser em utilizar o estado para adotar um caminho mensurado de desestatização, mas sim atacar com ferocidade toda e qualquer manifestação de estatismo, sempre e quando ele puder.

De acordo com esta análise, o Comitê Nacional do Partido Libertário adotou, em outubro de 1977, uma declaração de estratégias que incluía o seguinte:

Devemos erguer o estandarte do princípio puro, e jamais comprometer nossa meta. (…) O imperativo moral do princípio libertário exige que a tirania, a injustiça e a ausência da liberdade total, assim como a violação dos direitos, não mais possam continuar.

Qualquer exigência intermediária deve ser tratada, como o é na plataforma do Partido Libertário, como um feito ainda não concluído da meta pura, e inferior a ela. Portanto, estas exigências devem ser apresentadas como uma forma de nos levar rumo a nossa meta final, não como um fim em si mesmo.

Manter nossos princípios elevados significa evitar completamente a areia movediça do gradualismo obrigatório e auto-imposto. Devemos evitar o ponto de vista de que, em nome da justiça, de aliviar o sofrimento ou cumprir as expectativas, devemos contemporizar e protelar em nosso caminho rumo à liberdade. Atingi-la deve ser nossa meta fundamental.

Não podemos nos comprometer com qualquer sistema específico de desestatização, pois isto seria interpretado como uma forma de patrocínio à continuação do estatismo e uma violação de direitos. Uma vez que jamais podemos estar na posição de advogar a continuação da tirania, devemos aceitar toda e qualquer medida de desestatização, sempre e quando pudermos.

Assim, o libertário jamais deve se deixar cair na armadilha de qualquer tipo de proposta por uma ação governamental “positiva”; em sua perspectiva, o papel do governo deve apenas ser o de se retirar de todas as esferas da sociedade o mais rapidamente que ele puder ser pressionado a fazê-lo.

Tampouco devem existir quaisquer contradições retóricas. O libertário não deve tolerar qualquer tipo de retórica, muito menos recomendações políticas, que operem contra a sua meta futura. Assim, suponhamos que se peça a um libertário que apresente seus pontos de vista sobre um determinado corte nos impostos. Mesmo que ele não sinta, naquele momento, a necessidade de clamar em altos brados pela abolição dos impostos, o que ele não pode fazer é acrescentar ao seu apoio ao corte nos impostos uma retórica tão desprovida de princípios como “bem, é claro, algum tipo de imposto é essencial” etc. Estes floreios retóricos apenas causarão danos ao objetivo derradeiro, confundirão o público e violarão e contradirão o princípio.

 

A EDUCAÇÃO É SUFICIENTE?

Todos os libertários, independentemente de persuasão, colocam grande ênfase na educação, no ato de convencer um número cada vez maior de pessoas a se tornarem libertários e, com sorte, libertários altamente dedicados. O problema, no entanto, é que um número grande de libertários tem uma visão muito simplista do papel e do escopo desta educação. Eles nem sequer tentam, em suma, responder à questão: depois da educação, vem o quê? O que fazer então? O que acontece se um número X de pessoas for convencido? E quantas precisarão ser convencidas para que passemos à próxima fase? Todos? Uma maioria? Muitas pessoas?

A visão implícita de muitos libertários é de que apenas a educação é necessária porque todas as pessoas são candidatas com uma mesma probabilidade de serem convertidas. Todo mundo pode ser convertido. Embora, logicamente, isto seja verdade, na realidade sociologicamente esta é uma estratégia frágil. Os libertários, mais que todas as pessoas, devem reconhecer que o estado é um inimigo parasítico da sociedade, e que ele cria uma elite de governantes que domina o resto de nós a extrai sua renda através da coerção. Convencer os grupos dominantes de sua própria iniquidade, embora na lógica seja algo possível (e talvez até mesmo factível, em um ou outro caso), é quase impossível na prática. Qual é a chance, por exemplo, de se convencer os executivos da General Dynamics ou da Lockheed de que eles não deveriam aceitar os benefícios governamentais? Quão provável seria que o presidente dos Estados Unidos lesse este livro, ou qualquer outra obra da literatura libertária, e exclamasse: “eles têm razão. Eu estava errado. Renunciarei.”? Claramente, as chances de converter aqueles que estão lucrando com a exploração estatal são desprezíveis, para dizer o mínimo. Nossa esperança é converter aquela massa de pessoas que são vítimas do poder do estado, não aquelas que estão lucrando com ele.

Quando dizemos isto, no entanto, também estamos dizendo que, além do problema da educação, está o problema do poder. Depois que um número significativo de pessoas for convertido, teremos a tarefa adicional de encontrar maneiras e meios de remover o poder do estado de nossa sociedade. Uma vez que o estado não sairá graciosamente do poder, outros meios além da educação, meios de pressão, terão de ser utilizados. Quais meios específicos, ou qual combinação de meios—seja através da votação, instituições alternativas que não tenham sido corrompidas pelo estado ou uma recusa geral em se cooperar com o estado—tudo dependerá das condições temporais e do que vier a funcionar, ou a não funcionar. Em contraste às questões de teoria e princípio, as táticas específicas a serem utilizadas—enquanto forem consistentes com os princípios e a meta final de uma sociedade puramente livre—são uma questão de pragmatismo, julgamento, e da “arte” inexata do estrategista.

 

QUE GRUPOS?

Porém a educação é o problema estratégico atual para o futuro próximo e indefinido. Uma questão estratégica importante é quem: se não podemos esperar converter uma quantidade significativa de nossos governantes, quem serão aqueles com maior probabilidade de serem convertidos? A que classes sociais, ocupacionais, econômicas ou étnicas pertencerão?

Os conservadores muitas vezes colocaram suas esperanças nos grandes empresários. Esta visão do grande empresariado foi expressa de maneira mais clara no dictum de Ayn Rand de que “as grandes empresas são a minoria mais perseguida dos Estados Unidos.” Perseguidas? Com algumas honradas exceções, as grandes empresas brigam freneticamente umas com as outras para formar a fila diante do cocho estatal. Por acaso a Lockheed, a General Dynamics, a AT&T ou Nelson Rockefeller se sentem perseguidos?

O apoio das grandes empresas ao estado corporativo de guerra e bem-estar social é tão acintoso e tão difundido, em todos os níveis, do local ao federal, que até mesmo muitos conservadores tiveram que reconhecê-lo, pelo menos até certo ponto. Como, então, explicar um apoio tão fervoroso da “minoria mais perseguida dos Estados Unidos”? A única saída para os conservadores é reconhecer (a) que estes empresários são burros, e não compreendem seus próprios interesses econômicos, e/ou (b) que eles receberam uma lavagem cerebral dos intelectuais progressistas de esquerda, que envenenaram suas almas com culpa e um altruísmo mal orientado. Nenhuma destas explicações resiste a um exame mais atento, no entanto, como basta uma olhadela superficial nos casos da AT&T ou da Lockheed. As grandes empresas tendem a admirar o estatismo, a ser “progressistas corporativistas”, não porque suas almas foram envenenadas por intelectuais, mas porque elas vêm recebendo algo de bom graças a isso. Desde a aceleração do estatismo ocorrida na virada do século XX, os grandes empresários vêm usado os grandes poderes dos contratos estatais, dos subsídios e da cartelização para conseguir privilégios para si mesmos à custa do resto da sociedade. Não é implausível imaginar que Nelson Rockefeller seja guiado mais por egoísmo do que por um altruísmo confuso. Mesmo os progressistas costumam admitir, por exemplo, que a imensa rede de agências regulatórias governamentais está sendo usada para cartelizar todas as indústrias em benefício das grandes companhias e à custa do público. Mas, para salvar do desastre esta sua visão de mundo a la New Deal, os progressistas têm que se consolar com a ideia de que estas agências e “reformas” semelhantes, realizadas durante os períodos progressistas, wilsonianos ou rooseveltianos, foram propostas de boa fé, tendo em mente o “bem-estar público”. A ideia e a gênese das agências e de outras reformas progressistas eram, portanto, “boas”; foi apenas na prática que estas agências acabaram por incorrer no pecado e na subserviência aos interesses privados e corporativos. Mas o que Kolko, Weinstein, Domhoff e outros historiadores revisionistas mostraram, de maneira clara e minuciosa, é que isto não passa de mitologia progressista. Na realidade, todas estas reformas, tanto no nível nacional quanto local, foram concebidas, escritas e apoiadas através de lobbiespelos próprios grupos que foram privilegiados por elas. O trabalho destes historiadores mostrou de maneira conclusiva que não houve uma Era de Ouro da Reforma antes que o pecado se instalasse; o pecado estava lá desde o início, a partir do momento da concepção. As reformas progressistas do estado progressista do New Deal e do bem-estar social foram projetadas para criar o que de fato criaram: um mundo de estatismo centralizado, de “parcerias” entre o governo e a indústria, um mundo que subsiste através da concessão de subsídios e privilégios monopolistas para empresas e outros grupos favorecidos.

Esperar que os Rockefellers ou a legião de outros empresários favorecidos sejam convertidos para o ponto de vista libertário, ou até mesmo laissez-faire, é uma esperança vã e vazia. Mas isto não significa que todos os grandes empresários, ou os empresários de modo geral, não possam fazê-lo. Ao contrário dos marxistas, nem todos os empresários, ou sequer os grandes empresários, formam uma classe econômica homogênea com interesses de classe idênticos. Pelo contrário, quando o CAB concede privilégios monopolistas para algumas poucas companhias aéreas, ou quando a FCC concede um monopólio para a AT&T, diversas outras empresas e empresários, pequenos e grandes, sentem-se prejudicados e excluídos destes privilégios. A concessão de um monopólio na área das comunicações para a AT&T pela FCC, por exemplo, por muito tempo manteve estagnada em sua infância a indústria de comunicações de dados, atualmente em franca expansão; foi apenas a decisão da FCC de abrir as portas para a concorrência que permitiu que a indústria crescesse a passos largos. Privilégios sempre acarretam exclusões, e, portanto, sempre haverá uma série de empresas e empresários, grandes e pequenos, que terão um interesse econômico sólido em pôr um fim ao controle estatal sobre sua indústria. Existem, portanto, diversos empresários, especialmente aqueles afastados do privilegiado “Establishment do Leste”, que têm um potencial para receberem de bom grado as ideias libertárias e de livre mercado.

Quais grupos, portanto, podemos esperar que sejam especialmente receptivos às ideias libertárias? Onde, como diriam os marxistas, estaria a “agência de mudança social” proposta por nós? Esta, é claro, é uma questão estratégica importante para os libertários, uma vez que nos dá dicas a respeito de para onde devem ser canalizadas as nossas energias educacionais.

Os jovens nos campi universitários têm tido uma posição de destaque na ascensão do movimento libertário. Isto não é surpreendente: a universidade é a época em que as pessoas estão mais abertas à reflexão e a refletir sobre as questões básicas de nossa sociedade. Na qualidade de jovens apaixonados pela consistência e pela verdade desprovida de qualquer adorno, como universitários acostumados a um mundo acadêmico de ideias abstratas, ainda sem ter que carregar o fardo das preocupações e da visão, muitas vezes mais estreita, do emprego adulto, estes jovens fornecem um campo fértil para o libertarianismo nos campi do país no futuro, um crescimento que já está sendo alcançado pela aderência ao movimento de um número crescente de jovens acadêmicos, professores e estudantes de pós-graduação.

Os jovens em geral também devem ser atraídos pela posição libertária nos assuntos que estão mais próximos das suas preocupações: mais especificamente, nosso clamor pela abolição total do alistamento militar obrigatório, o abandono da Guerra Fria, a extensão das liberdades civis a toda a sociedade, e a legalização das drogas e de todos os outros crimes sem vítimas.

A mídia, também, tem se revelado uma fonte rica de interesse favorável por este novo credo libertário. Não apenas pelo seu valor publicitário, mas porque a consistência do libertarianismo atrai um grupo de pessoas que estão extremamente atentos às novas tendências sociais e políticas, e que, embora originalmente progressistas, têm tomado consciência dos fracassos e desarranjos cada vez mais frequentes doestablishment progressista. As pessoas que trabalham nos meios de comunicação tendem a acreditar que não podem ser atraídos por um movimento conservador hostil que automaticamente os descarta como esquerdistas e que assume posições incômodas a respeito de temas como política externa e liberdades civis. Porém estas mesmas pessoas podem e muitas vezes têm uma inclinação favorável a um movimento libertário que concorde integralmente com eles em suas posições instintivas a respeito da paz e das liberdades pessoais, e que ao mesmo tempo partilhe de sua oposição ao grande governo em áreas como a intervenção governamental na economia e nos direitos de propriedade. Cada vez mais pessoas envolvidas com os meios de comunicação estão fazendo estas associações novas e reveladoras, e, claro, são extremamente importantes pelo poder de influência que têm com o resto do público.

E o que falar do americano médio, a “Middle America“—aquela enorme classe média e proletária que forma a maior parte da população americana—e que muitas vezes se encontra no exato oposto da juventude universitária? Podemos exercer sobre eles algum tipo de atração? Logicamente, nossa atração sobre o americano médio deve ser ainda maior. Devemos nos direcionar diretamente ao descontentamento grave e crônico que aflige as massas do povo americano: os impostos cada vez maiores, a inflação, os congestionamentos urbanos, o crime, os escândalos do bem-estar social. Apenas os libertários têm soluções concretas e consistentes para estes males prementes: soluções que têm como base retirá-los do governo em todas estas áreas e passá-los para a ação privada e voluntária. Podemos mostrar que o governo e o estatismo têm sido responsáveis por estes males, e que remover o governo coercitivo de nossas costas será um remédio eficaz.

Para os pequenos empresários podemos prometer um mundo onde haja uma verdadeira livre iniciativa, desprovido de privilégios monopolistas, cartéis e subsídios engendrados pelo estado e pelo establishment. E tanto para eles quanto para os grandes empresários que se encontram do lado de fora deste establishmentmonopolista podemos prometer um mundo no qual os talentos e energias individuais finalmente terão espaço para se expandir e fornecer uma tecnologia cada vez melhor e um aumento na produtividade, para eles e para todos nós. Para os diversos grupos étnicos e minoritários podemos mostrar que apenas sob a liberdade total haverá espaço para que cada grupo cuide de suas preocupações e gere suas próprias instituições, sem os impedimentos e as coerções impostas pelo governo da maioria.

Resumindo, o libertarianismo tem um apelo em potencial a inúmeras classes, atravessando raças, ocupações, classes econômicas e gerações; toda e qualquer pessoa que não estiver diretamente envolvida com a elite dominante será potencialmente receptiva à nossa mensagem. Toda pessoa ou grupo que der valor à sua liberdade e à sua prosperidade é um partidário potencial do credo libertário.

A liberdade, portanto, tem o potencial de atrair a todos os grupos ao longo de todo o espectro político. No entanto, é um fato natural da vida que sempre que as coisas estão indo bem, a maior parte das pessoas perde qualquer interesse pelas questões públicas. Para que uma mudança social radical ocorra—uma mudança para um sistema social diferente—é preciso que exista o que se chama de uma “situação de crise”. Deve existir, em suma, um rompimento com o sistema existente que crie a necessidade de uma procura geral por soluções alternativas. Quando esta procura geral por soluções alternativas ocorre, então os ativistas dos movimentos dissidentes devem estar preparados para fornecer esta alternativa radical, relacionando a crise aos defeitos inerentes ao próprio sistema, e apontar como o sistema alternativo resolveria a crise existente e evitaria que rompimentos semelhantes ocorressem no futuro. Espera-se também que os dissidentes também tenham um histórico de previsões e alertas contra a crise que finalmente chegou a ocorrer.[4]

Além do mais, uma das características das situações de crise é que até mesmo as elites dominantes começam a enfraquecer o seu apoio ao sistema. Devido à crise, até mesmo parte do estado começa a perder o seu gosto e seu entusiasmo pelo governo. Em resumo, nestas situações de rompimento, até mesmo membros da elite dominante podem ser convertidos para um sistema alternativo ou, pelo menos, perder seu entusiasmo pelo sistema existente.

Assim, como enfatizou o historiador Lawrence Stone, uma das necessidades para uma mudança radical é uma decadência no ímpeto da elite dominante. “A elite pode perder sua capacidade de manipular, sua superioridade militar, sua autoconfiança, ou sua coesão; ela pode se tornar alienada da não-elite, ou ser sobrepujada por uma crise financeira; ela pode ser incompetente, fraca ou brutal.”[5]

 

POR QUE A LIBERDADE VENCERÁ

Tendo exposto o credo libertário e como ele se aplica aos problemas atuais vitais, e tendo delineado quais grupos na sociedade este credo pode esperar atrair e quando poderia fazê-lo, devemos agora avaliar as perspectivas futuras para a liberdade. Em especial, devemos examinar a convicção firme e crescente do autor de que não apenas o libertarianismo virá a triunfar em longo prazo, mas que ele também será vitorioso num período relativamente curto de tempo. Pois estou convencido de que a noite escura da tirania está terminando, e que um novo alvorecer da liberdade está iminente.

Muitos libertários são extremamente pessimistas quanto às perspectivas da liberdade. E, se nos focarmos no crescimento do estatismo no século XX, e no declínio do liberalismo clássico a que nos referimos no capítulo introdutório, é fácil ser vitimado por este prognóstico pessimista. Este pessimismo pode ser ainda mais agravado se examinarmos a história do homem e virmos o histórico negro de despotismo, tirania e exploração em todas as civilizações. Podemos ser perdoados por imaginar que a escalada do liberalismo clássico entre os séculos XVII e XIX no Ocidente não passou de uma explosão atípica de glória nos sombrios anais da história passada e futura. Porém isto seria sucumbir à falácia do que os marxistas chamam de “impressionismo”: um foco superficial nos próprios eventos históricos desprovido de uma análise mais profunda sobre as tendências e leis causais em ação.

O caso a favor do otimismo libertário pode ser feito numa série do que podem ser chamados de círculos concêntricos, começando com as considerações mais abrangentes e um prazo mais longo e avançando para as de um foco mais específico em tendências de menor prazo. No sentido mais amplo e de longo prazo, o libertarianismo acabará por vencer porque ele e apenas ele é compatível com a natureza do homem e do mundo. Apenas a liberdade pode conquistar a prosperidade, a satisfação e a felicidade do homem. Em suma, o libertarianismo será bem-sucedido porque ele é verdadeiro, porque ele é a política correta para a humanidade, e por que a verdade eventualmente vencerá.

Porém estas considerações em longo prazo podem, de fato, se referir a um prazo de fato muito longo, e esperar muitos séculos para que uma verdade prevaleça pode ser um consolo muito pequeno para aqueles entre nós que vivem num determinado momento da história. Felizmente, há um motivo em curto prazo para se ter esperança, especialmente um que nos permite desprezar o histórico sombrio da história anterior ao século XVIII como não tendo mais relevância para as perspectivas futuras da liberdade.

Nosso argumento aqui é que a história deu um grande salto, uma mudança drástica, quando as revoluções liberais clássicas nos impulsionaram para a Revolução Industrial dos séculos XVIII e XIX.[6] Pois no mundo pré-industrial, o mundo da Velha Ordem e da economia camponesa, não havia motivo pelo qual o reinado do despotismo não poderia continuar indefinidamente, por muitos séculos. Os camponeses cultivavam os alimentos e os reis, nobres e senhores feudais extraíam o excedente dos camponeses, numa quantidade acima do que era necessário para mantê-los vivos e trabalhando. Por mais brutal, exploratório e triste que fosse o despotismo agrário, ele podia sobreviver, por dois motivos principais: (1) a economia era capaz de se sustentar, ainda que num nível básico de subsistência; e (2) porque as massas não conheciam nada melhor, nunca haviam vivido sob outro sistema melhor e, portanto, podiam ser induzidas a continuar trabalhando como animais de carga para seus senhores.

Mas a Revolução Industrial foi um grande salto na história, porque criou condições e expectativas irreversíveis. Pela primeira vez na história do mundo criou-se uma sociedade em que o padrão de vida das massas passou do nível de subsistência para um nível nunca antes atingido. A população do Ocidente, até então estagnada, passou a proliferar, aproveitando-se da vantagem oferecida pelas oportunidades cada vez maiores de emprego e uma boa condição de vida.

O tempo não pode voltar para uma era pré-industrial. Não só as massas não permitiriam uma reversão tão drástica de suas expectativas de um aumento nos seus padrões de vida, mas o retorno a um mundo agrário significaria a fome e a morte da maior parte da população atual. Estamos presos na era industrial, gostemos disso ou não.

Mas, se isto é verdade, então a causa da liberdade está assegurada; pois a ciência econômica demonstrou, como demonstramos parcialmente neste livro, que apenas a liberdade e um mercado livre podem gerir uma economia industrial. Em resumo, enquanto uma economia e uma sociedade livres seriam algo desejável e justo num mundo pré-industrial, num mundo industrial elas são também uma necessidade vital; pois, como Ludwig von Mises e outros economistas demonstraram, numa economia industrial o estatismo simplesmente não funciona. Logo, tendo em vista o compromisso universal com um mundo industrial, se tornará claro, no futuro—e num “futuro” que virá muito mais cedo do que a mera descoberta da verdade—que o mundo terá que adotar a liberdade e o livre mercado como pré-requisito para que a indústria sobreviva e floresça. Foi isto que Herbert Spencer e outros libertários do século XIX perceberam em sua distinção entre a sociedade “militar” e a “industrial”, entre uma sociedade de “status” e uma de “contratos”. No século XX, Mises demonstrou (a) que toda intervenção estatista distorce e enfraquece o mercado e acaba levando, se não for revertida, ao socialismo; e (b) que o socialismo é um desastre porque ele não consegue planificar uma economia industrial devido à falta de incentivos de lucros e perdas, e pela falta de um sistema genuíno de preços ou direitos de propriedade sobre capitais, terras e outros meios de produção. Em suma, como Mises previu, nem o socialismo nem as diversas formas intermediárias de estatismo e intervencionismo funcionam. Logo, tendo em vista este compromisso generalizado com uma economia industrial, estas formas de estatismo têm que ser descartadas, e substituídas pela liberdade e pelos livres mercados.

Atualmente isto ocorreu num prazo muito mais curto do que simplesmente esperar pela verdade, mas para os liberais clássicos da virada do século XX—os Sumners, Spencers e Paretos—parecia um prazo insuportavelmente longo. E eles não podem ser culpados, pois estavam testemunhando o declínio do liberalismo clássico e o nascimento de novas formas despóticas, às quais eles se opuseram de maneira tão forte e constante. Eles estiveram, lamentavelmente, presentes à criação. O mundo teria que esperar, ainda que não por séculos, pelo menos décadas, para que se mostrasse que o socialismo e o estatismo corporativista eram fracassos completos.

Porém o longo prazo finalmente chegou. Não temos mais que profetizar os efeitos ruinosos do estatismo; eles estão aqui, próximos de todos nós. Lorde Keynes certa vez desprezou as críticas feitas pelos economistas do livre mercado de que suas políticas inflacionárias levariam à ruína no longo prazo; em sua célebre resposta, ele riu, afirmando que “no longo prazo todos estaremos mortos”. Porém agora Keynes está morto e estamos vivos, vivendo no seu longo prazo, e sofrendo as consequências do seu estatismo.

Na virada do século XX, e nas décadas que se seguiram, as coisas não eram tão claras. A intervenção estatista, em suas diversas formas, tentava conservar e até mesmo ampliar uma economia industrial ao mesmo tempo em que abandonava as necessidades mais básicas de liberdade e mercado livre que, no longo prazo, seriam necessárias para a sua sobrevivência. Por meio século, a intervenção estatista pôde dar vazão às suas pilhagens através do planejamento, dos controles, dos impostos elevados e enfraquecedores, e da inflação do papel-moeda sem causar disrupções e crises claras e evidentes; pois a industrialização do mercado livre do século XIX havia criado uma vasta camada de “gordura” na economia que a protegeu destas pilhagens. O governo podia impor taxas, restrições e inflação sobre o sistema, sem ter de colher prontamente os efeitos rápidos e evidentemente perniciosos.

Porém atualmente o estatismo chegou a tal ponto, e está no poder há tanto tempo, que esta camada se tornou fina; como Mises apontou já na década de 1940, o “fundo de reserva” criado pelo laissez-faire havia sido “esgotado”, de tal maneira que agora, o que quer que o governo faça traz consigo uma resposta negativa instantânea—efeitos nocivos que ficam evidentes para todos, até para muitos dos mais ardentes apologistas do estatismo.

Nos países comunistas da Europa do Leste, os próprios comunistas começaram a perceber cada vez mais que o planejamento central socialista simplesmente não funcionava numa economia industrial. Decorreu daí o fato de que, nos últimos anos, aqueles países se afastaram do planejamento central rumo a mercados mais livres, especialmente na Iugoslávia. No mundo ocidental, também, o capitalismo de estado está em crise por toda a parte, à medida que fica claro, da maneira mais grave, que o governo não tem mais dinheiro; impostos cada vez mais altos enfraquecerão a indústria e os incentivos a um ponto em que não haverá mais conserto, enquanto o aumento na emissão de novo dinheiro levará a uma inflação descontrolada e desastrosa. E assim, ouvimos cada vez mais a respeito da “necessidade de abaixarmos nossas expectativas do governo” daqueles que eram os defensores mais ardentes do estado. Na Alemanha Ocidental, o partido socialdemocrata há muito tempo deixou de advogar o socialismo. Na Grã-Bretanha, que vem sofrendo com uma economia enfraquecida pelos impostos e uma inflação cada vez maior—o que os britânicos têm chamado de “doença inglesa”—o partido conservador, por anos nas mãos de dedicados estatistas, foi tomado por uma facção orientada ao mercado livre, enquanto até mesmo o partido trabalhista vem se afastando do caos planejado do estatismo galopante.

Mas é nos Estados Unidos que podemos ficar especialmente otimistas, pois aqui podemos reduzir o círculo de otimismo para uma dimensão no curto prazo. De fato, podemos afirmar com confiança que os Estados Unidos entraram agora numa situação de crise permanente, e podemos até mesmo apontar com precisão os anos em que esta crise se originou: 1973-1975. Felizmente, para a causa da liberdade, não só esta crise do estatismo chegou aos Estados Unidos, mas ela atingiu de maneira fortuita a sociedade como um todo, em diferentes esferas da vida ao mesmo tempo. Assim, estes colapsos do estatismo tiveram um efeito sinérgico, reforçando um ao outro em seu impacto cumulativo. E elas não foram apenas crises do estatismo em si, mas foram vistas por todos como tendo sido provocadas pelo estatismo, e não pelo mercado livre, pela cobiça pública, ou o que for. E, finalmente, estas crises só podem ser aliviadas com a remoção do governo do quadro. Tudo o que precisamos é de libertários que indiquem o caminho.

Repassemos rapidamente estas áreas de crise sistêmica e vejamos quantas delas correspondem ao período de 1973–1975 e aos anos que se seguiram. Desde o outono de 1973 a 1975, os Estados Unidos passaram por uma depressão inflacionária, após 40 anos de um suposto ajuste keynesiano que supostamente eliminaria ambos os problemas ao mesmo tempo. Foi também neste período que a inflação atingiu proporções assustadoras, chegando aos dois dígitos.

Foi, além do mais, em 1975 que a cidade de Nova York passou pela sua primeira crise da dívida, uma crise que resultou numa inadimplência parcial. O nome assustador de “inadimplência” era evitado, claro; o ato virtual da falência era chamado de “stretchout” (forçando os credores de curto prazo a aceitar os títulos de longo prazo da cidade de Nova York). Esta crise é apenas a primeira de muitas inadimplências de bônus locais e estaduais por todo o país, pois os governos estaduais e locais serão cada vez mais forçados a escolhas desagradáveis nestas “crises”: entre cortes radicais nos gastos, impostos mais elevados que forçarão as empresas e os cidadãos de classe média para fora das regiões, ou o não pagamento das dívidas.

Desde o início da década de 1970, também,  vem ficando cada vez mais claro que os altos impostos cobrados sobre as rendas, poupança e investimentos têm enfraquecido as atividades e a produtividade dos negócios. Os contadores apenas agora têm começado a perceber que estes impostos, especialmente quando combinados com as distorções inflacionárias dos cálculos econômicos, vem levando a uma crescente escassez de capital, e a um perigo iminente de que o estoque vital de capital dos Estados Unidos seja consumido sem que isso sequer seja percebido.

Revoltas fiscais estão tomando de assalto o país, como uma reação contra os altos impostos prediais, de renda e sobre as vendas. E pode-se afirmar com segurança que qualquer aumento nos impostos seria um suicídio político para os políticos de qualquer escalão do governo.

O sistema de Previdência Social, que costumava ser tão sagrado para a opinião pública americana que estava literalmente acima de qualquer crítica, agora parece estar tão dilapidado quanto os autores libertários e adeptos do livre mercado avisavam que ele ficaria. Até mesmo as autoridades reconhecem agora que o sistema de Previdência Social está quebrado, e que não tem mais condições de funcionar de maneira alguma como um legítimo esquema de “seguros”.

A regulamentação da indústria cada vez mais tem sido vista como um fracasso que até mesmo estatistas como o senador Edward Kennedy vêm pedindo pela desregulamentação das linhas aéreas; existem cada vez mais rumores a respeito da abolição da ICC e do CAB.

No campo social, o sistema de escolas públicas, que já foi considerado sacrossanto, vem sofrendo ataques cada vez mais pesados. As escolas públicas, ao serem obrigadas a tomar decisões educacionais por toda a comunidade, vêm gerando conflitos sociais intensos: a respeito de raça, sexo, religião e o conteúdo dos currículos. As práticas governamentais no que diz respeito ao crime e ao encarceramento também estão sob fogo cruzado: o médico libertário Thomas Szasz conseguiu quase que sozinho libertar diversos cidadãos da internação involuntária, enquanto o governo atualmente admite que sua estimada política de tentar “reabilitar” os criminosos é um fracasso abjeto. Houve um colapso total na aplicação de leis relacionadas a drogas, como a proibição da maconha, e leis contra diversas formas de relações sexuais. Um sentimento vem crescendo por toda a nação para a abolição de todas as leis que dizem respeito a crimes sem vítimas, isto é, leis que classificam um ato como criminoso mesmo quando não há qualquer vítima decorrente dele. Cada vez mais se vê que as tentativas de aplicação destas leis só conseguem trazer sofrimento e um estado virtualmente policial. Estamos chegando cada vez mais próximos de um tempo em que o proibicionismo nos campos da moral pessoal será visto como tão pouco eficaz e injusto como foi o caso da proibição ao álcool.

Juntamente com as consequências desastrosas do estatismo nas frentes econômicas e sociais, veio a derrota traumática no Vietnã, que culminou em 1975. O fracasso completo da intervenção americana naquele país levou a uma revisão cada vez maior de toda a política externa intervencionista que os Estados Unidos vêm adotando desde Woodrow Wilson e Franklin D. Roosevelt. O ponto de vista crescente de que o poder americano deve ser reduzido, e que o governo americano não pode gerir com sucesso o mundo inteiro, é a versão análoga “neoisolacionista” dos cortes feitos às intervenções do grande governo na política doméstica. Embora a política externa americana ainda seja agressivamente globalista, este sentimento neoisolacionista conseguiu limitar, por exemplo, a intervenção americana em Angola, em 1976.

Talvez o melhor sinal de todos, o indicador mais favorável do colapso da mística do estado americano, de seu fundamento moral, tenham sido as revelações de Watergate, ocorridas em 1973–1974. É o caso Watergate que nos dá a principal e maior esperança na vitória da liberdade, no curto prazo, nos Estados Unidos; pois Watergate, como os políticos vieram nos avisando desde então, destruiu a “fé no governo” por parte do público—e já não era sem tempo. Watergate foi responsável por uma mudança radical nas atitudes profundamente arraigadas de todos—independentemente de sua ideologia professada—com relação ao próprio governo. Pois, em primeiro lugar, Watergate despertou a todos a respeito das invasões à liberdade pessoal e à propriedade privada cometidas pelo governo—desde seus grampos telefônicos, drogas, escutas ilegais, interceptação de correspondência, agentes provocadores—e até mesmo assassinatos. Watergate finalmente removeu o status de sacrossantos do FBI e da CIA, e fez com que eles passassem a ser olhados com mais clareza e frieza. Porém, e ainda mais importante, ao provocar o impeachment do presidente, Watergate removeu este status de santidade de um cargo que havia passado a ser considerado praticamente como soberano pelo público americano. Não mais o presidente estaria acima da lei; não mais o presidente seria considerado incapaz de cometer algo errado.

Mas, o mais importante de tudo é que o próprio governo deixou, em grande parte, de ser considerado algo santificado nos Estados Unidos. Ninguém confia mais nos políticos ou no governo; todo o governo é visto com uma permanente hostilidade, nos colocando assim de volta naquele estado de desconfiança saudável do governo que caracterizou o público americano e os revolucionários americanos do século XVIII.

Por algum tempo, parecia que Jimmy Carter poderia ser capaz de realizar sua meta declarada de recuperar a fé e a confiança do povo no governo. Porém, graças ao fiasco de Bert Lance e a outros pecados de menor gravidade, Carter, felizmente, fracassou. A crise permanente do governo continua.

As condições estão maduras, portanto, agora e no futuro, nos Estados Unidos, para o triunfo da liberdade. Tudo o que é necessário é um movimento crescente e vibrante que explique esta crise sistêmica e aponte o caminho libertário para fora deste pântano criado pelo nosso governo. Mas, como vimos no início desta obra, isto é exatamente o que vimos tentando fazer. E agora chegamos, finalmente, à nossa prometida resposta à pergunta que fizemos em nosso capítulo introdutório: por que agora? Se os Estados Unidos têm uma herança tão entranhada de valores libertários, por que eles vieram para a superfície agora, nos últimos quatro ou cinco anos?

Nossa resposta é que o surgimento e o crescimento rápido do movimento libertário não foram acidentais, que isto ocorreu como consequência da situação de crise que golpeou os Estados Unidos em 1973–1975 e continuou desde então. Situações de crise sempre estimularam o interesse e uma procura por soluções. E esta crise inspirou diversos americanos pensantes a perceber que foi o governo que nos colocou nesta confusão, e que apenas a liberdade—o recuo do governo—pode nos tirar dela. Estamos crescendo porque as condições estão maduras. Num certo sentido, tal como no mercado livre, a demanda criou sua própria oferta.

E é por isso que o partido libertário recebeu 174.000 votos em sua primeira tentativa de concorrer a um cargo nacional, em 1976. E é por isso que aquela respeitada e importante publicação a respeito da política de Washington, The Baron Report—um relatório que de maneira alguma tem uma orientação libertária—negou, numa edição recente, as alegações feitas pela mídia de uma recente tendência rumo ao conservadorismo no eleitorado. O relatório aponta, pelo contrário, que “se alguma tendência está evidente na opinião pública, ela aponta para o libertarianismo—a filosofia que se posiciona contra a intervenção governamental e a favor dos direitos pessoais.” O relatório acrescenta que o libertarianismo exerce uma atração em ambos os lados do espectro político: “os conservadores recebem bem esta tendência quando veem que ela indica um ceticismo, por parte do público, com relação aos programas federais; os progressistas, por outro lado, a recebem bem quando veem que ela mostra uma aceitação crescente dos direitos individuais em questões como drogas, comportamentos sexuais etc., e uma crescente reticência do público em apoiar intervenções externas.”[7]

 

RUMO A UM ESTADOS UNIDOS MAIS LIVRE

O credo libertário, finalmente, oferece a realização do melhor do passado americano juntamente com a promessa de um futuro muito melhor. Até mais que os conservadores, que muitas vezes se atêm a tradições monárquicas de um passado europeu felizmente obsoleto, os libertários estão totalmente inseridos na grande tradição liberal clássica que construiu os Estados Unidos e nos legou a herança americana da liberdade individual, uma política externa pacífica, um governo mínimo, e uma economia de livre mercado. Os libertários são os únicos herdeiros genuínos atuais de Jefferson, Paine, Jackson e os abolicionistas.

E, mesmo assim, embora sejamos mais verdadeiramente tradicionais e mais enraizadamente americanos que os conservadores, somos de muitas maneiras mais radicais que os radicais. Não no sentido de que temos o desejo ou a esperança de remodelar a natureza humana através do caminho da política; mas no sentido de que apenas fornecemos o rompimento agudo e genuíno com o estatismo cada vez mais intrusivo do século XX. A Velha Esquerda quer apenas mais do que estamos sofrendo agora; a Nova Esquerda, em última análise, propõe apenas uma forma ainda mais grave de estatismo, ou uma uniformidade e um igualitarismo compulsório. O libertarianismo é a culminação lógica da oposição já esquecida feita pela “Velha Direita” (das décadas de 1930 e 40) ao New Deal, à guerra, à centralização e à intervenção estatal. Apenas nós queremos romper com todos os aspectos do estado progressista; com o seu bem-estar social e com sua belicosidade, com seus privilégios monopolistas e com seu igualitarismo, com sua repressão de crimes sem vítimas, sejam eles pessoais ou econômicos. Apenas nós oferecemos tecnologia sem tecnocracia, crescimento sem poluição, liberdade sem caos, lei sem tirania, a defesa dos direitos de propriedade contidos tanto numa pessoa quanto nas suas possessões materiais.

Traços e resquícios das doutrinas libertárias estão, de fato, ao nosso redor por toda parte, em grandes partes de nosso passado glorioso e nos valores e ideias de nosso presente confuso. Porém apenas o libertarianismo é capaz de pegar estes traços e resquícios e integrá-los num sistema poderoso, lógico e consistente. O enorme sucesso de Karl Marx e do marxismo não se deve à validade de suas ideias—todas as quais são, na realidade, falaciosas—mas ao fato de que ele ousou elaborar a partir da teoria socialista um sistema poderoso. A liberdade não pode ser bem-sucedida sem uma teoria sistemática equivalente e contrastante; e, até os últimos anos, apesar de nossa grande herança de pensamento e prática política e econômica, não tínhamos uma teoria de liberdade totalmente integrada e consistente. Agora temos esta teoria sistemática; chegamos, totalmente armados com nosso conhecimento, preparados para trazer nossa mensagem e capturar a imaginação de todos os grupos e componentes da população. Todas as outras teorias e sistemas claramente fracassaram: o socialismo está minguando em toda a parte, especialmente na Europa do Leste; o progressismo nos atolou num pântano de uma série de problemas insolúveis; o conservadorismo não tem nada a oferecer além de uma defesa estéril do status quo. A liberdade nunca foi tentada integralmente no mundo moderno; os libertários agora propõem realizar o sonho americano e o sonho mundial de liberdade e prosperidade para toda a humanidade.

 



[1] F.A. Hayek, “The Intellectuals and Socialism,” em Studies in Philosophy, Politics, and Economics (Chicago: University of Chicago Press, 1967), p. 194.

[2] Leonard E. Read, I’d Push the Button (Nova York: Joseph D. McGuire, 1946), p. 3.

[3] Citado  em William H. Pease e Jane H. Pease, eds., The Antislavery Argument (Indianápolis: Bobbs-Merrill Co., 1965), p. xxxv.

[4] Assim, Fritz Redlich escreve,

. . . muitas vezes o solo [para o triunfo de uma ideia] deve ter sido preparado pelos eventos. Pode-se lembrar de quão difícil foi difundir a ideia de um banco central americano antes da crise de 1907, e de como foi relativamente fácil fazê-lo depois dela.

Fritz Redlich, “Ideas: Their Migration in Space and Transmittal Over Time,” Kyklos (1953): 306.

[5] Lawrence Stone, The Causes of the English Revolution, 1529–1642 (Nova York: Harper and Row, 1972), p. 9. Uma análise semelhante foi a feita por Lenin sobre as características de uma “situação revolucionária”:

. . . quando há uma crise, de uma forma ou outra, entre as “classes mais altas”, uma crise na política da classe dominante, surge uma fissura através da qual o descontentamento e a indignação das classes oprimidas eclodem. Para que uma revolução ocorra, geralmente não basta que “as classes mais baixas não queiram” viver da maneira em que viviam; também é necessário que “as classes mais altas não mais sejam capazes” de viver daquela maneira.

V.I. Lenin, “The Collapse of the Second International” (junho de 1915), em Collected Works (Moscou: Progress Publishers, 1964), vol. 21, p. 213–14.

[6] Para uma análise histórica mais extensa, ver Murray N. Rothbard, Esquerda e Direita: perspectivas para a liberdade, (Instituto Ludwig von Mises Brasil, São Paulo, 2010)

[7] The Baron Report (3 de fevereiro de 1978): 2.

 

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