O prefeito está nu

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prefeito_nuSeguindo as recentes manifestações que começaram como um protesto contra o aumento de 20 centavos na tarifa do ônibus em São Paulo, mas que acabaram sendo um protesto contra tudo que tem revoltado os brasileiros, o prefeito de São Paulo, Fernando Haddad propôs aumentar os impostos da gasolina — que já são mais de 53% — para fazer com que este aumento de arrecadação cubra a diminuição do preço da passagem de ônibus; “o dono de carro de São Paulo subsidiaria o transporte público de sua cidade” é o que pretende seu plano.

É este o pensamento político predominante hoje em dia.

Veja bem o que Haddad está dizendo. Ele deseja algo (“diminuir o preço da passagem de ônibus”), portanto as pessoas deveriam ser forçadas a dar isto a ele. (Em nenhum momento se vislumbra a ideia de como o livre mercado poderia alcançar este resultado pacificamente. Pense em quantos bens de consumo o mercado mesmo obstruído pelo governo tornou universal e acessível mesmo para os mais pobres.)

Se eu ou você reivindicássemos isso em nossas vidas privadas, seríamos considerados bruscos. E se empreendêssemos ações concretas para conseguir estes objetivos, seríamos presos por roubo ou extorsão, merecidamente.

Por que as regras normais e sensatas da moralidade não se aplicam a prefeitos e outros ocupantes de cargos públicos? Obviamente isto é um absurdo. Como pode um subconjunto de seres humanos possuir direitos e poderes que não são possuídos por todos?

Quando éramos crianças, todos nós fomos ensinados a não bater nos outros, não pegar o que é dos outros sem permissão e a não quebrar nossas promessas. Se precisamos da cooperação de outras pessoas, o que se espera é que recorramos a persuasão. O uso da força é proibido. Estes são princípios consistentes que sustentam toda sociedade decente, e espera-se que sigamos estes princípios quando nos tornamos adultos. Na verdade, tanto a lei criminal quanto o direito civil incorporam estes princípios em suas proibições de assassinatos, assaltos, roubos, furtos e quebras de contratos.

Porém, quando um politico defende que se obrigue as pessoas a seguir seus grandes planos, as regras normais são suspensas e substituídas por regras diferentes. No mundo político, pessoas que nunca importunaram ninguém podem ser coagidas a participar de um esquema de um político por nenhum motivo. A única coisa que alegam é que o esquema não iria funcionar se não contasse com a participação de todos.

Bem, desculpem-me, mas esta justificativa não basta.

E o fato de que apenas levantar esta questão soa como algo tão estranho nos mostra o quanto a política está distante da moralidade normal. Numa sociedade educada, simplesmente não se costuma comparar um político com um criminoso comum. Mas pense a respeito. Imagine que Haddad fosse seu vizinho e ele bolasse um plano para uma associação comunitária que fosse prover diversos serviços, incluindo passagem de ônibus com desconto. “Meu plano não irá funcionar a menos que todos participem”, ele diz. Então ele ameaça todos que se recusarem a participar. O que você iria pensar deste homem? Se ele exigisse seu dinheiro sob a mira de um revólver, você chamaria a polícia, não?

Política, força e moralidade

Então porque esta exceção moral para prefeitos? Força agressiva é força agressiva. Será que importa quem aplica a força? O fato é que aquele que se recusa a participar de um programa do governo — previdência social, saúde pública, transporte subsidiado ou gratuito — não importunou ninguém. Ele não coagiu ninguém. Ele simplesmente cuidou da própria vida. Portanto, o governo deveria deixa-lo em paz. O princípio “viva e deixe viver” parecia ser levado mais em conta antigamente. Mas agora parece estar quase que completamente em desuso. Ninguém quer encarar este problema. De onde os funcionários públicos tiram a autoridade para compelir pessoas pacíficas a financiar e participar de seus programas sociais? Alguém poderia responder que a autoridade vem do próprio povo. Mas como? Já vimos que nem eu e nem você temos autoridade para iniciar agressão contra outros. Se nós ainda assim fizermos isso, somos criminosos. Então como todos nós juntos podemos ter tal autoridade? Não podemos.

Os direitos do todo não podem ser maiores que a soma dos direitos de suas partes. Frédéric Bastiat escreveu emA lei,

Se cada homem tem o direito de defender — até mesmo pela força — sua pessoa, sua liberdade e sua propriedade, então os demais homens têm o direito de se concertarem, de se entenderem e de organizarem uma força comum para proteger constantemente esse direito.
O direito coletivo tem, pois, seu princípio, sua razão de ser, sua legitimidade, no direito individual. E a força comum, racionalmente, não pode ter outra finalidade, outra missão que não a de proteger as forças isoladas que ela substitui.
Assim, da mesma forma que a força de um indivíduo não pode, legitimamente, atentar contra a pessoa, a liberdade, a propriedade de outro indivíduo, pela mesma razão a força comum não pode ser legitimamente usada para destruir a pessoa, a liberdade, a propriedade dos indivíduos ou dos grupos.

Ninguém conseguiu até hoje refutar o argumento de Bastiat. Não existe refutação para isso. Além disso, este princípio é uma ideia que forjou a liberdade norte-americana, e, consequentemente, do resto do mundo. Foi o que Thomas Jefferson quis dizer quando escreveu que “todos os homens são criados iguais” na Declaração da Independência americana. Com certeza ele não quis dizer que as pessoas são iguais em inteligência, talento, disposição, ambição, força física etc. E ele não poderia querer dizer simplesmente que eles deveriam ser iguais perante a lei, porque seria muito primário; podemos imaginar uma sociedade em que a lei trate todos muito mal, porém, igualmente mal. Mesmo a igualdade de liberdade não representa o que Jefferson quis dizer, porque existiram sociedades em que praticamente todos possuíam uma pequena e igual porção de liberdade.

Não precisa haver nenhuma dúvida sobre o que Jefferson quis dizer. Roderick Long nos lembra que Jefferson pegou emprestado a filosofia da Declaração de John Locke, o qual era bastante claro sobre o que ele queria dizer por igualdade. Em seu Segundo Tratado sobre o Governo, Locke diz que igualdade é um estado

onde a reciprocidade determina todo o poder e toda a jurisdição, ninguém tendo mais que os outros; evidentemente, seres criados da mesma espécie e da mesma condição, que, desde seu nascimento, desfrutam juntos de todas as vantagens comuns da natureza e do uso das mesmas faculdades, devem ainda ser iguais entre si, sem subordinação ou sujeição. . . .[ênfases inseridas]

Locke prossegue para elaborar o que Long chama de “igualdade de autoridade”:

[S]endo todos iguais e independentes, ninguém deve lesar o outro em sua vida, sua saúde, sua liberdade ou seus bens. . . . Dotados de faculdades similares, dividindo tudo em uma única comunidade da natureza, não se pode conceber que exista entre nós uma “hierarquia” que nos autorizaria a nos destruir uns aos outros, como se tivéssemos sido feitos para servir de instrumento às necessidades uns dos outros, da mesma maneira que as ordens inferiores da criação são destinadas a servir de instrumento às nossas.

lei.jpgPortanto, se Fernando Haddad, cidadão privado, não pode legitimamente forçar você e eu a pagar pela passagem de ônibus de outra pessoa quando compramos gasolina para nós, o prefeito Fernando Haddad também não pode — mesmo se 99,99% das pessoas apoiasse a ideia. A moralidade não é apropriadamente determinada pela regra da maioria.

As pessoas permitiram que suas liberdades fossem retiradas porque não conseguiram seguir o senso comum e a lógica simples. Negligenciaram o fato de que políticos não podem ter nenhum poder que indivíduos privados não possuam. Engoliram a propaganda de que todas as pessoas foram criadas iguais, mas que algumas são mais iguais que outras. O povo se tornou os súditos que tinham medo de contar ao Rei que ele estava sem roupa com receio de serem considerados estúpidos. E os políticos têm toda a intenção de nos explorar desta mesma forma.

Onde está o corajoso garoto que gritou que o Rei estava nu?

O texto foi levemente adaptado apenas substituindo o nome do político (Hillary Clinton) e a intervenção (saúde pública).

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