Em uma conversa com alguns conhecidos sobre economia, veio à tona o assunto da volatilidade cambial. Dos quatro economistas na conversa, três eram favoráveis ao câmbio flexível “impuro” — ou seja, flexível, mas com o governo intervindo para evitar muita volatilidade. Eu acredito que essa posição seja um erro, um erro derivado principalmente da não compreensão adequada da função dos preços nos mercados.
Preços basicamente funcionam como sinais que refletem a escassez de determinado bem em relação aos demais, e assim dão as diretrizes para investimentos por toda a economia. Se o preço de um bem qualquer sobe, a princípio, os ofertantes sabem que é vantajoso (lucrativo) ofertar mais desse bem, diminuindo sua “escassez”. Se o preço de um bem cai, é hora de diminuir a quantidade ofertada; é hora de deslocar fatores de produção e capital para a produção de outro bem cujo preço relativo esteja “mais alto”.
Dessa forma, o resultado final será uma alocação de recursos eficiente, uma alocação que acaba saciando as necessidades mais urgentes dos consumidores, gastando o mínimo possível de recursos escassos (pelo menos o mínimo conhecido por seres humanos). Fazendo uma analogia, preços são como o cão-guia de um cego: eles indicam a hora de parar, avançar, mudar de direção etc., levando o cego de forma segura ao seu destino.
Porém, assim como os preços indicam a escassez ou a “urgência” (segundo os critérios dos demandantes) na produção de um dado bem — o que obviamente impacta a “utilidade” desses agentes —, eles também indicam outra característica que também tem efeitos significativos sobre nosso bem estar: risco. Todo mundo, pelo menos a maioria, preferiria um investimento de menor risco se tivesse diante de si a seguinte escolha: dois investimentos com igual rentabilidade, mas com diferentes riscos, um “maior”, outro “menor”. Importante frisar que risco aqui significa basicamente “volatilidade de rendimentos”. Significa que, no primeiro caso, com risco menor, o rendimento médio é de 5%, mas pode variar entre 4% e 6%, ao passo que, no de maior risco, a variância pode ser de -10% a 10%.
As pessoas, em geral, são “avessas ao risco”. Elas preferem 5% garantido a 5% esperado, incerto — 5% que podem ser efetivamente 6%, 3%, 4%, -10% ou 10%. É uma característica de um dado investimento que impacta o bem-estar do investidor. Uma situação corriqueira que mostra bem essa situação é a contratação de seguros. As pessoas preferem pagar um pouco para terem certeza de que terão um “carro inteiro” no lugar de correrem o risco e acabarem com o carro roubado ou batido.
Voltando ao dólar, assim como a volatilidade dos retornos de um investimento expressa o risco desse investimento — e, portanto, liga o “sinal amarelo” daqueles que são “avessos ao risco” —, a situação se passa de maneira idêntica com o dólar e setores próximos (dólar que nada mais é do que um exemplo de ativo). A volatilidade do dólar, independente das causas (falarei disso mais adiante), é o sinal na economia de “área perigosa”, de que investir nesse ativo ou em setores muito sensíveis a ele é, digamos, “arriscado”. Apagar o sinal não “melhora” a situação do investidor, apenas o faz tomar mais risco do que ele efetivamente tomaria. De novo, usando a analogia do cego, é como se ele odiasse a lentidão do seu cão-guia porque o cão consegue diferenciar os sinais do semáforo. Diante da lentidão (o pobre cão fica parando no sinal vermelho), ele troca de animal. Compra um que não sabe ver sinais. Agora sim! Provavelmente, o cego chegará mais rápido ao seu destino….. ou não. Não sabemos se o astuto cidadão ficará vivo durante o percurso; o risco que ele está tomando é muito maior agora, não desapareceu (muito pelo contrário) só porque ele tratou de ignorar os “sinais que estavam diante de seus olhos”.
O erro fundamental nessa questão é encarar os preços como causa/origem do “mal” e não como consequência, como um sinal que indica algo relevante sobre a economia. É o mesmo erro cometido por “pessoas comuns” que, quando acham que o preço da banana está alto, defendem que o governo fixe preços mais baixos. Elas não percebem que a alta dos preços é o sinal de que há um descompasso entre a oferta e a demanda de bananas, que os preços não são um mero “capricho da natureza”, produto do mau humor dos ofertantes ou quaisquer outras coisas que poderiam ser solenemente ignoradas sem afetar a disponibilidade de bananas. Para complicar, essa desconsideração do real significado dos preços só deixa a situação pior: o governo fixa um preço máximo para bananas abaixo do preço de mercado e ninguém mais encontra bananas (nem caras e nem baratas).
O mesmo acaba ocorrendo com a volatilidade do dólar. O dólar ser volátil é consequência de uma série de fatores que precisam ser levados em conta na hora de se decidir pela compra ou não desse ativo (no caso específico, estamos falando do risco do ativo). Se o governo destrói esse sinal, por exemplo, travando o dólar, as pessoas incorrerão em mais riscos do que elas gostariam de incorrer. Quando o governo não conseguir mais “segurar” o dólar, o impacto negativo no bem-estar dessas pessoas, que tomaram risco demais, será bem maior do que se desde o começo elas tivessem levado esse risco em consideração. No caso em particular, o “não conseguir segurar o dólar” pode ser o governo não ter reservas para manter a moeda americana valendo menos do que ela “realmente vale” ou o governo não ter como controlar a inflação ou a deterioração da situação fiscal mantendo reservas excessivas para fixar o dólar valendo mais do que ele “realmente vale”.
As consequências do estouro dessa política de “esconder o risco”, seja do dólar ou de outro ativo, já foram sentidas no Brasil várias vezes (e recentemente gerou uma quebradeira bancária nos EUA). A última, em termos locais, se deu no fim do câmbio fixo, quando as pessoas ficaram muito expostas ao risco do dólar porque seu valor era “travado”, garantido pelo governo, ou seja, algo supostamente confiável. Quando a política de “travamento” ficou insustentável e o dólar disparou, as pessoas viram o quanto custou essa política equivocada quanto ao risco; suas dívidas simplesmente duplicaram ou até mesmo triplicaram. O cego que substituiu o seu pobre cão foi atropelado. É justamente a volatilidade de um ativo (seu risco expresso em termos de preço) que sinaliza aos agentes econômicos que aquilo tem efetivamente um risco. Obviamente, dado o conhecimento desse risco, o agente decide o quanto investe nesse ativo, levando em consideração os custos relevantes.
Mas o que causa a volatilidade do dólar? Ela tem “fundamento” ou é apenas capricho de malvados especuladores que manipulam o mercado ao seu bel prazer? Primeiro que, se um dado ativo pode ser manipulado dessa forma, já é um sinal de que há um grande risco em investir nele — logo, a volatilidade se torna extremamente necessária para sinalizar esse fato. Independente da “nobreza” da causa desse risco, ele existe, está lá e precisa ser levado em conta. Deixando de lado essa “visão conspiratória”, outras causas mais “verificáveis” podem ser listadas. A mais comum é a falta de confiança da política monetária brasileira. Durante a maior parte do século XX (até a década de 90), a política monetária nacional sempre foi sinônimo de “maluquice”. Consequência dos nossos economistas jaboticabas, que achavam que a gravidade não funcionava abaixo da linha do equador. Na década de 90, após calote e meia dúzia de planos fracassados, a inflação foi debelada e a política monetária passou a ser mais civilizada, mas ainda sofreu com a combinação de câmbio fixo e altos déficits fiscais. Apenas em 1999, com o estabelecimento de cambio flexível e metas de inflação, a coisa começou a andar nos trilhos. Em 2002, com a troca de governo, novamente a desconfiança tomou conta, e o dólar, juros e inflação subiram. No entanto, apesar da desconfiança, os novos governantes agiram corretamente e mostraram que a política não mudaria (e continua até hoje sem mudanças).
Embora o fato de governantes manterem uma política monetária correta seja uma boa notícia, o melhor mesmo seria que qualquer governante tivesse o mínimo de poder sobre isso. No Brasil, tal arranjo não existe e ainda está distante. A dependência muito grande dos rumos da política monetária em relação à “opinião” do governante é um fator de risco considerável, que somente reformas institucionais (como a independência do BC) podem amenizar. Como, no caso brasileiro, a política monetária está muito atrelada à opinião dos governantes do momento, qualquer mudança na opinião pública, qualquer “espirro externo” pode levar a uma “mudança de rumo” — e isso é exatamente risco, volatilidade. Como o valor do dólar está diretamente ligado à oferta monetária de reais e à inflação, se essas coisas são voláteis, o dólar tende a ser também. Como dito, qualquer coisinha errada, aos olhos do governo, pode ser motivo para mudanças rápidas e efetivas de política monetária — e, conseqüentemente, fortes variações no dólar. Um governo mais “preso” em relação à política monetária diminui consideravelmente esse fator de risco.
Outra fonte de volatilidade é aquela que tem a ver com o tamanho do mercado de dólar no Brasil — o qaul, por sua vez é determinado pelo grau de abertura do país. Como o mercado é “pequeno” (país fechado), qualquer pequena movimentação se transforma em uma grande variação do dólar. Para perceber isso, imagine a seguinte situação simplificada: dois países (A e B), em que em um dos países, A, as importações e entradas de capital/exportações são de 500, enquanto que em B são de 50 (totalizando 1000 e 100 respectivamente). A elasticidade câmbio-exportação é de 2 para os dois países. Por fim, para simplificar, o câmbio dos dois países em relação a uma moeda estrangeira padrão é 1 (moeda local/moeda estrangeira). Vejamos em quanto o câmbio precisa mudar para equilibrar uma fuga de capital da ordem de 5.
A e B terão que aumentar suas exportações em 5 (o financiamento externo para importações caiu em 5, logo o próprio país precisa gerar esses 5 adicionais para manter o nível de importação). A elasticidade câmbio-exportação diz que um aumento de 1% no câmbio (moeda local/moeda estrangeira) aumenta as exportações em 2%. Como A precisa aumentar suas exportações em 1%, basta um aumento de 0,5% do câmbio (unidade de moeda estrangeira compra mais moedas locais) para atingir o ajuste necessário. Já B precisa aumentar suas exportações em 10% (5 de 50), logo o câmbio precisa subir 5%! O mesmo choque gerou, em um país aberto, um aumento de 0,5% no câmbio, enquanto no fechado gerou um aumento de 5% (10 vezes mais). Se imaginarmos os dois países sofrendo constantemente esses pequenos choques para todos os lados (entrada e saída de capitais, choques positivos e negativos de demanda por exportações etc.), o câmbio de B será bem mais volátil que o de A, pois, para B, é necessária uma maior variação da sua moeda para a realização dos ajustes necessários.
Essa questão do “tamanho do mercado” também nos leva à velha questão do “capital especulativo” gerar volatilidade e atrapalhar a “economia real”. Sem entrar muito na discussão sobre se essa diferenciação entre “economia real” e “economia imaginária” faz sentido, vale repetir: independente da “nobreza de propósitos” dos capitais que entram no país, eles efetivamente entram e saem, e com isso afetam o câmbio, o que significa um fator de risco para investimentos dependentes do dólar. Portanto, é um fenômeno que deve ser refletido na volatilidade dos preços para possibilitar aos agentes levarem em consideração esse risco nas suas decisões.
Se algo é muito arriscado e não gera um retorno esperado suficientemente alto, então é eficiente não investir nesse algo. Só para exemplificar, imagine que um governo precise desses capitais de curto prazo para se financiar. Essas “ondas” de capitais de curto prazo geram movimentos no câmbio considerados “indesejados”. O governo então resolve fixar o câmbio. Sem o risco da variação do dólar, os agentes ficam expostos ao dólar mais do que ficariam em uma situação de livre mercado. O câmbio não refletiu as “saidinhas” de capital durante o tempo, mas eles saíram — e, de repente, podem sair em um número bem maior, tornando o câmbio fixo insustentável (como se viu em 98/99). Quando o câmbio estourar (resultado dessa fuga de capitais), os agentes finalmente arcarão com os custos da posição altamente exposta em dólar que tomaram.
Ou seja: a política do governo só serviu para incentivar essa tomada excessiva de risco e agravar a necessidade de ajustes na economia. Dei como exemplo a fixação do câmbio abaixo do valor de equilíbrio, mas o resultado se repete na situação contrária também. O câmbio (BRL/USD) excessivamente alto (acima do valor de mercado) funciona como uma espécie de “subsídio” às atividades exportadores, que são altamente sensíveis ao valor do dólar (possuem risco em dólar). Novamente, a não sinalização da volatilidade dos retornos desses investimentos por meio dos preços gera uma exposição ao risco do ativo em questão maior do que a que seria eficiente (nesse caso, as pessoas vão produzir toneladas de laranja para exportar quando o correto seria produzir outros bens menos dependentes do dólar).
Para concluir, a melhor política contra essa volatilidade “indesejada”, causada por movimentos de capital de curto prazo, não é esconder, maquiar essa volatilidade dos preços; é simplesmente abrir o país, além, óbvio, de o próprio governo realizar um ajuste fiscal, já que muito desse capital vem justamente para financiá-lo. Como já escrevi em outro texto (sugiro a leitura), a política adequada também não é “taxar capital de curto prazo”. Taxar capital, além de prejudicar a liquidez do mercado secundário de ações e títulos — consequentemente dificultando o desenvolvimento —, “fecha” ainda mais o país. Se menos capital externo entra, menor a capacidade do país em trabalhar com moeda estrangeira (o seu mercado de moeda estrangeira diminui), gerando aqueles efeitos de ajustes descritos anteriormente para o caso de um país fechado.
Nesse cenário, qualquer “movimentaçãozinha” na demanda ou oferta de dólar gerará uma variação grande no câmbio, tornando-o “excessivamente volátil”, característica essa que a política visava combater. Como muitas das políticas frequentemente propostas, essa não passa de um tiro no próprio pé.