N. do T.: o texto a seguir, de julho de 2002, é uma mostra de como a economia anda em ciclos completamente previsíveis e evitáveis. Assim como hoje, naquela época os EUA passavam por uma crise no mercado financeiro. Assim como hoje, naquela época também culparam o livre mercado e o “capitalismo excessivo”. Assim como hoje, naquela época também pediram mais intervenção estatal. E assim como no Brasil, essa ladainha também tem muitos acólitos nos EUA. Ron Paul explica por que isso acontece, mostra as reais causas das crises financeiras, prevê o estouro da bolha imobiliária, a desvalorização do dólar e, por fim, arremata: não existe capitalismo nos EUA atual. Sendo assim, imagine no Brasil.
Agora virou lugar comum — e também é politicamente correto — culpar aquilo que chamam de “excessos do capitalismo” por todos os problemas econômicos que enfrentamos, e especialmente pelas fraudes advindas de Wall Street que dominam o noticiário financeiro. Políticos estão se deleitando, podendo fazer demagogia à vontade com o assunto, e aproveitando o momento para se esquivar de explicar as fraudes e os engodos achados no orçamento do governo federal – pelos quais eles são diretamente responsáveis. Ao invés disso, dá-se à multidão keynesiana que comanda o show a chance de atacar o livre mercado e de ignorar uma crucial questão monetária: a necessidade de se ter uma moeda forte.
E então, mais uma vez, estamos ouvindo o cântico: “O capitalismo falhou; precisamos de mais controles governamentais sobre todo o mercado financeiro.” Mas ninguém pergunta por que os bilhões que já foram gastos e as milhares de páginas de regulamentações que já foram escritas desde o último grande ataque feito ao capitalismo nos anos 1930 não impediram as fraudes e os logros da Enron, da WorldCom e da Global Crossings[1] . E essa falha em impedir essas fraudes certamente não se deve a uma escassez de regulamentações.
É curioso como não se faz qualquer menção ao fato de que todas as bolhas financeiras são impregnadas com um excesso de propagandas falsas e superestimuladas, de especulações, de dívidas, de ganância, de fraude, de erros grosseiros de julgamentos acerca de investimentos, de negligência da parte de analistas e investidores, de enormes e insensatos lucros contábeis (lucro no papel), de convicção de que se está vivendo uma nova era na economia e, acima de tudo, de expectativas ultra-insensatas.
Quando a bolha está inflando, não há qualquer reclamação. Quando ela estoura, o jogo de culpas começa. Isso é especialmente válido nessa época de vitimização — em que ninguém quer assumir responsabilidades —, e tudo é feito em grande escala. Rapidamente, tudo se transforma em uma questão filosófica, partidária, social, geracional e, até mesmo, racial. Além de não se atacar a verdadeira causa, toda essa delação e “jogo de empurra” torna mais difícil a resolução da crise e enfraquece ainda mais os princípios sobre os quais se sustentam a liberdade e a prosperidade.
Nixon estava certo – uma vez – quando declarou que “Somos todos keynesianos agora”. Toda a Washington está declarando em sincronia que o excesso de capitalismo nos trouxe onde estamos hoje. A única decisão que agora preocupa os planejadores centrais em Washington é escolher quais os grupos de interesse continuarão a se beneficiar com a vindoura simulação de reforma. Vários interesses especiais estarão fazendo lobby agressivamente, como os investidores de Wall Street, as corporações, o complexo industrial-militar, os bancos, os trabalhadores, os sindicatos, os agricultores, os políticos, e todo o resto.
Mas o que jamais se discute é a real causa dos excessos que agora se deslindam em ritmo frenético. Essa mesma reação ocorreu nos anos 1930 nos EUA, quando nossos orientadores políticos tentaram reagir aos efeitos da crise de 29, crise essa gerada por excessos bem similares aos atuais, que foram se expandindo até finalmente entrar em colapso em outubro de 1929. Devido ao insucesso em se compreender o problema de então, a depressão acabou sendo prolongada. Estes erros permitiram que nossos atuais problemas se desenvolvessem a um grau muito maior. E essa falha em entender as causas destes problemas foi justamente o que causou a bolha dos anos 1980, fazendo com que, após seu estouro, a economia do Japão se mantivesse hesitante, com crescimento nulo e em níveis recessivos, estando sua bolsa de valores atualmente com um quarto do seu valor de pico, atingido 13 anos atrás. Se não formos cuidadosos – e até agora não temos sido – iremos cometer os mesmos erros que irão impedir a necessária correção que antecede a volta do crescimento.
Durante a década de 30, era algo muito popular condenar a ganância do capitalismo, o padrão-ouro, a falta de regulamentação, e a falta de seguro governamental sobre os depósitos bancários pelo desastre. Os empresários se tornaram os bodes expiatórios. Como resultado, ocorreram várias mudanças e institucionalizou-se o estado assistencialista e belicista (welfare/warfare state). O crédito fácil se transformou no Santo Graal da política monetária, principalmente sob a batuta de Alan Greenspan, “o Maestro supremo”. Hoje, apesar da suposta proteção destes programas governamentais, encontramo-nos em uma bagunça maior do que qualquer outra já vivida. A bolha atual é maior, o boom durou mais tempo, e o preço do ouro foi deliberadamente solapado como fonte confiável de sinal econômico. A inflação monetária continua a uma taxa nunca antes vista, em um esforço frenético para estimular os preços das ações e manter crescente a bolha imobiliária. Enquanto isso, ninguém parece se preocupar com as conseqüências inevitáveis de uma política de crédito fácil. Tudo isso é feito porque não estamos dispostos a reconhecer que a atual política está apenas preparando o cenário para uma enorme desvalorização do dólar. Todos temem isso, mas ninguém quer lidar com isso.
A ignorância, bem como a desaprovação, do fato de que apenas um verdadeiro capitalismo e um mercado sólido são capazes de impor restrições naturais sobre os excessos do mercado, fazem com que nossos líderes atuais rejeitem o capitalismo e culpem-no por todos os problemas que enfrentamos. Se essa falácia não for corrigida e o capitalismo for ainda mais solapado, a prosperidade que o livre mercado gera será destruída.
A corrupção e as fraudes contábeis de muitas empresas estão vindo à luz. Tem aqueles que querem nos fazer crer que tudo isso é parte integral do capitalismo de livre mercado. Se nós realmente tivéssemos um capitalismo de livre mercado, não haveria garantias de que algumas fraudes não ocorreriam. No entanto, quando elas ocorressem, seriam resolvidas por autoridades locais, e não por políticos no Congresso, que tiveram sua chance de “impedir” tais problemas (afinal, para que servem suas inúmeras regulamentações?), mas ao invés disso escolheram politizar o assunto, usando essa oportunidade para promover mais inúteis regulamentações keynesianas.
O capitalismo não deve ser condenado simplesmente porque ainda não tivemos capitalismo. Um sistema capitalista pressupõe uma moeda forte, não um papel-moeda fiduciário e de curso forçado, manipulado por um banco central (instituição listada por Marx como indispensável para se criar um regime comunista). O capitalismo aprecia contratos voluntários e taxas de juros determinadas pela poupança, e não pela criação aleatória de moeda por um banco central. Não se trata de capitalismo quando temos um sistema que é flagelado por regras incompreensíveis sobre fusões, aquisições e vendas de ações, bem como controles salariais, controle de preços, protecionismo, controles burocráticos sobre o comércio internacional, subsídios corporativos, impostos corporativos complexos e punitivos (sim, o governo subsidia e ao mesmo tempo taxa as corporações), contratos governamentais privilegiados para o complexo industrial-militar, e uma política externa controlada pelos interesses das grandes corporações e dos grandes investidores internacionais. Adicione a tudo isso o (des)controle federal centralizado sobre a agricultura, a educação, a medicina, os seguros, o sistema bancário e todo o sistema assistencialista. Isso não é capitalismo![2]
Condenar o capitalismo de livre mercado por qualquer coisa que aconteça hoje não faz qualquer sentido. Não há evidências de que exista capitalismo hoje. Estamos profundamente envolvidos em um sistema de economia planejada e sob forte intervenção estatal, o que permite grandes benefícios aos grupos bem relacionados politicamente, em ambos os lados do espectro ideológico. Quem quer que tenha boas conexões políticas, que tenha vínculos com a classe que está no poder, que pertença a grupos de interesse, ganha. Pode-se condenar as fraudes e o sistema atual, mas deve-se usar os nomes adequados: inflacionismo keynesiano, intervencionismo e corporativismo.
O que também não se vê sendo discutido é que a atual safra de falências revela que as flagrantes distorções e mentiras provindas de anos de orgia especulativa eram previsíveis.
Primeiramente, o Congresso deveria estar investigando a fraude contábil praticada pelo governo federal, principalmente em se tratando de obrigações futuras ilusórias – como a Previdência Social (para a qual não há fundos) -, além de também estar investigando como o sistema monetário destrói a riqueza (através da inflação provocada pelo banco central). Estes problemas são maiores do que qualquer coisa no mundo corporativo e são de responsabilidade do Congresso. Ademais, é exatamente o padrão determinado pelo governo e pelo sistema monetário que ele opera o grande causador de tudo o que há de errado hoje em Wall Street. E onde realmente existe fraude, trata-se de uma questão estadual, e não federal, e as autoridades estaduais podem fazer cumprir a lei sem qualquer ajuda do Congresso.
Segundo, sabemos por que as bolhas financeiras ocorrem, e sabemos pela história que elas estão habitualmente associadas à especulação, ao endividamento excessivo, a promessas extravagantes, à ganância, à mentira e a fraudes. Estes problemas foram descritos por alguns poucos observadores no exato instante em que iam se avolumando ao longo dos anos 90 – mas os avisos foram ignorados por uma razão. Todos estavam se enriquecendo repentinamente e, assim, ninguém se importava com nada. E aqueles poucos que demonstravam algum interesse em entender a situação eram logo tranqüilizados pelo presidente do Fed (Federal Reserve – o Banco Central americano), que dizia que “dessa vez” uma nova era econômica havia chegado e não havia nada com o que se preocupar. Um forte aumento da produtividade, dizia-se, era a explicação de tudo.
Mas agora sabemos que não é bem assim. Bolhas especulativas e tudo o que temos visto são a conseqüência de enormes quantias de crédito fácil, que é criado do nada pelo Federal Reserve. Praticamente não criamos poupança, mecanismo este que é uma das mais significativas forças motoras do capitalismo. A ilusão criada pelas baixas taxas de juros perpetua a bolha e tudo de ruim que lhe é inerente. E isso não é culpa do capitalismo. O problema é que estamos lidando com um sistema de inflacionismo e intervencionismo que sempre produz uma bolha econômica que necessariamente sempre acaba mal.
Até o momento, a avaliação feita pela administração, pelo Congresso e pelo Fed não é de bom agouro para o nosso futuro econômico. Tudo o que eles oferecem é mais do mesmo, o que de maneira alguma pode ajudar. Se as medidas oferecidas forem aplicadas, tudo o que elas irão fazer é nos levar para mais perto da insolvência nacional, com um dólar profundamente desvalorizado, e um padrão de vida mais baixo para a maioria dos americanos – bem como menos liberdade para todos.[3]
Esse é um cenário ruim que não precisa acontecer. Mas é impossível preservar nosso padrão se os críticos continuarem a culpar o capitalismo e a rejeitar uma política monetária sólida. Mais gastança, mais endividamento, mais crédito fácil, mais distorção das taxas de juros, mais regulamentações sobre tudo, e mais intromissão em assuntos externos, tudo isso logo irá nos forçar à posição bastante desconfortável de ter que decidir o destino de todo o nosso sistema político.
Se escolhêssemos a liberdade e o capitalismo, iríamos restaurar nossa moeda atrelando-a a uma commodity ou criando um padrão-ouro. Os gastos federais seriam reduzidos, o imposto de renda seria diminuído, e nenhum imposto incidiria sobre poupança, dividendos e ganhos de capital. As regulamentações seriam reduzidas, os subsídios aos grupos de interesse seriam extintos e nenhuma medida protecionista seria permitida. Nossa política externa mudaria e nós traríamos nossas tropas de volta pra casa.
Não podemos depender do governo para restaurar a verdade aos mercados; apenas pessoas fidedignas podem fazer isso. Na realidade, a falta de confiança nos executivos de Wall Street é saudável, pois é merecida e induz à prudência. A mesma falta de confiança nos políticos, no processo orçamentário e no sistema monetário serviria como um saudável incentivo para a necessária reforma do governo.
Os mercados regulam melhor do que governos. Depender de regulamentações governamentais para nos proteger contribui significativamente para o desenvolvimento dessa mesma mentalidade que causa as bolhas.
Essas ações citadas produziriam o clima adequado para se libertar a energia criativa necessária para servir unicamente os consumidores, pois afinal é disso que se trata o capitalismo. O sistema que inevitavelmente alimenta essa atual camaradagem entre governo e grandes corporações, e que foi o responsável pelo atual desastre, acabaria.
O capitalismo não nos deu essa crise de confiança que agora existe no mundo corporativo; a ausência de um livre mercado e de uma moeda forte, sim. O Congresso tem um papel a cumprir, mas não é um papel proativo. Sua função é simplesmente sair do caminho.
__________________________________
[1]As três empresas entraram em concordata em 2002 após terem descoberto fraudes contábeis. A Enron e a WorldCom quebraram. A WorldCom ressurgiu com o nome de MCI (uma companhia que havia sido adquirida pela WorldCom em 1998). Em 2005 a MCI foi comprada pela Verizon. [N. do T.]
[2] No caso do Brasil, além do que foi citado, podemos adicionar o fato de que temos um governo que altera leis com o único propósito de beneficiar certas empresas telefônicas. Ao invés de os negócios seguirem as leis, criam-se leis que se adaptam aos negócios. [N. do T.]