Ser economista se tornou uma profissão lastimável

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6726Não é nenhum exagero dizer que a atual reputação dos economistas provavelmente está abaixo da do vendedor de carros usados ou da do mecânico desonesto. Talvez só esteja melhor que a dos políticos.
A situação começou a degringolar de forma aparentemente irreversível quando praticamente nenhum economista — com as exceções de praxe — foi capaz de prever a crise financeira americana e europeia. E o recente fracasso das políticas econômicas norte-americana, europeia e latino-americana em estimular o crescimento e o emprego serviram para manchar ainda mais esta já combalida imagem.

Tudo isso, no entanto, contrasta acentuadamente com o passado, quando economistas eram vistos como um obstáculo moral e intelectual a populismos, a aventuras heterodoxas e, ainda mais importante, a políticas governamentais baseadas em premissas falsas.

Por exemplo, um slogan popular como “proteger a indústria nacional” é eleitoralmente eficiente e de grande apelo popular, mas na realidade nada mais é do que a imposição de uma reserva de mercado, algo que serve apenas aos interesses de uma elite empresarial muito poderosa, ineficiente e de mentalidade cartorial. Os economistas do passado jamais hesitariam em realçar as falácias deste raciocínio.

A maioria dos economistas de hoje, no entanto, já se vendeu ao inimigo. Eles trabalham ou para agências governamentais — tanto nacionais, como institutos de estatística e Banco Central, quanto internacionais, como FMI, OECD, Banco Mundial — ou para universidades que dependem de dinheiro do governo e cujas pesquisas são fortemente subsidiadas por outras agências do governo. Para ser bem-sucedido, esses economistas têm de seguir ordens. Não se morde a mão que nos alimenta.

No momento, estes economistas e jornalistas de aluguel estão muito ocupados nos alertando sobre os perigos de uma deflação de preços na Europa e sobre os riscos de uma inflação de preços extremamente baixa nos EUA. Ao mesmo tempo, alertam sobre os perigos de uma alta inflação de preços na América Latina. Ou seja, ao mesmo tempo em que corretamente alertam para os desarranjos e incertezas gerados por uma alta inflação de preços, eles também dizem que preços estáveis ou em queda são igualmente ruins.

Que avisem isso então à indústria de eletroeletrônicos, que vem reduzindo seus preços há quatro décadas. Em épocas passadas, principalmente na segunda metade do século XIX, o crescimento econômico ocorrido em um ambiente de oferta monetária relativamente estável gerava uma redução contínua de preços. E nenhum economista entrava em pânico por isso.

Quando Obama falou da necessidade de aumentar o salário mínimo dos EUA, Paul Krugman, que foi laureado com o Nobel de Economia, imediatamente publicou um artigo defendendo tal aumento. No entanto, até mesmo um estudante no primeiro ano de uma faculdade de economia sabe que a imposição de um salário mínimo nada mais é do que um controle de preços, e que controles de preços distorcem a alocação racional de recursos, servindo apenas para beneficiar um grupo específico à custa de todo o resto da sociedade.

Embora algumas pessoas — as produtivas — de fato sejam beneficiadas por um salário mínimo maior, a maioria pouco qualificada simplesmente será prejudicada, pois sua baixa produtividade passará a ser muito cara em relação ao novo salário estipulado. No final, aumentos do salário mínimo beneficiam apenas alguns sindicatos, pois, embora nenhum de seus membros receba o salário mínimo, a lei ajuda a protegê-los da concorrência dos trabalhadores menos qualificados. (Sindicato nada mais é do que um cartel protegido pelo estado que expulsa do mercado de trabalho aqueles trabalhadores menos qualificados — ao mesmo tempo em que utiliza a retórica da proteção aos desfavorecidos.)

No que mais, como a realidade vem comprovando sobejamente, naqueles países em que há um salário mínimo, o desemprego dos jovens é praticamente o dobro do observado naqueles países em que não há um salário mínimo estipulado pelo governo.

Economistas também parecem sofrer da síndrome da “inveja da física”, o que faz com que eles passem a defender o uso de modelos matemáticos e empíricos para a economia. Hoje, para trabalhar em um Banco Central, você tem de estar totalmente familiarizado com — quando não tem de ser praticamente um especialista em — modelos DSGE (modelos dinâmicos e estocásticos de equilíbrio geral).

O problema com esses modelos, ou com qualquer outro modelo econômico, é que, na vida real, os parâmetros não são constantes, as variáveis são quase todas inter-relacionadas, e suas inter-relações estão em contínua mudança. No que mais, em vários desses modelos matemáticos, algumas variáveis — como as expectativas, que são impossíveis de ser mensuradas — são omitidas e convenientemente assumidas como desimportantes. É como traçar um mapa com rotas de navegação marítima e omitir a existência de ilhas.

A economia é uma ciência social, e a utilização de técnicas aplicáveis apenas às ciências físicas é totalmente inapropriada. Dado que não temos um laboratório para conduzir experimentos econômicos, é difícil fazer uma distinção entre correlação e causalidade, ou determinar corretamente a direção da causa. A atividade econômica é baseada em ações humanas, com muito pouca regularidade empírica. Pode estar um dia de sol e você ter feito atividades ao ar livre nos últimos três dias; isso não significa que, no quarto dia, o clima estará propício para um piquenique. Suas ações simplesmente não podem ser modeladas como as reações de ratos de laboratório em um experimento biológico controlado. Ao contrário da reação dos zumbis aos ruídos em The Walking Dead, humanos não necessariamente reagem aos mesmos eventos da mesma maneira. Os economistas dos bancos centrais ao redor do mundo devem estar coçando suas cabeças se perguntando por que — ao contrário de outros eventos do passado — as economias não reagiram como se esperava à redução das taxas de juros. Trata-se daquele velho adágio: “Engane-me uma vez, que vergonha para você; engane-me duas vezes, que vergonha para mim”.

Quando uma pessoa obtém um Ph.D. em física ou em medicina, ela não perde tempo tentando entender teorias de 200 anos atrás que se revelaram equivocadas. Ambas as profissões estão em constante avanço, correto? Na economia, infelizmente, temos erroneamente essa mesma atitude. A macroeconomia, enquanto profissão, não apenas não avançou, como regrediu. Tínhamos uma melhor compreensão da macroeconomia 80 anos atrás. Os políticos colocaram Keynes em um pedestal porque o economista britânico forneceu a eles uma fundação teórica que justificasse políticas que haviam sido corretamente ridicularizadas no passado pelos economistas clássicos. Repentinamente, medidas como aumento dos gastos governamentais, déficits, inflação, protecionismo e regulação — coisas que políticos adoram — passaram a ser consideradas sensatas, saudáveis e necessárias.

Economistas como Smith, Ricardo, Say e Mill lutaram bravamente para contestar a popular e falsa noção de que os problemas da economia se resumiam a uma produção excessiva e a uma quantidade insuficiente de dinheiro circulando na economia. Hoje, os economistas mais proeminentes dizem que tudo estará bem se o governo estimular a demanda (e, por tabela, a produção) e aumentar a oferta monetária por meio de crédito barato e de “afrouxamento quantitativo”. Voltamos exatamente às mesmas concepções erradas propagadas pelos mercantilistas há 250 anos. A diferença é que, hoje, ao contrário de antigamente, os economistas são aliados dos políticos mercantilistas, e não seus inimigos.

O papel do economista é o de explicar não apenas os efeitos diretos, mas também os efeitos indiretos de toda e qualquer política econômica. Economistas devem saber explicar não apenas aquilo que podemos ver, como também, e principalmente, aquilo que não estamos vendo. Mais ainda: economistas têm de saber explicar tudo o que poderá acontecer em decorrência da adoção de uma determinada política.

Vivemos em um planeta sujeito a uma restrição chamada gravidade. Podemos nos adaptar à lei da gravidade criando inovações moldadas a agir de acordo com ela, como aviões, mas não podemos desafiar a lei da gravidade pulando de um prédio sem pára-quedas. O mesmo raciocínio é válido para a economia e para a lei da escassez. Erroneamente acreditamos que, de alguma maneira, a criação de dígitos eletrônicos (dinheiro) por meio do crédito fácil e barato fará com que coisas surjam do nada e que a oferta de bens aumente; acreditamos que o crédito fácil tem o poder de abolir a realidade mais básica do universo, que é a de que vivemos em um mundo de escassez onde as coisas, para existirem, têm de ser trabalhadas e transformadas. A mera criação de dígitos eletrônicos não fará nada para driblar esta dolorosa realidade; gerará apenas aumento de preços.

J.B. Say certa vez disse que economistas deveriam ser meros “expectadores passivos” que não sugerem políticas. Ele poderia ter acrescentado: “e que não dormem com o inimigo”.

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