Criadores de modelos macroeconômicos finalmente descobriram aquilo que Henry Hazlitt e John T. Flynn (entre outros) já sabiam desde os anos 1930: o New Deal de Franklin Delano Roosevelt (FDR) alongou e aprofundou a Grande Depressão. Não passa de mito a tese de que FDR “nos tirou da Depressão” e “salvou o capitalismo de si próprio”, como tem sido ensinado a gerações de americanos (e, conseqüentemente, ao resto do mundo) em todas as instituições educacionais estatais.
A descoberta de tal fato da parte dos macroeconomistas vem na forma de um artigo, de agosto de 2004, no Journal of Political Economy intitulado “New Deal Policies and the Persistence of the Great Depression: A General Equilibrium Analysis”, pelos economistas Harold L. Cole e Lee E. Ohanian, ambos da UCLA. E isso é de grande importância, dado que o JPE é tido como o periódico acadêmico mais importante do mundo econômico.
“O produto interno bruto real por adulto, que estava 39 por cento abaixo da média histórica no auge da Depressão em 1933, permaneceu 27 por cento abaixo dessa mesma média histórica em 1939”, escrevem os autores. E “De maneira similar, as horas de trabalho na iniciativa privada estavam 27 por cento abaixo da média em 1933 e permaneceram 21 por cento abaixo da média em 1939”.
Isso não deve ser nenhuma surpresa para qualquer um que tenha estudado a realidade da Grande Depressão, já que as estatísticas do U.S. Census Bureau mostram que a taxa oficial de desemprego ainda era de 17,2 por cento em 1939, não obstante os sete anos de “salvação econômica” implementados pela administração Roosevelt (a taxa de desemprego normal, antes da Depressão, era de aproximadamente 3 por cento). O PIB per capita era menor em 1939 do que em 1929 ($847 vs. $857), bem como os gastos pessoais em consumo ($67,6 bilhões vs. $78,9 bilhões), tudo de acordo com os dados do Census Bureau. O investimento privado líquido no período de 1930-1940 foi negativo, de -$3,1 bilhões.
Cole e Ohanian escrevem como se estivessem muito surpresos – até mesmo chocados – em descobrir esses fatos; não porque se sentissem enganados pelo Mito do New Deal, mas por causa de sua devoção irrestrita aos “modelos neoclássicos” em oposição ao mero estudo daquilo que verdadeiramente constitui a realidade econômica. Eles consideram “surpreendente” o fato de que a recuperação da Grande Depressão foi “muito fraca” (uma declaração dramaticamente suavizada). E por que é tão surpreendente? Porque “esses dados se contrastam fortemente com a teoria neoclássica . . .”
A teoria neoclássica sobre depressões pode muito bem ser pensada como uma teoria Frankenstein. De acordo com Cole e Ohanian, “Essa fraca recuperação é algo enigmática porque os grandes choques negativos que segundo alguns economistas causaram a recessão de 1929-1933 – incluindo os choques monetários, os choques de produtividade e os choques do sistema bancário – se tornaram positivos após 1933”. Assim, de acordo com a teoria neoclássica, a economia durante uma depressão é como se fosse um Frankenstein debilitado, com os economistas atuando no papel dos cientistas loucos que aplicam choques na besta até que ela se torne um ser vivo novamente. Eles fazem isso com várias “injeções” de gastos governamentais e crédito fácil que supostamente irão provocar uma estrondosa recuperação (assim como a besta rejuvenescida urrou quando deixou o laboratório para ir aterrorizar os habitantes da cidade no filme “O Jovem Frankenstein”, comédia de Mel Brooks.)
“A base monetária aumentou mais de 100 por cento entre 1933 e 1939”, escrevem os autores, argumentando que tal “choque monetário” deveria ter devolvido a economia à sua normalidade. Eles invocam a autoridade de macroeconomistas famosos como Robert Lucas e Leonard Rapping, que certa vez proclamou que “choques monetários positivos deveriam ter produzido uma forte recuperação, e o emprego deveria ter retornado ao seu nível normal até 1936”.
Mas como Murray Rothbard mostrou em sua obra America’s Great Depression, foram as políticas de crédito fácil do início e meados dos anos 1920 que criaram todos os maus investimentos que provocaram a Grande Depressão. A única atitude correta teria sido permitir a liquidação de centenas de negócios sobrecapitalizados. Ao invés disso, o banco central (Federal Reserve) aumentou a base monetária em 100 por cento em um período de cinco anos, causando mais dos mesmos problemas de sobrecapitalização que foram justamente as causas do problema.
Para complementar tudo isso, praticamente cada uma das políticas do New Deal de FDR apenas piorou as coisas e prolongou ainda mais a Depressão. Os economistas austríacos já sabem disso há décadas, mas ao menos parece que os modeladores neoclássicos finalmente perceberam o óbvio – pelo menos é o que se espera.
Cole e Ohanian aparentemente emergiram daquele rarefeito mundo das modelagens macroeconômicas por um período suficiente para descobrir que o chamado Primeiro New Deal (1933-1934) foi um gigantesco esquema de cartel, pelo meio do qual o governo tentou impor uma cartelização dos preços e uma redução do nível de produção em centenas de indústrias e na agricultura. Obviamente isso já foi bem documentado no livro de John T. Flynn, The Roosevelt Myth, publicado inicialmente em 1948. Henry Hazlitt também já havia escrito sobre isso 15 anos antes. “As políticas de cartelização do New Deal são um fator chave por trás da fraca recuperação, sendo responsáveis por aproximadamente 60 por cento da diferença entre o nível de produção da época e a média histórica”, escrevem os autores.
Que tenha demorado tanto para que o “mainstream” da economia neoclássica reconhecesse este fato é realmente assombroso. Por várias gerações seus próprios livros-textos vêm ensinando que cartéis “restringem a produção” para poder aumentar os preços. Também nunca foi nenhum segredo o fato de que a essência do Primeiro New Deal se baseava no uso dos poderes coercivos do governo para se elevar salários e preços através da cartelização de toda a economia.
FDR e seus conselheiros erroneamente acreditavam que a Depressão foi causada por uma queda nos preços; sendo assim, preços mais altos – sustentados por ameaças de violência, coerção e intimidação pelo estado – seriam a “solução”. Além do mais, não é nenhum mistério que, se houver menos produção, será necessário um número menor de trabalhadores, o que, consequentemente, levará a uma alta do desemprego. Assim, a teoria econômica neoclássica padrão já deveria há muito ter percebido que o Primeiro New Deal nada mais foi do que um colossal esquema produtor de desemprego.
A triplicação de impostos feita por FDR, sua regulamentação dos negócios, e sua implacável propaganda anti-iniciativa privada também contribuíram para piorar a Grande Depressão, mas nada supera suas políticas trabalhistas, que provavelmente foram as mais danosas para as perspectivas de emprego dos trabalhadores americanos. Sob esse aspecto, a parte mais desapontadora do artigo de Cole e Ohanian é que eles sequer citam o trabalho pioneiro de Richard Vedder e Lowell Gallaway, Out of Work: Unemployment and Government in Twentieth Century America, publicado em 1993.
E é realmente vergonhoso que eles não mencionem esse renomado trabalho ao mesmo tempo em que usam essencialmente os mesmos argumentos de Vedder e Gallaway. Eles recitam muitos dos mesmos fatos sobre política trabalhista: leis do NIRA (National Industrial Recovery Act) que estabeleceram salários mínimos similares tanto para os trabalhadores pouco qualificados como para os de alta qualificação; os empregadores que receberam ordens de negociar coletivamente com os sindicatos, aos quais foram dados uma miríade de vantagens legislativas nos processos de acordos trabalhistas, todos reforçados pela recém criada NLRB (National Labor Relations Board). Todas estas políticas encareceram a mão-de-obra. Conseqüentemente, como a lei econômica da demanda já nos ensinou, o inevitável resultado só poderia ser o aumento do desemprego.
Entre 1936 e 1937, as atividades grevistas dobraram. Em 1936 ocorreram greves equivalentes a uma perda de 14 milhões de dias de trabalho, valor esse que apenas um ano depois dobrou para 28 milhões. E somente em 1937 os salários subiram quase 15 por cento. A diferença salarial entre trabalhadores sindicalizados e não-sindicalizados, que era de 5 por cento em 1933, foi para 23 por cento em 1940. A recém-criada Previdência Social, bem como outros impostos sobre a folha de pagamento criados para bancar o seguro-desemprego, encareceram ainda mais o custo de se empregar alguém. O que tudo isso mostra é que durante um período de fraca e declinante demanda por trabalho, as políticas do governo empurraram significativamente para o alto os custos da mão-de-obra, fazendo com que os empregadores a demandassem cada vez menos.
Vedder e Gallaway conduziram uma avaliação econométrica dessas custosas políticas trabalhistas e concluíram que grande parte do desemprego anormal ocorrido nessa década de 30 não teria ocorrido não fossem essas políticas governamentais. Eles estimaram que em 1940 a taxa de desemprego foi oito pontos percentuais mais alta do que teria sido caso não tivesse havido esse crescimento do sindicalismo, induzido pelas legislações criadas, e caso não houvesse esses custos trabalhistas recém ordenados pelo governo. Eles então concluem que “A Grande Depressão foi significativamente prolongada, tanto em sua duração como em sua magnitude, pelo impacto dos programas do New Deal” (pág. 141).
Cole e Ohanian chegaram exatamente às mesmas conclusões, mas expressaram-nas naquele linguajar tipicamente convoluto que sempre é utilizado nos “principais periódicos econômicos”: “As políticas industriais e trabalhistas do New Deal não tiraram a economia da Depressão . . . . Ao contrário, as políticas coligadas de aumento do poder de barganha da mão-de-obra e da articulação de conluios com o pagamento de maiores salários impediram que houvesse uma recuperação normal, criando-se cismas e um ineficiente atrito entre os que estavam dentro dos sindicatos com os que estavam fora, o que levou a um aumento significativo dos salários e a uma restrição do emprego . . . . o abandono dessas políticas coincidiu com a forte recuperação econômica da década de 1940”.
Esta última conclusão – que o abandono das políticas de FDR “coincidiu” com a recuperação dos anos 40 – foi muito bem documentada por um outro autor que também foi ignorado por Cole e Ohanian: Robert Higgs. Em “Regime Uncertainty: Why the Great Depression Lasted So Long and Why Prosperity Resumed after the War” (Independent Review, 1997), Higgs mostrou que foi a relativa esterilização das políticas do New Deal, junto com uma redução (em dólares absolutos) do orçamento federal de $98,4 bilhões em 1945 para $33 bilhões em 1948, que permitiu a recuperação econômica. A produção do setor privado aumentou quase um terço apenas no ano de 1946, o que fez com que o investimento do capital privado aumentasse pela primeira vez em dezoito anos.
Em resumo: foi o capitalismo que realmente encerrou a Grande Depressão, não a cartelização desmiolada promovida por FDR, seus aumentos salariais, sua sindicalização maciça, e suas políticas de expansão do assistencialismo. É bom ver que o Journal of Political Economy, a Universidade de Chicago e a UCLA estão finalmente abraçando a erudição libertária de Richard Vedder, Lowell Gallaway, Robert Higgs, Jim Powell (autor de FDR’s Folly) e os predecessores destes, tais como Henry Hazlitt, John T. Flynn, Murray Rothbard, F.A. Hayek, William H. Hutt, Benjamin Anderson, e outros associados à Escola Austríaca.
Antes tarde do que nunca.
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Tradução de Leandro Roque