Seis erros fundamentais da atual ortodoxia econômica

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5216À medida que a recessão nos EUA e na Europa foi se aprofundando e a derrocada financeira foi progredindo de rompante em rompante ao longo dos últimos 20 meses, comentários sobre os problemas da economia mundial foram se avolumando assustadoramente.  Especialistas fizeram suas perorações; jornalistas e editores reportaram e opinaram; comentaristas de rádio sopraram e bufaram; políticos e burocratas falaram mais incoerências do que o habitual; acadêmicos desajeitados e inábeis, reagindo perante a luz das câmeras como cervos assustados com os faróis dos automóveis, gaguejaram e se enrolaram durante suas breves exposições como personagens televisivas.  Todos nós fomos inundados por uma efusão interminável de diagnósticos, prognósticos e receitas, sendo que pelo menos 95% de tudo que foi dito tem sido pavorosamente ruim.

Já o essencial de tudo o que foi dito também foi ruim pelas mesmas razões.  A maioria das pessoas que se arvora possuir algum conhecimento especializado sobre economia baseia-se em um arranjo comum de pressuposições e modos de pensamento.  Rotulei essa mixórdia pseudointelectual de “keynesianismo vulgar”.  Trata-se exatamente da mesma conversa oca que tem sido confundida com sabedoria econômica por mais de 50 anos e que, ao que tudo indica, se originou com a primeira edição do livro Economics (1948), de Paul Samuelson — o livro-texto de economia mais vendido de todos os tempos e com o qual uma pluralidade de várias gerações de universitários aprendeu tudo o que sabe sobre análise econômica.

Desde então, essa visão foi se arraigando nos discursos adestrados, na mídia e na política, e acabou se estabelecendo como uma ortodoxia.

Infelizmente, essa maneira de pensar o funcionamento da economia — em particular, suas flutuações gerais — é um emaranhado de erros tanto de encargo quanto de omissão.  O pior de tudo tem sido as implicações políticas derivadas desse modo de pensar — acima de tudo, a noção de que o governo pode e deve utilizar políticas monetárias e fiscais para controlar a macroeconomia e estabilizar suas flutuações.  Apesar de ter se originado há mais de meio século, essa visão parece ter sido tão vital em 2009 e 2010 quanto foi em 1949.

Consideremos, então, brevemente, os seis mais egrégios aspectos dessa infeliz abordagem, para que possamos entender e lidar com os ciclos de expansão e recessão de economia.

Agregação

John Maynard Keynes persuadiu seus colegas economistas (e estes, depois, persuadiram todo o público) de que faz sentido pensar a economia em termos de um punhado de agregados econômicos: renda ou produto total, consumo total, investimento total, gasto governamental total e exportações líquidas totais.  Se as pessoas ainda se lembram de algo de suas aulas introdutórias de economia, elas provavelmente irão se lembrar da equação: Y = C + I + G + (X – M).

Algumas vezes, as variáveis do lado direito da equação são substituídas por Q x P, dando a ideia de que a oferta agregada (o produto físico vezes o nível de preços) é igual à demanda agregada, que, por sua vez, é igual à soma dos quatro tipos de gastos monetários com bens e serviços finais recém-produzidos.

Essa maneira de condensar diversas transações de vasta amplitude econômica em variáveis únicas possui o efeito de suprimir todas as complexas relações e diferenças que existem dentro de cada um desses agregados.  Assim, dentro desse sistema, o efeito de se adicionar $1 milhão de gastos em investimento para aumentar os estoques de ursinhos de pelúcia é o mesmo de se adicionar $1 milhão de gastos em investimentos para a escavação de novas minas de cobre.  Do mesmo modo, $1 milhão em gastos de consumo com ingressos de cinema possui o mesmo efeito de $1 milhão em gastos de consumo com gasolina.  Igualmente, $1 milhão em gastos governamentais com vacinas contra a paralisia infantil possui o mesmo efeito de $1 milhão em gastos governamentais com a aquisição de munições 7,62 milímetros.

Não é necessário raciocinar muito para se imaginar algumas maneiras em que a supressão das diferenças dentro de cada um dos agregados irá fazer com que nosso pensamento econômico entre em sério desarranjo.

A realidade é que “a economia” não produz uma massa indiferenciada de coisas a que chamamos de “produto”.  Ao contrário, os milhões de produtores que geram “oferta agregada” fornecem uma variedade quase infinita de bens e serviços específicos que se diferem entre si de inúmeras maneiras.  Ademais, uma imensa porção das atividades que ocorrem em uma moderna economia de mercado consiste em transações entre produtores que não ofertam bens e serviços “finais”, mas sim matérias-primas, componentes, produtos intermediários e serviços entre si.

Dado que esses produtores estão conectados entre si por meio de um intrincado padrão de relações — as quais devem assumir determinadas proporções para que todo o arranjo funcione corretamente —, haverá consequências críticas dependendo do que, em particular, será produzido, quando, onde e como.

Essas extraordinariamente complexas micro-relações são aquilo a que realmente nos referimos que falamos sobre “a economia”.  Definitivamente não se trata de um processo único e simples no qual se produz uma gororoba uniforme e agregada.  Ademais, quando falamos de “ação econômica”, estamos nos referindo às escolhas que milhões de distintos indivíduos fazem quando selecionam um modo de ação e reservam uma possível alternativa.  Se não há escolha, se o indivíduo não estiver limitado pela escassez, não há uma genuína ação econômica.

Assim, o keynesianismo vulgar, o qual se pretende um modelo econômico, ou no mínimo um arcabouço coerente de análise econômica, acaba por excluir a própria possibilidade de uma genuína ação econômica, substituindo-a por uma simples concepção mecânica — o equivalente intelectual a um brinquedo de bebê.

Preços relativos

O keynesianismo vulgar não leva em consideração os preços relativos e nem as mudanças em tais preços.  No arcabouço keynesiano, há somente um preço, o qual é chamado de “o nível de preços”, e representa uma média ponderada de todos os preços monetários pelos quais são vendidos todos os incontáveis bens e serviços da economia.  (Há também a taxa de juros, a qual é tratada como um preço de uma maneira limitada e enganosa, e sobre a qual falarei mais tarde).  Se os preços relativos mudam — algo que obviamente sempre ocorre, mesmo durante os períodos mais estáveis —, calcula-se apenas a média dessas mudanças, de modo que o nível agregado de preços é afetado apenas de modo discreto e analiticamente irrelevante.

Portanto, se a economia se expande em determinados setores, mas não em outros, de modo que a configuração dos preços relativos foi alterada, os keynesianos vulgares sabem que “demanda agregada” e a “oferta agregada” aumentaram, porém eles não têm a mínima ideia do porquê e nem de que maneira ambas aumentaram.  Tampouco eles se importam com isso.  Na sua visão, o produto agregado da economia — o único produto que eles tratam como digno de observação — é guiado pela demanda agregada, sendo que a oferta agregada irá reagir mais ou menos automaticamente a essa demanda agregada.  E não importa se aumentou apenas a demanda por pepinos ou, para citar um exemplo que o próprio Keynes utilizou, apenas a demanda pela construção de mais pirâmides.  Tudo o que importa para a economia é aumentar a demanda agregada.[1]

Como o keynesiano vulgar não tem consideração pela estrutura de produção da economia, ele não consegue entender por que a expansão da demanda em certas linhas de produção, mas não em outras, pode ser algo problemático.  Na sua visão, não é possível haver, digamos, um excesso de casas e apartamentos.  Um aumento nos gastos por casas e apartamentos, na visão dele, será algo bom sempre que a economia estiver com recursos ociosos (desempregados), independentemente de quantas casas e apartamentos estejam hoje vazios e independentemente de quais tipos específicos de recursos estejam ociosos e onde eles estejam nesta vasta terra.

Ainda que os trabalhadores desempregados sejam, por exemplo, habilidosos mineiros que trabalham na extração de prata em um extremo do país, supostamente será algo bom se, de alguma forma, a demanda por apartamentos tiver aumentado no outro extremo do país, pois, para o keynesiano vulgar, não existem classes de trabalhadores individuais ou mercados de trabalho distintos: mão-de-obra será sempre uma mesma e única variável.  Se alguém — não importam suas habilidades, preferências ou localização — estiver desempregado, então, no arcabouço keynesiano, esse alguém voltará a estar empregado tão logo a demanda agregada seja aumentada suficientemente, não importa em que o dinheiro venha a ser gasto, seja em cosméticos ou em computadores.

Essa total simplicidade existe porque o produto agregado (Q) é uma simples função crescente da mão-de-obra agregada (L): Q = f(L), onde dQ/dL > 0.

Observe que essa “função de produção agregada” possui apenas uma entrada, a mão-de-obra agregada.  Os trabalhadores aparentemente produzem sem a ajuda de bens de capital!  Se pressionado, o keynesiano vulgar irá admitir que os trabalhadores de fato utilizam bens de capital, mas irá insistir que o estoque de capital pode ser considerado como “dado” e constante no curto prazo.  E — esse é um ponto muito importante — todo o seu aparato de raciocínio é voltado exclusivamente para ajudá-lo a compreender esse curto prazo.  No longo prazo, ele pode insistir, estaremos “todos mortos”, como Keynes famosamente disse[2]; ou ele poderá simplesmente negar que chegaremos ao longo prazo caso raciocinemos em cima de uma série de “curtos-prazos”, um encaixado diretamente no outro.

O keynesiano vulgar, com efeito, considera que viver para o presente, e apenas para o presente, é uma grande virtude.  Em qualquer momento oportuno, o futuro pode ser seguramente deixado de lado, pois este irá se resolver sozinho.

A taxa de juros

O keynesiano vulgar se importa com a taxa de juros, mas apenas em um sentido muito restrito.  Para ele, a taxa de juros é o “preço do dinheiro” — isto é, um aluguel pago sobre o dinheiro emprestado.  Tal ato de pegar emprestado é sempre bom, e quanto maior for o volume de empréstimos, melhor, pois os indivíduos utilizam dinheiro emprestado para comprar bens de consumo, desta forma “criando empregos”; e um emprego é a melhor coisa que existe no universo conhecido.  Assim, quanto menor a taxa de juros, mais as pessoas irão se endividar e gastar, e melhor a economia irá funcionar, pelo menos enquanto ainda houver algum desemprego em qualquer região do país.

Dado que algum desemprego sempre vai existir, o keynesiano vulgar está sempre querendo que a taxa de juros seja menor do que ela é, independentemente de quão baixa ela esteja.  Se ela puder ser artificialmente reduzida por meio de intervenções do banco central, ele ardorosamente irá defender tais ações.  Nos EUA, o Fed já reduziu a taxa básica de juros — a taxa que os bancos cobram uns dos outros em seus empréstimos interbancários — para o valor de zero; ainda assim, conceituados economistas já sugeriram a excêntrica ideia de que a taxa de juros deve ser negativa — veja Mankiw 2009. (Onde eu assino para um empréstimo?)

O keynesiano vulgar não entende o que realmente significa a taxa de juros.  Ele é incapaz de compreender que se trata de um crucial preço relativo — o preço de bens disponíveis hoje em relação ao preço de bens disponíveis no futuro.  Lembre-se, o keynesiano vulgar jamais pensa em termos de preços relativos, sendo assim perfeitamente natural que ele seja incapaz de reconhecer como a taxa de juros afeta a escolha entre consumo e poupança — isto é, agir de modo a possibilitar mais consumo futuro, porém sem consumir a renda atual.  Em um livre mercado, uma redução na taxa de juros é consequência do desejo de se consumir menos no presente, direcionando mais consumo para o futuro.

Um livre mercado abrangeria ofertantes de fundos para serem emprestados e demandantes destes fundos, de modo que a taxa de juros prevalecente no mercado seria aquela que iguala a quantidade que os demandantes querem pegar emprestado à quantidade que os ofertantes querem emprestar.  Entretanto, tanto ofertantes quanto demandantes estão fazendo suas escolhas de acordo com sua “preferência temporal”, isto é, a taxa na qual estão dispostos a trocar bens presentes por bens futuros.  Pessoas com uma “alta taxa de preferência temporal” estão ávidas para gastar hoje ao invés de deixar para mais tarde; logo, para induzi-las a abrir mão de seu consumo presente, os tomadores de empréstimo devem compensá-las pagando uma taxa de juros mais alta para poderem utilizar seus fundos.

Embora os keynesianos vulgares reconheçam que uma taxa de juros mais baixa irá estimular as empresas a pegar mais dinheiro emprestado e investi-lo, eles imaginam que os planos de investimento das empresas são naturalmente volúveis e essencialmente irracionais — guiados, como disse Keynes, pelo “espírito animal” (1936, 161-62) dos empreendedores.  Por conseguinte, a intensidade na qual o investimento reage a uma alteração na taxa de juros é pequena e pode ser praticamente desconsiderada.

Para os keynesianos vulgares, a importância da taxa de juros é que ela regula a quantidade que os indivíduos irão pegar emprestado para financiar suas compras de bens de consumo.  Esse consumismo, de acordo com os keynesianos, é o elemento essencial para determinar o quanto as empresas irão produzir e o quanto elas irão investir para expandir sua capacidade de produzir.  Entretanto, e novamente, nesse arcabouço não importa qual tipo de investimento irá ocorrer: tudo o que importa é que haja algum investimento.

O capital e sua estrutura

Como já observado, o keynesiano vulgar considera o estoque de capital como algo “dado”.  Se e quando ele pensa a respeito, ele o considera um tipo de herança do passado e pressupõe que nada que possa ser acrescentado ou subtraído dele no curto prazo irá provocar alterações suficientes para gerar inquietações.  Porém, se ao capital ele dá pouca atenção, à sua estrutura ele não dá atenção alguma.  A estrutura do capital é o conjunto bem azeitado de padrões de especialização e de interrelação entre as inúmeras formas específicas de bens de capital, os quais incorporam toda a poupança e todo o investimento do passado.  No arcabouço keynesiano, não importa se as empresas investem em novos telefones ou em novas usinas hidrelétricas: o capital já é dado e o que importa é investir em qualquer capital.

Uma vez que nesse arcabouço a estrutura do estoque de capital é desconsiderada, não se procura entender como alterações na taxa de juros criam alterações na estrutura do estoque de capital.  Afinal, por que se preocupar com algo que sequer reconhecem, como a estrutura do capital?  Essa cegueira intencional e obstinada fez com que vários economistas, inclusive o recém-laureado com o Prêmio Nobel de economia, Paul Krugman (1998), interpretassem erroneamente a teoria austríaca dos ciclos econômicos, dizendo que se trata de uma teoria sobre “investimentos excessivos”, o que definitivamente não é verdade.

A realidade é que a teoria desbravada por Ludwig von Mises e F.A. Hayek na primeira metade do século XX — uma teoria que quase caiu em esquecimento após a macroeconomia ter sido tomada de assalto pela revolução keynesiana — é uma teoria sobre investimentos errôneos, o que significa dizer que se trata de uma teoria que explica como uma taxa de juros artificialmente reduzida faz com que as empresas invistam nos tipos errados de capital, mais especificamente em bens de capital duradouros, tais como construções residenciais e industriais, em contraste com estoques, equipamentos e softwares, que possuem uma vida relativamente curta.  Assim, na visão austríaca, taxas de juros artificialmente reduzidas — como aquelas vigoraram na economia americana entre 2002 e 2005 — levam as empresas a sobreestimar projetos de longo prazo intensivos em capital, direcionando seus gastos em investimento nessa direção, produzindo, dentre outras coisas, um boom expansionista na construção civil.  Essa mudança de investimento faria sentido econômico caso a taxa de juros houvesse sido reduzido em um livre mercado, o que significaria que as pessoas estariam assim desejando adiar o consumo presente e poupar uma fatia maior de sua atual renda.

Porém, se as pessoas não tiverem mudado suas preferências e, por isso, continuarem preferindo o consumo presente na mesma intensidade que antes, então as empresas irão cometer erros caso escolham esses tipos de investimentos, os quais são, com efeito, tentativas de antecipar demandas futuras que jamais se consolidarão.  Quando os projetos finalmente começarem a dar prejuízo, a expansão econômica criada pela redução artificial das taxas de juros irá entrar em colapso e gerar uma recessão, com um concomitante aumento nas falências e no desemprego da mão-de-obra, à medida que projetos insustentáveis vão sendo liquidados e recursos vão sendo direcionados — dolorosamente, na maioria dos casos — para usos mais viáveis.

Como o keynesiano vulgar não considera essas microdistorções e não vê a necessidade de elas serem corrigidas após o término do crescimento econômico artificialmente induzido, ele é incapaz de entender a importância e a necessidade das falências e do desemprego que inevitavelmente ocorrem durante uma reestruturação econômica (recessão).  Supõe o keynesiano: se ao menos o governo interviesse e incorresse em déficits orçamentários para compensar essa redução no investimento privado e nos gastos em consumo, as empresas iriam recuperar sua lucratividade e os trabalhadores estariam reempregados sem que para isso houvesse a necessidade de qualquer tipo de reestruturação econômica.

Não é surpresa alguma, portanto, que as pessoas que seguem tal linha de pensamento estão atualmente empenhadas em dar continuidade às mesmas políticas que contribuíram enormemente para produzir a expansão econômica insustentável que ocorreu no período 2002-2006 nos EUA e na Europa — no caso, empréstimos baratos ou subsidiados para pretensos donos de imóveis, os quais não eram capazes sequer de preencher os requisitos normais de qualificação comercial para receber tais empréstimos.  Não ocorre aos keynesianos vulgares que um excesso de recursos foi direcionado para a construção de imóveis; tampouco lhes ocorre que emprestar para pessoas que só podem adquirir um imóvel caso sejam subsidiadas é sinal de que recursos estão sendo direcionados para fins não racionais e não econômicos, e tudo à custa dos pagadores de impostos que, direta ou indiretamente, financiaram esses subsídios.

Investimentos errôneos e criação de dinheiro

Munidos de sua grande, simples e inabalável fé na eficácia dos gastos do governo em equilibrar as condições macroeconômicas, os keynesianos vulgares desconsideram a ocorrência de todo e qualquer investimento errôneo, no passado e no futuro, e defendem que o governo gaste muito mais do que arrecada, sendo essa diferença coberta por empréstimos.  É claro, eles defendem intervenções do banco central voltadas para fazer com que tais empréstimos sejam baratos para o governo.  Com efeito, eles cronicamente preferem que o banco central adote políticas de “crédito fácil e barato” ao invés de políticas mais restritivas.

Como observado anteriormente, eles preferem esse crédito fácil e barato não apenas porque tal medida reduz o custo visível de se financiar os déficits do governo, mas também porque ela induz os indivíduos a tomarem emprestado mais dinheiro para gastar em bens de consumo — tal aumento do consumo sendo visto como algo sempre bom, não obstante a taxa de poupança dos americanos já sendo de quase zero nos últimos anos.

Keynesianos vulgares não perdem muito tempo se preocupando quanto ao potencial inflacionário de suas medidas; pelo contrário, eles são dominados por um temor irracional de que possa haver o menor sinal dedeflação.  Caso a inflação saia do controle e venha a se tornar um problema inegável, pode ter a certeza de que eles irão defender políticas de controle de preços, as quais, baseando-se em conhecimentos superficiais a respeito de tais controles durante a Segunda Guerra Mundial, eles estão convencidos de que podem funcionar muito bem.

Incerteza do regime

Keynesianos vulgares não são nada mais do que ativistas políticos.  Assim como Franklin D. Roosevelt, eles acreditam que o governo deveria “tentar alguma coisa”, e, caso isso não funcione, deveria então tentar qualquer outra coisa (Roosevelt 1933, 51).  Melhor ainda seria se o governo tentasse várias coisas ao mesmo tempo e, caso o truque não funcionasse, apenas continuar despejando mais dinheiro nesses programas, indefinidamente, além de tentar também algo totalmente novo — pois uma hora vai dar certo.

As épocas que eles consideram nostalgicamente como sendo as mais gloriosas da história político-econômica dos EUA, por exemplo, são o primeiro mandato de Roosevelt como presidente e os primeiros anos de Lyndon B. Johnson na presidência.  Nesses períodos, testemunhamos uma efusão de novas medidas governamentais para gastar, tributar, regular, subsidiar e em geral criar danos econômicos em uma escala extraordinária e inaudita.  O governo Obama e seus ambiciosos planos de ação governamental encantam os keynesianos vulgares e os enchem de esperança de que um terceiro Grande Salto Para a Frente já começou.

O keynesiano vulgar não entende que o extremo ativismo político pode funcionar contra a prosperidade econômica, pois cria aquilo que chamo de “incerteza do regime”, uma difusa e generalizada incerteza quanto à própria natureza da iminente ordem econômica, especialmente em relação a como o governo irá tratar os direitos de propriedade no futuro (Higgs 1997).  Esse tipo de incerteza desestimula especialmente os investidores, deixando-os temerosos de colocar dinheiro em projetos de longo prazo.  Tais investimentos de longo prazo, que desapareceram dos EUA quase que por completo após 1929, só vieram a se recuperar plenamente após a Segunda Guerra Mundial.

Alguns observadores já comentaram, nos últimos meses, que de fato se criou nos EUA uma incerteza de regime em decorrência da frenética série de pacotes governamentais de socorro, de resgate, de empréstimos de emergência, de aquisições, de estímulo e de outras medidas extraordinárias condensadas em um período de menos de um ano (ver, por exemplo, Boettke 2008, Gonigam 2009 e Lam 2009).  Com o governo Obama no comando da situação e com as eleições se aproximando, tudo indica que haverá uma continuação desse tipo de ativismo político frenético.  Bem não pode fazer, mas pode machucar um bom bocado.

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Referências

Boettke, Peter. 2008. “Regime Uncertainty.” The Austrian Economists, October 6.

Cantor, Paul. 2002. “Keynes and the Pyramids.” Mises Daily, October 14.

Gonigam, Dave. 2009. “Regime Uncertainty.” The Daily Reckoning, March 4.

Hennings, K. H. 1987. “Capital as a Factor of Production,” in The New Palgrave: A Dictionary of Economics edited by John Eatwell, Murray Milgate, and Peter Newman, 327-33. New York: Stockton Press.

Higgs, Robert. 1997. “Regime Uncertainty: Why the Great Depression Lasted So Long and Why Prosperity Resumed after the War.” The Independent Review 1, no. 4 (spring): 561-90.

Keynes, John Maynard. 1936. The General Theory of Employment, Interest, and Money. New York: Harcourt, Brace and World.

Krugman, Paul. 1998. “The Hangover Theory: Are Recessions the Inevitable Payback for Good Times?”, Slate, December 4.

Lam, Carlos. 2009. “‘Regime Uncertainty’ Further Delays Economic Growth.” Seeking Alpha, April 3.

Mankiw, N. Gregory. 2009. “It May Be Time for the Fed to Go Negative.” New York Times, April 18.

Roosevelt, Franklin D. 1933. Looking Forward. New York: John Day.

Samuelson, Paul A. 1948. Economics: An Introductory Analysis. New York: McGraw-Hill.

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Notas

[1] Em seu A Teoria Geral, Keynes escreveu: “Construir pirâmides, terremotos e até mesmo guerras podem ser úteis para aumentar a riqueza” (1936, 129).  Provocado pela afinidade keynesiana para com a construção de pirâmides, Paul Cantor graceja: “Se Keynes gostava de pirâmides, então deveria haver algo de errado com elas; e de fato parece haver uma conexão entre gostar de pirâmides e gostar e gostar de um governo grande” (2002).

[2] Essa declaração frequentemente citada de Keynes na realidade não é tão ridícula quanto normalmente aparenta ser.  Sua declaração contextualizada, em seu Tract on Monetary Reform, de 1923, é: “O longo prazo é uma orientação enganosa para as questões atuais.  No longo prazo todos estaremos todos mortos.  Os economistas se impõem uma tarefa muito fácil e muito inútil se, em épocas de tempestade, eles se resumirem a nos dizer que quando a tormenta passar o oceano ficará calmo novamente”.  Essa citação está disponível na Wikiquote.

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