Após vários dias copiosos de notícias desoladoras referentes à contração do crédito – e, principalmente, de artigos que constantemente nos lembravam que o Fed, o banco central americano, estava tomando medidas nunca tentadas desde a Grande Depressão -, o americano médio encontra-se compreensivelmente perplexo. E mesmo sabendo que o que eu vou admitir agora pode não surpreender vários leitores, também sei que, não obstante, pode preocupá-los ainda mais: a maioria dos economistas também não tem a mínima idéia do que está acontecendo.
Tornou-se um modismo comparar nossa atual crise econômica com a estagflação da década de 1970; eu mesmo fiz isso, em um artigo para a Forbes. Contudo, além do dólar fraco e do crescimento vacilante do produto, que caracterizaram aquela época e também caracterizam o momento atual, há uma outra similaridade: tanto durante a década de 1970 bem como hoje, as prescrições monetárias não funcionaram (e não estão funcionando) como os livros-textos disseram que deveriam. O kit de ferramentas do Federal Reserve, sempre utilizado para fazer intervenções que supostamente deveriam corrigir a economia, não conseguiu (e não está conseguindo) cumprir o prometido.
Apesar de esse meu artigo parecer, até aqui, simplesmente uma insolente crítica a todo mundo, devo admitir que eu também fui pego desprevenido pela atual situação. Da mesma forma que os keynesianos ortodoxos ficaram aturdidos com a estagflação dos anos 70, eu também fiquei surpreso (assim como vários outros economistas pró-livre mercado) pelo modo como as coisas se desenrolaram durante a presente crise. Na década de 70, os keynesianos ficaram estarrecidos ao descobrir que, não importasse a quantidade extra de dinheiro jogado na economia, o desemprego permanecia teimosamente alto. Isso desnorteou a visão de mundo desse grupo, que acreditava que o Fed podia escolher uma política monetária frouxa (gerando altas taxas de inflação, mas baixo desemprego), ou uma política monetária apertada (gerando baixas taxas de inflação, mas alto desemprego). Quando confrontadas com a estagflação, as análises e prescrições keynesianas se tornaram obsoletas; a economia estava sofrendo o pior dos dois mundos: alta inflação e alto desemprego.
Há algo análogo acontecendo na nossa atual contração do crédito. Em resumo, a interpretação dos livros-textos sobre como o Fed manipula as taxas de juros de curto-prazo não tem sido verdadeira desde agosto de 2007. Nos fundamentos da macroeconomia (ou algo que deveria ser chamado de Introdução à Soneca, quando eu lecionava essa matéria), nós economistas ensinamos aos ingênuos alunos a seguinte história: quando o Fed quer diminuir a taxa básica de juros da economia, também conhecida como taxa de fundos federais (a taxa à qual os bancos americanos que pertencem ao sistema da Reserva Federal – daí o nome em inglês de Federal Reserve System – fazem empréstimos entre si no overnight com a intenção de manter os níveis de suas reservas bancárias, que são determinadas pelo próprio Federal Reserve), ele faz a chamada “operação de mercado aberto”. O Fed compra ativos dos bancos, ativos como títulos do Tesouro, e em troca aumenta o valor nominal das reservas que esses bancos têm depositadas junto ao Fed (os chamados “depósitos compulsórios”). Como agora alguns bancos têm mais reservas do que antes, eles estão dispostos a emprestá-las a uma taxa de juros menor. Por outro lado, se o Fed quiser aumentar a taxa de fundos federais, ele vende títulos do Tesouro aos bancos com a intenção de extinguir uma parte das reservas desses bancos.
Falando em termos gerais, essa descrição típica de livro-texto sobre as operações do Fed de fato se equipara aos fatos atuais, o que é bom. Como mostra a Figura 1, quando o Fed quer aumentar as taxas de juros, ele absorve reservas do sistema; e quando ele quer diminuir as taxas, ele injeta reservas no sistema:
Figura 1: Total de Reservas Bancárias (azul) vs. Meta da Taxa de Fundos Federais (vermelho) Em termos mensais, Jan. 1990 – Dez. 2006 Fonte: St. Louis Fed (Reservas e Meta)
A figura 1 ilustra maravilhosamente a explicação fornecida pela Teoria Austríaca dos Ciclos Econômicos sobre a bolha imobiliária e seu conseqüente estouro. Em resposta ao colapso das “empresas pontocom” (empresas que comercializavam produtos ou serviços relacionados de alguma maneira à Internet) e à recessão subseqüente em 2000-2001, o Fed de Alan Greenspan foi cortando as taxas de juros até atingir o estarrecedor nível de 1% já em junho de 2003, e por lá ele as manteve durante um ano completo até que começasse novamente a aumentá-las gradualmente. O instinto natural do libertário seria dizer que essa medida serviu para despejar dinheiro na bolha imobiliária, e o rápido aumento no total de reservas bancárias parece confirmar essa explicação. (Note que o enorme pico no final de 2001 se deve aos ataques de 11 de setembro; o Fed temia que um pânico causasse um engessamento do sistema financeiro e, assim, ele tratou de abafar tais temores antes que começassem).
Atualmente, com anúncios diários de que o Fed está injetando dezenas de bilhões de dólares no setor financeiro – para não mencionar o corte de 3 pontos percentuais nas taxas de juros desde setembro -, seria de se imaginar que o Fed certamente está tentando tirar a economia da crise através da inflação. Como de hábito, o Fed presumivelmente está imprimindo dinheiro como louco, em um esforço de esconder seus erros passados. Essas maciças injeções monetárias podem até permitir que a economia passe por 2008 e 2009 sem uma grande recessão, mas é exatamente esse raciocínio (de acordo com a Teoria Austríaca dos Ciclos Econômicos) que configura um erro! As enormes e errôneas alocações de capital durante a última rodada de injeções monetárias precisam ser corrigidas, e uma recessão é a única maneira de se mover trabalhadores e outros recursos para canais mais apropriados, onde eles podem melhor contribuir para a satisfação do consumidor.
Só que há um problema com esta explicação: o total de reservas bancárias vem caindo desde meados de 2007. Deixe-me repetir essa afirmação: durante esse atual período de crise financeira, quando os bancos estão muito preocupados com seus ativos e estão fazendo o possível para reforçar a liquidez, o Fed cortou as taxas de juros, de 5,25% para 2,25%, ao mesmo tempo em que removeu reservas bancárias do sistema. Veja você mesmo:
Figura 2: Total de Reservas Bancárias (azul) vs. Meta da Taxa de Fundos Federais (vermelho) Em termos mensais, Mar. 2007 – Fev. 2008 Fonte: St. Louis Fed (Reservas e Meta)
A figura 2 é bastante surpreendente. (Ao menos para mim, quando vi pela primeira vez os números por trás dela). É verdade, a relação convencional se manteve de outubro de 2007 até janeiro de 2008, quando o total de reservas aumentou enquanto o Fed baixava a meta dos juros. Mas isso ocorreu apenas depois que o total de reservas caiu agudamente de agosto até outubro. Não importa por qual ângulo você veja, o total de reservas bancárias hoje é menor do que era durante a maior parte do verão de 2007, mesmo havendo uma contração do crédito e a meta de juros tendo sido reduzida em 3 pontos percentuais. (Note que, em teoria, essa figura mostrando o total de reservas inclui toda a recente promiscuidade que permitiu que algumas instituições pegassem empréstimos junto ao Fed de maneiras nada convencionais).
Qualquer outro que seja o seu significado, a figura 2 salienta os problemas oriundos do planejamento feito pelo banco central. No ambiente atual, não há sequer um consenso sobre o que seja um afrouxamento “monetário”. Aparentemente, a demanda por reservas bancárias declinou agudamente desde o verão. Caso o Fed desejasse ter mantido a taxa básica de juros em 5,25%, ele teria que ter retirado do sistema quantias maiores de reservas. Dessa forma, isso constituiria um aperto monetário, ou simplesmente uma manutenção de um determinado padrão? Por outro lado, muitas pessoas (incluindo eu) interpretaram os grandes cortes nas taxas de juros como uma temerária política de “dinheiro fácil”, o mesmo remédio ruim que nos trouxe problemas no início dessa década. Não obstante, até mesmo um economista libertário poderia muito plausivelmente argumentar que o Fed estava simplesmente acompanhando a queda de outras taxas de juros de curto prazo praticadas pelo mercado, e, assim, teria sido um ato de intervenção tentar aumentar as taxas nesse tipo de ambiente.
A verdade é que não existe uma resposta obviamente certa ou errada para essa questão. Seria como perguntar: “Quantos carros os planejadores soviéticos deveriam ter produzido em 1983?” Alguém poderia ficar tentado a dizer: “Idealmente, o número certo de carros seria aquele que teria sido produzido caso houvesse uma economia capitalista”. Mas a questão é que, além de ser impossível saber a resposta, também não é correto tentar sabê-la. A própria existência de um aparato de planejamento centralizado altera os dados econômicos reais, assim como altera a noção do número “correto” de carros que deveriam ter sido produzidos – mesmo se pudéssemos concordar quanto aos critérios sobre a exatidão desse processo.
Da mesma maneira, é um tanto quanto despropositado um economista libertário ficar argumentando sobre qual seria uma segunda melhor política para o Fed (além, é claro, da única boa opção: Bernanke abolir o Fed e depois se aposentar). Olhando em retrospecto, podemos ver claramente que as políticas de Greenspan durante o início da década de 2000 foram desastrosas. Entretanto, não é tão óbvio o que o Fed deve fazer com as taxas de juros na atual situação.
Podemos todos concordar que salvar determinados bancos de investimento é uma má idéia, não apenas por questões gerais relacionadas à propriedade privada, mas também por causa da questão do risco moral. Mas dado que o Fed existe, e que ele tem de tomar uma decisão quanto ao seu controle das reservas bancárias, o que ele deveria estar fazendo desde o último verão? Com alguns analistasprevendo retornos nominais negativos para os títulos do Tesouro(porque pode de fato ser mais seguro investir sua riqueza em títulos de curto prazo da dívida governamental, do que mantê-la na forma de dinheiro no banco), as regras práticas usuais podem ser inapropriadas.
Como o Fed descobriu por conta própria, as ferramentas convencionais não estão funcionando da maneira que os livros-textos disseram que deveriam. Pessoalmente, ainda acho que iremos ver, em última instância, uma maciça injeção de papel-moeda, principalmente se e quando os títulos lastreados em hipotecas, que estão servindo como garantia aos empréstimos recebidos do Fed, fracassarem em sua proposta. Nesse caso, ou o Fed terá de amargar grandes prejuízos e empurrá-los para os contribuintes, ou terá de imprimir a diferença.
Independentemente de como essa crise vai se desenvolver daqui pra frente, a única coisa que podemos concluir com certeza é que nada disso teria acontecido se os políticos tivessem deixado o sistema monetário e bancário exclusivamente por conta do setor privado.