Verdades, mentiras, o governo da Venezuela e a definição da maldade

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Venezuelan President Nicolas Maduro raises his fist during a rally in Caracas on November 12, 2013. Venezuela's ruling party eyed a vote Tuesday to pave the way for Maduro to govern by decree, broadening his powers, during an inflationary crisis a month before crucial municipal elections. AFP PHOTO/Leo RAMIREZ (Photo credit should read LEO RAMIREZ/AFP/Getty Images)
Venezuelan President Nicolas Maduro raises his fist during a rally in Caracas on November 12, 2013. Venezuela’s ruling party eyed a vote Tuesday to pave the way for Maduro to govern by decree, broadening his powers, during an inflationary crisis a month before crucial municipal elections. AFP PHOTO/Leo RAMIREZ (Photo credit should read LEO RAMIREZ/AFP/Getty Images)

O presidente venezuelano Nicolás Maduro resolveu encrencar comigo, de novo.  A televisão estatal do país recentemente transmitiu uma conversa telefônica privada, ilegalmente grampeada, na qual eu propunha um estudo sobre como salvar a economia da Venezuela por meio de um apoio da comunidade internacional, que hoje deu as costas para meu país.

O governo, em vão, editou as gravações para fazer com que aquilo que eu disse soasse nefando, mentiu sobre o sentido da conversação e sobre mim, e anunciou que irá me processar.

Isso me fez pensar sobre o eterno problema da maldade.  Seria a maldade algo totalmente relativo ou há argumentos objetivos para se caracterizar um comportamento ou um ato como sendo a pura manifestação do mal?

Será que todos os confrontos ocorrem entre lados legítimos — por exemplo, aquele que, para um lado, é um terrorista, para o outro é um guerreiro da liberdade — ou podemos dizer que alguns confrontos realmente se dão entre o bem e o mal?

Sendo o filho de sobreviventes do Holocausto, sempre tive uma aversão intuitiva ao relativismo moral.  Mas quais são os argumentos objetivos para dizer que os nazistas eram a encarnação da maldade?  Como famosamente disse Hannah Arendt, homens como Adolf Eichmann ocorreram aos montes e não eram “nem depravados e nem sádicos”; ao contrário, “eles eram, e ainda são, terrivelmente e pavorosamente normais”.  Uma normalidade similar surge com o retrato, feito por Thomas Harding, de Rudolf Höss, o comandante de Auschwitz, um homem que se orgulhava de ter se sobressaído na tarefa que lhe foi atribuída.

Portanto, qual seria a definição primária de maldade?

A filosofia moral fez duas abordagens bastante distintas sobre essa questão.  Para alguns, o objetivo é encontrar princípios universais dos quais é possível derivar juízos morais: o imperativo categórico de Kant, o princípio utilitarista de Jeremy Bentham, e o véu da ignorância de John Rawls são alguns dos mais conhecidos exemplos.

Para outros, o segredo é entender por que, afinal, temos sentimentos morais.  Por que nossos cérebros evoluíram e se tornaram capazes de gerar sentimentos de empatia, repulsa, indignação, solidariedade e pena? David Hume e Adam Smith desbravaram esse tipo de pensamento, o qual terminou por gerar as áreas da psicologia evolucionista e moral.

De acordo com essa última visão, os sentimentos morais evoluíram para se tornarem capazes de sustentar a cooperação humana.  Estamos programados, por nossos genes, para sentir preocupação para com bebês e empatia por pessoas que estão sofrendo de dor.  Esforçamo-nos para ter o reconhecimento dos outros e evitamos sua rejeição.  Sentimos bem sobre nós mesmos quando fazemos o bem e nos sentimos mal quando fazemos o mal.  Estes são os fundamentos do nosso inconsciente senso moral.

Como consequência, duvido que qualquer sociedade moderna já tenha amplamente apoiado aquilo cuja população via como sendo um mal.  Eventos como o Holocausto ou os genocídios na Ucrânia (1932-1933), no Camboja (1975-1979) ou em Ruanda (1994) ocorreram ou em segredo ou tendo por base a disseminação de uma visão de mundo distorcida, a qual foi criada para fazer com que o mal parecesse bom.

A propaganda nazista culpava os judeus por tudo: pela derrota da Alemanha na Primeira Guerra Mundial, pela adoção de valores morais universais que impediam a raça ariana de exercer sua superioridade, e pela disseminação tanto do comunismo quanto do capitalismo.  Já os ucranianos foram acusados de serem espiões poloneses, kulaks, trotskistas, e qualquer outra coisa que Stalin fosse capaz de inventar.

A disseminação do mal depende de mentiras, pois as mentiras formam a base da visão de mundo que faz o mal parecer o bem.  Mas essa dependência das mentiras nos fornece a chance de oferecer resistência ao mal e contra-atacar.

O biólogo Martin Nowak argumentou que a única maneira pela qual os humanos são capazes de manter a cooperação é criando mecanismos simples para punir os maus comportamentos.  Para desencorajar A de agredir B, a reação de C pode ser importante, pois se A sabe que C irá puni-lo pelo que ele fizer a B, ele irá pensar duas vezes antes de agredir B.

Mas se a punição é complicada, arriscada ou custosa para C, isso não intimidará A, que então se sentirá com muito mais liberdade de ação.  Mas se C puder punir A de uma maneira simples, descomplicada e até mesmo prazerosa, então a simples existência dessa ameaça para A pode ser mais substancial e efetiva.

De acordo com esta visão, a premência para se resolver essa questão se transformou na base evolutiva dosboatos e do assassinato de reputação.  Humanos adoram fazer intrigas, e as intrigas podem afetar uma reputação.  E uma reputação destruída, por sua vez, afeta como os outros irão tratar essa pessoa.  Consequentemente, a punição por meio da fofoca é, ao mesmo tempo, eficaz, barata e prazerosa — e o medo de A de se tornar o objeto da fofoca de C pode ser mais do que suficiente para deter qualquer eventual mau comportamento da A em relação a B.

Isso abre uma importante avenida para o controle do mal.  Como disse certa vez o professor de Harvard e ex-senador americano Daniel Patrick Moynihan, “Todo indivíduo tem o direito às suas próprias opiniões, mas ninguém tem o direito de criar seus próprios fatos”.  Portanto, uma maneira de restringir o mal é atacando as mentiras nas quais ele se baseia, e também condenando aqueles que difundem estas mentiras.

Nos EUA, há uma tendência natural de se punir candidatos políticos quando eles mentem — mas majoritariamente quando mentem sobre seus pecadilhos pessoais.  Seria ótimo, por exemplo, se as calúnias de Donald Trump sobre os mexicanos o tornassem inelegível.  Se a cultura política de um país é tal que toda a população concorda em condenar mentiras intencionais e mentirosos profissionais, especialmente quando o objetivo destes é promover o ódio, então esse país poderá evitar um grande mal.

Mas este não é o caso da Venezuela.  Seu governo destruiu a economia e a sociedade, sendo o responsável pelamaior recessão atual do planeta (as previsões são de que o PIB caia 10%), a maior taxa de inflação do mundo, a segunda maior taxa de homicídios, e todos os tipos de humilhantes racionamentos e escassezes de produtos básicos.  E agora, para completar, o governo sistematicamente mente sobre as causas da bagunça que ele próprio criou, inventando bodes expiatórios.

O governo de Maduro diz que os culpados pelo colapso econômico da Venezuela seriam uma suposta “guerra econômica” liderada pelos EUA, as oligarquias do seu país, e o zionismo financeiro internacional, do qual eu supostamente sou um agente. O problema é que o governo venezuelano, até agora, não arcou com nenhum custo por suas mentiras sistêmicas, mesmo quando estas envolviam culpar alguns pobres colombianos que moravam na fronteira pelas escassezes de produtos básicos na Venezuela, ilegalmente deportando centenas deles e destruindo suas moradias.

Embora alguns ex-presidentes latino-americanos tenham se pronunciado abertamente contra este descalabro, líderes importantes como Dilma Rousseff, do Brasil, e Michelle Bachelet, do Chile, permanecem em silêncio.  Elas deveriam dar alguma importância ao alerta de Albert Einstein: “O maior risco para o mundo vem daqueles que toleram ou estimulam o mal, e não daqueles que realmente o praticam”.

 

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