Um breve comentário sobre a atual situação da economia brasileira

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EconomiaBrasileiraMuito tem sido falado sobre o estado de aquecimento da economia brasileira.  E os números robustos do (baixo) desemprego e do crescimento econômico ocorrido no primeiro trimestre deste ano estão aí para confirmar a veracidade da afirmação.

Por exemplo, de janeiro a março a economia cresceu 2,8% em relação ao trimestre imediatamente anterior.  Quando comparado ao mesmo trimestre do ano passado, o crescimento foi de 8,2% — sendo válida a observação de que se está partindo de uma base muito baixa, dado que o primeiro trimestre do ano passado foi de recessão.

Ainda assim, vale a pergunta: o que está causando esse (robusto) crescimento?

Dados preliminares apontam que, de março de 2009 a março de 2010, houve um aumento de 27,8% nos investimentos e de 11% no consumo das famílias.  Já no quesito gastos do governo, o qual nunca decepciona, houve um aumento de 18,7%.

Como não ocorreu nenhuma reforma estrutural — isto é, reforma tributária, trabalhista ou previdenciária —, nem corte de gastos, redução do déficit ou desregulamentações, tampouco houve melhora do cenário externo, então a lógica econômica mostra que certamente um item tem necessariamente de ter variado expressivamente: a oferta monetária.

Mais especificamente, há dois componentes da oferta monetária que devem ser analisados com mais retidão: as reservas bancárias e os depósitos à vista (depósitos em conta-corrente).

Os depósitos à vista, que fazem parte do M1, são autoexplicativos: trata-se daquele dinheiro que pessoas físicas e jurídicas têm no banco e que podem ser sacados ou utilizados a qualquer momento, por meio de cheques ou cartão de débito.

Já as reservas bancárias nada mais são do que todo o dinheiro que os bancos mantêm em seus cofres e como compulsório junto ao Banco Central.  Quanto maior for o volume de depósitos feitos por correntistas nos bancos, maior será o total de reservas bancárias.

No Brasil, atualmente, de cada 100 reais depositados em um banco, 31 reais vão para o Banco Central como depósito compulsório e 17 reais ficam como encaixes nesse banco.  Esses 48 reais (31 + 17) são as reservas bancárias.  Os 52 reais restantes serão utilizados em empréstimos ou outros investimentos. (Veja a tabela aqui).

Agora vem a parte mais importante (e óbvia): quanto maior for o total de reservas bancárias, maior será o volume de empréstimos concebidos.  Pois quanto maior for o volume dessas reservas, mais depósitos foram feitos nos bancos, o que os permitirá direcionar mais dinheiro para empréstimos, o que consequentemente irá aumentar o meio circulante (o volume de dinheiro na economia).

Se as reservas bancárias aumentam, aumentará o crédito e a quantidade de dinheiro na economia.  Se as reservas diminuírem, isso significa que foram feitos mais saques do que depósitos.  Com isso o crédito encarecerá e as pessoas que dependem dele e/ou que pagam juros sobre empréstimos estarão em dificuldades.

O gráfico a seguir mostra qual foi a variação percentual dos depósitos à vista e das reservas bancárias em relação ao mesmo mês do ano anterior, o que dá uma boa idéia se houve uma aceleração, uma desaceleração ou uma retração na expansão das reservas e dos depósitos à vista.

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Observe que ambas as variáveis iniciam janeiro de 2006 10% maiores do que estavam em janeiro de 2005.  Esses valores vão subindo até atingirem um crescimento anual de 30% em janeiro de 2008.  A partir desse momento elas começam a cair.  Em outubro de 2008, elas atingem um percentual zero de crescimento anual.  Exatamente no mês em que se iniciou a recessão no Brasil.

Como Mises e Hayek deixaram claro, uma vez que o boom gerado pela expansão monetária se inicia, essa expansão monetária tem de, no mínimo, manter o mesmo ritmo ou até se acelerar para que o boom continue.

Falando mais claramente: imagine que, por uma confluência de fatores, as reservas bancárias aumentem.  Tal fato irá fazer com que haja uma expansão do crédito na economia.  Tal expansão irá gerar um crescimento econômico (artificial, caso essa expansão do crédito não advenha da poupança) que, para ser mantido, irá exigir expansões cada vez maiores no crédito.  Qualquer desaceleração mais prolongada na expansão do crédito irá arrefecer o crescimento econômico.

Assim, se uma economia sofreu uma forte expansão do crédito durante um certo tempo, essa expansão terá de se dar a taxas cada vez maiores para impedir que a economia entre em recessão.  Não é necessário que o crédito se contraia; basta que ele cresça a uma taxa menor, e a recessão virá.  E foi isso que aconteceu no Brasil no período 2006-2008.

O gráfico mostra claramente como as reservas e os depósitos à vista, que desde novembro de 2006 se expandiram anualmente a taxas que variavam entre 20 e 30% até maio de 2008, repentinamente despencam para uma taxa de 0% entre setembro e novembro de 2008.

A partir de outubro de 2008, o BACEN alterou o compulsório, que passou de 35% para 27%.  Isso explica grande parte da forte queda das reservas bancárias observada no gráfico.

O que de fato gerou a recessão no último trimestre de 2008, que se estendeu até maio de 2009, foi a forte retração ocorrida nas reservas bancárias e nos depósitos à vista até agosto e setembro de 2008.  As retrações posteriores apenas são consequência tanto da própria recessão quanto do afrouxamento do compulsório.

Feita toda essa digressão histórica, podemos agora entender melhor o que se passa atualmente na economia brasileira.

Observe que a partir de junho de 2009, os depósitos à vista voltam a apresentar um crescimento anual, o que coincidiu com o momento da recuperação da economia (por causa da distorção que a alteração do compulsório gerou no gráfico a partir de outubro de 2008, essa variável perde sua importância comparativa até outubro de 2009, mês esse em que ela volta a ter importância, uma vez que é nesse momento que ela completa um ano de sua alteração).

A partir de novembro de 2009, ambas as variáveis apresentam um inequívoco movimento ascendente.  Só em abril de 2010, por exemplo, a reservas bancárias cresceram mais de 30% em relação ao mesmo mês do ano passado, ao passo que os depósitos à vista crescerem 16%.

É exatamente esse crescimento — ambos decorrentes da expansão da base monetária feita pelo Banco Central — que tem possibilitado a atual e tão aclamada expansão econômica brasileira.  E enquanto ele prosseguir, os números econômicos continuarão robustos.

Por exemplo, uma das maravilhas que o crescimento de ambas essas variáveis vem permitindo é o constante aumento da arrecadação sem que tenha havido qualquer aumento de impostos (fenômeno esse explicado aqui).  Outra maravilha pode ser observada no comportamento do BNDES, que está, como nunca antes, financiando inúmeros empreendimentos feitos por empresários graúdos com ótimas conexões políticas.  Dados do Banco Central mostram que, até março desse ano, o BNDES desembolsou um valor 55,8% maior que aquele desembolsado em igual período do ano passado.

Mas há empecilhos à vista.

Os indicadores de investimento mostram que a produção de bens de capital, embora tenha crescido esse ano, apresenta uma queda de 8,56% ao longo dos últimos doze meses.  A importação de bens de capital, da mesma forma, apresenta uma queda de mais de 9%.  A produção de insumos para a construção civil, o item mais progrediu, ficou estagnada.

As consequências?

De janeiro a maio, o IGP-M, índice que dá mais peso para o setor atacadista, apresentou alta de 4,8%.  Os preços dos produtos industriais registraram altas de 5,20% nesse mesmo período.

No varejo, setor menos sensível a flutuações monetárias (em relação ao atacado, que é o mais sensível), a inflação de preços junto ao consumidor, medida pelo IPC-M, acumula altas de 3,99% no ano e de 5,39% em 12 meses até maio. O IPC-M representa 30% do total do IGP-M.

Já na construção civil, a inflação de preços, medida pelo INCC-M, acumula altas de 3,46% no ano e de 6,06% em 12 meses até maio.  Essa tabela mostra que nos últimos doze meses, o setor da construção civil foi aquele que apresentou a maior expansão do emprego no setor privado nos últimos doze meses: 7,7%.  E em relação ao mesmo período do ano anterior, o crescimento foi de 12,8%.  Isso mostra que as suspeitas de estar havendo umabolha imobiliária no Brasil procedem.

Conclusão

A farra do crédito fácil, coisa até então rara no Brasil, já começa a mostrar suas consequências inequívocas e inevitáveis.  Enquanto ela puder prosseguir, haverá números robustos de crescimento do PIB.  Porém, a inflação de preços já começa a incomodar.  Novos aumentos de juros ocorrerão nas próximas reuniões do COPOM.

Se esses aumentos reduzirem a taxa de expansão de ambas as variáveis monetárias (reservas bancárias e depósitos à vista), o ciclo da expansão chegará ao fim.  A galinha vai aterrissar.

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