Não existem muitas pessoas para as quais eu alegremente tiraria meu chapéu nesse mundo. O povo suíço, porém, está nesse seleto grupo. Em um oceano de despotismo, essas pessoas conseguiram manter uma ilha de liberdade – mesmo no auge da moderna era do estado maximamente intrusivo.
Fazer um tour pela Suíça é uma experiência reveladora para um cidadão comum – especialmente para um britânico como eu. Repetidas vezes em minhas conversas por lá – ou mesmo quando lido com pessoas que utilizam o sistema bancário de lá, que já moraram lá, ou que apenas vão pra lá de férias -, as conclusões que tiro são as mesmas: tudo na Suíça é como nos melhores países, só que melhor. É praticamente o único país da Europa onde as coisas realmente funcionam e são feitas como deveriam, com o mínimo de alvoroço e precisamente no tempo estimado.
Os trens de segunda classe, por exemplo, são melhores na Suíça do que muitos trens de primeira classe no Reino Unido. Em geral, não sou fã de transportes de massa, mas na Suíça a maioria desses serviços é feito por empresas privadas – algo que faz perfeito sentido, quando se considera o terreno e o clima. E é um enorme prazer utilizá-los, não apenas por causa da alta qualidade dos trens e do cenário, mas por causa da quase completa ausência de pessoas rudes – não se vê absolutamente nenhum elemento “maltrapilho”.
Os britânicos, por exemplo, estão cercados por maltrapilhos – algo que francamente faz com que qualquer uso do transporte público seja indesejável não apenas ideologicamente, mas também socialmente. Esse assunto surgiu enquanto eu estava num barco no meio do Lago de Genebra, em uma conversa com um sueco que estava de férias com sua família. Ele alegou – já tendo vivido tanto no Reino Unido quanto na Suécia – que as coisas eram ainda piores em seu país. Eu ainda acho difícil de acreditar, mas após numerosos exemplos de ambos os lados, nós meio que declaramos um empate.
Uma história de liberdade
Os burocratas da União Européia os odeiam. Os suíços não só estão fora da União Européia, como também representam o oposto daquela agenda centralizadora que combina, de cima a baixo, elementos comunistas e nazistas. A Suíça só aderiu a ONU há sete anos, e mesmo assim pela margem mínima de votos. Escolha qualquer área da sociedade e você verá que os suíços fazem tudo à sua distinta maneira – sempre com a liberdade como pré-requisito.
Os corpos de bombeiros são um exemplo – geridos por voluntários locais na maioria dos lugares fora das grandes cidades. Os únicos outros lugares que eu sei ter esse tipo de serviço público voluntário são algumas pequenas cidades dos EUA.
Armas e as forças armadas são outro exemplo. As armas estão por todos os lados – e o crime não está em lugar algum. Com efeito, eles têm ao menos duas das mais pacíficas cidades do mundo – de acordo com várias autoridades online. Zurique inclusive tem um feriado de meio dia em outubro, para celebrar o torneio do “garoto atirador”, no qual há uma feira em estilo americano em que jovens garotos – e garotas também – competem em uma disputa de tiro ao alvo com fuzis de assalto.
A milícia defensiva dos suíços foi temida até mesmo por Hitler, e até hoje tem se mantido onde tem de ficar – em casa -, sem sair patrulhando estrepitosamente o mundo, assassinando pessoas inocentes que porventura se pusessem em seu caminho. Curiosamente os suíços conseguiram se manter protegidos sem ter de recorrer a guerras preventivas e sem ter de dizimar famílias ao redor do mundo.
E há os bancos suíços, aquele bastião que guarda algo como um terço da riqueza privada transnacional. A posição suíça quanto ao sigilo bancário é melhor descrita como sendo de neutralidade, nessa constante guerra dos estados contra seus cidadãos – com inclinações em favor dos cidadãos oprimidos.
Se há alguém no mundo a quem eu confiaria meu dinheiro, esse alguém seria um dos bancos privados suíços, que não são incorporados e são de responsabilidade ilimitada. Se eu tivesse de escolher qualquer outro tipo de banco, a Suíça ainda estaria no topo da lista, mesmo considerando alguns países da América do Sul e Central que possuem, ao menos no papel, sigilos mais robustos.
Toda essa riqueza confiada aos bancos suíços certamente não se deve ao governo, e mesmo os banqueiros são meramente beneficiários de um ambiente inteiramente resultante de um distinto traço de liberdade que viceja dentro do povo suíço. Isso vem desde muito antes da lendária rebelião promovida por Guilherme Tell no século XIV. Se os detalhes dessa lenda são mitos ou não, sua popularidade reflete o tradicional espírito de luta do povo suíço quando se trata das imposições feitas pelo estado.
Política e impostos
A política suíça é interessante por ser bastante descentralizada. Já ouvi dizer inclusive que a confederação suíça serviu de modelo para a criação dos Estados Unidos. Nas eleições locais – que podem ser realizadas tanto dentro das dependências da prefeitura do vilarejo como ao ar livre – a votação é feita simplesmente pelo método de se levantar as mãos. Em 1978, o Cantão de Jura chegou de fato a se separar da jurisdição de Berna e, tecnicamente, de toda a Suíça. Mais tarde, a região sul do cantão optou por continuar fazendo parte de Berna, o que significa que há duas regiões políticas distintas dentro de um mesmo cantão.
Isso só pôde acontecer porque a Suíça não é de fato um só país, mas uma confederação de “cantões” amplamente autônomos – 26 ao todo -, sendo que esses cantões competem entre si para ver qual fornece o ambiente tributário mais propício aos negócios. Uma visita ao site comparis.ch mostra que uma das opções que o povo suíço tem é a de escolher a quantidade de impostos que vão pagar.
Como um exemplo, o cantão de Obwalden tinha uma das mais altas alíquotas de impostos da Suíça, mas a concorrência forçou sua redução para uma alíquota única de 10% – embora os cantões Zug e Schwyz sejam os mais conhecidos por seus baixos impostos. No sul, os cantões Vaud, Genebra e Ticino são os que atualmente possuem as menores alíquotas. Ademais, é perfeitamente possível para qualquer pessoa razoavelmente rica fazer um acordo especial com um cantão e conseguir uma alíquota bem mais baixa. Com efeito, quanto mais rico, melhor – a ausência de inveja social, e toda a politicagem por ela gerada, é algo atípico e notável.
Há também anistias ocasionais para impostos que não foram pagos. As quantias evadidas são na realidade menores em termos percentuais do que aquelas sonegadas nos muito mais opressivos países vizinhos. Isso só pode ser por causa das alíquotas mais baixas, de uma prestação de contas em nível mais local, e de métodos de coleta menos violentos, o que gera menos ressentimento e menos motivação para resistência. Sonegações, se descobertas, podem gerar uma ação civil um tanto desconfortável, mas não é um crime.
O inimigo interior
É fato que em anos recentes o estado federal tem feito transgressões sem precedentes. Isso também significa que agora existe uma classe significativa de funcionários públicos federais – e aí jaz a real ameaça às liberdades dos suíços. Além das costumeiras motivações bisbilhoteiras, há uma infiltração de ambiciosos elementos pró-União Européia dentro do sistema.
Por exemplo, como os suíços não estão dispostos a abrir mão de suas armas, já há alguns políticos que agora estão atrás de suas munições. Se eles lograrem êxito, haverá uma mudança no equilíbrio do poder: este deixará o povo suíço e irá para o estado, como ocorreu já há muito em outros países europeus.
Ademais, com o completo abandono legal do ouro como lastro ao franco suíço há uma década – embora a implementação tenha começado de fato há apenas 5 anos, com o apoio da direita -, os tentáculos do banco central e sua elite estão se difundindo amplamente. Também se espalhando para todos os cantos está a sua estupidez (ou conspiração, como queira) – como pode ser visto nos maciços empréstimos de risco feitos ao Leste Europeu com esse “dinheiro” recém-criado.
Mas o establishment tem ao menos sido restringido pelo descentralizado sistema suíço, e os políticos não têm a mesma liberdade irrestrita que seus colegas desfrutam em outros países. Além do mais, eles sempre podem ser contidos pelo poderoso mecanismo do referendo.
O referendo suíço não é uma ferramenta de ditadores como ocorre em outros países, nos quais o estado escolhe e formula a pergunta da maneira mais vantajosa possível, e, após uma derrota, convoca novamente o mesmo referendo, não sossegando enquanto não o obtiver o resultado que quer. É verdade que o referendo tem o potencial de ser uma ferramenta “majoritária”, mas um referendo suíço pode ser iniciado por qualquer cidadão que consiga levantar as 50.000 assinaturas necessárias.
Exceto a possibilidade de os cantões incorrerem em secessão, é nesse mecanismo de referendo – bem como a intimidação gerada por sua simples ameaça – que está a real esperança para a Suíça; pois mesmo sendo menos extremados que em outros países, os partidos suíços acabaram caindo na armadilha do falso paradigma de esquerda-direita.
Esquerda, direita, centro
A centro-esquerda manteve as limitadas rédeas do poder na Suíça desde os anos 1950, contando com uma simbólica representação da direita. A esquerda pode até ter algumas virtudes, mas possui muitos defeitos. Um deles é a expansão e a intrusão do estado em assuntos financeiros – especificamente, tributação.
Foi a esquerda, portanto, que recentemente provocou ampla indignação entre o povo suíço ao dar a impressão de que iria enfraquecer ou mesmo revogar o sigilo bancário suíço. Raramente uma linguagem tão forte foi utilizada pelos membros do Parlamento, e raramente, se alguma vez, palavras como “traição” foram dirigidas aos políticos em um jornal de grande circulação – como o La Liberté, do Cantão Friburgo.
O povo suíço se manteve firmemente a favor do sigilo bancário – talvez 75% dele – e, dentro da Suíça, mesmo o coletor de impostos não pode violar essa regra. Entretanto, de alguma forma, para a total perplexidade dos estatistas de todo o mundo, a Suíça ainda sobrevive e o faz sendo um dos mais ricos, mais abençoados e mais pacíficos países do mundo.
A direita de fato possui em seus quadros alguns intolerantes mais fanáticos (ao passo que a esquerda possui uma melhor camuflagem), mas ela também possui alguns membros que se mantêm resolutos em questões críticas. E a direita está em ascensão – algo que é bem vindo nem que seja como contrapeso, apesar das inevitáveis tendências de nacionalismo, arregimentação e autoritarismo que a acompanham.
Felizmente o povo suíço tem frequentemente rejeitado os excessos tanto da esquerda quanto da direita, embora eles ainda não tenham conseguido desfrutar a completa liberdade que almejam. De modo geral, por exemplo, eles querem ser gentis com seus vizinhos europeus e geralmente não molestam os estrangeiros que vivem no país – mas também não querem que outros países ou culturas venham lhes ditar ordens.
Começa a reação adversa
Tal foi o caso em dias recentes, após a França ter tentado utilizar detalhes roubados de contas bancárias do HSBC de Genebra para colocar pressão sobre a Suíça. Por causa disso, um acordo de compartilhamento de informações tributárias, que já estava programado, foi adiado indefinidamente. Que assim fique permanentemente. Hans Rudolph Merz, o encolhido Primeiro Ministro/Ministro das Finanças que estava promovendo essa traição, foi forçado a mudar radicalmente de postura – caso contrário seu partido teria de enfrentar a ira dos eleitores nas eleições vindouras.
Mas eis o ponto principal: nenhum dos recentes acordos de compartilhamento de informações foi aprovado pelo Parlamento suíço e tampouco foram testados nas cortes suíças. Muitos elementos envolvidos na derrocada do UBS (cujo gerente descobriu-se ser um informante do governo americano) eram certamente ilegais, e na sexta-feira passada, dia 8 de janeiro, um tribunal suíço assim sentenciou, punindo os infratores pelo crime de passar informações sigilosos de clientes para os governos dos EUA e da França.
Não bastasse tudo isso, a ala jovem do Partido do Povo Suíço (SVP), em conjunto com um pequeno partido do Cantão de Ticino (onde se fala italiano), está ativamente coletando assinaturas para fazer um referendo sobre essa questão do sigilo bancário quebrado.
Melhor de tudo: uma recente pesquisa mostrou que, quanto mais a Suíça é assediada e intimidada a acabar com seu sigilo bancário, mais fervorosamente o povo suíço passa a defendê-lo.
Foram políticos e funcionários públicos, e não o povo suíço, que traíram os correntistas que confiaram na Suíça. A menos que o Parlamento, os juízes e os tribunais façam o mesmo – e que o povo apóie tudo em um referendo -, não creio que o sigilo bancário suíço esteja morto.
Mesmo no atual estado das coisas – com novos acordos de compartilhamento de informações -, se um correntista conseguir manter sua conta secreta, os suíços também o farão. Esses acordos, embora deploráveis, não compartilham informações automaticamente – um governo estrangeiro teria primeiro que obter os detalhes da conta bancária, e então apresentar um pedido específico de informação acrescido de evidências suficientes. O titular da conta também pode recorrer junto às autoridades suíças.
Mas assim como seus queijos, o sigilo bancário da Suíça possui alguns furos, o que significa que medidas de privacidade são absolutamente necessárias para contê-los. Uma concessão do governo suíço às chantagens estrangeiras ocorreu ainda na década de 1990: o fim das contas anônimas. Se estas ainda estivessem em vigência, ninguém se preocuparia com roubo de dados. Porém, como os eventos confirmaram, o registro levou ao confisco – nesse caso, de riqueza. Outras questões de privacidade incluem as transferências bancárias estrangeiras e as transações com cartões internacionais, as quais, sem as devidas precauções, podem revelar detalhes bancários para que todo o mundo possa ver.
Para tudo tem-se um jeito
Mas contas numeradas ou sob pseudônimos ainda são possíveis, bem como arranjos corporativos, de truste ou nominais – com segundos passaportes também sendo muito úteis. Com tais medidas ainda operantes, o principal risco à privacidade está no registro do histórico do cliente. Caso não sejam adotadas medidas que assegurem a privacidade total no uso da internet, o usuário pode deixar um rastro que não apenas contém o nome do banco, mas que também pode levar à porta do titular da conta. Companhias telefônicas (exceto talvez celulares descartáveis) e mesmo os correios (é melhor pedir para as cartas serem entregues e guardadas no banco) agora são delatores em potencial.
Além dessas medidas de privacidade a serem adotadas pelo cliente, todo o resto agora depende daquelas 7,7 milhões de pessoas nos Alpes, cujos ancestrais afugentaram até mesmo os nazistas. Só o tempo irá dizer se a atual geração sofreu uma lavagem cerebral suficiente para se render. Não creio.
Torçamos para que eles possam resistir – muita riqueza privada depende da Suíça como um lugar seguro para onde se pode fugir. E o povo suíço será testado novamente – as concessões anteriores tornaram isso uma certeza. É como se curvar ao valentão da escola.
Mas é de se esperar que haja uma oposição em 2010. Políticos e burocratas submissos ao estado, à União Européia e aos globalistas membros dos bancos centrais mundiais irão tentar arrefecer os suíços por meio de alguma retórica cosmética e manipuladora. Mas tenhamos a esperança de que haja uma grande reação contrária.
A última vez em que o sistema bancário suíço foi atacado com tamanha intensidade foi na década de 1930, quando a França tentou praticamente arrombar as contas bancárias, no que foi seguida pelos nazistas. Foi nessa época que o atual sigilo bancário foi erigido em lei sob pena de prisão caso infringido. Foi nos anos posteriores que a Suíça se tornou um dos países mais ricos em termos per capita do mundo – tendo como sustentáculo econômico o sólido sistema bancário e a respeitada qualidade de seus produtos, desejados por uma rica clientela mundial.
É uma geração diferente a que existe hoje, e eu jamais ponho toda a minha fé nas pessoas – principalmente porque elas são humanas. Mas se eu tivesse de confiar em um grupo de pessoas, todas no mesmo lugar ao mesmo tempo – com um gordo rolo de dinheiro, barras de ouro ou certificados de ouro -, esse grupo ainda teria de ser os suíços.
Uma resolução e uma conclusão
Espero que muitos leitores resolvam em 2010 abrir algum tipo de conta bancária na Suíça – nem que seja para irritar seus respectivos governos ou para criar uma cortina de fumaça sobre os outros correntistas. Comece de preferência com uma conta pequena, preferivelmente uma local e não num banco multinacional – talvez em um banco cantonal. Mantenha-a grande o suficiente para ser respeitável e pequena o suficiente para não ser legalmente delatável (10.000 dólares nos EUA), ou apenas um pouquinho acima disso, só para trazer um pouco de emoção.
No pior de todos os cenários, no caso extremamente improvável de uma investigação, você pode se divertir travando uma batalha aguerrida contra os coletores de impostos – e jocosamente decidir se ou quando entregar os pontos, após os burocratas terem gasto muito tempo e energia em troca de pouco ou nada. Então faça mais um favor aos outros membros da raça humana e abra outra conta.
Porém, seguindo precauções básicas, não há motivos para que isso aconteça. E se, como eu espero, os suíços fizeram algumas correções na situação atual, você terá um bastião da propriedade privada, uma fortaleza muito segura e útil para ser usada no futuro.
Com certeza os Suíços desfrutam de uma relativa liberdade, e essa relativa liberdade tem um preço, o preço é resistir as tentativas de expansão do estado, que a vista, estão bem camufladas.