1. O argumento marxista a favor do socialismo

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David Gordon

 

Karl Marx acreditava que “com a inexorabilidade de uma lei da natureza” o capitalismo estava condenado. No passado, o capitalismo ajudou o crescimento da produção; agora esse sistema havia se tornado um “grilhão às forças de produção”. Como, na visão de Marx, as forças de produção devem se desenvolver, a pressão sobre o capitalismo, mais cedo ou mais tarde, se mostraria impossível de conter. Sob o socialismo, o sistema econômico seguinte na agenda histórica, as forças de produção crescerão a alturas nunca antes alcançadas.

Nem tudo o que é inevitável é desejável, como nos lembram a morte e os impostos. Para Marx, as perguntas sobre o que é bom e ruim não têm respostas universalmente verdadeiras. Só se pode falar do que é bom ou ruim para uma classe econômica. Aqueles que prosperaram sob o capitalismo acharão o fim da velha ordem uma questão a se lamentar: aqueles que se davam mal olharão para o socialismo como “uma esperança muito presente para todos os nossos problemas”. O proletariado está em primeiro lugar entre aqueles que se beneficiarão da chegada do socialismo.

A posição de Marx levanta três questões para discussão. O socialismo substituirá o capitalismo? O capitalismo é um sistema ruim para os trabalhadores? O socialismo será um sistema melhor para eles? Uma das razões de Marx para pensar que o capitalismo havia chegado ao fim era que, como os trabalhadores sofriam com a exploração, eles se revoltariam contra ele. Assim, a resposta à primeira questão depende, em parte, da nossa avaliação da segunda e, como veremos, também da terceira. Esse fato fornece uma ordem natural para responder às perguntas.

Marx argumentava que o capitalismo explora os trabalhadores. Antes que se possa avaliar sua conclusão, surge uma questão prévia: o que ele quis dizer com exploração? No sentido de “linguagem comum” do termo, se os capitalistas exploram os trabalhadores, então eles agem em relação aos trabalhadores de uma maneira moralmente censurável. Eles “usam” aqueles que exploram.

Marx quis dizer algo totalmente diferente por exploração. Ele usa o termo para designar uma situação em que os trabalhadores não recebem o valor total dos produtos que seu trabalho cria. O excedente é a fonte de aluguel, juros e lucro. Os detalhes da afirmação de Marx serão abordados logo abaixo. Mas, mesmo com base nesse esboço muito grosseiro, é evidente que a afirmação de Marx não mostra, por si só, que algo está errado com o capitalismo. A menos que haja algo censurável na exploração marxista, não se segue que os trabalhadores explorados no sentido de Marx encontrarão em suas circunstâncias uma razão para a mudança.

Um relato mais detalhado da exploração marxista esclarecerá essa afirmação. Na visão de Marx, o tempo de trabalho socialmente necessário para produzir uma mercadoria é a base de seu valor de troca. Se, por exemplo, uma casa é trocada no mercado por dois carros, então a mão de obra necessária para produzir uma casa será o dobro da mão de obra necessária para produzir dois carros. Por “socialmente necessário”, Marx quer dizer, grosso modo, a “quantidade média” de trabalho necessária para fazer algo.[1] Marx não sustenta que os preços no mercado capitalista são o equivalente exato dos valores do trabalho. Pelo contrário, de forma complicada e disputada, os valores da mão de obra subjazem aos preços de mercado. Felizmente, para os propósitos deste ensaio, podemos evitar esse setor árido e arcano da escolástica marxista. Um relato “essencial” da economia de Marx é tudo o que precisamos.

A teoria do valor-trabalho aplica-se ao trabalho. Como outras mercadorias, o preço do trabalho, ou seja, o salário que os trabalhadores recebem, é determinado pelo valor-trabalho do trabalho. Isso, a princípio, soa como uma expressão impossível, assim como o “comprimento em metros de um metro” não tem sentido. Como o próprio padrão de valor pode ter um valor? Mas, na visão de Marx, as aparências enganam. Podemos encontrar um valor de trabalho para o trabalhador: este é o tempo de trabalho necessário para produzi-lo. Simplificando, o valor do trabalho é o custo de vida do trabalhador, determinado por tudo o que uma sociedade considera necessário para viver.

Aqui está precisamente, pensa Marx, a chave do enigma do lucro. Um empregador capitalista paga ao trabalho o seu preço, ou seja, o seu valor do trabalho, calculado da forma que acabamos de explicar. Por esse preço, ele recebe o que o trabalhador pode produzir durante o tempo em que trabalha. Na fórmula de Marx, o capitalista compra força de trabalho, mas paga apenas pelo trabalho. A diferença entre as duas quantidades é a mais-valia, a fonte de aluguel, os juros e o lucro. Marx também denomina a taxa de mais-valia taxa de exploração. Marx dava grande valor à sua prova da exploração, pois acreditava que com ela havia exposto o segredo do capitalismo. A força motriz de uma economia capitalista é o lucro; sem ela, a economia pararia. Mas como é possível o lucro, se tudo é trocado pelo seu verdadeiro valor de trabalho? Justamente na compra de trabalho, tal como Marx o concebeu, a resposta está à mão. O capitalista não paga ao trabalhador menos do que o seu valor. O salário do trabalhador é determinado pelo valor das mercadorias necessárias para produzi-lo e, em equilíbrio, ele não recebe menos do que isso. Mas, devido a mais-valia, o capitalista ainda pode garantir seu lucro. Na análise de Marx, portanto, todo o sistema capitalista repousa sobre a exploração do trabalho. Sem exploração, sem mais-valia; sem mais-valia, sem lucro; sem lucro, sem capitalismo.

O engenhoso argumento de Marx não resistiu de forma alguma ao teste da análise crítica. Mais importante ainda, ele repousa na desacreditada teoria do valor-trabalho. Os marxistas nunca foram capazes de responder adequadamente à análise devastadora de Eugen von Böhm-Bawerk. Como este é um terreno bem pisado, um breve resumo será suficiente para o nosso propósito.

Marx assumiu que uma troca é uma igualdade: em nosso exemplo anterior, 1 casa = 2 carros. Em nítido contraste, na visão austríaca, uma troca só ocorre se houver uma dupla desigualdade: cada pessoa deve valorizar mais o que ganha do que o que abre mão. Esta visão me parece de grande alcance na sua importância. Expõe um pressuposto da economia clássica que, uma vez questionado pelo austríaco, parece o inverso do óbvio. Por que uma troca é uma igualdade? Nem Marx, nem qualquer outro defensor da teoria do trabalho deu uma explicação para essa suposição.

Além disso, Marx assumiu que uma troca envolve um senso muito forte de igualdade. Em sua opinião, a igualdade que constitui uma troca deve ser explicada por um elemento comum em ambos os lados da igualdade. Em outras palavras, para Marx uma troca era uma identidade, da mesma forma que os dois lados de uma equação em matemática designam a mesma quantidade. Se 1 casa = 2 carros, então tanto ‘1 casa’ quanto ‘2 carros’ compartilham alguma quantidade comum. Para aqueles que não estão enredados na metafísica marxista do valor, esse passo parece ainda mais equivocado do que seu antecessor, o postulado da igualdade. E se até, per absurdum, seja aceita uma identidade, Marx não oferece nenhum argumento para a afirmação de que a quantidade comum deve ser o trabalho.[2]

Outro problema surge do fato de que, como Marx bem sabia, os preços de mercado diferem dos valores do trabalho. Marx lidou com isso tentando mostrar que os valores do trabalho poderiam de alguma forma ser transformados em preço. Os interessados nos detalhes técnicos desta questão devem consultar Böhm-Bawerk, que, segundo Thomas Sowell, entendeu Marx perfeitamente bem.

Parece-me que um fato é muitas vezes negligenciado nos detalhes da reprodução simples e expandida, Divisões I e II, e outros elementos da arquitetura marxista. Suponhamos que Marx pudesse mostrar que os preços de mercado podem ser derivados dos valores do trabalho, usando uma fórmula que dê os resultados “corretos”. De que forma isso provaria que os valores do trabalho são a explicação do preço? A suposição de Marx de que o valor do trabalho era “supremo” permaneceria apenas isso – uma suposição.

Dadas essas e outras dificuldades, não é de se admirar que a maioria dos recentes “marxistas analíticos”, um grupo que tentou reavivar o marxismo aplicando-lhe as técnicas da filosofia analítica e da economia moderna, dispense completamente a teoria do trabalho.

Mas e a tão alardeada explicação de Marx sobre o lucro? Ela também falha, mesmo que se conceda a Marx a teoria do valor-trabalho. Às vezes, os primeiros pensamentos são melhores; e a frase “o valor trabalho do trabalho” é de fato insignificante. O trabalho é a medida do valor: se assim for, não pode, simultaneamente, ter um valor. Marx observou corretamente que se pode, em sua teoria, obter o valor-trabalho de um trabalhador. Mas os trabalhadores não estão à venda no mercado capitalista: esta, pelo contrário, é a situação que se obtém numa sociedade escravista. O trabalhador vende exatamente o que o capitalista compra – sua força de trabalho. A explicação de Marx sobre o lucro através da exploração do trabalho erra em seu primeiro passo.

Esta breve excursão à economia marxista nos permite compreender uma fraqueza principal do argumento de Marx de que a chegada do socialismo é inevitável. Parte de sua reivindicação se baseia em mostrar que os trabalhadores são explorados. Sua exploração, em sua opinião, aumenta à medida que o capitalismo se desenvolve. Eventualmente, eles encontram condições intoleráveis e se revoltam. “A sentença de morte da velha ordem soa.”

Como acabamos de ver, no entanto, Marx não conseguiu demonstrar que os trabalhadores sob o capitalismo são explorados. Na medida em que sua defesa do colapso do capitalismo depende da insatisfação proletária devido à exploração, ela imediatamente entra em colapso.

Os problemas com a visão de Marx sobre a exploração são ainda mais profundos. Como já mencionado, ele usa um termo, “exploração”, que sugere que algo está errado com o estado de coisas assim designado. Mas por que os trabalhadores devem receber o valor total dos produtos que seu trabalho ajuda a produzir? Presumivelmente, os trabalhadores, como todos os outros, gostariam de aumentar seus ganhos; mas por que o sistema salarial capitalista é intolerável?

É claro que se pode seguir a linha de que os capitalistas não são os legítimos possuidores de seus bens de capital: sua posse ilícita lhes permite obter uma parcela de produção à qual eles não têm direito devidamente. Mas este é um problema separado daquele que Marx tentou resolver em sua teoria da exploração. Marx procurou mostrar que os trabalhadores sofriam de exploração decorrente da maneira como o mercado determina os salários. Esse argumento não funciona e não mostraria nada de errado com o capitalismo se sua conclusão fosse verdadeira.

Marx pensava não apenas que o capitalismo estava acabado, mas que o socialismo o substituiria. As duas previsões estão conectadas no sentido de que, mesmo que os trabalhadores se sentissem rebeldes pela exploração, eles não se revoltariam a menos que vissem algo melhor no horizonte. A questão passa a ser: o socialismo explora os trabalhadores? Uma resposta a isso não pode ser dada com certeza, já que Marx nunca se digna a nos dizer o conteúdo do sistema futuro. Mas as evidências que existem dão uma base razoável para uma resposta.

Marx observa explicitamente na Crítica do Programa de Gotha que os fundos serão reservados para aqueles que são incapazes de trabalhar. Além disso, haverá investimento na nova comunidade socialista: sua suposta vasta capacidade produtiva depende disso. Mas como fazer essas coisas se não for extraída mais-valia dos trabalhadores? (Estamos aqui assumindo a análise marxista do lucro, pois é com base nisso que Marx afirma que os trabalhadores são explorados.) Se assim for, a exploração no sentido marxista existe sob o socialismo. O que acontece então com o argumento de que o proletariado ficará cada vez mais descontente e, eventualmente, derrubará o capitalismo? Mesmo que sejam “explorados”, dificilmente se revoltarão a menos que o socialismo lhes ofereça uma perspectiva diferente.

A principal linha de defesa de Marx para isso era a de que os trabalhadores tomariam eles mesmos decisões sobre investimentos, já que sob a “ditadura do proletariado”,[3] eles controlam o governo. As decisões de investimento deixarão de ser tomadas pela odiada classe capitalista. O argumento de Marx, em resumo, parece ser que os trabalhadores não se importarão com a exploração porque estarão se explorando. Isso parece implausível: se a exploração é censurável, dificilmente se torna aceitável apenas porque os exploradores são chamados de “trabalhadores”. No entanto, não é este o ponto que agora nos preocupa. Se os trabalhadores considerarão tolerável ou não a exploração sob o socialismo que rejeitam sob o capitalismo, Marx não pode apelar para a exploração como motivo de revolta proletária se o socialismo não a eliminar.

Suponha que Marx tenha respondido que seu ponto foi ignorado. É apenas a exploração capitalista que os trabalhadores abominam. O problema aqui, além do fato de que a alegação é grosseiramente implausível, é que a razão para levantar a questão da exploração em primeiro lugar foi que isso supostamente explicava o descontentamento proletário com o capitalismo. É um raciocínio circular acrescentar a isso que não é qualquer exploração que preocupa os trabalhadores – apenas a exploração capitalista. Isso deixa sem resposta a pergunta: o que os trabalhadores devem achar ruim no capitalismo em primeiro lugar?

Um argumento em que nos baseamos é que a exploração marxista não é o mesmo que a exploração da “linguagem comum”. Será que esse argumento não se volta contra nós? Marx pode ser lido como não baseando a maior parte de seu argumento de que os trabalhadores acham o capitalismo insatisfatório em seu senso de exploração. Ele também achava que os trabalhadores viviam em condições muito ruins: ele passa muito tempo no primeiro volume de O Capital contando “histórias de horror” da Revolução Industrial. Aqui reside a principal razão para pensar que o proletariado se revoltará contra o capitalismo.

Esse argumento também falha. Uma questão factual importante, embora uma limitação de espaço nos impeça de discutir, é que Marx deturpa a natureza da Revolução Industrial. No geral, ela melhorou a situação dos trabalhadores.[4] Mas mesmo que se aceitasse o quadro terrível da classe operária pintado por Marx em O Capital e por Engels em A condição da classe trabalhadora inglesa em 1844, o argumento ainda não funcionaria. As rigorosas condições de trabalho para as quais Marx chamou a atenção ocorreram durante o início do capitalismo. Muitos dos piores de seus relatos, na verdade, datam de um período ainda anterior, quando o capitalismo existia apenas em forma incipiente. Mas, para defender a revolta proletária, Marx precisa mostrar que as más condições de trabalho são características essenciais do capitalismo.

Isso Marx não conseguia fazer, nem mesmo ele podia negar que o padrão de vida dos trabalhadores havia subido desde meados do século XIX. Se, de fato, as coisas estão melhorando, como deve prosseguir o argumento para o aumento do descontentamento proletário? Uma resposta é que o capitalismo estará sujeito a crises cada vez mais severas à medida que se desenvolve: essa visão será discutida a seguir. Outra linha de resposta para Marx é que, por causa das constantes lutas pelo lucro por parte dos capitalistas, os trabalhadores se tornam cada vez mais explorados.

Mas “explorado” em que sentido? Como Marx pode afirmar que as condições dos trabalhadores estão piorando, diante de evidências em contrário? Evidentemente, ele reintroduziu seu próprio senso de exploração, ou seja, os trabalhadores são explorados porque produzem mais-valia. No entanto, já havíamos nos afastado disso, buscando no uso mais usual da exploração um argumento melhor para Marx. Ele oscila entre os dois sentidos de uma maneira que tem o efeito de ocultar a natureza questionadora de seu argumento. Ele não mostrou nem que os trabalhadores são “explorados” no sentido da economia marxista de uma forma que não são explorados sob o socialismo, nem que os trabalhadores devem ser explorados no sentido comum do termo sob o capitalismo. Ele não pode fortalecer seus argumentos fazendo com que eles mesmos se fortaleçam.

Os marxistas analíticos, em geral, abandonaram as afirmações de Marx sobre a exploração. John Roemer, o principal economista do grupo, criou seu próprio conceito de exploração. Em seu uso, praticamente qualquer desvio de uma igualdade inicial de ativos levará à exploração.[5] Não estamos aqui preocupados com os detalhes de seu relato. Basta dizer que, ainda mais claramente do que no relato original de Marx, Roemer não conseguiu mostrar que algo está “errado” se seu tipo de exploração estiver presente. A menos que se assuma que os trabalhadores desejam fortemente um sistema de igualdade de riqueza, essa versão da exploração não dá base para a suposição de que os trabalhadores derrubarão o capitalismo. O próprio Roemer não o usa para esse fim.

Outra tentativa de mostrar que o capitalismo desfavorece os trabalhadores vem de G. A. Cohen. A maioria dos trabalhadores em uma economia capitalista não trabalha em cooperativas; em vez disso, eles são empregados por capitalistas. Embora alguns trabalhadores possam evitar isso abrindo pequenos negócios sozinhos, a maioria não consegue. O proletariado é “coletivamente não-livre” para sair de sua posição dependente. Mais uma vez temos um caso de um argumento que não demonstra insatisfação proletária, exceto em suposições questionadoras. A menos que haja algo censurável em trabalhar para um capitalista, o argumento de Cohen não será útil para Marx no contexto atual. Não adianta dizer que o problema é que um trabalhador empregado por um capitalista sacrificou sua autonomia. Por que um trabalhador não pode exercer sua autonomia escolhendo trabalhar para um capitalista? Mais uma vez, não se pode, em um argumento destinado a mostrar por que os trabalhadores acharão o capitalismo insatisfatório, assumir como dado que alguma característica do capitalismo é insatisfatória.[6]

Tanto os argumentos de Roemer quanto os de Cohen podem ser criticados por uma questão que já surgiu antes. Nenhum dos argumentos é suficiente para mostrar que o socialismo melhora em nada suas respectivas queixas contra o capitalismo. Roemer não mostra que os ativos iniciais seriam iguais sob o socialismo; muito pelo contrário, ele admite explicitamente a possibilidade de exploração socialista. Se se diz que a desigualdade sob o socialismo seria menor do que sob o capitalismo, o registro histórico dos vários Paraísos Operários dificilmente sustenta essa previsão. Quanto a Cohen, não é o caso de que a maioria dos trabalhadores sob o socialismo são autônomos: possivelmente nenhum é. Por que um trabalhador tem mais autonomia se segue as diretrizes de um Conselho Central de Planejamento do que se trabalha para um capitalista?

As considerações avançadas até aqui, no entanto, não descartam, por si só, a afirmação de Marx de que a era do socialismo inevitavelmente alvoreceria. Parte de sua reivindicação repousa na previsão do descontentamento proletário, e essa questão nós abordamos. Mas Marx colocou ênfase primária na afirmação de que o desenvolvimento das forças de produção progrediu além do nível em que o capitalismo pode funcionar efetivamente. Ora, só o socialismo pode permitir o crescimento das forças em toda a sua capacidade. Não só este argumento deve ser avaliado, mas também deve ser considerada a sua influência no argumento do descontentamento do proletariado.

Por “forças de produção”, Marx quis dizer muito grosseiramente a principal tecnologia em uso em uma sociedade. A definição exata dessas forças tem causado muita controvérsia, mas para nossos propósitos a definição aproximada é tudo o que precisamos. As tecnicalidades não acrescentam nada. As forças de produção determinam o sistema econômico de uma sociedade, as chamadas “relações de produção”; por sua vez, as relações determinam os vários constituintes da superestrutura da sociedade, incluindo seu sistema jurídico e político. Como Marx afirma a questão em uma famosa declaração no seu Prefácio à Crítica da Economia Política: “O moinho de mão lhe dá a sociedade feudal; a serraria, a sociedade industrial”.

Marx via as forças como se fossem um poder autônomo, desenvolvendo-se por si mesmas. Como Ludwig von Mises observou com sua precisão cirúrgica característica, as “forças de produção” de Marx têm todas as propriedades de uma mente humana, embora, é claro, não sejam uma mente, mas apenas um agregado de ferramentas de vários tipos. A reificação das forças por Marx é um empreendimento em autocontradição. Não só contraria o individualismo metodológico, como atribui propriedades mentais a entidades não vivas.[7]

Uma vez removida a suposição das forças autodesenvolvidas, a soma e a substância do argumento de Marx de que o desenvolvimento das forças torna inevitável o fim do capitalismo desmorona completamente. Não há razão para supor que as forças continuarão sempre a crescer. Se aderirmos ao princípio de que apenas os indivíduos agem, o quanto as forças de produção se desenvolvem é uma questão que não pode ser resolvida antecipadamente. A questão será determinada pelas ações dos indivíduos, e não parece passível de previsão. Se os indivíduos não desenvolverem as forças, elas não se desenvolverão: e é isso. Esse resultado, é claro, arruína em seu primeiro passo o argumento tecnológico de Marx para o fim do capitalismo.

Outra contribuição de von Mises ataca o argumento marxista com ainda mais força. Marx acha que o socialismo deve chegar porque será muito mais produtivo do que o capitalismo. Mas o famoso argumento de cálculo de Mises mostra que o socialismo, longe de ser mais produtivo do que o capitalismo, não pode funcionar. Um sistema econômico deve ter uma maneira de decidir como produzir as coisas de forma eficiente. Como uma economia pode escolher entre os vários métodos de produção tecnologicamente possíveis? Mises afirma que apenas um mercado privado pode responder a essa pergunta; uma economia centralizada não pode. Marx, alheio a isso, confiou no planejamento central para o aumento da produção que ele pensava que o socialismo traria.

Os marxistas podem protestar que eu simplesmente tomei como certa a validade do argumento de Mises. Embora me pareça que o ponto de Mises é incontestável, este não é obviamente o lugar para uma discussão do debate sobre este argumento. Mas mesmo que fechássemos os olhos para a demonstração de Mises, o argumento de Marx ainda não funciona. Mesmo que um sistema socialista pudesse funcionar, que razão há para considerá-lo mais produtivo do que o capitalismo? Marx nunca dedicou mais do que algumas linhas ao socialismo; ao contrário de Moisés, ele não podia avistar sua Terra Prometida nem mesmo do outro lado de suas fronteiras. Na ausência de argumentos, a suposição da produtividade superior do socialismo é mera afirmação.

O argumento de Marx também pode ser contestado em outro lugar. Por que ele supõe que o capitalismo atuará como um entrave ao desenvolvimento das forças de produção? (Aqui deixamos de lado o ponto de que Marx falhou em mostrar que essas forças se desenvolverão constantemente.)

Marx avança dois argumentos principais, nenhum dos quais tem sucesso. Primeiro, ele sustenta que a produção sob o capitalismo está constantemente assumindo um caráter social, apesar de sua forma oficialmente privada. O argumento aqui é bastante difícil de desvendar, uma vez que não é imediatamente aparente o que Marx quis dizer com a natureza “social” da produção. Ele tinha em mente duas coisas: à medida que o capitalismo se desenvolve, uma luta constante pelo lucro pressionará cada vez mais empresas. Os “vencedores” na luta serão as grandes empresas. O monopólio prevalecerá na maioria das áreas da economia. Complementando este processo, a escala cada vez maior de produção exigirá uma estreita coordenação entre os vários ramos de produção. Em suma, a natureza social da produção significa que os monopólios coordenados entre si dominam a economia.

Não podemos deixar de repetir uma ladainha que neste ponto já se tornou familiar. O argumento de Marx falha. Mesmo que a produção aumente constantemente, não há uma tendência geral para o monopólio no livre mercado. Em alguns casos, sem dúvida, as empresas muito grandes serão mais eficientes do que as empresas menores e expulsá-las-ão. Mas não há uma lei geral da economia no sentido de que “quanto maior, mais eficiente”. Muito pelo contrário, o tamanho da firma que é mais eficiente em uma indústria depende de muitos fatores diferentes – as funções de produção, a natureza da curva de demanda, a substituibilidade dos bens produzidos, etc. – que de forma alguma são sempre funções de tamanho constantemente crescentes. Por que se deve supor, por exemplo, que os retornos aumentam constantemente em escala, pelo menos até o ponto em que o monopólio se desenvolve?

Como observou Murray Rothbard, o problema do cálculo impõe limites ao tamanho de uma empresa. Se as empresas se tornarem tão grandes que mercados competitivos não possam se desenvolver em todos os bens de produção, prevalecerá uma situação semelhante à do socialismo. Na ausência de mercados, essas empresas serão incapazes de calcular, ou seja, de decidir sobre métodos eficientes de produção. Colocando a questão com mais exatidão: uma vez que existirá um mercado de algum grau de desenvolvimento se existirem empresas, as empresas que são “demasiado” grandes terão dificuldade, embora não impossível, de calcular. O problema de Rothbard impõe, assim, um limite absoluto ao crescimento do monopólio, uma vez que as grandes empresas ineficientes serão presumivelmente substituídas por suas rivais mais capazes.

No que diz respeito à questão da coordenação da produção, há que distinguir dois sentidos de coordenação acrescida. No primeiro deles, o mercado em uma economia tem maior abrangência à medida que a escala de produção aumenta. Os mercados não estão mais, por exemplo, confinados às pequenas cidades ou mesmo às cidades: eles podem abranger uma nação inteira ou até mesmo se tornar mundiais. O outro sentido de coordenação é bem diferente: aqui o termo se refere ao planejamento que ocorre à parte do sistema de preços. Se o café colombiano vende em Los Angeles, este é um caso de coordenação no primeiro sentido: se o governo estabelece uma comissão para supervisionar a produção na indústria siderúrgica, isso é coordenação no segundo sentido.

É indiscutível que, à medida que o capitalismo se desenvolve, a coordenação no primeiro sentido aumentará. Isso, na verdade, chega muito perto de ser uma tautologia, já que um dos principais critérios de desenvolvimento é a ampla extensão do mercado. Não decorre daí que a coordenação não mercantil também deva aumentar à medida que o capitalismo cresce. Porquê? Dizer que isso é necessário equivale a dizer que o mercado não pode lidar com o desenvolvimento além de um certo nível de dificuldade.

Isso, na minha opinião, subestima o potencial do mercado e, se Mises estiver certo, o mercado pode coordenar adequadamente a atividade econômica. Isso, é claro, pressupõe uma visão do capitalismo que o marxista desprezará; mas o argumento marxista falha, mesmo que não se assuma nenhuma visão econômica que ele questionará. A questão é a afirmação de Marx de que a natureza social da produção torna inevitável a substituição do capitalismo pelo socialismo. Se “social” aqui implica o direcionamento da economia pelo governo, o argumento de Marx é falacioso. A afirmação tomada como premissa para provar o fracasso iminente do capitalismo é, em parte, a afirmação de que o capitalismo como um certo nível de desenvolvimento fracassará. Dificilmente soa como um argumento muito profundo para a verdade de uma proposição p que se p, então p. Se, no entanto, Marx usa a coordenação no sentido de não questionar, seu argumento também clama por um enterro rápido. Se o mercado se amplia em abrangência e complexidade, esse fato não implica a falência do mercado. Pelo contrário, é um bom indício do seu sucesso.

Mesmo que o argumento de que a natureza social da produção resultará na derrubada do capitalismo não funcione, Marx ainda permanece no campo de batalha. Ele tem outro argumento para o colapso do sistema de mercado. Em sua opinião, o crescimento contínuo do capitalismo produzirá crises econômicas cada vez mais severas.

Aqui, por uma vez, a dificuldade não é que Marx não oferece nenhum argumento para sua afirmação. Ele apresenta em O Capital uma longa análise das depressões econômicas. No entanto, é desnecessário, para nossos propósitos, empreender uma exposição e uma crítica à visão de Marx sobre as depressões. Podemos tomar a “saída fácil” e evitar totalmente o tema, já que mesmo que seu relato sobre as depressões esteja certo, seu argumento para o colapso do capitalismo ainda falha. Antes de tentar mostrar por que isso é verdade, parece-me importante notar que, de acordo com a teoria austríaca dos ciclos econômicos, especialmente porque esta foi desenvolvida por Ludwig von Mises e Murray Rothbard, as depressões resultam da expansão do crédito bancário induzida pelo governo, e não de defeitos intrínsecos ao livre mercado.[8] Esta análise me parece inteiramente persuasiva, mas como os limites do nosso tópico impedem uma apresentação dela, nada na dissecção que se segue se baseará na aceitação desta teoria.

A alegação aqui avançada é, na superfície, paradoxal. Como aceitar para fins de argumentação o relato de Marx sobre a depressão enquanto ainda se afirma que ele não provou que o capitalismo deve entrar em colapso? A questão, de fato, apresenta pouca dificuldade. Mesmo que Marx estivesse certo de que o capitalismo é periodicamente atormentado por depressões, isso não é suficiente para provar que o sistema é fatalmente danificado. Poucas pessoas apreciam as depressões, mas elas em si são apenas um aspecto negativo de um sistema econômico que sofre com elas. Não decorre do fato de que as depressões têm consequências ruins que um sistema que as tem entrará em colapso.

Marx tem um outro argumento que aborda o ponto que acaba de ser levantado. Ele acha que as depressões vão piorar constantemente à medida que o capitalismo se desenvolve. Poder-se-ia responder a isso repetindo o ponto que acabamos de fazer: mesmo que as depressões continuem a piorar, isso por si só é insuficiente para “soar a sentença de morte do capitalismo”. É claro que, se Marx quer dizer que haverá, em algum momento, um colapso completo do sistema capitalista do qual ele será incapaz de se recuperar, isso de fato “provaria” o fim inevitável do capitalismo – mas apenas porque isto afirma essa mesma tese.

Sem dúvida, é possível insistir demais em nossa afirmação de que mesmo depressões muito ruins não mostram que o capitalismo será substituído. Se as depressões são ruins o suficiente em seus efeitos, talvez elas pudessem ser “demais” para o sistema. Mas, na verdade, os argumentos de Marx para o agravamento das depressões não têm sucesso.

Esses argumentos dependem fundamentalmente da afirmação de que o capitalismo desenvolvido será dominado por monopólios. Quando uma enorme combinação industrial entra em colapso, seus efeitos na economia são drásticos. Como já vimos, o argumento de Marx de que o controle monopolista está inevitavelmente no futuro do capitalismo é implausível. O fracasso dessa tese mina o argumento para o agravamento das depressões que se apoia nela.

Marx também tentou reforçar sua afirmação do fim do capitalismo apelando para uma luta cada vez mais exigente entre os capitalistas para extrair mais-valia dos trabalhadores. Mesmo que nossa afirmação anterior de que o proletariado tem pouco terreno para a derrubada do capitalismo seja verdadeira para um capitalismo não em expansão, a luta por mais e mais excedentes muda o quadro. Agora, os trabalhadores se rebelarão, se forem “empurrados” para além de certos limites.

Este argumento não é melhor do que seus antecessores. As razões para rejeitar toda a mais-valia da mala e cuia já foram dadas. A menos que se aceite a desacreditada teoria do trabalho e seus corolários na economia política marxista, não há razão para esperar uma pressão cada vez maior sobre os trabalhadores.

Mesmo que houvesse essa pressão, ainda há espaço para dúvidas consideráveis de que o socialismo substituiria o capitalismo. Marx realmente não dá conta de como esse sistema vai funcionar. Que razão há para pensar que, se o capitalismo entrar em colapso, o socialismo o substituirá? O colapso do capitalismo e a chegada do socialismo são duas coisas muito diferentes: nenhuma implica a outra.

Se este ponto for aplicado à nossa discussão anterior sobre o descontentamento proletário, pode-se facilmente ver que nossa conclusão de que o argumento para uma tentativa proletária de derrubar o capitalismo não é bem-sucedido não requer nenhuma alteração quando uma economia em expansão está sendo considerada. Uma economia em expansão, ao contrário, não piora as coisas para o proletariado. É por essa razão que não precisamos revisar nosso exame anterior da natureza da agitação proletária.

Se o capitalismo continuar a se desenvolver, e se, contrariando diretamente a posição aqui adotada, pensarmos que as forças de produção devem crescer, poderemos chegar a um argumento exatamente contraditório ao de Marx. Uma vez que o socialismo não funcionará, como mostra o argumento do cálculo, e como as forças inevitavelmente crescem, então (a menos que algum terceiro sistema seja mais produtivo do que o capitalismo ou o socialismo) tem-se pronto um argumento de que o capitalismo inevitavelmente veio para ficar. Só neste sistema a economia pode continuar a progredir.

Uma vez que foram apresentados fundamentos contra a visão de que a tecnologia inevitavelmente cresce, nenhuma ênfase será colocada no argumento que acaba de ser dado. Em vez de dizer que o capitalismo deve existir, dada a constante marcha em frente da tecnologia, afirmamos em vez disso que, se as pessoas desejam a maior variedade possível de bens e serviços, então elas devem adotar o capitalismo. Nada as obriga a estabelecer uma economia de livre iniciativa; mas se querem prosperidade, o curso de ação que devem tomar é claro.

 

 

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Notas

[1] Para um argumento de que o conceito de trabalho socialmente necessário de Marx o envolve em um argumento circular, ver Robert Nozick, Anarchy, State, and Utopia (New York: Basic Books, 1974), p. 260.

[2] Um relato muito crítico da teoria do valor-trabalho, resumindo a literatura mais recente, está contido em Jon Elster, Making Sense of Marx (Cambridge: Cambridge University Press, 1985), pp. 127-41.

[3] A frase é usada na Crítica ao Programa de Gotha. A repressão violenta da velha ordem que Marx favorecia está longe de ser compatível com o humanismo democrático que alguns de seus discípulos dos últimos dias desejam impingir-lhe.

[4] F. A. Hayek, ed., Capitalism and the Historians, é uma excelente série de artigos sobre o tema.

[5] John Roemer, A General Theory of Exploitation and Class (Cambridge, Mass.: Harvard University Press, 1982), p. 113.

[6] A. Cohen, “The Structure of Proletarian Unfreedom,” Philosophy and Public Affairs 12 (1983): 3–33.

[7] Discuti mais detalhadamente o argumento de Mises em “Ludwig von Mises e a Filosofia da História” em The Meaning of Ludwig von Mises: Contributions in Economics, Sociology, Epistemology, and Political Philosophy, Jeffrey M. Herbener, ed.

[8] A teoria austríaca é aplicada à depressão dos anos 1930 por Murray Rothbard, America’s Great Depression (Princeton: D. Van Nostrand, 1963).

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