Muito tempo atrás, antes de os modelos econômicos terem se desenvolvido até seus atuais níveis de sofisticação, as políticas econômicas dos governos costumavam ter o objetivo de trazer prosperidade para seus cidadãos; em outras palavras, o objetivo era elevar o nível geral de conforto material, ao mesmo tempo em que tentava reduzir a quantidade de trabalho árduo necessária para se atingir tal fim.
Entretanto, em decorrência de toda a tagarelice que verte da boca dos economistas modernos, o sucesso econômico não é mais mensurado nesses termos. Hoje, os governos simplesmente se preocupam em elevar os níveis nominais do produto interno bruto (PIB), ao mesmo tempo em que simultaneamente tentam atender às necessidades da classe política entrincheirada no poder. Uma vez que a variável ‘exportações’ entra adicionando na equação do PIB, desvalorizações cambiais passaram a ser amplamente utilizadas como um meio de se estimular as exportações e, com isso, obter “prosperidade”. Nesse modelo, vender algo é um fim em si mesmo. Não há absolutamente qualquer enfoque nas consequências negativamente óbvias da desvalorização cambial: poder de compra reduzido e menor padrão de vida.
Até a metade do século XX, a moeda de uma nação era vista como se fosse o preço das ações de uma empresa. A confiabilidade, a competitividade e o crescimento da economia de um país normalmente se traduziam em uma moeda forte. Esse sistema fazia sentido.
Os países que ofereciam o ambiente mais fértil para o investimento de capitais, ou que fabricavam os produtos que os outros países de fato queriam consumir, eram aqueles que mais atraíam fundos do exterior. A demanda pela moeda desses países confiáveis (a qual era necessária para que se pudesse investir ou comprar nacionalmente) inevitavelmente fazia aumentar seu valor. E desta forma, assim como os acionistas de empresas de sucesso são recompensados pelo preço mais de suas ações, os cidadãos de países bem sucedidos eram premiados com moedas mais fortes — com as quais eles podiam comprar mais bens e serviços tanto doméstica quanto internacionalmente, elevando seu padrão de vida.
Porém, tudo isso mudou em anos recentes. Com uma estratégia que parece ter sido retirada dos manuais da Wal Mart, os governos de hoje se esforçam para roubar fatias de mercado de seus concorrentes reduzindo o custo de suas próprias exportações. Para fazer isso, eles passaram a adotar a habitual política do “empobrece-te a ti mesmo”, de desvalorizar a própria moeda em relação às outras. Embora tal medida possa beneficiar os estrangeiros que compram os produtos desse país, ela impõe um pesado fardo aos trabalhadores desse mesmo país, os quais passam agora a ter de viver com salários de subsistência. Embora os mercados gostem de ofertantes de baixo custo, esse não é um nicho que todos podem, ou devem, preencher. Enquanto que alguns competem apenas em preços, os empreendimentos mais exitosos competem em termos de qualidade e inovação. Para cada Kia, há uma Mercedes Benz.
Considerando-se o status de moeda de reserva mundial desfrutado pelo dólar americano, o status sobredimensionado dos EUA como o maior consumidor mundial, e a influência que as empresas exportadoras têm sobre seus respectivos os governos nacionais, a atual situação do dólar, em constante queda, tornou-se uma questão difícil demais para todos os países ignorarem. E com a iminência de uma segunda rodada de “flexibilização monetária” a ser feita pelo Fed, os canhões da destruição do dólar estão sendo armados. Tal medida está destinada a desencadear uma corrida frenética ao fundo do poço, na qual os países do globo irão competir entre si para ver quem desvaloriza mais sua própria moeda, algo que trará consequências importantes para cada investidor. Infelizmente, essa é uma corrida que os EUA estão destinados a vencer.
O objetivo daqueles que estão tentando vencer a corrida para o abismo é o de promover suas exportações e criar empregos. Entretanto, o problema é que as pessoas não trabalham simplesmente porque amam trabalhar. Elas trabalham para que possam ganhar o bastante para consumir as coisas que querem e desejam. Sob condições normais, uma nação exporta a parte não consumida de sua produção doméstica com o intuito de aproveitar suas vantagens comparativas. Se um país pode produzir um determinado tipo de bem mais eficientemente que outros países, ele pode exportar esse bem em troca daqueles outros bens que ele não produz tão eficientemente quanto, os quais são importados. Como resultado desse processo, seus cidadãos poderão consumir mais bens do que poderiam caso o consumo tivesse sido limitado aos bens produzidos domesticamente.
Entretanto, quando um governo desvaloriza sua moeda a fim de estimular exportações, esse país irá ganhar menos moeda estrangeira pelos bens que ele exporta. Como resultado, suas vantagens comparativas foram enfraquecidas, e seus cidadãos irão consumir menos, tanto os produtos internos quanto os importados. Em outras palavras, quando a moeda de um país é desvalorizada, seus cidadãos são obrigados a trabalhar mais em troca de menos.
Se uma loja de departamentos decide vender todas as suas mercadorias a preços 50% menores, ela certamente irá vender muito mais coisas. Entretanto, ela iria ganhar muito menos do que ganharia caso pudesse vender seus bens sem desconto. É assim que uma desvalorização da moeda funciona. Similarmente, uma maneira de um desempregado arrumar trabalho é aceitando salários menores. Quem aceitar trabalhar por salários 50% menores que os vigentes, irá conseguir vender uma quantia muito maior de sua mão-de-obra. Entretanto, será que tal pessoa ficaria em melhor situação como consequência disso? Em relação a ficar desempregada, a resposta é sim — porém ela estaria em muito melhor situação estando empregada e com salário integral.
Na última semana de setembro, o ministro da fazenda brasileiro, Guido Mantega, virou notícia ao mencionar que uma guerra cambial mundial estava no horizonte, sendo que o vencedor seria a nação com a moeda mais fraca. Ignorando a ironia do porquê de os países quererem destruir suas próprias moedas, Mantega sensatamente alertou que tal conflito poderia ficar fora de controle e acabar desestabilizando toda a economia global. Seus comentários foram feitos após os governos do Japão e da Suíça tentarem abertamente intervir no mercado de câmbio com o intuito de desvalorizar suas respectivas moedas.
Essa política da intervenção no câmbio é muito simples na verdade. A economia do Japão é dominada por grandes indústrias que exportam vários bens para os americanos. O problema é que os americanos não mais podem se dar ao luxo de continuar comprando as mesmas quantias que eles compravam há alguns anos. Assim, ao invés de procurar novos clientes com mais dinheiro para gastar — seja dentro de seu próprio país ou em economias emergentes —, as empresas japoneses utilizam todo seu poder de influência política para obrigar o governo japonês a desvalorizar o iene (o banco central cria ienes e compra dólares), dando uma mãozinha aos seus tradicionais clientes americanos. Tal política funciona como uma transferência de poder de compra dos poupadores japoneses, que agora têm menor poder de compra por causa da inflação, para os consumidores americanos, que podem continuar comprando produtos japoneses aos mesmos preços em dólares.
Essencialmente, para proteger o status quo de sua elite empresarial, os governos estão clandestinamente reduzindo o poder de compra de seus cidadãos por meio da inflação monetária. Tal política é equivalente a uma redução salarial. Todo mundo passa a trabalhar mais, porém o esforço extra não gera uma elevação do padrão de vida. Com efeito, apesar dos empregos mantidos por essa política, o consumo geral irá cair. O dinheiro perdeu poder de compra.
A ironia para os EUA é que esse plano de desvalorização do dólar que o país adotou pouco tem a ver com a manutenção de empregos na indústria exportadora. Não existem mais muitos desses empregos nos EUA. O governo americano está desvalorizando o dólar simplesmente para assim conseguir “pagar” suas próprias contas, manter os lucros dos bancos e os bônus de Wall Street, permitir que os americanos continuem comprando casas que não podem pagar (os juros continuam perto de zero) e impedir que vários trabalhadores do setor de serviços não tenham de encontrar empregos mais produtivos.
Em contrapartida, o país está perpetuando um modelo econômico inviável. Portanto, embora os EUA provavelmente irão “vencer” a guerra cambial, o país irá definitivamente perder a batalha muito mais importante: aprimorar seu padrão de vida.