27 – “Quem é judeu” importa em Israel

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Washington Report on Middle East Affairs, Março de 1990

 

A maioria dos americanos não entende a polêmica sobre “quem é judeu?” que se alastra novamente em Israel. Esse velho debate ganhou vida com duas decisões da Suprema Corte israelense de 1989. Primeiro, ao contrário da posição das autoridades ortodoxas no poder, o tribunal considerou que os judeus convertidos por rabinos conservadores e reformistas devem ser reconhecidos como verdadeiros judeus. Então, no final do ano, o tribunal decidiu que os judeus messiânicos, que praticam o judaísmo, mas também acreditam na divindade de Jesus são, apesar de sua fé, cristãos e, portanto, não se qualificam como judeus aos olhos do Estado.

O debate mascara uma questão monumental que muitos fora de Israel subestimam. Afinal, em que outro país – em que outra “democracia” especialmente – as qualificações religiosas são uma questão oficial?

Em Israel, as qualificações são uma questão oficial porque o país é um Estado judeu. Essas palavras, “Estado judeu” são geralmente mal interpretadas como uma questão humanitária até mesmo pelos judeus. Até a Segunda Guerra Mundial, os judeus nos EUA não estavam interessados em Israel e no sionismo. Eles não se viam exilados da “Terra Prometida” e não buscavam um “retorno”, apesar de um grande esforço para fazê-los pensar que esse era seu destino. As coisas mudaram na década de 1940 com a “solução final” de Hitler, e os judeus americanos se tornaram apoiadores devotos de Israel. Mas eles em grande parte o viam como um porto seguro para os judeus desenraizados e brutalizados da Europa, não como um lugar para os judeus americanos “retornarem”. Para eles, os EUA ainda era Sião.

Como as ações nazistas assassinas foram a fonte de seu apoio a Israel, a maioria dos judeus americanos ainda vê esse Estado como principalmente uma entidade humanitária, um lugar onde os refugiados judeus sempre serão aceitos e mantidos seguros. Os fundadores de Israel, no entanto, disseram repetidamente que Israel não é principalmente um porto seguro para refugiados, mas sim um cumprimento da promessa de Deus a todos os judeus. O Estado afirma falar não apenas pelos judeus que vivem em Israel, mas por todos os judeus, não importa onde vivam.

Esta é a fonte da controvérsia sobre “quem é judeu?”. Israel foi estabelecido como um Estado judeu não no sentido de que as leis do Antigo Testamento ou do Talmud constituem a lei civil, mas no sentido de que é um estado de, por e para o povo judeu (concebido por alguns judeus como uma raça distinta, ao contrário de todas as evidências). Essa noção secular do Estado judeu tem sido problemática há muito tempo. No início, qualquer um que se dizia judeu era considerado judeu. Isso se adequava à maioria dos judeus israelenses, que eram e são seculares. Mas desagradou a minoria de judeus religiosos. A definição mais tarde foi alterada para incluir apenas pessoas cujas mães eram judias e pessoas que se converteram ao judaísmo.

Isso levou à questão de saber se as conversões realizadas por rabinos conservadores e reformistas contariam. Para os judeus seculares que governavam o Estado, não era problema. Mas para os rabinos ortodoxos era fundamental porque sua autoridade estava em jogo. Há muito tempo eles querem que apenas as conversões ortodoxas sejam reconhecidas. (A decisão contra eles foi acompanhada de uma que, sem dúvida, encantou o rabinato. O tribunal disse que apenas rabinos ortodoxos poderiam realizar casamentos. Não há casamento civil em Israel.)

O debate não é apenas uma questão obscura de doutrina religiosa. Judeus de qualquer lugar do mundo podem vir a Israel e imediatamente se tornarem cidadãos, dando-lhes direito a serviços prestados por uma organização nominalmente privada [o Fundo Nacional Judaico] que atua como um agente do Estado. Este direito não está disponível para não-judeus. Obviamente, para que a Lei do Retorno tenha algum significado, deve haver uma maneira de distinguir judeus de não-judeus.

Cada israelense deve levar uma carteira de identidade, que tem uma linha indicando “nacionalidade”. Poder-se-ia pensar que um cidadão israelense teria a palavra “israelense” nessa linha. Não é assim. A nacionalidade de qualquer judeu é “judeu”, a nacionalidade de um árabe israelense – mesmo aquele que viveu por décadas em, digamos, Jaffa – é “árabe”. Em 1970, um ativista judeu de direitos humanos tentou desafiar essa prática pedindo ao Ministério do Interior que mudasse seu registro para israelense. Ele recusou e o STF manteve a decisão. O tribunal afirmou que “não há nação israelense separada do povo judeu”.

Onde isso deixa os israelenses que não são judeus ou não são reconhecidos como judeus pelo Estado? De cara, isso implica cidadania de segunda classe.

Se os rabinos ortodoxos conseguirem o que querem, muitas pessoas agora consideradas como judeus serão excluídas de plenos direitos civis em Israel. Isso seria ruim. Mas e as pessoas que nunca tiveram os mesmos direitos que os estendidos aos judeus, ou seja, os palestinos que vivem em Israel?

Israel é um país com Estado socialista, o governo é dono de grande parte da economia. Assim, ser um não-judeu tem inúmeras desvantagens práticas. Mais de 90% das terras são administradas por uma autoridade estatal. Recursos hídricos preciosos e energia elétrica são controlados pelo Estado. Como em qualquer país socialista, os políticos decidem quem fica com o quê.

Uma vez que Israel é um Estado de, por e para o povo judeu, os recursos beneficiam principalmente os judeus. Os árabes são tributados como os judeus, mas não têm o mesmo acesso aos recursos que os judeus. As terras geridas pelo Estado podem ser vendidas ou arrendadas aos árabes, mas apenas numa base limitada. Restrições menos oficiais impedem o acesso dos árabes a grande parte do país. Aldeias e fazendas árabes não recebem a mesma qualidade de serviços – eletricidade, água e assim por diante – que as cidades e fazendas judaicas. Os agricultores árabes em Israel não são livres para vender seus produtos diretamente para compradores fora do país. (Apenas as ameaças de retaliação contra os produtos israelitas por parte da Comunidade Europeia persuadiram as autoridades a permitir a exportação direta dos árabes nos territórios ocupados.)

Os árabes de Israel são como servos em um Estado socialista gerido em benefício de outra pessoa. Eles podem ter representantes no Knesset, mas não podem mudar o sistema.

É importante entender a relação essencial entre o socialismo e Israel, tal como existe desde 1948. Se Israel adotasse o liberalismo de livre mercado, como alguns economistas americanos insistem, o caráter do Estado mudaria radicalmente. Se toda a terra e indústria fossem de propriedade privada, o livre comércio praticado e o governo limitado a um árbitro neutro, o país, por definição, não poderia discriminar. A igualdade de direitos e o Estado de Direito são marcas do liberalismo clássico. Não há cidadania de segunda classe no livre mercado. Este ponto é mais radical do que pode parecer à primeira vista: as “leis fundamentais” de Israel são incompatíveis com a filosofia política e a tradição ocidentais distintas conhecidas como liberalismo clássico.

Israel pode manter o status quo, incluindo o socialismo que está afundando sua economia em um abismo e causando uma emigração significativa, ou desistir do socialismo e adotar o liberalismo, caso em que não discriminaria mais os não-judeus. Poucos israelenses querem enfrentar essa escolha. Mas, querendo ou não, a necessidade de escolher é algo sobre o qual eles não têm escolha.

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