Quem realmente está causando a carestia no Brasil – números atualizados para junho

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charge-lute-inflacao (1)A percepção da carestia na rotina dos brasileiros é real. Nas filas de supermercados, nos restaurantes a quilo, no comércio em geral e nos serviços contratados, as reclamações já não se restringem a apenas um ou outro bem ou serviço.  A realidade é que a palavra inflação voltou com tudo para o léxico dos consumidores.

De fato, os números da carestia são bastante preocupantes.  No setor de serviços, por exemplo, a inflação de preços acumulada em 12 meses foi de 9,20% em junho.  Esse foi omaior valor desde 1999 — ano em que foram adotados o sistema de metas de inflação e o uso da SELIC como ferramenta básica para a política monetária.

Já a inflação acumulada em 12 meses para os bens não-comercializáveis — ou seja, todos os produtos e serviços que não sofrem concorrência de importados — fechou junho em 7,63%, após chegar ao pico de 9,70% em maio de 2013.

Em todo o governo Dilma, a média da inflação de preços do setor de serviços está, no momento, em 8,48% ao ano.  E a média da inflação de preços dos bens não-comercializáveis está em 8,28%.  Para ambos os casos, trata-se da maior média já observada desde 1999.

Ou seja, esses dois lamentáveis recordes de carestia pertencem ao governo Dilma e à atual equipe do Banco Central, que já se consolidou como a pior da era do real.  Tal incompetência, no mínimo, ajuda a explicar por que as pessoas repentinamente se tornaram preocupadas com a carestia e por que a popularidade da presidente segue em queda.

No entanto, um fenômeno inusitado vem chamando a atenção: no início de abril de 2013, a taxa SELIC estava em 7,25%.  Um ano depois, ela já está em 11%.  A inflação de preços, no entanto, segue impávida.

Esse fenômeno açulou uma controvérsia que até então estava razoavelmente adormecida: afinal, o Banco Central elevar a taxa básica de juros funciona ou não para combater a inflação?

Até mesmo alguns colunistas mais experientes se mostram particularmente atordoados.  Segundo eles, após todo esse “aperto monetário” promovido pelo Banco Central, era para a inflação de preços ter arrefecido.  Mas isso não ocorreu.  Pior ainda: a carestia não apresenta o mais mínimo sinal de folga.  Por quê?

A pergunta que várias pessoas estão fazendo é: se a economia está crescendo pouco — a média do crescimento econômico do governo Dilma só será melhor que a média obtida nos 3 anos do governo Collor — e a criação de empregos está estagnada há um ano, de onde está vindo a pressão para essa carestia?  Por que os preços seguem subindo e não dão sinais de arrefecimento?

Há duas causas.

A primeira causa

A primeira causa — que não é a principal — está ligada às expectativas ruins dos agentes econômicos.

Segundo alguns analistas, a falta de uma política fiscal mais austera e transparente seria o principal motivo de as expectativas de inflação ainda se mostrarem resistentes.  Essas expectativas negativas dos agentes econômicos, que pioram continuamente, estariam estimulando remarcações preventivas nos preços.

Já outros analistas afirmam que o governo errou ao permitir que a inflação se mantivesse longe do centro da meta — de 4,5% ao ano — por tanto tempo.  Isso enviou aos agentes econômicos a mensagem de que o governo é tolerante com a inflação, o que ampliou a onda de pessimismo e desconfiança.

Para piorar, a evidente submissão da atual equipe do Banco Central às pretensões políticas de Dilma — que, junto com Guido Mantega e Arno Augustin, implantou uma malfadada “Nova Matriz Econômica” — jogou a credibilidade do BACEN ao chão.

Empenhada em ter a menor SELIC da história, Dilma pressionou para que o BACEN atuasse nesse sentido. Obediente, o BACEN reduziu a taxa básica de juros para 7,25% em outubro de 2012, o menor nível de sua história.  E nesse valor ela permaneceu por seis meses, mesmo com a carestia já em ascensão.  Ao mostrar essa submissão ao Palácio do Planalto, o Banco Central perdeu toda aquela confiança que usufruía junto ao mercado durante a gestão Henrique Meirelles.

Portanto, para esses analistas, o maior problema da economia brasileira é a desconfiança gerada pelo governo.  Ela estaria inibindo os investimentos produtivos que poderiam aditivar a economia, gerar um aumento da oferta e, com isso, arrefecer um pouco a pressão sobre os preços.

Aquelas distorções que sempre oprimiram a economia brasileira, e com as quais fomos forçados a conviver passivamente — como infraestrutura precária, carga tributária sufocante, burocracia asfixiante e baixa qualidade da mão-de-obra —, não estão, no momento, no topo da lista de reclamações.  Por ora, não são esses os problemas que estão inibindo empresários a aumentar seus investimentos.  O problema realmente é a falta de credibilidade do governo.

Ao colocar em risco os fundamentos mais básicos da economia, ao aceitar a inflação de preços no teto na meta por tanto tempo, ao gastar mais do que arrecada, e ao fazer intervencionismos pontuais — como intervir em contratos no setor de energia, alterar o marco do setor petrolífero, segurar os preços dos combustíveis, e adotar políticas de impostos e de tarifas de importação com o intuito de incentivar alguns setores escolhidos segundo critérios políticos e eleitoreiros —, o governo criou insegurança e se transformou no maior inibidor dos investimentos, cuja ausência restringe a oferta e pressiona os preços para o alto.

Muito bem.

Todos esses argumentos apresentados pelos analistas estão corretos.  Os fatos são verdadeiros e a lógica é impecável.  Com efeito, a questão das expectativas é essencial para o bom funcionamento de uma economia.  O economista americano Robert Higgs, seguidor da Escola Austríaca, cunhou o termo “Incerteza Gerada pelo Regime”, e sua obra explica cristalinamente tudo isso que estamos vivenciando na prática aqui no Brasil.

Havendo previsibilidade, regras claras, inflação sob controle e um governo comprometido com um orçamento equilibrado, até mesmo deficiências graves como infraestrutura precária, impostos altos, burocracia soviética e mão-de-obra cara e pouco produtiva não se tornam obstáculos intransponíveis.  Os investimentos ainda ocorrem.  Porém, quando o governo intervém, passa a fazer microgerenciamentos, e deixa claro que questões básicas como inflação de preços e responsabilidade fiscal não mais são importantes, a coisa degringola.  As questões objetivas, como os problemas estruturais do país, deixam de pesar nas decisões empresariais.  Um fator subjacente — a desconfiança — ganha proeminência e se torna o mais influente.

No entanto, ainda há um problema: embora todos esses fatos e argumentos sejam verdadeiros, eles, por si sós, não explicam completamente a carestia.  Há algo mais poderoso por trás de tudo isso, e que está dando sustento a esses contínuos e inabalados aumentos de preços.

A segunda e principal causa da carestia

Poucos sabem, mas, no Brasil, por determinação do governo federal, praticamente metade dos empréstimos feitos pelos bancos cobram juros menores do que a SELIC.

Em outras palavras, isso significa que metade dos empréstimos feitos pelos bancos praticamente não são afetados por aumentos da taxa básica de juros da economia, a qual, supostamente, deveria servir de baliza para todas as outras taxas de juros da economia.

Ou, falando ainda mais claramente, isso significa que o Banco Central pode subir a SELIC o quanto quiser — as taxas de juros destes empréstimos praticamente não serão afetadas.

Esta modalidade de crédito é chamada de “crédito direcionado” ou também de “crédito com recursos direcionados”.  Consiste na obrigatoriedade do fornecimento de empréstimos subsidiados para o setor rural, para o setor imobiliário (aquisição de imóveis), para o setor exportador e para grandes barões do setor industrial.

E quem são os bancos que fazem esses empréstimos cujos juros praticamente não são afetados pela SELIC?  Os bancos estatais, majoritariamente Caixa Econômica Federal, Banco do Brasil e BNDES.

Veja aqui nesta tabela alguns valores.  Observe na coluna “taxa de juros” os valores cobrados das pessoas físicas e das pessoas jurídicas.  De abril de 2013 a junho de 2014, a SELIC subiu de 7,25% para 11%, quase quatro pontos percentuais.  No entanto, neste mesmo período, a média das taxas de juros do crédito direcionado moveu-se pouco mais de 1 ponto percentual: para as pessoas jurídicas, a média dos juros subiu de 7,2% para 8,7%; e para as pessoas físicas, subiu de 6,7% para 7,9%.  Ambas estão bem abaixo da SELIC.

Quer um exemplo prático do que isso significa?  Um conhecido meu (eu sei, também odeio esse clichê de “conhecido meu”, mas juro que o caso é verídico), que é produtor rural, comprou uma Strada de R$40.000 por meio de um programa do governo federal chamado Pronaf (Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar).  Esse programa obriga o Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal a fazerem empréstimos a juros subsidiados para produtores rurais.  A taxa de juros cobrada?  Meros 3% ao ano.  É sério, pode conferir aqui, no item 9.  Essa taxa de juros é simplesmente metade da taxa de inflação anual.  Aliás, como mostra o link, dependendo do preço do maquinário adquirido, a taxa de juros pode ser de mísero 1,5% ao ano.

Outro exemplo: o Banco do Brasil está oferecendo empréstimos para a aquisição de imóveis a juros de 6,22% ao ano, uma taxa que também é menor do que a inflação de preços.  Um banquete para os especuladores imobiliários.  E há também o inefável BNDES, cujos empréstimos para o grande baronato industrial cobram juros de ínfimos 5% ao ano.

E então, você sabia que, para a metade do seu crédito, o Brasil tem um dos menores juros reais do mundo?

A taxa SELIC influencia apenas o chamado “crédito livre” ou “crédito com recursos livres”.  Como o próprio nome diz, trata-se dos empréstimos que os bancos podem fazer para quem quiser, cobrando juros de mercado.  Eis aqui a tabela com os juros desta modalidade.  Bem mais altos e variando de acordo com a SELIC.

E qual a consequência de tudo isso?  O gráfico abaixo mostra de maneira translúcida.

A linha azul mostra o total de crédito concedido pelos bancos privados (Itaú, Bradesco, Santander, HSBC, Citibank e outros pequenos).  A linha vermelha mostra o total de crédito concedido pelos bancos estatais (Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal, BNDES, Banco do Nordeste e demais bancos públicos estaduais, como Banrisul, BRB, Banco da Amazônia, Banestes )

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Antes de fazermos algumas constatações, tenha em mente que, no nosso atual sistema monetário e bancário, quando uma pessoa ou empresa pega empréstimo, os bancos criam dinheiro do nada — na verdade, meros dígitos eletrônicos — e simplesmente acrescentam esses dígitos na conta do tomador do empréstimo.  Ou seja, todo esse processo de expansão de crédito nada mais é do que um mecanismo que aumenta a quantidade de dinheiro na economia.  (Mesmo o BNDES, que antigamente utilizava apenas recursos do FAT, teve sua operação alterada, e agora também se tornou uma máquina de criar dinheiro, ainda que de maneira indireta)

O gráfico acima, portanto, mostra quanto dinheiro foi criado pelos bancos privados (linha azul) e pelos bancos estatais (linha vermelha) em operações de concessão de empréstimo.

Eis algumas constatações óbvias:

1) O crédito no Brasil já se encontra efetivamente estatizado, pois o volume de crédito fornecido pelos bancos estatais ultrapassou o volume de crédito fornecido pelos bancos privados.

2) A partir de 2008, o crescimento do crédito fornecido pelos bancos estatais assumiu um formato exponencial, e, até a presente data, vem se mostrando totalmente indiferente a alterações na SELIC.  Isso ocorre porque o crédito fornecido pelos bancos estatais é majoritariamente do tipo ‘crédito direcionado’.

3) O comportamento dos bancos privados ocorre estritamente de acordo com as expectativas para a economia.  Foi comedido em 2003, eufórico de 2004 a 2008, comedido em 2009, eufórico em 2010, razoavelmente cauteloso em 2011 e desanimado a partir de 2012.

4) Os bancos estatais estão completamente fora de controle, criando dinheiro e jogando esse dinheiro na economia de forma exponencial. De 2008 até hoje, eles sozinhos jogaram mais de R$1 trilhão na economia brasileira.  Estão claramente seguindo ordens políticas.

5) São os bancos estatais os principais causadores da carestia que estamos vivenciando no Brasil.  Quanto mais dinheiro eles jogam na economia, maior é a pressão sobre os preços.

6) Os bancos privados, ao reduzirem substancialmente o ritmo de seus empréstimos, aliviaram um pouco da pressão altista nos preços.

7) As causas desse ritmo mais brando na concessão de crédito pelos bancos privados são várias, mas as duas principais são o alto endividamento da população (o que reduz a demanda por crédito e piora o histórico de crédito dos tomadores) e a deterioração das expectativas quanto ao futuro da economia.

8) Caso os bancos privados estivessem tão descontrolados quanto os estatais, a inflação de preços provavelmente já estaria nos dois dígitos.

Conclusão

Atualmente, a política de juros do Banco Central não afeta aquela linha vermelha.  Ela afeta apenas a linha azul.  Ou seja, a política monetária atua apenas sobre o crédito livre, que é quase todo fornecido pelos bancos privados.  Na prática, os bancos estatais estão fora do âmbito da política monetária do BC.  Isso significa que o combate à carestia via simples aumento da SELIC exigirá um esforço dobrado.

E isso gerou uma sinuca do bico: se o próximo governo quiser realmente atacar a carestia, a SELIC terá de ser elevada a níveis mais fabulosos (em 2003, ela teve de ir a 26,5%).  Só que isso irá asfixiar o crédito dos bancos privados, e consequentemente elevar ainda mais o grau de estatização do crédito.

Portanto, a solução mais óbvia e prática é acabar com esse descontrole dos bancos estatais e enquadrá-los nas mesmas regras vigentes para os bancos privados.  Como disse Edmar Bacha, “Em Brasília, os presidentes dessas instituições dão tchauzinho para o pessoal do BC”.

Em última instância, são os bancos estatais os responsáveis pelos juros e pela inflação de preços serem altos no Brasil.  Dado que eles são imunes à SELIC e dado que eles são responsáveis pela metade dos empréstimos feitos no Brasil, a conclusão óbvia é que a SELIC tem de estar em um nível duplamente mais alto apenas para encarecer os empréstimos feitos pelos bancos privados e, com isso, reduzir um pouco o processo de criação de dinheiro.

Caso os bancos estatais operassem sob as mesmas leis que valem para os bancos privados, a SELIC seria menor e, consequentemente, os juros cobrados pelos bancos privados também seriam menores do que são hoje; por outro lado, os juros cobrados pelos bancos estatais seriam maiores do que são hoje.  No geral, teríamos taxas de juros (do crédito livre) e de inflação de preços um pouco mais civilizadas.

Essa situação anômala que estamos vivenciando é apenas mais um exemplo prático das nefastas consequências do intervencionismo estatal, dessa vez no crucial setor bancário.  Da próxima vez que você vir algo cujo preço aumentou substancialmente nos últimos meses, pense nos logotipos da CEF, do BB e do BNDES.  E lembre-se dos políticos que dão ordens a essas instituições.

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