Ao defenderem os princípios de uma sociedade livre, os libertários frequentemente esbarram em obstáculos de todos os tipos. Tal empreitada pode ser encarada como uma batalha ou — melhor ainda — como um comercial de vendas. Mas o fato é que nossos métodos de persuasão e de debate são uma parte muito importante da nossa mensagem. É deles que depende o sucesso da empreitada. Portanto, algumas vezes, nossos erros se transformam no maior obstáculo para o nosso sucesso. Vejamos agora três erros muito comuns.
1. Pensar que o libertarianismo é “intuitivo” ou “óbvio”
É verdade que certas posições morais (como, por exemplo, contra o roubo ou o assassinato) são universais e suficientemente intuitivas. Porém, todo o edifício teórico não é óbvio e tampouco fácil de ser compreendido. O problema é que a maioria dos libertários se esquece de como eles aprenderam e, principalmente, se esquecem de como eram ignorantes antes de adquirirem o conhecimento. Assim, eles projetam uma luz de conhecimento sobre todo o seu passado, comportando-se como se já possuíssem aquele conhecimento desde sempre.
Isso é fácil de ser observado naqueles que já leram gigantes como Mises e Rothbard. Tão logo absorvemos algumas de suas perspicazes observações, inevitavelmente as internalizamos e passamos a pensar e agir como se tais constatações fossem absolutamente “óbvias” para todos os outros. Mas o problema é que elas não são. Nós adquirimos o conhecimento ao longo de anos de estudo, lendo dezenas de livros. Todo libertário que conheço continua a ler e a debater os fundamentos do libertarianismo — e não apenas sua aplicação aos eventos atuais ou à história. Isso, para mim, mostra que o libertarianismo é um edifício com muitas partes ainda em construção. Mesmo que alguns possam resumi-lo de várias formas, elas jamais poderão substituir a totalidade da doutrina.
2. Pressupor um ponto em comum com todo o resto
Aquele conflito essencial que perpassa toda a história da humanidade — Liberdade versus Poder — pode ser compreendido apenas quando os fundamentos básicos são adequadamente identificados. Comecemos pela liberdade. Em tempos antigos, a liberdade era definida como a capacidade de poder participar em tomadas de decisão coletivas e de ter independência em relação a outras nações. Portanto, a liberdade era uma questão de participação política e de soberania nacional. O indivíduo não era uma unidade política relevante. E assim permaneceu até o advento do Humanismo, quando o indivíduo foi colocado no centro da análise política e econômica. Foi a partir daí que a Liberdade começou a ter o significado que nós libertários precisamos que ela tenha a fim de possibilitar que nossas constatações sejam populares em qualquer época e lugar.
Poder, por outro lado, para nós significa poder político. Ele surge do uso da força ou da ameaça do uso da força. A educação, a mídia e os valores tradicionais sem dúvida influenciam o comportamento humano, mas todos eles podem ser escolhidos ou rejeitados se preciso for. É por isso que toda aquela conversa de comerciais ou conteúdos televisivos exercerem poder sobre a sociedade não se sustenta. Porém, da mesma forma, ideias como “patrões opressivos” ou “tirania masculina” são enganosas. Patrões não têm o poder de privar nenhum indivíduo de seus direitos, pois ter um patrão (em contraste com um senhor de escravos, um ditador socialista, um soberano ou um rei) significa que o indivíduo entrou voluntária e livremente em um contrato. Por conseguinte, patrões implicam direitos, e onde há direitos há liberdade, e o poder opressivo inexiste. Um patrão pode ser exigente, reclamão e rude, mas enquanto o indivíduo tiver a liberdade de “sair”, não está havendo opressão.
Tirania masculina significa estritamente que são negados às mulheres seus direitos políticos (individuais) à integridade pessoal e à propriedade. Porém, se ocorre uma discriminação de gênero quando tais direitos estão totalmente presentes — como ocorre na maioria dos países ocidentais —, então tal discriminação nada mais é que um direito (de liberdade) de terceiros. Quando se prefere homens a mulheres para um determinado tipo de trabalho que pode ser perfeitamente executado por mulheres, quem está perdendo com isso é a empresa, que está se privando de talentos femininos. Porém, em muitas profissões que lidam com questões de segurança física e força bruta, tal discriminação não é apenas necessária; é sábia e compreensiva. Achar que está havendo ausência de direitos femininos quando, na verdade, está havendo apenas uma discriminação pró-homens (como no caso da escolha de homens para um trabalho que pode ser perfeitamente executado por mulheres) é algo perigoso, pois irá dar espaço para intervenções estatais, as quais tentarão “corrigir” um problema inexistente — ou, na melhor das hipóteses, um problema que deve ser resolvido (caso seja necessário) por meios civis e pacíficos.
Portanto, o “poder” deve ser entendido como uma manifestação de poder político. Seus vínculos com quaisquer formas culturais são apenas isso: vínculos.
Se liberdade e poder devem ser assentidos para que o discurso libertário faça todo o sentido, o mesmo é válido para os conceitos de propriedade, contrato, mercado, estado, leis e vários outros. Não podemos pressupor um ponto em comum com todo o resto — especialmente nesses tempos pós-modernos, em que cada conceito ocidental está sendo matizado e redefinido pelos tiranos locais.
3. Ironicamente, esquecer-se da importância das ideias e da persuasão
Estreitamente relacionado aos pontos 1 e 2, os libertários algumas vezes pensam que, a partir de certo momento, as ideias deixam de ter importância. Tão logo o indivíduo adotou uma visão de mundo libertária, há uma forte tentação de se esquecer da difusão das ideias e passar a considerar todas aquelas pessoas que acham que o estado ainda deve exercer algumas funções como um bando de preguiçosos, de idiotas ou de corruptos. Sendo um ex-social democrata, bem sei que não é assim: vários pensadores e ativistas políticos são bem intencionados; eles apenas não tiveram a sorte de compreender aquelas noções pelas quais temos tanto apreço.
Pode estar certo de que a maioria possui uma boa noção das nossas posições; porém, como qualquer bom professor pode atestar, isso não é o suficiente. Incorporar uma ideia por completo exige não apenas uma boa exposição aos conceitos desta, mas também um estado de espírito adequado, que propicie a disposição ao aprendizado. Muitos libertários manejam seus insights como se fossem espadas, adotando uma atitude de superioridade moral, procurando sempre punir o não-convertido. Como qualquer fanático por músicas pode atestar, se você quer que um amigo seu passe a gostar do álbum de uma banda que você idolatra, uma proposição frontal quase nunca vai funcionar. Com o ego humano sendo como é, esse objetivo certamente será consumado por meios mais sutis, como quando você faz parecer como se fosse ele próprio quem tivesse descoberto a banda.
Entenda: é a nossa atitude que afasta as pessoas das ideias. Se elas, as ideias, fossem intuitivas, a persuasão não seria necessária. Mas elas não são. Porém, se elas fossem, então seríamos duplamente culpados: isso significaria que as ideias socialistas, por sua vez, seriam contra-intuitivas; e, ainda assim, a persistência e a habilidade persuasiva dos socialistas foram capazes de levá-las a um êxito mundial. O que houve?
Concluindo, o libertarianismo se beneficiaria enormemente caso reconhecêssemos que a batalha das ideias políticas é apenas um caso especial dentro da batalha filosófica global sobre conceitos e significados. Da mesma forma, não seria nada doloroso lembrarmos a nós mesmos de que uma visão de mundo como o libertarianismo deve estar sujeita aos mesmos princípios a que estão submetidos quaisquer outros bens no mercado, ainda que o mercado de ideias seja severamente obstruído e voltado contra a liberdade humana.
Se quisermos ter êxito nesse mercado, se quisermos ganhar os corações e mentes de nossos contemporâneos, precisamos nos lembrar de como esse bem foi vendido para nós em primeiro lugar. Adotarmos uma postura diretamente antagônica, criando hostilidade e inimizade, pressupondo como óbvias ideias que hoje são difíceis de se compreender de primeira — graças a 150 anos de controle socialista da educação —, é uma receita certa para o fracasso.