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O que você, amável leitor, acha que é pior para a economia: impostos ou regulações?
Concordo, ambos são péssimos. Infringem a liberdade e nada mais são do que uma forma explícita de violência.
A tributação é uma violação ao seu direito de propriedade. Você não tem o direito de manter os frutos do seu trabalho. É sua sagrada obrigação – ou, como dizem, é seu “dever patriótico” – enviar uma porcentagem da sua renda para sustentar a difícil vida daqueles amáveis seres que habitam Brasília e a de seus capangas dispersos por todo o país.
Aliás, vale um paralelo. Se você for assaltado na rua, você ainda tem duas opções: você pode tentar negociar um valor menor com o assaltante, ou você pode simplesmente fugir. Nessa segunda hipótese, caso você logre êxito, você ficou livre. Agora, quando o assalto é promovido pelos parasitas da Receita Federal ou Estadual, você não tem nem a opção de tentar negociar uma tungada menor. E se tentar fugir, ao invés da liberdade, você simplesmente irá para a cadeia – podendo chegar a até 94 anos de encarceramento, como querem fazer com Eliana Tranchesi. Já Marcola, homicida do PCC, foi condenado a 37.
Donde podemos concluir duas coisas:
1) Matar é mais aceitável do que negar o sagrado sustento de burocratas e parasitas;
2) É preferível ser assaltado na rua a ser um cidadão formal (você não apenas será menos espoliado como também terá grandes chances de escapar ileso).
Mas, e quanto às regulamentações? O que são?
Se você perguntar a algum economista, ele vai lhe dar várias respostas de manual, sempre definições vagas e politicamente corretas. Mas todas com a mesma característica: a exaltação do estado, de seus burocratas e da capacidade sempre onisciente e clarividente destes para evitar e/ou resolver qualquer “falha de mercado”, seja lá o que isso signifique.
Portanto, vamos para o popular: regulamentações nada mais são do que artifícios criados pelo estado para beneficiar algumas empresas (aquelas que têm boas conexões políticas) em detrimento de outras, prejudicando a concorrência e garantindo algumas reservas de mercado. Quem é o grande perdedor final? O consumidor. Quem ganha? As grandes empresas – que se mantêm sem concorrência – e o estado e seus burocratas – que ganham agrados dessas empresas, principalmente na forma de “doações de campanha”.
E o pior: todo esse procedimento é legítimo, pelo menos de acordo com as regras da democracia, esse regime tão amado. (Leia aqui por que a democracia não funciona).
Uma empresa estrangeira de telefonia celular, após estudar o mercado brasileiro e todo seu potencial de crescimento, percebe que teria grandes chances de lucro se ofertasse seus serviços aqui. Em um livre mercado genuíno, essa empresa simplesmente chegaria, faria sua propaganda e, através do sistema de preços, ofertaria seus serviços. Quem quisesse utilizá-la estaria livre para fazê-lo. Quem não quisesse, beleza. Continuaria com os serviços da VIVO, TIM, CLARO e OI.
Mas isso não pode ocorrer atualmente. O governo não deixa. Só entra no mercado as empresas que ele aprova. É óbvio, também, que há forte lobby das quatro empresas de telefonia celular, que não querem mais concorrência. Mas esse lobby só existe por causa dos poderes econômicos concedidos ao governo, que, em última instância, decide os rumos da economia.
Esse exemplo de telefonia celular é válido para absolutamente todas as áreas da economia.
Por exemplo, telefonia fixa. Se você quiser criar uma empresa de telefonia fixa, ou se uma estrangeira quiser vir pra cá, não pode. Todo o aparato regulatório do estado cria ostensivamente barreiras burocráticas que aumentam proibitivamente o custo final, impedindo a concorrência e o livre mercado nesse vital setor da economia.
Se uma empresa quiser abrir estradas – por exemplo, uma estrada entre Rio e São Paulo, para concorrer com a Via Dutra -, não pode. Há toda uma gama de regulamentações ambientais – entre outras burocracias – proibindo-lhe disso.
Se uma empresa quiser operar no setor elétrico, concorrendo livremente com as estatais do setor, aumentando a oferta de energia, também não pode, por todos os motivos acima.
Se uma empresa quiser prospectar petróleo aqui no Brasil e nos vender, ela não pode. Os preços cairiam muito, e preço baixo não é algo de que a Petrobras goste. (Vide que os preços estão em queda no mundo todo, enquanto aqui eles se mantêm estacionados lá em cima, no mesmo nível de quando o petróleo estava a 140 dólares o barril; hoje está em 45). Ademais, após mais de 40 anos de monopólio (quebrado apenas em 1997), a Petrobras já se apossou das melhores jazidas do país. Nem tem como alguém concorrer. É como você chegar atrasado ao cinema: os melhores assentos já foram tomados, e você terá de se contentar com os piores.
Bancos também não podem operar livremente, o que traria uma muito necessária desconcentração do setor. Só entra quem o banco central quer.
Aeroportos. Se eu quiser construir e operar um aeroporto por conta própria, desafogando outros aeroportos e melhorando o tráfego aéreo, não posso. O governo não deixa. É só ele que pode operar, sempre com muita competência, esse setor fútil e sem qualquer importância.
E esses são apenas os grandes setores. Não nos esqueçamos das regulamentações que inibem o surgimento e o desenvolvimento dos pequenos setores.
Empresas de ônibus, estações de rádio, de televisão, TV a cabo, provedoras de internet, de seguro-saúde, hospitais, escolas, açougues, restaurantes, churrascarias, padarias, borracharias, oficinas mecânicas, shoppings, cinemas, sorveterias, hotéis, motéis, pousadas, saunas gays, etc. Nada disso pode surgir sem antes passar por incontáveis processos burocráticos que envolvem licenciamento, taxas, propinas, inspeções, alvarás, registros cartoriais, reconhecimentos de firmas e o diabo.
É impossível haver livre mercado se o “livre” é uma mera abstração. É impossível haver uma genuína concorrência – que é o que de fato melhora os serviços e diminui os preços – quando o estado faz de tudo para impedi-la. E depois de tudo isso, quando os preços sobem e a qualidade dos serviços cai, a quem as pessoas reclamam e cobram mais intervenções?
O EXEMPLO CLÁSSICO DO SETOR AÉREO BRASILEIRO
Um ótimo exemplo de como as regulamentações vão contra os interesses dos mais pobres aconteceu recentemente no setor aéreo brasileiro.
Como você já deve ter imaginado, você não pode criar uma empresa aérea para concorrer com o duopólio – totalmente sustentado pelo governo – da GOL e da TAM. (A menos, é claro, que você tenha boas conexões políticas). Da mesma forma, empresas estrangeiras são proibidas de fazer vôos nacionais aqui dentro, para não arranhar a saúde do duopólio. Como seria em um livre mercado? Simples. Não haveria obstáculos. Se a American Airlines quisesse operar a linha Salvador-Porto Alegre, estaria livre para isso. Se a Lufthansa quisesse operar Florianópolis-Manaus, que o fizesse. Se a Air China quisesse fazer São Paulo-Macapá, ótimo. Se a KLM quisesse fazer Belo Horizonte-Presidente Prudente, que o fizesse e tomasse prejuízos a vontade.
Nesse cenário de concorrência pura, o que você acha que ocorreria: queda nos preços e melhora nos serviços, ou aumento de preços e piora dos serviços? Pois então.
Mas esse cenário é fictício simplesmente porque a ANAC (Agência Nacional de Aviação Civil) – leia-se GOL e TAM – não permite. Aliás, como o espaço aéreo é propriedade autodeclarada do governo, é ele quem determina até quais companhias nacionais podem operar determinadas rotas em determinados horários. Os aeroportos, também monopólio estatal, não podem alocar livremente seus slots (horários de pouso e decolagem). Tudo é regulado.
Mas a coisa fica ainda pior quando analisamos os vôos internacionais.
Por decreto governamental, as tarifas cobradas pelas empresas aéreas que operam os vôos internacionais não podem ser livres. Ou seja: é o governo brasileiro quem determina o preço dos vôos para Europa, EUA e Ásia. (Apesar dos preços já terem sido liberados para os vôos para dentro da América do Sul, continua a restrição sobre quais companhias aéreas podem operá-los, o que significa que o oligopólio está mantido).
Isso cria situações bizarras. Por exemplo, segundo levantamentos da própria ANAC, quando uma passagem internacional é comprada no Brasil, ela pode custar até 66% a mais do que se tivesse sido comprada no exterior. Assim, o trajeto São Paulo-Nova York-São Paulo, operado pela American Airlines, sai por US$ 972. Já o mesmo trajeto invertido, Nova York-SP-Nova York, fica por US$ 584. No segundo caso, como o vôo sai dos EUA, não há essa regulamentação, o que significa que a empresa pode pôr o preço que quiser. E, surpresa!, quando há essa liberdade de mercado, os preços caem.
Mas por que há essa regulação brasileira sobre os preços internacionais? Ora, para proteger “nossas” empresas aéreas (leia-se TAM) contra a “feroz” concorrência gringa.
Um raio de esperança surgiu no dia 24 de dezembro de 2008, quando saiu a seguinte notícia na Folha de São Paulo:
Vôos internacionais podem ficar 20% mais baratos em janeiro
A Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) liberou descontos em até 20% em passagens de vôos internacionais a partir de janeiro de 2009. A resolução publicada nesta segunda-feira no Diário Oficial da União prevê o aumento gradual dos descontos até a liberação total em 2010.
De acordo com a instituição, que pretende estimular a competição, os descontos não são obrigatórios, mas permitem abatimentos sobre os valores mínimos cobrados atualmente. Cada empresa aérea decidirá pelo desconto, ou não, conforme suas estratégias comerciais.
Por exemplo, um vôo do Brasil para o Reino Unido, Itália ou França custa no mínimo US$ 869 (ida e volta). Com a resolução, as companhias poderão baixar essa tarifa para US$ 695,20 em janeiro. Emabril a Anac deve liberar a redução para 50% (US$ 434,50) e em julho para 80% (US$ 173,80).
Parece outro mundo, certo? Imagine poder viajar para a Europa por apenas 174 dólares? Parecia que o capitalismo finalmente estava chegando ao Brasil. Parecia.
Eis que, ainda em dezembro de 2008, no dia 30, tal “distorção capitalista” foi rapidamente corrigida. Publica a Folha:
A Justiça Federal suspendeu o desconto máximo de 20% nas passagens aéreas internacionais. Resolução da Anac autorizava redução nas tarifas de vôos do Brasil para qualquer país, exceto os da América do Sul (região em que já há liberação de tarifas), a partir de 1º de janeiro de 2009. O presidente do TRF-1 (Tribunal Regional Federal da 1º Região), desembargador Jirair Meguerian, acatou as alegações apresentadas pelo Sindicato Nacional das Empresas Aeroviárias, que questionava a forma como a resolução foi aprovada no final de novembro. Segundo o sindicato, a Anac fez apenas uma consulta na internet e não fez audiência pública para autorizar descontos máximos que começariam em 20% em janeiro e chegariam a 80% em julho de 2009. Mas pesou também o impacto financeiro da resolução, que prejudicaria a TAM, única empresa nacional dona de rotas internacionais com destinos diferentes da América do Sul.
Na sentença que suspendeu o desconto, o desembargador argumentou que a resolução da Anac gera “efeitos imediatos e catastróficos para as companhias aéreas brasileiras e para o mercado em geral, além de favorecer a prática do dumping pelas companhias internacionais, que valem-se de subsídios governamentais e poderão praticar tarifas muito inferiores àquelas praticadas pelas empresas nacionais”.
Muito bem.
De acordo com outras notícias veiculadas, três empresas estrangeiras já estavam loucas para aplicar esses descontos e arrebatar mais passageiros, já em janeiro de 2009. Mas foram obrigadas a mudar de ideia. Ou seja: por mera decisão de um juiz estatal, os brasileiros mais humildes ficaram privados de viajar para o exterior e conhecer outras culturas. Impossível um país se desenvolver assim.
Mas é lógico que, por trás de tudo, está a TAM e seu conluio com o governo (política que Mussolini, que entendia do assunto, classificou como “fascismo” ou “corporativismo”), impedindo essa concorrência. O protecionismo do mercado aéreo brasileiro, que antes era garantido apenas pela ANAC, agora também foi acolhido pela justiça. As empresas aéreas estrangeiras estão ávidas para levar mais brasileiros para o exterior, mas a guilda não permite.
Alguns leitores podem chamar a atenção para o último trecho em negrito. É verdade que as empresas aéreas estrangeiras que se valem de subsídios de seus governos poderiam utilizar essa vantagem e jogar seus preços lá pra baixo, inviabilizando as operações internacionais da TAM.
Mas aí cabem duas colocações. Primeiro, o juiz está partindo do princípio arrogante – típico da área – de que é ele, e não o mercado, quem melhor sabe o real preço que deve ser cobrado pelas passagens. Como ele pode saber que o atual preço das passagens, totalmente determinado pelo governo, é o preço de livre mercado? Como ele pode saber que qualquer preço abaixo do atual configura dumping? Você confia no julgamento de um burocrata sobre preços de mercado? Não aconselharia.
Segundo, e mais importante: mesmo que – talvez por intermédio de alguma suprema intervenção divina – os atuais preços estabelecidos pelo governo brasileiro fossem realmente os de livre mercado (quais as chances?), e as empresas estrangeiras de fato estivessem se valendo dos subsídios que recebem para abaixar seus preços e com isso prejudicar a TAM, fica a pergunta: e daí?
Isso é problema do contribuinte estrangeiro, que aceita que seus impostos subsidiem nossas viagens. São eles que deveriam reclamar. Para nós brasileiros essa benesse seria ótima, pois, além de estarmos utilizando serviços subsidiados pelos gringos, estaríamos poupando mais e, consequentemente, investindo e/ou consumindo mais. Se os estrangeiros estão dispostos a nos dar esse privilégio, não vamos recusar. Eles que se entendam por lá.
Mas o governo brasileiro também poderia ajudar a TAM de várias maneiras. Ele poderia, por exemplo, cortar impostos sobre o querosene, barateando o produto. Ele poderia também permitir a concorrência no setor de produção e distribuição de querosene (hoje ambos monopolizados pela Petrobras), o que aumentaria a oferta e derrubaria ainda mais os preços. Ele poderia cortar os impostos sobre a renda e sobre o lucro, bem como todos os impostos que incidem sobre a folha de pagamento, o que daria uma boa sobra de caixa e permitiria que as empresas aéreas brasileiras reinvestissem seu maior lucro e diminuíssem o preço das passagens.
O governo pode fazer várias coisas para ajudar as empresas aéreas e o consumidor brasileiro, mas todas essas coisas envolvem fazer menos.
Enquanto o governo impede os brasileiros mais humildes de irem ao exterior, em todo o ocidente viaja-se barato. O setor aéreo europeu é digno de menção. Até o final da década de 1980, ele era tomado por dinossauros estatais, com preços controlados e concorrência reprimida.
Com a desregulamentação, surgiram as empresas low cost low fare (baixo custo, baixa tarifa) e a classe operária foi ao paraíso. Poucos sabem, mas é possível viajar de Londres a Madri pela Ryan Air pagando zero libra, mais a taxa de embarque. Basta ficar de olho nas promoções. Você paga mais se deslocando até o aeroporto do que pela viagem aérea.
Um trecho de trem entre Madri e Barcelona fica normalmente por volta de 100 euros. Mas pela EasyJet sai por 56 euros.
Trajetos como Londres-Oslo, Liverpool-Paris, Londres-Perugia, Liverpool-Estocolmo, Birmigham-Barcelona, Bristol-Budapeste, operados pela RyanAir, saem pela módica quantia de 1 £. R$ 3,25 pela cotação de hoje (22/04/2009).
Não sei se as grandes empresas européias, como a British Airways, temem a concorrência das empresas de baixo custo. É bem provável. Mas seria uma violência utilizar o estado para impedi-las de voar a preços baixos, um serviço que indubitavelmente beneficia os mais pobres – sendo essa a essência do livre mercado.
Algo que o estado brasileiro não quer que seus súditos saboreiem.
A TRIBUTAÇÃO COMO REGULAMENTAÇÃO, OU: A FIESP E A CPMF
Mas existe um cenário ainda pior: quando a tributação passa a servir como forma de regulamentação protecionista.
Peguemos um caso famoso recentemente ocorrido no Brasil: a cruzada da FIESP pela extinção da CPMF.
Por si só, qualquer cruzada antitributária não apenas deve ser aplaudida, como também encorajada e apoiada de todas as formas. Impostos nada mais são do que o confisco puro e direto da renda do trabalho, que é desviada para o sustento de parasitas e nababos. Algo imoral e repugnante.
Portanto, sob esse cenário, a postura da FIESP estava correta e deveria ser aplaudida.
Porém, os problemas começam quando analisamos mais detidamente duas coisas, a saber: o que é a FIESP e qual a função protecionista dos impostos.
Ora, a FIESP – assim como a FIEMG, a FIERJ e todas as outras federações filiadas à CNI – nada mais é do que um órgão corporativista. Trata-se de um conluio entre o estado e as corporações, onde ambos lucram em detrimento do consumidor.
A FIESP sempre defendeu medidas protecionistas e só existe por causa do protecionismo e de favores políticos. Trata-se de um órgão que, além do protecionismo, defende também a cartelização da economia, de modo que alguns empresários possam enriquecer sem qualquer concorrência e em detrimento dos mais pobres, que são obrigados a pagar mais por produtos de baixa qualidade – e tudo em nome do patriotismo.
Ou seja, a FIESP e todas as demais federações da CNI nada mais são do que grupos empresariais que se coligam ao estado, pedem mais protecionismo, mais taxas de importação e menos concorrência. Em troca dessas concessões, o estado e seus integrantes ganham agrados, favores e financiamentos de campanha. E o consumidor ganha produtos mais caros e de pior qualidade.
Isso posto, passemos aos impostos. Será que defender a extinção da CPMF santifica a FIESP? Pelo contrário.
Vejamos.
O argumento da FIESP era que a carga tributária no Brasil já era alta e estava atingindo níveis insustentáveis. Logo, era necessário contra-atacar.
Até aí, perfeito. Não há do que discordar. Afinal, a CPMF confiscou, em 2007, R$ 41,6 bilhões.
Porém, se o problema é a alta carga tributária que penaliza as empresas, então por que a FIESP não defendeu o fim do Imposto de Renda de Pessoa Jurídica (R$ 80 bilhões em 2007)? Ou da COFINS (R$ 117,4 bilhões em 2007)? Ou da CSLL ou do IPI (R$ 39,4 e R$ 38,6, respectivamente)?
A COFINS, por exemplo, é 2,8 vezes mais confiscatória que a CPMF. O IRPJ é duas vezes mais. A CSLL e o IPI são, cada um deles, tão confiscatórios quanto. Portanto, por que a FIESP concentrou-se apenas na CPMF e calou-se quanto aos outros impostos, principalmente a COFINS e o IRPJ, bem maiores?
É aí que entra a função protecionista dos impostos. A maioria das pessoas – e toda a esquerda – acredita piamente que os grandes empresários são capitalistas pró-mercado e anti-impostos. Enganam-se redondamente.
É certo que ninguém gosta de ter seu dinheiro tomado e certamente os grandes empresários, nesse quesito, também não gostam de impostos.
Porém, o que poucos entendem é que uma carga tributária alta e complexa, como no Brasil, é uma ótima aliada das grandes empresas: elas impedem que pequenas empresas cresçam, que novas empresas surjam e que empresas estrangeiras aqui se instalem. Uma alta carga tributária, acompanhada de um emaranhado indecifrável de códigos tributários, serve como barreira de entrada no mercado, o que apenas ajuda as grandes empresas já estabelecidas e que, em sua maioria, só se tornaram grandes por causa de algum apadrinhamento do governo.
Para essas grandes empresas e indústrias, essa carga tributária, por mais que seja alta, é um preço válido a ser pago, pois ela garante que novas empresas fiquem afastadas e que a concorrência seja mínima. Com 77 tributos e uma burocracia que é um emaranhado de leis, medidas provisórias, decretos e outros atos tributários aterrorizantes, qual empresa vai se aventurar a concorrer com os barões já estabelecidos? Ainda mais nesses tempos de terrorismo tributário, em que o contribuinte é chamado de “sonegador” por um simples erro no formulário ou na declaração de renda…
Portanto, ficamos assim: a FIESP e todos os barões da CNI fecham com o modelo tributário atual – que funciona como uma ótima regulamentação protecionista -, o governo mantém a arrecadação lá em cima, como ele gosta, e nós, sentados na cabeceira da mesa, recebemos a conta final.
Ah, sim: por que então lutaram contra a CPMF? Ora, porque essa não era burocrática – logo, não podia desempenhar nenhuma função protecionista. Apenas confiscava o dinheiro deles e não garantia nada em troca. Não servia pra nada.
O COMPLEXO REGULATÓRIO-INDUSTRIAL BRASILEIRO
Por que a Dinamarca, país de alta carga tributária, tem uma economia dinâmica e a Bolívia e o Paraguai, países de baixa carga tributária, têm a economia em frangalhos? Por que você demora mais tempo na sala de espera do seu médico do que na de seu dentista?
As perguntas, aparentemente desconexas, têm a mesma resposta: regulamentação e concorrência. A Dinamarca, por exemplo, tributa tudo (apesar de o imposto de renda de pessoa jurídica ser menor que o brasileiro). Mas a burocracia para a abertura de empresas é das menores do mundo, e você pode contratar e demitir funcionários livremente, sem qualquer empecilho do governo e sem qualquer estorvo sindical ou da justiça trabalhista. Nesse ambiente, a eficiência e o dinamismo econômico são altos, o que resulta em uma economia rica, capaz de sustentar seu enorme sistema de bem-estar social. Não fosse pela economia desregulamentada e a riqueza por ela gerada, o assistencialismo dinamarquês não duraria dois dias.
Já a Bolívia e o Paraguai, apesar dos baixos impostos, apresentam uma economia amarrada e burocratizada, que só encontra oxigênio na informalidade. Obviamente, não há eficiência. (Já o Brasil gosta de inovar: misturamos impostos dinamarqueses com burocracia boliviana).
Esse mesmo mecanismo explica a discrepância entre a sala do dentista e a sala do médico. Quando você vai ao médico, você provavelmente está utilizando algum plano de saúde. Como a concorrência entre os planos de saúde é mínima em decorrência da forte regulação do setor, a concorrência entre os médicos também é mínima, pois o preço de cada um deles é o mesmo (pago pelo plano de saúde). Eles não têm que prestar contas a você. Você não é o empregador. Já com o dentista é diferente. Você dificilmente é obrigado a ficar esperando na sala. Por quê? Porque você é a única fonte de pagamento. Logo, você é o empregador.
Essas mesmas discrepâncias perpassam toda a economia brasileira. Você é o empregador numa churrascaria e numa chopperia – setores de alta concorrência – mas não apita nada no setor bancário e no de telefonia fixa, de concorrência nula.
Dentro desse espírito, segue uma lista dos principais ministérios, secretarias e outras agências reguladoras, e a real função delas:
O Ministério das Cidades assumiu a gerência do programa-embuste Minha Casa, Minha Vida com a função explícita de ofertar fartos subsídios e financiamentos para as construtoras com boas conexões políticas. As graúdas já se assanharam para colocar as mãos no butim e estão amontoadas em volta do governo como moscas numa lata de lixo. As construtoras pequenas e familiares, sem poder político e sem financiamento, serão deslocadas do mercado.
O Ministério da Agricultura garante que as atividades agrícolas permaneçam devidamente cartelizadas e concentradas, tributando o pequeno agricultor e repassando o espólio para os grandes, na forma de subsídios. Pelos dados da OCDE, a agricultura no Brasil representa 28% das exportações e apenas 5% das importações, sendo responsável por 97% do saldo da balança comercial. Ou seja, os subsídios são utilizados para se garantir superávits nas contas comerciais. O pequeno agricultor de Minas Gerais e do Nordeste sustenta os opulentos agropecuaristas de Mato Grosso e Goiás.
O Ministério do Trabalho é uma agência antiempreendedor. Sua diversão favorita é fazer batidas nas pequenas e médias empresas, aplicando multas por qualquer irregularidade ou não cumprimento de algum item das ininteligíveis e arbitrárias legislações trabalhistas. Seus decretos regulatórios são facilmente dominados e contornados pelo esquadrão de advogados das grandes empresas, ao passo que podem levar uma pequena empresa à falência.
O CADE (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) é quem dá a palavra final (leia-se autorização) sobre as deliberações da SDE e da SEAE (respectivamente, Secretaria de Direito Econômico e Secretaria de Acompanhamento Econômico, cada qual respectivamente ligada ao Ministério da Justiça e da Fazenda). A função alegada do CADE é “domar” o mercado, que tende a se comportar como um caminhão desgovernado e sem motorista à beira do precipício. Desde sua criação, em junho de 1994, o CADE só fez restringir o mercado em benefício das empresas já estabelecidas. Exatamente por isso seus principais lobistas são todos das grandes empresas.
O Ministério do Meio Ambiente, com sua política de “integrar o meio ambiente à produção”, protege as indústrias com boas influências políticas e discrimina novos empreendedores ao, por exemplo, legalizar a poluição para as indústrias existentes ao mesmo tempo em que impõe custos proibitivos às novas.
A CVM (Comissão de Valores Mobiliários) foi criada em 1976, durante o governo de Ernesto Geisel, o que já diz bastante sobre sua natureza. Sua legislação – originalmente criada por Mario Henrique Simonsen e João Paulo dos Reis Velloso, dois notórios entusiastas do planejamento econômico – é toda voltada para a cartelização do mercado em prol das grandes empresas. A CVM já impediu o lançamento de ações de várias pequenas empresas, que poderiam crescer e concorrer com os gigantes comerciais e industriais, e vem se esforçando para diminuir a concorrência nos mercados de commodities e futuros.
A ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres) foi criada para impedir a livre concorrência principalmente nos transportes rodoviários, impedindo a criação e expansão de novas empresas de ônibus e de transporte de cargas, tabelando os preços destes serviços.
A ANVISA (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), vinculada ao Ministério da Saúde, impede que novos e mais baratos medicamentos sejam lançados no mercado. Qualquer tentativa de desregulamentação da ANVISA é prontamente combatida pelas grandes empresas farmacêuticas e seus associados, pois a ANVISA existe para protegê-los.
As funções da ANEEL, ANATEL, ANP e ANAC já foram exemplificadas acima.
COMO DESREGULAMENTAR E PRIVATIZAR
Após entender essas sutilezas, é possível entender por que o modelo de privatização adotado no Brasil, apesar de ter trazido substanciais melhorias, foi bem ineficiente em relação ao potencial de mercado.
Primeiro porque não houve privatização genuína. Houve apenas uma troca de monopólios. Na telefonia fixa, por exemplo, o governo determinou como seria feita a distribuição dos setores e entregou cada setor a uma empresa, tomando as devidas precauções para que não houvesse qualquer perigo de concorrência. Nenhuma empresa de fora pode vir operar aqui sem passar por aquele emaranhado regulatório-burocrático, devidamente estabelecido para se proteger as empresas favoritas do estado.
O setor de telefonia celular é um pouco mais concorrencial do que o fixo. Como consequência, os mais pobres se beneficiaram tremendamente. Atualmente, há mais de 140 milhões de celulares no Brasil, contra apenas 40 milhões de linhas fixas. Catadores de papel pintam o número de seus celulares em suas carroças; faxineiras de edifícios residenciais tiram fotos variadas em cada um de seus três celulares (cada um de uma operadora distinta); as empresas de telefonia celular fornecem planos em que o aparelho custa apenas R$1.
Agora imagine se houvesse concorrência genuína, com empresas estrangeiras possibilitadas de vir pra cá? Não seria impensável chegar a um ponto em que você seria pago para utilizar o celular.
Outro setor problemático foi a privatização de estradas. Aliás, privatização não. Privatizar significa entregar definitivamente um bem a um controle privado, sem qualquer ingerência política posterior. O que foi adotado no Brasil foi um esquema de concessão, onde uma empresa ganha o privilégio de administrar alguns trechos rodoviários durante um certo período de tempo, sem qualquer concorrência, e depois tem de devolver esse trecho ao estado. É de se estranhar que nesse cenário ela vai querer o maior ganho possível ao menor custo?
Este é outro exemplo perfeito de fascismo econômico – o conluio entre estado e empresas onde ambos têm ganho certo.
O estado ganha triplamente: além de não mais ter que se preocupar com estradas, ele continua arrecadando IPVA e, ainda por cima, arrecada mais impostos sobre o valor dos pedágios. Daí ele pode torrar toda essa dinheirama mais livremente, comprando apoio de seus grupos de interesse e dando aumentos salariais pra funcionários públicos, sua base de apoio.
A empresa concessionária ganha porque tem um serviço cujo monopólio lhe é garantido pelo estado. Não tem o menor risco de prejuízo e não está sujeita à concorrência. Isso é a coisa mais oposta de livre mercado que se possa imaginar.
Qual seria a melhor solução? Liberar a construção de estradas. Quem quiser construir, que o faça e cobre o quanto quiser de pedágio. Desde que a construção não viole a propriedade alheia, está liberado. Se a construção de estradas fosse liberada pra quem quiser, inclusive para megacorporações estrangeiras, e com imposto zero (o que não faria diferença para o estado, pois são impostos que não estão sendo arrecadados hoje), não faltariam interessados.
Outro exemplo, o setor elétrico. Em termos de engenharia, é possível que duas ou mais empresas lhe forneçam energia ao mesmo tempo. Por exemplo, havendo uma completa desregulamentação do setor elétrico, não seria nada improvável ter duas ou mais empresas geradoras e distribuidoras de energia elétrica em uma mesma localidade.
E eu, como consumidor, optaria por utilizar o serviço das duas. Ou seja, eu iria querer que ambas me fornecessem luz, cada uma a um preço diferente. Nesse caso, eu pagaria pela instalação do cabeamento de cada companhia que levaria a eletricidade até minha casa. E eu poderia escolher, dependendo do momento, qual distribuidora utilizaria. Como? Ora, isso é problema para engenheiros. Talvez teriam dois interruptores e duas tomadas em cada aposento da minha casa, sendo cada um de uma empresa. Isso é possível, mas o governo e as empresas do setor (em sua maioria estatais) não deixam. Em tempo: até a década de 1960, era comum a concorrência entre companhias elétricas nos EUA.
Mas até aí falamos apenas sobre a distribuição. Mas quem vai gerar a energia? Teríamos duas usinas hidrelétricas no mesmo rio? Duas centrais nucleares lado a lado?
Ora, especular sobre isso faz tanto sentido quanto planejar como deve ser feita a distribuição de McDonald’s em uma cidade. Havendo mercado e incentivo, você sabe que o McDonald’s vai surgir. Quantos vão surgir e onde é algo que dependerá apenas da demanda. O mesmo pode ser dito de qualquer setor da economia, inclusive o elétrico.
Por exemplo, pode haver concorrência entre as distribuidoras. E uma das distribuidoras, por que não?, pode trazer a energia de uma outra geradora mais distante. Repito: como isso será feito é um problema para engenheiros. A (única) função do economista é palpitar sobre maneiras eficientes e livres, que beneficiem o consumidor.
A questão mais importante é a ausência total de barreiras legais para se entrar no mercado. Assim, se o mercado é servido por apenas uma companhia, não tem problema. A concorrência existe a partir do momento que o estado não proíbe outras companhias de entrarem no mercado também.
E é exatamente esse tipo de concorrência que não existe em nenhum grande setor. Justamente por causa das regulamentações.
Outra área complicada: coleta de esgotos. É possível construir redes paralelas? Seria viável economicamente? Não tem como saber de antemão. Da mesma forma que não dá para prever se abrir uma lanchonete na esquina de uma rua será um empreendimento rentável. Esse processo de descoberta deve ser deixado para o mercado. Mas fica a pergunta: será que se o setor de saneamento fosse completamente desonerado (desonerado mesmo, sem imposto algum), e aberto pra qualquer empresa do mundo, não haveria concorrência? Se você acabar com as barreiras legais, eliminar a tributação – exatamente por este já ser um setor custoso – e ainda permitir a vinda de concorrência estrangeira (inclusive grandes conglomerados internacionais), é muito ousado dizer que não haveria esse tipo de serviço.
Entendidas essas peculiaridades, fica mais fácil a análise de outros setores. Por exemplo, a Petrobras. Já ficaram mais do que evidentes todas as manipulações e indicações políticas e todos os jogos de favorecimento a apaniguados políticos que lá trabalham, algo deletério para a eficiência de qualquer empresa. Ademais, trata-se de um setor importante demais para ficar nas mãos do estado. Sendo assim, como desestatizá-la? Da única maneira certa: permitindo a concorrência. Para isso, bastaria o estado se retirar dela, subdividindo-a em várias empresas independentes, que passariam a concorrer entre si. Os empregados eficientes seriam mantidos; os burocratas que ali estavam por mera indicação política obviamente teriam de procurar outros empregos. O estado não venderia nada para ninguém. Apenas sairia de cena. E nada impediria a concorrência estrangeira.
Aeroportos. Com a abolição da ANAC e o fechamento da Infraero, as restrições se findariam. Meio caminho já estaria andado. O resto, deixo com Helio Beltrão, o presidente do Instituto Mises Brasil:
[Teríamos] aeroportos moderníssimos e bem equipados caso não houvesse proibições e regulamentações governamentais para a instalação de novos aeroportos. TAM, Gol e outros teriam seus próprios aeroportos. Investidores internacionais se interessariam em investir cobrando mínimas taxas competitivas. O sistema de controle seria operado pelas companhias aéreas em consórcio, ou – assim como no caso de softwares que se interligam por protocolos – com sistemas proprietários de controle integrados com os demais. Tampouco se veriam mortes e mais mortes que tivemos, temos e teremos, como as ocorridas em Congonhas.
Enfim, não importa qual seja o setor da economia: se você der poderes ao governo e impedir a concorrência por meio de regulamentações, você inevitavelmente criará insatisfações, ineficiência e preços altos. Não importa se esse setor ficará a cargo de empresas estatais ou privadas; a ineficiência será a mesma. A iniciativa privada só mostra toda a sua eficiência quando está sujeita à concorrência; quando ela tem monopólio garantido pelo estado, é tão ineficiente quanto qualquer estatal.
“Ah, mas nesse cenário pode haver cartel!”. Cartéis só existem em mercados regulados. Quando a entrada é genuinamente livre, a única coisa que uma empresa pode fazer para impedir o surgimento de outra é diminuir seus preços. E, ao fazer isso, quem se beneficia é o consumidor.
Nossa escolha final e moral é única: uma economia de mercado sem qualquer adjetivo complicado e confuso adicionado à palavra mercado. Precisamos de uma economia de mercado completa, ilimitada, irrestrita e intacta – sem concessões.
Por fim, há dois axiomas comuns a todas as intervenções estatais. O primeiro assume que um determinado cargo ou posição confere qualificação e sabedoria a seu ocupante. O segundo assume que, em qualquer situação, tudo o mais constante, a coerção é superior à ação voluntária. Pois bem. Se um desses axiomas for refutado, a justificativa para qualquer intervenção estará demolida. Da mesma forma, não há como aceitar qualquer tipo de intervenção estatal sem que ambos esses axiomas tenham sido validados.