O pensamento econômico na Grécia antiga

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4707A odisséia intelectual que gerou as bases para a civilização ocidental começou na Grécia Antiga. Infelizmente, os pensadores gregos não foram capazes de compreender corretamente os princípios essenciais sobre o que é uma ordem espontânea de mercado e nem o processo dinâmico de cooperação social que abrange esses princípios. Ao passo que devemos reconhecer as importantes contribuições gregas para as áreas da epistemologia, da lógica, da ética e até mesmo da concepção do direito natural, é necessário também reconhecermos que os gregos fracassaram miseravelmente ao não verem a necessidade do desenvolvimento de uma disciplina, a ciência econômica, dedicada ao estudo do processo espontâneo de cooperação social que forma o mercado.
O que é ainda pior é que, quando os primeiros intelectuais surgiram, surgiram também a simbiose e a cumplicidade entre pensadores e governantes. Desde o início, a grande maioria dos intelectuais abraçou o estatismo e sistematicamente subestimou, e até mesmo criticou e denegriu, a sociedade do comércio, das trocas voluntárias e do trabalho qualificado que prosperava ao redor deles.

Sei que pode ser muito exagerado querer que, desde o nascimento do conhecimento filosófico e científico, os gregos compreendessem o básico da economia política, uma disciplina que ainda está entre as mais novas dentre todas as ciências e que busca estudar uma realidade tão abstrata e difícil de entender quanto a ordem espontânea do mercado. No entanto, é válido observar que os filósofos gregos, como os intelectuais de hoje, não puderam evitar a vaidade pseudocientífica de se acreditarem plenamente qualificados para impor seus pontos de vista sobre seus conterrâneos por meio da sistemática coerção governamental. A história se repete continuamente, e até hoje não houve grandes progressos nesse quesito.

O contexto político-histórico

Existe um paralelo não somente no que diz respeito às simpatias estatistas dos pensadores, mas também no que diz respeito à rivalidade entre duas noções radicalmente opostas sobre governo e liberdade individual. Com efeito, ao longo de grande parte do século XX, o mundo e as sociedades em geral estavam divididos: de um lado, havia a visão liberal-clássica, defensora do governo limitado, do respeito à sociedade civil, da liberdade individual e da responsabilidade (visão esta representada, ao menos em termos relativos, pela sociedade americana); e, de outro lado, havia o socialismo vigente, baseado na crença de que o estado deveria impor as mais variadas utopias sobre a sociedade civil por meio da força (visão esta representada durante grande parte do século XX pela antiga União Soviética). Na Grécia Antiga, podemos também identificar dois pólos igualmente opostos.

Havia a relativamente mais liberal e democrática cidade de Atenas, a qual foi capaz de acomodar um próspero conjunto de empreendimentos e trabalhos qualificados dentro de uma ordem espontânea de cooperação social baseada no respeito pelas leis e na igualdade perante elas. Em contraste, havia a cidade de Esparta, a qual era profundamente militarista e na qual a liberdade individual praticamente não existia devido à crença de que todos os recursos deveriam estar subordinados ao estado.

É incrível que os mais eminentes e distintos pensadores e filósofos atenienses tenham impiedosamente atacado e depreciado a ordem comercial que os rodeava e os sustentava ao mesmo tempo em que não se furtavam a enaltecer o totalitarismo estatista que Esparta representava. É como se os intelectuais daquela época, assim como os de hoje, não suportassem o fato de que, embora considerados sábios, fossem incapazes de colher em termos econômicos os frutos daquilo que consideravam ser sua própria importância. Igualmente, eles foram incapazes de resistir à tentação de impor suas próprias ideias acerca do bem e do mal sobre seus conterrâneos, e eles continuamente almejavam fazer isso por meio do poder coercivo do estado.

O reconhecimento desta verdade não deve nos levar à errônea crença de que a relativamente mais livres pólis não eram também vítimas do estatismo. Por exemplo, vários políticos não hesitavam em corroborar as políticas imperialistas atenienses e até mesmo, como fez Péricles no século V a.C., em se apropriar indevidamente de fundos públicos para empreender obras colossais.[1] Vários políticos também se esforçavam incansavelmente em tentar convencer os cidadãos de que o importante era se subjugar aos desejos do estado; de que o importante era perguntar não o que Atenas poderia fazer por eles, mas sim o que eles poderiam fazer por Atenas.

No que mais, as pólis relativamente mais livres ainda estavam sujeitas a um ciclo político que, por mais estranho e paradoxal que pareça, continua a afetar as sociedades atuais. Com efeito, períodos de grandes liberdades civis baseadas no cumprimento de leis substanciais eram invariavelmente seguidos por crises: as cidades quedavam vítimas da demagogia e das inquietações incitadas por pequenos grupos que tinham a intenção de explorar determinados grupos sociais em favor de outros supostamente maiores e menos privilegiados. Consideráveis tensões sociais, econômicas e políticas eram o resultado, e no final levavam a severos conflitos e distúrbios civis, os quais, por sua vez, eram utilizados para justificar novos aumentos no poder do estado, personificado em cada circunstância histórica por inescrupulosos líderes populistas que inevitavelmente insistiam em serem chamados de “salvadores da pátria”.

Algumas tentativas embrionárias de análise econômica

É muito difícil saber os pensamentos exatos dos primeiros filósofos gregos, pois os documentos remanescentes são poucos e muito fragmentados. Não obstante, há evidências de alguns primórdios muito animadores, os quais, caso tivessem sido continuados, poderiam abrir caminho para uma incipiente formulação da teoria da ordem espontânea do mercado.

Por exemplo, ainda no século VIII a.C., Hesíodo indica em seus poemas que a escassez está sempre presente nas ações humanas, sendo ela o motivo por que devemos alocar de maneira eficiente os recursos disponíveis. Adicionalmente, ele menciona o tipo de concorrência que a emulação desencadeia, a qual ele chama de “bom conflito”, considerando-a como uma vital força empreendedorial que frequentemente permite a superação dos grandes problemas trazidos pela escassez de recursos. No que mais, Hesíodo afirmava que a concorrência só era possível onde houvesse respeito pela justiça e pelas leis, o que estimula a ordem e a harmonia na sociedade. Neste sentido, Hesíodo — e até certo ponto, Demócrito de Abdera — estava muito mais próximo da correta noção da ordem espontânea do mercado de que Sócrates, Platão e até mesmo do que o próprio Aristóteles mais tarde alcançaria.

Após Hesíodo, temos de nos concentrar um pouco nos filósofos sofistas. Apesar da má reputação que usufruem atualmente, eles certamente eram muito mais libertários, ao menos em termos relativos, do que os grandes filósofos que vieram depois. Com efeito, os sofistas eram simpáticos ao comércio, à busca pelo lucro e ao espírito empreendedorial, e receavam o poder absoluto e centralizado dos governos das cidades-estados. Embora tenhamos de admitir que eles ocasionalmente se entregavam a um relativismo similar àquele que os pós-modernistas de hoje endossam, os sofistas foram, de longe, superiores aos pensadores socráticos que surgiriam mais tarde no que concerne à defesa da liberdade individual contra o governo. Finalmente, temos de observar a maneira na qual a vaidade pseudocientífica tipicamente demonstrada pela maioria dos intelectuais atuais em favor do estatismo levou ao sistemático descrédito dos sofistas. Sempre considerados politicamente “incorretos”, eles são rotulados como pensadores ilógicos e desonestos.

Subsequentemente, outros pensadores mais modernos, como Protágoras de Abdera — da mesma época de Péricles —, teorizaram sobre a importância da cooperação social, e insistiram que “o homem é a medida de todas as coisas”. Levada à sua conclusão lógica, filosoficamente falando, esta noção pode ter dado origem ao surgimento natural do subjetivismo e do individualismo metodológico, os quais são pontos de partida essenciais a qualquer análise econômica de processos sociais. Da mesma maneira, o mestre historiador Tucídides aparentava possuir uma concepção da natureza espontânea e evolucionária da ordem social muito mais acurada do que muitos de seus contemporâneos. Em seu registro da Oração Fúnebre de Péricles, Tucídides enfatizou melhor do que qualquer outro pensador as qualidades relativamente mais liberais-clássicas[2] da sociedade ateniense.

Finalmente, devemos mencionar Demóstenes, o grande defensor mundial da liberdade contra o despotismo do tirano Filipe II da Macedônia. Não é nenhuma coincidência que Demóstenes tenha compreendido a essência consuetudinária e evolucionária das leis, e que, por isso, tenha sido capaz de superar a dicotomia reducionista que os gregos haviam estabelecido entre o mundo físico (natural) e o mundo supostamente artificial de leis e convenções. Com efeito, no geral, os gregos foram incapazes de entender que o cosmo natural deve incluir a ordem espontânea do mercado e as relações sociais que são o objeto de estudo da economia; os gregos acreditavam que qualquer coisa relacionada à sociedade sempre era artificial e deliberadamente criada por seus organizadores (os quais eles esperavam que fossem ditadores-filósofos como aqueles imaginados por Platão).

O ponto de vista subjetivista, em torno do qual gira toda a moderna ciência econômica, pode ser encontrado, por exemplo, na definição de riqueza oferecida por Xenofonte em sua obra Oeconomicus, na qual ele define propriedade como sendo “aquelas coisas que o detentor deve considerar vantajosas para os propósitos de sua vida”. Além disso, Xenofonte pode ser considerado o primeiro erudito a introduzir o conceito da eficiência dinâmica — mais especificamente, o aumento do patrimônio de uma pessoa por meio da criatividade empreendedorial (junto com o conceito de eficiência estática, o qual se baseia em se evitar o desperdício de recursos e o qual Xenofonte acredita poder ser alcançado ao se manter o patrimônio da família em perfeito estado).

De qualquer forma, apesar deste início promissor e apesar das grandes contribuições em outras áreas do pensamento filosófico e científico (e talvez exatamente por causa destas contribuições), os filósofos gregos no geral caíram na arrogância fatal da pseudociência intelectual. Assim, eles se mostraram completamente alheios quando se tratava de reconhecer o mercado e a ordem social evolucionária; consequentemente, se entregaram ao estatismo; tornou-se “politicamente correto” desdenhar a atividade comercial e mercantil de seus contemporâneos e criticar impiedosamente os pensadores relativamente mais liberais-clássicos (fossem eles sofistas ou não).

Os exemplos particularmente alarmantes de Sócrates, Platão e até mesmo Aristóteles

Da perspectiva do nosso tema, a principal característica compartilhada por Sócrates, Platão e Aristóteles — os três maiores filósofos da Grécia antiga — era sua incapacidade de compreender a natureza do próspero e vigoroso processo mercantil e comercial que estava ocorrendo entre as diferentes cidades ou pólis (tanto na própria Grécia quanto na Ásia Menor e no resto do Mediterrâneo). Quando falavam sobre a economia, estes filósofos se baseavam em seus instintos, e não na observação e na razão. Eles escarneciam o trabalho dos artífices e comerciantes, e menosprezavam a importância de seus disciplinados esforços diários.

Por conseguinte, foi por meio destes filósofos que a tradicional oposição dos intelectuais a qualquer coisa que envolva comércio, indústria e lucro empreendedorial começou. Esta “mentalidade anticapitalista” viria a se tornar um tema constante entre os pensadores “iluminados” ao longo da história intelectual da humanidade, desde aquela época até hoje.

O filósofo Sócrates serve de ilustração paradigmática desta oposição intelectual a qualquer coisa que envolva o lucro empreendedorial, a indústria ou o mercado. Vale observar o tom arrogante e a falsa modéstia demonstrada por Sócrates em seu discurso de defesa perante o júri que o condenava, um discurso registrado por Platão. Não há nenhuma dúvida de que Sócrates exerceu uma influência negativa sobre a juventude da cidade de Atenas, quem ele atraiu ao ridicularizar o trabalho de toda uma vida de seus pais, que abnegadamente dedicaram seus esforços diários e honestos às áreas do comércio, do artesanato e do mercado em geral.

Sócrates acreditava que o objetivo ideal da vida estava na busca pela “virtude”, entendida como um desdém pela riqueza material e, especificamente, pelo lucro empreendedorial. Sócrates aproveitava todas as oportunidades para ostentar a sua pobreza e idealizar as supostas virtudes do estado totalitário de Esparta, o qual, àquela época, representava ideais opostos àqueles de Atenas. Com efeito, em seu discurso de defesa, ele ultrajou o júri ao proclamar que seus serviços prestados ao estado de Atenas eram tantos que, em vez de ser julgado, ele deveria receber uma pensão vitalícia paga por todos (na forma de alimentos financiados pela cidade, e pela duração de toda a sua vida!).

O que é ainda pior é que a estatolatria de Sócrates era tão obsessiva que o levou a confundir as leis oficiais instituídas pela cidade-estado com as leis naturais. Ele acreditava que as pessoas deveriam obedecer a todas as leis oficiais estatuídas pelo governo, mesmo que elas fossem contra naturam. E foi assim que ele criou as fundações filosóficas para o positivismo jurídico. Todos os tipos de tirania surgidas na história após Sócrates se basearam no positivismo jurídico.

Em suma, do ponto de vista da teoria científica dos processos de mercado, a influência de Sócrates foi definitivamente desastrosa. Foi ele quem iniciou e promoveu a tradição anticapitalista dos intelectuais. Ele demonstrou ter uma total falta de compreensão a respeito da ordem espontânea do mercado, a qual era exatamente a fonte da prosperidade ateniense que permitia a Sócrates e ao resto dos filósofos de sua escola o luxo de não ter de trabalhar e, consequentemente, de poder se dedicar integralmente à filosofia. E em troca deste ambiente de relativa liberdade e prosperidade, Atenas recebia de Sócrates apenas desprezo e incompreensão.

Finalmente, vale mencionar a mais do que egocêntrica auto-imolação deste filósofo. Ele próprio reconheceu que, dadas a sua idade e suas doenças, ele pouco poderia ter feito nos poucos anos que lhe restariam caso tivesse aceitado o exílio que seus juízes e carrascos lhe haviam oferecido de bandeja. Assim, ele decidiu entrar para os anais da história fazendo-se de vítima de um sistema supostamente opressivo, sendo que sua morte foi na realidade um suicídio oportuno e interesseiro concebido por uma mente privilegiada e arrogante. Com efeito, ele também procurou utilizar sua morte para dar legitimidade à veneração de um estatismo opressivo e, ao mesmo tempo, levar má reputação ao individualismo liberal-clássico.

Com um professor como Sócrates, não é surpresa alguma que Platão tenha intensificado os erros de seu mestre. Platão forneceu uma extremamente perigosa justificativa filosófica para o mais desumano estatismo, a qual foi direta ou indiretamente absorvida por todos os tiranos que vieram a oprimir a humanidade desde então. Platão foi a mais pura personificação do mais grave pecado intelectual que um cientista pode cometer: ter a “arrogância fatal” de se crer mais sábio e mais esperto do que seus conterrâneos e, com isso, autorizar que suas ideias sejam impostas a eles por meio da força.

Típicos de Platão eram seus ataques à propriedade privada, sua louvação à propriedade comunal, seu desprezo pela instituição da família tradicional, seu pervertido conceito de justiça, sua estatista e nominalista teoria do dinheiro e, em suma, sua exortação dos ideais do estado totalitário de Esparta. Todas estas são características típicas do intelectual que se acredita superior e mais sábio do que todo o resto da humanidade, mas que, não obstante, é ignorante em relação a até mesmo os mais essenciais princípios da ordem espontânea do mercado, a qual torna possível a civilização.

No que mais, Platão defendia os interesses do estado contra os interesses dos indivíduos, e chegou até mesmo a ir ao extremo de tentar colocar em prática seus ideais utópicos acerca do estado. Inevitavelmente, ele e seus discípulos fracassaram em todas as suas tentativas em Siracusa e no resto da Grécia.

Finalmente, mesmo no campo da epistemologia, as contribuições de Platão foram letais no longo prazo. Seu suposto essencialismo gerou, sorrateiramente, a forma mais crua de historicismo positivista: na esfera social, ele tentou deduzir quais seriam as ‘essências conceituais’ do estudo da história, desta forma criando as bases para a filosofia histórico-positivista que tantos danos causou à humanidade ao atravancar o desenvolvimento das ciências sociais até o presente momento.

Em suma, com Platão, aquele ideal intelectual do cientista arrogante que tenta se tornar um “engenheiro social” para moldar a sociedade a seu bel-prazer ganhou aceitação. Esta abordagem foi ainda mais reforçada pela escola do matemático Pitágoras, que acreditava que a virtude podia ser encontrada na “igualdade” e no “equilíbrio” que ele continuamente observava em suas fórmulas e em seus princípios matemáticos, os quais ele sentia que deveriam ser extrapolados para toda a sociedade.

Embora Aristóteles não tenha ido aos extremos socialistas visitados por Platão, ele também foi incapaz — e desanimadoramente — de entender em termos científicos a ordem espontânea do mercado. Um filósofo a serviço do pior ditador de sua época (Filipe II da Macedônia, que colocou um fim à sutil rede de cidades-estados independentes que formavam o antigo mundo grego), Aristóteles foi o tutor particular do tirano e temerário déspota Alexandre, o Grande — filho de Filipe II. Não é surpresa nenhuma que Aristóteles não tenha conseguido escapar do mesmo pecado da arrogância intelectual que havia acometido Sócrates e, especialmente, Platão: Aristóteles também sentia nostalgia pelo estatismo de Esparta e por tudo que o totalitarismo daquela cidade-estado representava.

É verdade que ele não foi aos extremos de Platão, que ele defendia a propriedade privada e que ele até mesmo havia intuído a teoria do valor subjetivo ao fazer sua distinção entre o “valor de uso” e o “valor de troca” — ou o preço das coisas. No entanto, ele condenava a usura e jamais entendeu a crucial importância dos juros como sendo um preço de mercado que coordena o comportamento dos consumidores, dos poupadores e dos investidores. Sua teoria sobre a justiça é extremamente confusa, pois faz uma distinção entre duas formas, a justiça “distributiva” e a justiça “comutativa”, as quais têm pouco ou nada a ver com a adaptação do comportamento humano aos princípios gerais morais e legais. Dado que elas se baseiam em pretensas equivalências, estas duas formas de justiça imaginadas por Aristóteles serviram apenar para confundir o pensamento humano acerca de um tópico extremamente importante, confusão essa que perdura até os dias atuais.

No que mais, uma ilustração quase que perfeita de sua incapacidade de compreender a ordem espontânea e evolucionária do mercado pode ser encontrada em sua convicção de que uma pólis com mais de 100.000 habitantes jamais poderia sobreviver, pois seu governo seria incapaz de organizá-la. Aristóteles via a pólis unicamente como um órgão auto-suficiente organizado desde cima (autarkia), e não como uma manifestação histórica do processo espontâneo de cooperação social conduzido por seres humanos de carne e osso dotados de uma inata capacidade empreendedorial. Finalmente, Aristóteles seguiu a tradição socrática de menosprezar o trabalho e o lucro empreendedorial, os quais, de maneira descentralizada e anônima, sustentavam o avançado estágio de civilização que era exatamente o que permitia que ele e o resto dos filósofos sobrevivessem.

Aristóteles também foi incapaz de explicar os motivos por que existiam as trocas comerciais. Ele erroneamente concluiu que, quando elas ocorrem, é porque há uma “reciprocidade proporcional” (uma ideia errada que Marx viria a utilizar mais tarde para formar as bases da falsa teoria do valor-trabalho e de seu corolário, a teoria marxista de exploração). Aristóteles desconfiava da riqueza (ploutos), era expressamente crítico quanto ao lucro empreendedorial[3], e desprezava e repudiava completamente os comerciantes.[4] Ele também condenava os juros (tokos), os quais ele considerava ser uma injustificada geração de dinheiro por meio do próprio dinheiro.

Adicionalmente, sua incapacidade de compreender o surgimento espontâneo das instituições o levou a afirmar que o dinheiro era uma deliberada invenção humana — e não, como é o fato, o resultado de um processo evolucionário. Aristóteles também não conseguiu entender por que a demanda por dinheiro nunca é ilimitada. Particularmente, quando levamos em conta o brilhantismo intelectual de Aristóteles, todos estes erros que ele cometeu contrastam acentuadamente com suas grandes contribuições para as outras ciências, especialmente para o campo da epistemoglogia.

É verdade que Aristóteles compartilhou os erros cometidos por Sócrates e Platão, uma vez que ele não entendeu o direito consuetudinário, nem o mercado, e nem o resto das instituições sociais como sendo ordens espontâneas. Tampouco foi ele capaz de distinguir entre sociedade civil e estado (uma distinção que os Estóicos Romanos entenderiam perfeitamente dois séculos depois). Ainda assim, no campo da epistemologia, suas contribuições foram grandiosas. Sua distinção entre potencialidade e realidade (a enteléquia) viria a ser aplicada séculos depois para explicar a evolução da natureza humana. Seu conceito de essências formais e suas concretizações especificamente materiais viria a servir de base para a distinção epistemológica entre teoria e história, permitindo sua adequada incorporação.

Mais perto do campo da ciência econômica, temos de reconhecer a introdução aristotélica ao conceito subjetivo de valor, especificamente sua distinção entre o conceito de valor de uso (subjetivo) e o conceito de valor de troca (o preço de mercado em unidades monetárias). Isso, até certo ponto, forneceu as bases para o elo entre o mundo interior e subjetivo das valorações e o mundo exterior e objetivo dos cálculos numéricos, que é o que torna possível o cálculo econômico.

Finalmente, em contraste ao estatismo socialista de Sócrates, e particularmente ao de Platão, Aristóteles construiu uma defesa racional da propriedade privada, uma defesa que, embora tépida e incompleta, viria a constituir, durante muitos séculos, a mais bem conhecida base filosófica para a propriedade privada.

Por último, é muito interessante observar que, durante a mesma era em que o pensamento clássico grego estava sendo forjado (do século VI ao século IV a.C.), a China antiga vivenciou o surgimento de três grandes correntes de pensamento: a dos chamados “legalistas” (que defendiam o estado centralizado), a dos confucionistas (que o toleravam) e a dos taoístas, que possuía inclinações bastante liberais e que é de extremo interesse para os historiadores do pensamento econômico. Veja mais detalhes neste artigo.

Em profundo contraste às visões dos filósofos gregos e àquelas do resto dos intelectuais ocidentais até os dias de hoje, os taoístas chineses sempre defenderam a liberdade individual e o laissez-faire ao mesmo tempo em que atacavam o uso sistemático e coercivo da violência estatal. No que tange à liberdade, os chineses foram muito mais importantes do que os gregos.
[1] Dentre elas o Partenon, que foi construído utilizando recursos que haviam sido penosamente acumulados por diferentes pólis para fins defensivos.

[2] Aqui, “liberal-clássico” significa a filosofia da liberdade como os liberais clássicos a entenderiam.

[3] Política, Livro 7.

[4] Política, Livros 3 e 4.

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