O conceito austríaco de eficiência dinâmica
O termo “eficiência” é derivado etimologicamente do verbo latim ex facio, que significa “obter algo de”. A aplicação à economia do conceito de eficiência como sendo a capacidade de “obter algo de” antecede o mundo romano e pode ser datado à Grécia antiga, onde o termo Oeconomia foi primeiramente utilizado para se referir à administração eficiente do lar de uma família.
Vale lembrar que Xenofonte, em sua obra Oeconomicus, escrita em 380 a.C., explica que há duas maneiras distintas de se aumentar o patrimônio da família; cada uma de suas maneiras equivale a um conceito distinto de eficiência. A primeira maneira corresponde ao conceito estático de eficiência, e consiste na administração austera e sensata dos recursos disponíveis (ou os recursos existentes na natureza), evitando que eles sejam desperdiçados. De acordo com Xenofonte, a melhor maneira de se alcançar esta eficiência estática é mantendo o lar em bom estado.
No entanto, junto com o conceito estático de eficiência, Xenofonte introduz um conceito distinto, o da eficiência “dinâmica”, o qual consiste na tentativa de se aumentar o patrimônio por meio da criatividade empreendedorial — ou seja, mais pelo comércio e pela especulação do que pelo esforço em se evitar o desperdício dos recursos já disponíveis. Esta tradição de fazer uma clara distinção entre os dois diferentes conceitos de eficiência, a estática e a dinâmica, durou até a Idade Média. Por exemplo, São Bernardino de Siena escreveu que os lucros dos comerciantes eram justificáveis não somente por causa de sua sensata administração dos recursos disponíveis, mas também, e principalmente, pela assunção dos riscos e perigos (do latim pericula) inerentes a qualquer especulação empreendedorial.
Infelizmente, o desenvolvimento da física mecânica, que começou na Era Moderna, teve uma influência bastante negativa sobre a evolução do pensamento econômico, especialmente após o século XIX, quando a ideia de eficiência dinâmica já estava quase que totalmente esquecida pela ciência econômica.
Tanto o austríaco Hans Mayer, antes da Segunda Guerra Mundial, quanto Philip Mirowski, atualmente, enfatizaram que a economia neoclássica convencional desenvolveu-se como sendo uma cópia perfeita da física mecânica do século XIX — utilizando o mesmo método formal, mas substituindo o conceito de energia pelo de utilidade, e aplicando os mesmos princípios de conservação, maximização do resultado e minimização de perdas. O autor mais representativo desta tendência negativa foi Leon Walras, que, em sua monografia de 1909, “Economics and Mechanics”, afirmou que as fórmulas matemáticas de seu livro Elements of Pure Economics eram idênticas àquelas da física matemática.
Em suma, a influência da física mecânica erradicou a dimensão criativa, especulativa e dinâmica que estava implícita na ideia de eficiência econômica desde o início, e tudo o que restou foi o aspecto estático e reducionista, o qual consiste unicamente em minimizar o desperdício dos recursos econômicos (os quais já estão disponíveis e são conhecidos). Esta mudança ocorreu não obstante o fato de que, na vida real, nem os recursos e nem a tecnologia são “dados constantes”; eles variam continuamente como resultado da criatividade empreendedorial.
O conceito reducionista da eficiência estática teve uma enorme influência teórica e prática no século XX. Os socialistas fabianos Sydney e Beatrice Webb nos fornecem um bom exemplo. Este casal se sentia extremamente abalado com o “desperdício” que eles acreditavam ser gerado pelo sistema capitalista, e por isso fundaram a London School of Economics como um esforço para promover a reforma socialista do capitalismo. O objetivo desta reforma socialista seria eliminar o desperdício e tornar o sistema econômico mais “eficiente”. Com o tempo, os Webbs não mais guardavam segredo e passaram a confessar abertamente sua calorosa admiração pela “eficiência” que acreditavam ter observado na Rússia soviética, ao ponto de Beatrice chegar a declarar que “Apaixonei-me pelo comunismo soviético.”
Outro autor completamente influenciado pelo conceito estático de eficiência econômica foi o próprio John Maynard Keynes, que, em sua introdução à edição alemã de A Teoria Geral, em 1936, afirmou abertamente que suas políticas econômicas sugeridas “se adaptam muito mais facilmente às condições de um estado totalitário”. Keynes também elogiou copiosamente o livro Soviet Communism, que Sidney e Beatrice Webb haviam publicado três anos antes.
Adicionalmente, nos anos 1920 e 1930, o conceito estático de eficiência econômica se tornou o ponto central de toda uma nova disciplina, que passou a ser chamada de “economia do bem-estar“, a qual foi desenvolvida a partir de abordagens alternativas, dentre as quais a abordagem de Pareto é mais conhecida.
De uma perspectiva paretiana, um sistema econômico está em um estado de eficiência quando ninguém é capaz de melhorar sua situação sem necessariamente piorar a situação de outra pessoa.
Nossa principal crítica à economia do bem-estar é que ela reduz o problema da eficiência econômica a um simples problema matemático de maximização, no qual todos os dados econômicos são presumidos como sendo já conhecidos e constantes. No entanto, estas presunções são completamente equivocadas: todos os dados da economia estão em contínua mudança em decorrência da criatividade empreendedorial.
E é exatamente por esta razão que temos de introduzir um novo conceito, o da eficiência dinâmica, o qual deve ser entendido como a capacidade de estimular a criatividade empreendedorial e a coordenação. Em outras palavras, a eficiência dinâmica consiste na capacidade empreendedorial de descobrir oportunidades de lucro e de coordenar e superar quaisquer desajustes sociais ou descoordenações.
Em linguagem de economia neoclássica, o objetivo da eficiência dinâmica não deve ser o de empurrar o sistema em direção à fronteira de possibilidades de produção, mas sim o de expandir e aprimorar a criatividade empreendedorial e, com isso, “deslocar” a curva de possibilidade de produção continuamente para a direita.
A palavra “empreendedorismo” é derivada etimologicamente do termo latim in prehendo, que significa “descobrir”, “ver”, “perceber” algo. Neste sentido, podemos definir empreendedorismo como sendo a capacidade tipicamente humana de reconhecer as oportunidades de lucro que aparecem no ambiente e agir apropriadamente para tirar proveito delas.
Empreendedorismo, portanto, envolve um tipo especial de alerta, a capacidade de estar sempre vigilante e atento. Também totalmente aplicável à ideia de empreendedorismo é o verbo “especular”, o qual advém do termo latim specula, que se refere às torres das quais as sentinelas conseguiam ver ao longe e detectar qualquer coisa que se aproximasse.
Toda e qualquer ação empreendedorial não apenas cria e transmite novas informações como também coordena o até então descoordenado comportamento dos agentes econômicos. Sempre que um indivíduo descobre ou cria uma oportunidade de lucro e compra barato um determinado recurso e o revende a um preço mais alto, ele está fazendo com que o comportamento até então descoordenado dos proprietários daquele mesmo recurso (os quais muito provavelmente estavam esbanjando-o e desperdiçando-o) seja harmonizado com o comportamento daqueles que necessitam deste recurso. Portanto, a criatividade e a coordenação são dois lados de mesma moeda (“empreendedorial”).
Do ponto de vista dinâmico, um indivíduo, uma empresa, uma instituição ou até mesmo todo um sistema econômico será tanto mais eficiente quanto mais ele promover a criatividade e a coordenação empreendedorial.
E desta perspectiva dinâmica, o objetivo realmente importante não é tanto o de evitar o desperdício de determinados meios considerados como já conhecidos e disponíveis, mas sim o de continuar descobrindo e criando novos meios e fins.
Para uma abordagem mais ampla deste assunto, recomendaria as principais obras de Mises, Hayek, Kirzner e Rothbard sobre a ideia de o mercado ser um processo dinâmico conduzido pelo empreendedorismo e sobre a noção de concorrência como sendo um processo de descoberta e criatividade.
Em minha opinião, estes autores austríacos são os que nos fornecem o mais exato conceito de eficiência dinâmica, o qual se diferencia daquele conceito mais imperfeito de eficiência dinâmica desenvolvido tanto por Joseph Schumpeter quanto por Douglass North.
North e Schumpeter oferecem perspectivas totalmente opostas. Enquanto Schumpeter considera exclusivamente o aspecto da criatividade empreendedorial e seu poder destrutivo (cujo processo ele chama de “destruição criativa”), Douglass North se concentra em outro aspecto, o qual ele chama de “eficiência adaptativa”, ou a capacidade coordenadora do empreendedorismo. Portanto, o verdadeiro conceito austríaco de eficiência dinâmica, aquele desenvolvido por Mises, Hayek e Kirzner, combina a dimensão criativa com a dimensão coordenadora; já Schumpeter e North estudam ambos estes conceitos de maneira separada, fracionada e reducionista.
Eficiência dinâmica e ética
Qual a relação íntima que existe entre a ética e o conceito da eficiência dinâmica acima apresentado?
A convencional teoria econômica neoclássica baseia-se na ideia de que as informações do mercado são objetivas e conhecidas por todos (em termos probabilísticos ou exatos), e que a questão da maximização de utilidade não possui absolutamente nenhuma ligação com considerações morais.
Adicionalmente, o ponto de vista estático — o qual é dominante no ensino atual de economia — leva à conclusão de que os recursos são, de certa maneira, dados e conhecidos por todos, e que, portanto, o problema econômico de sua distribuição é separado e diferente do problema de sua produção. Mas a verdade é que, se os recursos já são dados e conhecidos, é de vital importância investigar qual a melhor maneira de alocar entre diferentes pessoas tanto os meios de produção disponíveis quanto os bens de consumo por eles produzidos.
Toda esta abordagem neoclássica se esfacela como um castelo de areia caso optemos por seguir o conceito dinâmico do processo de mercado, fundamentado na teoria do empreendedorismo e na noção de eficiência dinâmica acima explicadas. Desta perspectiva, cada ser humano possui uma capacidade criativa ímpar e específica, a qual o permite continuamente perceber e descobrir novas oportunidades de lucro. O empreendedorismo consiste na capacidade tipicamente humana de criar e descobrir novos meios e fins, e é a mais importante característica da natureza humana.
Se os meios, os fins e os recursos nunca são dados e conhecidos por todos, mas sim são continuamente criados do nada em consequência da ação empreendedorial de seres humanos, então resta claro que o fundamental problema ético não mais é o de como distribuir de maneira justa tudo aquilo que já existe, mas sim o de como promover a criatividade e a coordenação empreendedorial.
Consequentemente, no campo da ética social, chegamos à fundamental conclusão de que a ideia de que seres humanos são agentes criativos e coordenadores implica a axiomática aceitação do princípio de que cada ser humano possui o direito natural de se apropriar de todos os resultados de sua criatividade empreendedorial. Ou seja, a apropriação privada dos frutos da descoberta e da criação empreendedorial é um princípio autoevidente das leis naturais.
E é assim porque, se um indivíduo empreendedor não pudesse reivindicar para si aquilo que ele criou ou descobriu, sua capacidade de detectar oportunidades de lucro estaria completamente bloqueada, e seu incentivo para agir desapareceria. Adicionalmente, este princípio é universal no sentido de que ele pode ser aplicado para todas as pessoas, a todos os momentos, em todos os lugares.
Impedir que a ação humana seja totalmente livre, coagindo-a de modo a proibir que as pessoas tenham o direito de possuir integralmente tudo aquilo que elas empreendedoristicamente criaram não apenas é dinamicamente ineficiente, uma vez que obstrui sua criatividade e capacidade de coordenação, como também é fundamentalmente imoral, uma vez que tal coerção impede os seres humanos de desenvolverem aquilo que é, por natureza, inerente a eles: sua capacidade inata de imaginar e criar novos meios e fins para tentar alcançar seus próprios objetivos e aspirações. Exatamente por estes motivos, não somente o socialismo e o intervencionismo, mas também toda e qualquer forma de estatismo e tributação, são não apenas dinamicamente ineficientes, como também eticamente injustos e imorais.
Vale enfatizar que a força da criatividade empreendedorial também se manifesta no desejo de se ajudar os mais pobres e na busca sistemática por situações em que terceiros estão necessitados, com o intuito de ajudá-los. Com efeito, a coerciva intervenção estatal, por meio dos mecanismos típicos do chamado “estado de bem-estar social”, neutraliza e, em grande medida, obstrui o esforço empreendedorial de se ajudar um semelhante que está passando por dificuldades. Os incentivos para o auxílio ao próximo são tolhidos e a tarefa acaba sendo transferida para o aparato estatal, o qual, justamente por funcionar fora de um ambiente de eficiência dinâmica, simplesmente não tem como agir de maneira correta.
Adicionalmente, de acordo com nossa análise, nada é mais (dinamicamente) eficiente do que a justiça (entendida em seu sentido correto). Se pensarmos no mercado como um processo dinâmico, então a eficiência dinâmica, entendida como coordenação e criatividade, é resultante do comportamento de seres humanos que seguem determinadas leis morais (principalmente no que diz respeito à vida, à propriedade privada e ao cumprimento de contratos).
Somente quando o exercício da ação humana está sujeito a estes princípios éticos é que ela pode gerar processos sociais dinamicamente eficientes. Portanto, do ponto de vista dinâmico, a eficiência é incompatível com os diferentes modelos de igualdade ou justiça (contradizendo o segundo teorema fundamental da economia de bem-estar). A eficiência advém de apenas uma ideia de justiça: aquela baseada no respeito à propriedade privada, ao empreendedorismo e, como veremos mais abaixo, também aos princípios da moralidade pessoal. Sendo assim, não há nenhuma contradição entre eficiência e justiça — desde que, por “justiça”, entendamos seu conceito genuíno, e não aquele especificado pelos filósofos sociais.
O que é justo não pode ser ineficiente, e o que é eficiente não pode ser injusto. Uma análise dinâmica revela que a justiça e a eficiência são dois lados da mesma moeda, o que também confirma a ordem consistente e integrada que existe no espontâneo universo social das interações humanas.
Por fim, abordemos algumas ideias sobre a relação entre eficiência dinâmica e os princípios da moralidade pessoal, especialmente no campo da família e das relações sexuais.
Até aqui, analisamos a ética social e discutimos os princípios essenciais que fornecem a estrutura que possibilita a eficiência dinâmica. Mas é fora deste âmbito que estão os mais íntimos princípios da moralidade pessoal. A influência dos princípios da moralidade pessoal sobre a eficiência dinâmica quase nunca são estudados e, em todo caso, são considerados como se fossem separados e distintos da ética social. No entanto, creio que esta separação é completamente injustificada.
Com efeito, existem princípios morais de grande importância para a eficiência dinâmica de qualquer sociedade, os quais estão sujeitos a este aparente paradoxo: a incapacidade de segui-los em um nível pessoal gera enormes custos em termos de eficiência dinâmica; porém, a tentativa de impor estes princípios morais por meio da força estatal irá gerar ineficiências ainda mais severas. Logo, certas instituições sociais são necessárias para transmitir e estimular estes princípios morais individuais, os quais, por sua própria natureza, não podem ser impostos pela violência e pela coerção, mas são, não obstante, de grande importância para a eficiência dinâmica de qualquer sociedade.
É principalmente através da religião e da família que os seres humanos, geração após geração, conseguem internalizar estes princípios e, assim, aprendem a mantê-los e a transmiti-los para seus filhos. Os princípios relacionados à moralidade sexual, à criação e à preservação da instituição da família, à fidelidade entre os cônjuges, ao cuidado com os filhos, ao controle de nossos instintos primitivos, e à superação e coibição da inveja são todos de crucial importância para todo e qualquer bem sucedido processo social de criatividade e coordenação.
Como Hayek nos ensinou, tanto o progresso da civilização quanto o desenvolvimento econômico e social requerem uma população em constante expansão que seja capaz de sustentar e absorver, em meio a este contínuo aumento no número de pessoas, o crescimento ininterrupto no volume de conhecimento social gerado pela criatividade empreendedorial. A eficiência dinâmica depende da criatividade das pessoas e de sua capacidade de coordenação; e, tudo o mais constante, ela tende a crescer quando o número de seres humanos aumenta. Mas tal eficiência dinâmica só pode acontecer dentro de uma determinada estrutura de princípios morais que governe as relações familiares.
No entanto, como afirmei, isto representa um paradoxo. Toda a estrutura de princípios morais pessoais não pode ser imposta pela coerção violenta. A imposição de princípios morais pela força ou pela coerção irá gerar uma sociedade fechada e inquisitorial, privando os seres humanos de suas liberdades individuais, as quais englobam o empreendedorismo e a eficiência dinâmica.
Este fato revela exatamente a importância de métodos alternativos e não coercitivos de orientação social que mostrem às pessoas os mais íntimos e pessoais princípios morais, e estimulem sua incorporação e observância. Podemos concluir que, tudo o mais constante, quanto mais firmes e mais duradouros são os princípios morais individuais de uma sociedade, maior tenderá a ser sua eficiência dinâmica.