Com o anúncio, na semana passada, de que o Federal Reserve irá “aumentar sua política de acomodação monetária comprando títulos hipotecários a um ritmo de US$40 bilhões por mês”, o presidente da instituição, Ben Bernanke finalmente — e decisivamente — jogou suas cartas na mesa. E confirmando aquilo que eu venho dizendo há anos, tudo o que ele tinha para apresentar no final era mais do mesmo: retórica e vácuo.
Indo mais longe do que jamais fora até então, ele deixou claro que irá, de maneira permanente, amarrar a economia americana a uma estratégia perdedora. Como resultado, o dia 13 de setembro de 2012 pode ser considerado o dia em que os EUA finalmente jogaram a toalha.
Eis um esboço do plano do Fed: comprar centenas de bilhões de hipotecas anualmente com o intuito de reduzir os juros das hipotecas e, com isso, estimular os preços dos imóveis, desta forma encorajando as pessoas a construir e a comprar imóveis. A ideia por trás de tudo é repetir exatamente o mesmo erro consumista que causou a crise: sempre que seus imóveis se apreciarem, o indivíduo deverá ir ao banco e, utilizando como colateral a valorização do seu imóvel, conseguir uma linha de crédito para gastar com bens de consumo.
Adicionalmente, o Fed espera que esse dinheiro extremamente barato irá estimular os preços das ações de modo que Wall Street e demais compradores de ações se sintam mais ricos e saiam gastando desvairadamente. É claro que ninguém do Fed irá admitir que essa é a intenção, mas, em vez de construir uma economia baseada na produtividade, na produção e na acumulação de riqueza, Bernanke está tentando construir uma nova economia baseada na alavancagem, na confiança e em preços crescentes de ativos. Em outras palavras, o Fed prefere a ilusão do crescimento à reestruturação necessária para permitir o crescimento genuíno.
O problema que passou despercebido pelos jornalistas é que tal estratégia não tem nada de nova: ela já foi tentada antes e terminou em desastre. Foi uma política monetária frouxa o que criou a bolha imobiliária e a bolha do mercado de ações da última década, cujos estouros quase destruíram a economia americana. Aparentemente, para Bernanke e sua corte, “quase” ainda não é o bastante. É preciso mais. Por isso, eles estão de volta com tudo, ávidos para finalizar o serviço que ainda não conseguiram realizar. Mas, desta vez, eles estão portando armas de calibre muito maior. Não somente eles querem derrubar os juros das hipotecas para níveis históricos, como também irão comprar todas as hipotecas!
Ano passado, o Fed lançou a chamada “Operation Twist”, a qual havia sido criada para reduzir as taxas de juros de longo prazo e, com isso, tornar mais plana a curva de rendimento dos juros [tecnicamente chamada de yield curveou até mesmo de ‘estrutura a termo das taxas de juros’]. Sem criar qualquer benefício real para a economia, a medida expôs os pagadores de impostos americanos, bem como todos os detentores de ativos denominados em dólares, aos riscos de se reduzir a data de vencimento de US$16 trilhões da dívida do governo americano. Tal reposicionamento serviu apenas para deixar o Tesouro ainda mais exposto às inevitáveis consequências dolorosas que ocorrerão quando houver um aumento nas taxas de juros.
No entanto, as políticas anunciadas na semana passada causarão ainda mais estragos do que a “Operation Twist”. Não tenha dúvidas: qualquer um que esteja em posse de dólares, de títulos do Tesouro americano, ou que esteja vivendo de renda fixa terá seu poder de compra roubado por estas ações.
Como previsto pela teoria, as rodadas anteriores de “afrouxamento quantitativo” (quantitative easing — QE), mero eufemismo para injeção de dinheiro na economia, nada fizeram para restaurar a economia americana ou para sequer colocá-la no caminho da recuperação real. O país está hoje mais endividado, com mais pessoas sem emprego, e com problemas fiscais muito mais sérios e profundos do que aqueles que existiam antes de o Fed embarcar neste caminho ruinoso. Tudo o que os defensores do ativismo monetário do Fed têm a dizer é que as coisas teriam sido piores sem os estímulos. Embora argumentos contrafatuais sejam difíceis de serem provados, não tenho dúvidas de que as coisas teriam de fato sido mais dolorosas no curto prazo caso as autoridades tivessem permitido que os desequilíbrios da economia se corrigissem sozinhos. No entanto, em troca desta dor de curto prazo, a economia americana já estaria hoje no caminho da recuperação real. Em vez disso, no entanto, preferiu-se sustentar um modelo artificial de endividamento e gastança que jogou o país para ainda mais longe dos fundamentos sólidos necessários para uma recuperação.
Em decorrência do fato de as iniciais de quantitative easing — QE — terem trazido à mente os famosos navios de cruzeiro Queen Elizabeth, várias pessoas compararam as medidas do Fed a embarcações gigantes que são carregadas e então lançadas ao mar. Porém, levando-se em conta os planos recém-anunciados, a analogia não mais se aplica. Dado que os novos compromissos assumidos pelo Fed são de duração declaradamente ilimitada, a nova rodada (a terceira) de quantitative easing pode ser mais corretamente comparada a uma esteira rolante que despeja dinheiro farto e barato na economia. A única variável que se altera é a velocidade em que a esteira irá se movimentar.
Felizmente, as toscas limitações desta única ferramenta que o Fed pode utilizar — imprimir dinheiro — estão se tornando mais explícitas para os mercados. Se formos nos ater às metáforas náuticas, o QE3 afundou antes mesmo de ter deixado o porto. A medida havia sido explicitamente planejada para reduzir as taxas de juros de longo prazo, mas estas aumentaram de maneira significativa imediatamente após o anúncio. Os investidores finalmente se deram conta de que um compromisso ilimitado de comprar títulos significa que a inflação e o enfraquecimento do dólar irão destruir quaisquer ganhos nominais porventura fornecidos pelos títulos. Como que para ressaltar este ponto, o anúncio do Fed também provocou uma acentuada venda de títulos do governo americano e de dólares, além de uma forte corrida para as commodities, especialmente para metais preciosos.
Considerando-se que as taxas de juros fixas das hipotecas de 30 anos já estão em seus mínimos históricos, há muito pouca confiança de que o novo plano será bem-sucedido em derrubá-las ainda mais, especialmente quando se leva em conta a disparada que ocorreu imediatamente após o anúncio. Em vez disso, é provável que Bernanke esteja tentando encorajar os proprietários de imóveis a trocar suas hipotecas de taxas de juros fixas por empréstimos de juros menores porém reajustáveis — o que liberaria mais dinheiro para o consumismo. Bernanke quer que os proprietários de imóveis façam eles mesmos um twist na curva de juros. Se ele obtiver êxito em sua tentativa, mais proprietários de imóveis ficarão vulneráveis a qualquer aumento futuro que porventura ocorra nas taxas de juros. E tal possibilidade, por si só, irá limitar ainda mais a capacidade e a vontade do Fed de aumentar os juros para combater a inflação de preços.
O objetivo do plano de Bernanke, como dito, é estimular o consumo por meio de um aumento nos valores dos imóveis e dos preços das ações. Mas ninguém parece estar levando em conta a possibilidade de que um QE infinito, em vez de elevar os preços dos imóveis, das ações e dos títulos, acabe elevando os preços dos alimentos, da energia e de outros bens de consumo. Se isso ocorrer, os consumidores americanos terão menos poder de compra em decorrência dos esforços de Bernanke, e não mais.
A decisão do Fed veio ao mesmo tempo em que a situação na Europa parece estar finalmente saindo do modo ‘crise urgente’. Embora eu não creia que a decisão anunciada pelo Banco Central Europeu — de comprar mais títulos da dívida soberana de países problemáticos da União Europeia — irá funcionar no longo prazo, pelo menos estas medidas vieram com várias restrições impostas pelos alemães (para importantes detalhes sobre isso, veja o artigo de nosso analista econômico sênior, John Browne). Como consequência, imagino que a atenção dos investidores e compradores de moedas irá agora se voltar para os débeis fundamentos do dólar americano, e não mais para um potencial colapso do euro.
Enquanto isso, as implicações para aqueles que investem nos EUA já deveriam estar claras. O Fed irá tentar suscitar uma recuperação por meio da desvalorização do dólar. Ele não irá interromper ou alterar seu curso de ação. Se a economia americana não reagir às drogas, Bernanke irá simplesmente aumentar a dosagem. Com efeito, ele está tão convencido de que os americanos permanecerão dependentes do afrouxamento quantitativo, que ele explicitamente afirmou que não fechará as torneiras mesmo que as coisas visivelmente não melhorem. Em outras palavras, o dólar está condenado.