Não existe acaso; e o que nos parece um mero acidente brota da fonte mais profunda do destino.[1]
– FRIEDRICH SCHILLER
Com a ajuda da lógica da ação humana podemos explicar a origem e o significado da nação e o princípio da nacionalidade.
Olhando para trás na história da humanidade, pode-se ver que as pessoas primeiro se reuniram em pequenas unidades (primeiro em clãs nômades, depois, quando se estabeleceram, em comunidades aldeãs), porque reconheceram que a divisão do trabalho era útil. A divisão do trabalho e o comércio de bens produzidos pela divisão do trabalho são particularmente apoiados pelo desenvolvimento de uma linguagem comum. Uma pequena unidade organizada de acordo com a divisão do trabalho torna-se, portanto, uma comunidade linguística (e geralmente também uma comunidade de regras e valores). Este é o nascimento da nação.
O núcleo de uma nação é uma comunidade linguística. A origem da nação pode ser rastreada, por meio de considerações lógicas de ação, até a percepção humana da maior produtividade de agir e trabalhar juntos por meio da divisão do trabalho. Nesse sentido, a nação é de fato algo natural. Na Europa, a nação apareceu como um fenômeno político quando, nos séculos XVIII e XIX, as pessoas começaram a se rebelar contra o domínio estrangeiro – ao qual estavam expostas tanto de dentro quanto de fora – e a fazer valer seu direito à autodeterminação.[2] A nação como fenômeno político tem suas raízes na luta por sua própria liberdade. A formação da nação não está per se associada à hostilidade entre diferentes nações.
A NAÇÃO COMO COMUNIDADE LINGUÍSTICA
É conveniente vincular uma língua comum ao núcleo da nação? Em primeiro lugar, a enorme importância da linguagem para o pensamento, para a troca de ideias, para a convivência na vida cotidiana corrobora com esta tese. O pensamento não pode ser comunicado senão linguisticamente. E a linguagem não é um assunto privado. O filósofo Ludwig Wittgenstein (1889-1951) mostrou que não pode haver uma linguagem privada (que só eu entendo e que não posso compartilhar com ninguém). A linguagem garante a possibilidade de intersubjetividade; ela pressupõe uma comunidade de comunicação – falar com os outros.
Talvez ainda haja relutância em ver a essência da nação na comunidade linguística? Isto pode dever-se principalmente a algumas aparentes dificuldades de demarcação, que, no entanto, podem ser resolvidas. Nação e língua não são categorias imutáveis; elas podem mudar com o tempo.
O domínio da língua determina o grau de pertença a uma nação. Os educados são plenamente parte da nação, os menos educados apenas na medida em que a compreensão da língua lhes é acessível.
A maioria das pessoas pertence a apenas uma nação. Mas também há pessoas que dominam vários idiomas e podem pensar e falar quase perfeitamente neles. Elas então pertencem a várias nações ou comunidades linguísticas.
A nação não implica a necessidade de as diferentes partes da nação convergirem para formar um Estado unitário. Desse ponto de vista, por exemplo, ingleses e americanos – que usam a língua inglesa – podem ser vistos como uma nação.
Isso também se aplica a dinamarqueses e noruegueses. Após a separação da Noruega da Dinamarca em 1814, foi feita uma tentativa de reviver a língua norueguesa. Como ela é fortemente baseada no dinamarquês, isso foi feito principalmente enriquecendo o dinamarquês com algumas expressões dos dialetos noruegueses. Embora hoje formem dois Estados politicamente separados, os dinamarqueses e os noruegueses pertencem a uma nação-língua.
Na Irlanda, quase todos os habitantes agora falam inglês. O gaélico, que ainda era dominante na Irlanda no início do século XIX, foi posteriormente fortemente reprimido por várias razões e, apesar da forte promoção após a independência da Irlanda, não conseguiu mais recuperar seu antigo status. As diferenças entre a República da Irlanda e a Irlanda do Norte do Reino Unido são sociais e religiosas, não nacionais.
Diferentes nações entrarão em uma divisão de trabalho pacífica e produtiva umas com as outras quando as condições para essa divisão de trabalho estiverem estabelecidas. Essa observação vem do economista britânico David Ricardo. Ele mostrou que faz sentido que as pessoas nas respectivas nações se concentrem na produção de bens nos quais tenham vantagens de custo. E que faz sentido entrar na divisão do trabalho mesmo quando as pessoas de uma nação podem produzir todos os bens ao menor custo. É vantajoso para a nação que é superior em todas as áreas de produção voltar-se para a produção de bens para os quais sua superioridade é maior, e deixar a produção de outros bens, para os quais ela também é, mas em menor grau, superior, para a nação menos favorecida.
O problema da rivalidade agressiva entre as nações só surgiu quando o Estado – entendido como o monopolista territorial das decisões finais sobre todos os conflitos em seu território – apoderou-se da nação amarrando-a para seus próprios fins. A palavra da moda neste momento é o princípio da nacionalidade: cada nação deve ter seu próprio Estado. Enquanto a nação, como já foi dito, tem origem natural, o princípio da nacionalidade é um produto puramente artificial. O princípio da nacionalidade não é natural, não pode ser justificado logicamente, sendo antes um fenômeno que decorre de considerações políticas e ideológicas.
A nação é um obstáculo à tentativa de colocar diferentes nações sob uma autoridade central, um Estado unitário. Até mesmo o filósofo e poeta alemão Johann Gottfried Herder (1744-1803) sabia da irracionalidade de querer colocar traços de caráter nacional sob uma liderança estatal unificada. Ele escreveu: “Um povo/nação [Volk] é tanto uma planta da natureza quanto uma família; apenas uma com vários ramos. Nada, então, parece tão obviamente contrário ao propósito dos governos quanto o alargamento antinatural dos Estados, a mistura selvagem de etnias humanas sob um mesmo cetro.”[3]
Os proponentes do socialismo democrático, portanto, querem atacar a nação e o princípio da nacionalidade. Eles desejam abolir a soberania nacional e transferi-la para níveis supranacionais. Por exemplo, durante décadas, as aspirações dos “globalistas políticos” na Europa visaram remover o princípio da nacionalidade do mundo, a fim de – em última instância – criar um “Estados Unidos da Europa”: uma construção na qual os direitos de autodeterminação parlamentar dos cidadãos nacionais são abolidos e substituídos por um poder do governo central.
O esforço para relativizar o princípio da nacionalidade ou para aboli-lo no longo prazo também se manifesta em nível global, nos esforços políticos para coordenar cada vez mais os campos da política nacional – como a política monetária e fiscal. Estes incluem, por exemplo, o G20, que desde 1999 representa dezenove Estados independentes e os estados da União Europeia – e, portanto, os mais importantes países industrializados e emergentes do mundo. O G20 não é um governo mundial, mas a longo prazo seu impulso político equivale ao desejo de estabelecer um governo mundial, um Estado mundial.
A ligação entre o princípio da nacionalidade e a nação é muito menos íntima do que pode parecer à primeira vista: o princípio da nacionalidade precisa da nação, mas a nação não precisa do princípio da nacionalidade. Embora seja politicamente possível eliminar o princípio da nacionalidade – especialmente porque esta é apenas uma instituição politicamente arbitrária – isso não se aplica igualmente à nação – cuja existência tem um fundamento lógico-acional.
É concebível que a nação – entendida como uma comunidade linguística autônoma – se dissolva, que em algum momento a multitude de nações existentes neste mundo hoje se transforme em uma única nação, no curso de uma decisão voluntária do povo? Sob quais condições isso seria possível? Uma força de mudança que precisa ser considerada nesse contexto é o impacto de longo prazo da divisão internacional do trabalho.
Já foi mencionado que David Ricardo explicou a divisão do trabalho entre pessoas de diferentes nações através da teoria das vantagens de custos relativos. No entanto, a teoria de Ricardo é baseada em uma suposição muito importante: trabalho e capital são internacionalmente imóveis. Mas e se o capital for móvel e o trabalho imóvel? Nesse caso, o capital se desloca para as regiões do mundo onde pode obter o maior rendimento.
Ele é removido de regiões onde é relativamente abundante e gera retornos relativamente baixos e deslocado para regiões onde é relativamente escasso e pode gerar retornos relativamente altos. A redistribuição do capital leva a um alinhamento global da eficiência marginal do capital. Como o fator trabalho é imóvel, continuará a haver áreas relativamente densamente povoadas e áreas menos densamente povoadas. Consequentemente, não haverá equalização de salários para trabalho igual no mundo: os salários tenderão a permanecer mais baixos nas áreas densamente povoadas e mais altos nas menos densamente povoadas.
Esse cenário não leva a uma equalização de salários por trabalho igual no mundo, mas leva a uma alocação mais eficiente de capital e, portanto, a um ganho de bem-estar. Embora seja concebível que a intensidade da divisão do trabalho e do comércio também aumente, supõe-se que não haverá imigração ou emigração nos respectivos territórios nacionais. Nesse cenário, não há necessidade nem incentivo para que as pessoas nas respectivas nações se afastem de sua afiliação e identidade nacional. Em outras palavras: em um mundo onde o capital é móvel, mas o trabalho é imóvel, as pessoas tendem a permanecer leais à sua nação, a não se afastar dela. Mas e se capital e trabalho fossem móveis?
Se não, apenas o capital migra para as regiões do mundo onde obtém os maiores retornos, mas se o trabalho também pode se mover sem controle para onde obtém os maiores salários, surge a pergunta: o desaparecimento, a dissolução da nação ocorreria sob a condição de mobilidade internacional de capitais e migração desenfreada? Será que, mais cedo ou mais tarde, surgiria algo como uma nação unida em todo o mundo, fazendo o jogo do socialismo democrático? O capítulo seguinte fornece uma resposta a esta importante questão.
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Notas
[1] Friedrich Schiller, Wallensteins, Tod (Berlim: Aufbau Taschenbuch Verlag, 1999), p. 381
[2] A dominação estrangeira a que um indivíduo está exposto existe externamente e internamente. Naquela época, como agora, o domínio estrangeiro interno costuma ser menos óbvio do que o externo.
[3] Johann Gottfried Herder, Ideen zur Philosophie der Geschichte der Menschheit (Karlsruhe, Alemanha, 1794), p. 315. Com relação à Europa, o escritor francês Michel Houellebecq (n. 1958) expressou-se inteiramente de acordo com o pensamento de Herder: “Tenho a convicção de que nós, na Europa, não temos nem uma língua comum, nem valores comuns, nem interesses comuns, que, em uma palavra, a Europa não existe e que nunca formará um povo/nação ou apoiará uma possível democracia, simplesmente porque não quer formar um povo/nação. A Europa é apenas uma ideia estúpida que se transformou num pesadelo do qual talvez devêssemos acordar.” Citado em Hannah Lühmann, “Europa, eine dämliche Idee,” Die Welt, 14 de dezembro de 2017, www.welt.de/kultur/literarischewelt/plus185548620/Michel-Houellebecq-Europaeine-daemliche-Idee.html.