Nota do editor: 10 de outubro de 2013 é a data do 40º aniversário da morte de Ludwig von Mises
Todos os anos, no início de outubro, o mundo intelectual se volta para a Suécia e para a Noruega, onde os vencedores do Prêmio Nobel são anunciados nas áreas da literatura, da medicina-fisiologia, da física, da química e do estabelecimento da paz.
O grande empreendedor sueco Alfred Nobel nunca patrocinou nenhum prêmio para a ciência econômica, e o comitê criado em sua homenagem (com o patrimônio que ele deixou) nunca concedeu nenhum prêmio desse tipo até hoje. No entanto, existe um “Prêmio para as Ciências Econômicas em Memória de Alfred Nobel”. Mas ele é patrocinado pelo Banco Central da Suécia. Desde 1969, este prêmio também vem sendo concedido anualmente no início de outubro.
O momento escolhido e o rótulo dado ao prêmio, bem como o fato de que seus laureados são selecionados pela Academia Real das Ciências da Suécia — a qual também escolhe os outros laureados (exceto para o prêmio da paz) —, iludiram as pessoas do mundo inteiro e as fizeram acreditar que o prêmio dado às ciências econômicas está na mesma categoria. Assim como o dinheiro puramente eletrônico criado pelo sistema bancário, o prêmio dado às ciências econômicas circula normalmente entre o público incauto.
Alfred Nobel nunca teve a intenção de patrocinar um prêmio às ciências econômicas. Aparentemente, nem o Banco Central sueco. A verdade é que os prêmios concedidos pelo Banco Central sueco foram majoritariamente dados a intelectuais especializados em matemática aplicada, ou em psicologia aplicada, ou na arte de brincar com dados estatísticos, algo que ganhou o nome de “econometria”. Muito raramente o prêmio foi concedido a intelectuais que de fato dedicaram a maior parte de seu tempo a problemas econômicos do mundo real, e quase nunca foi dado a alguém que realmente tenha dito algo novo, importante e verdadeiro sobre a economia real. É verdade que vários laureados eram bem versados em economia, mas mesmo eles, em regra, não obtiveram o prêmio em decorrência de alguma contribuição original para essa disciplina.
O problema com a economia — depreciativamente rotulada de “ciência sombria” pelo historiador vitoriano Thomas Carlyle — é bem conhecido por todos. Ela impiedosamente desmascara e refuta todos os mitos que já foram inventados para justificar o planejamento central e o intervencionismo estatal. Isso vai contra a própria instituição que financia e concede o Prêmio em memória de Alfred Nobel. O Banco Central da Suécia está institucionalmente comprometido com o planejamento central no âmbito monetário. É difícil imaginar que ele vá imprimir e gastar milhões de coroas para financiar pesquisas que sejam danosas à sua própria atividade. Ademais, a Suécia tem sido governada por social-democratas durante a maior parte do pós-guerra. A veneranda Academia Real das Ciências da Suécia não ficou imune a esta tendência.
Nada surpreendentemente, o prêmio de economia sempre foi tendencioso, ignorando economistas que se opõem à instituição do papel-moeda fiduciário e de curso forçado, uma criação fundamental e indispensável para dar sustento ao estado assistencialista e ao estado belicista. Os fatos falam por si próprios. Com a notável exceção de F.A. Hayek (laureado em 1974), nenhum dos vencedores do prêmio é conhecido por ser um crítico franco e sincero dos bancos centrais e do intervencionismo no âmbito monetário. E até mesmo Hayek só foi sair do armário após ter ganhado o prêmio. Foi só então que ele publicou Choice in Currency (1976) e Desestatização do Dinheiro (1977).
Como era de se esperar, dois gigantes do pensamento econômico, Ludwig von Mises (1881-1973) e Murray Rothbard (1926-1995), não ganharam o prêmio de economia em memória de Alfred Nobel. Mises, que foi o maior economista de todos os tempos, faleceu exatamente quando este prêmio estava sendo concedido pela quinta vez. Neste quadragésimo aniversário de seu falecimento, seria adequado comemorar suas conquistas e ressaltar seu duradouro legado.
Ludwig von Mises é conhecido por ser a fonte do renascimento do liberalismo clássico e do libertarianismo após a Segunda Guerra Mundial. Mas sua influência sobre o pensamento político contemporâneo adveio totalmente de suas pioneiras contribuições metodológicas às teorias sociais, e mais especificamente à economia monetária. Na mesma época em que ideias inflacionistas haviam invadido em definitivo o mundo acadêmico e estavam prestes a suplantar a economia clássica, Mises revolucionou a teoria monetária. Ele foi o primeiro economista a desenvolver uma explicação completa e irrestrita para a formação dos preços, e foi também o primeiro a desenvolver uma análise abrangente das causas e consequências da criação de dinheiro pelo sistema bancário. Seu trabalho renovou e reforçou enormemente o argumento contra o intervencionismo no âmbito monetário, postura esta que sempre foi o cerne da economia clássica.
Antes de Adam Smith, a opinião pública estava tomada pela ideia de que o volume de gastos (no jargão keynesiano atual, “demanda agregada”) era o que comandava a economia. Consequentemente, políticos e empresários faziam de tudo para aumentar a quantidade de dinheiro na economia com o intuito de estimular a produção e o crescimento econômico. Smith entrou em cena e argumentou que todo este raciocínio estava errado. As verdadeiras causas da criação de riqueza eram a divisão do trabalho e a poupança (mais especificamente, um estilo de vida frugal). Políticas criadas para aumentar a quantidade de dinheiro na economia — por meio de um estímulo às exportações (que aumentavam a quantidade de ouro e prata em uma economia) e uma obstrução às importações (que geravam o efeito inverso) — eram danosas e ineficazes. Em vez de promover o enriquecimento, elas empobreciam uma nação.
Esta tese inspirou o movimento intelectual conhecido como economia clássica. Inspirou também os economistas da Escola Austríaca. Quando Carl Menger desenvolveu sua teoria dos preços baseando-se nos sólidos fundamentos da teoria do valor subjetivo, ele não tentou subverter e derrubar a economia clássica completamente. O que ele fez foi corrigir uma falha fundamental da teoria clássica sobre a formação de preços. E, ao fazer isso, ele solidificou todo o edifício. Eugen von Böhm-Bawerk veio em seguida e reforçou os ensinamentos clássicos sobre poupança e capital ao analisar as consequências do tempo de duração de cada processo de produção. E então, no início do século XX, Ludwig von Mises completou, com sua teoria monetária, toda a revisão e reconstrução austríaca da economia clássica.
Adam Smith havia negligenciado a questão monetária porque nem a demanda por dinheiro e nem a oferta de dinheiro deveriam ser consideradas como sendo uma das causas da riqueza das nações. Vários de seus discípulos — especialmente o grande David Ricardo — se aprofundaram com mais afinco nesta questão. Mas as obras de todos eles continham erros sérios porque se apoiaram em uma grave falha na teoria de Smith: a teoria de que os preços decorrem dos custos de produção (sendo que a realidade é exatamente inversa: os custos de produção é que são formados de acordo com os preços dos bens de consumo). Consequentemente, eles não foram capazes de lidar corretamente com a questão da atividade bancária e nem com as consequências práticas da infindável sequência de ciclos econômicos gerados pela atividade bancária.
Esta incapacidade prática em abordar corretamente as questões monetária e bancária acabou por desacreditar todo o edifício da economia clássica. A consequência foi que as doutrinas inflacionistas voltaram à moda, inicialmente de forma lenta (na segunda metade do século XIX), depois de forma galopante (por volta da Primeira Guerra Mundial), até finalmente triunfarem na década de 1930.
Mises não desenvolveu sua teoria monetária com o intuito de criar conclusões práticas para o liberalismo clássico. Muito pelo contrário: ele levou algum tempo para entender todas as implicações políticas daquilo que ele havia descoberto. A primeira edição de seu tratado monetário, The Theory of Money and Credit, de 1912, é até bem comportada neste quesito. Foi somente na segunda edição, de 1924, que ele começou a enfatizar as implicações anti-intervencionistas de seu trabalho no campo da economia monetária. Aproximadamente à mesma época, ele também começou a se aprofundar em outras áreas de pesquisa, mais notavelmente na análise dos sistemas socialistas e intervencionistas de governo. Estas obras lhe trouxeram grande fama, e foram essenciais para converter toda uma geração de jovens intelectuais — tais como Friedrich Hayek, Gottfried von Haberler, Fritz Machlup, Oskar Morgenstern e Lionel Robbins — às ideias liberais clássicas. Porém, sua teoria monetária permaneceu sendo a espinha dorsal de todo o seu pensamento. E Mises viria a apresentá-la de uma forma plenamente desenvolvida dentro do arcabouço de uma teoria geral sobre a ação humana nos livrosNationalökonomie (1940) e Ação Humana (1949).
O grande infortúnio de Mises foi que, durante toda a sua a vida, suas ideias econômicas e políticas estavam totalmente fora de moda. Porém, exatamente por esta razão, seu legado é permanente e robusto. Hoje, as ideias que Mises se esmerou em refutar já se exauriram. O inflacionismo, o socialismo, o estatismo e o intervencionismo legaram corrupção, caos, pobreza e desalento. Ler Mises nos permite entender melhor o mundo atual, e nos ajuda a ver o caminho que nos retira do atoleiro e nos conduz à prosperidade.
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