O que esses dois pensadores, tidos como opostos, poderiam ter em comum? Ocorre que Karl Marx herdou de Adam Smith um erro extremamente básico, um erro que possui monumentais consequências e que mudou o mundo para sempre.
Em seu famoso tratado sobre a riqueza das nações, Adam Smith nos diz que, em condições primitivas ou em cidades pequenas, aqueles indivíduos que vão ao mercado para vender seus produtos (sejam eles produtos agrícolas, parte do seu rebanho ou mesmo produtos manufaturados) ganham, nesse processo de venda, um salário. Isto é, a renda auferida por esses indivíduos que vendem bens no mercado é o seu salário.
Salário? Grave erro. Aquilo que é obtido por alguém que sai da autossuficiência agrícola para vender seus produtos no mercado não é um salário, mas, sim, um lucro. Ou um prejuízo. Lucros ou prejuízos são obtidos apenas por empreendedores. Por definição, portanto, essa pessoa poderia ser um agricultor ou um profissional liberal qualquer em alguma cidade.
O salário é uma forma de pagamento que surge apenas quando um capitalista entra em cena. O capitalista é a pessoa que irá fazer uso de bens previamente produzidos, colocando-os em empreendimentos arriscados. Ele é aquele que compra ou paga por um bem ou serviço para, apenas mais tarde, vender algo cujo valor total é maior do que a soma das partes utilizadas nesse processo. E isso poderá ser determinado somente se o produto for vendido: este é o único sinal — um sinal ausente em economias socialistas — de que a sociedade está criando valor agregado.
Smith erra sobejamente quando chama de salários aquilo que empreendedores obtêm quando comercializam bens nas cidades. Um salário só passa a existir quando uma pessoa contrata uma outra, pagando-lhe regularmente uma quantia fixa. Podemos chamar isso de ‘o pacto do capitalismo’, pois significa que o empregado agora faz parte do risco empreendedorial assumido pelo capitalista. Em troca, o empregado recebe uma renda fixa (diária, mensal etc.) — ou seja, um salário.
Empregados assalariados não têm possibilidade de auferir lucros, porém — e ainda mais importante — estão livres de prejuízos. Com efeito, os empregados têm mais chance de receber renda do que o capitalista. O fazendeiro, por exemplo, deve pagar os salários de seus empregados mesmo que tenha havido uma geada no dia anterior à colheita. Os empregados, por sua vez, estão isentos do ônus do prejuízo. Tampouco pode o fazendeiro, para sermos justos, compartilhar com eles seus lucros. Uma empresa farmacêutica irá vender seus produtos somente quatro ou cinco anos após a ideia inicial de se criar esses novos produtos. Nesse meio tempo, ela terá de pagar salários para centenas, talvez milhares, de pessoas. O salário é pago hoje independentemente de como serão as vendas futuras.
Assim, o problema — brilhantemente ensinado pelo professor George Reisman — é que o erro compartilhado por Smith e Marx gerou a ideia de que, para obter lucros — a famosa “mais-valia” exploradora —, os capitalistas tinham de manter para si parte do salário de cada empregado. A realidade é outra. A realidade é que a riqueza é criada por aquele indivíduo que sabe como transmitir suas visões, arriscar recursos e reconhecer oportunidades — tudo isso ao mesmo tempo em que ele cria uma renda regular para terceiros durante esse processo.
O capitalismo cria uma classe média mundial. Antes dos capitalistas, todos tinham de assumir por completo todo o risco de uma dada atividade. Já hoje, podemos delegar os riscos para aqueles que são mais ambiciosos e mais capacitados para atividades empreendedoras, já sabendo que, no final do mês, receberemos nossos contracheques. Tal arranjo é infinitamente mais produtivo e eficaz. Em última instância, é ele quem elimina a pobreza.
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