Você já observou a existência de um padrão ao lidar com qualquer aspecto do governo em praticamente qualquer nível? Sim, todos nós já. Sempre há uma mesma mentalidade em cena. A seguir, a minha tentativa de enquadrá-la e identificar suas principais características.
A experiência nos mostra que, se algo tem tudo para dar totalmente errado, fazer você perder tempo, aborrecê-lo, atacar sua dignidade e, no fim, se comprovar totalmente inútil e ineficiente em realizar o que havia sido proposto, então há uma ótima chance de esse algo envolver o governo.
A sociedade que está fora do âmbito estatal possui forças corretivas em constante funcionamento. As coisas não são perfeitas, é claro, mas ela geralmente sempre está se esforçando para aprimorar. Porém, com o estado, tudo parece estar encravado em um padrão de fracasso total. Ao lidarmos com serviços estatais, o que vemos é incapacidade e incompetência em todos os níveis. Na melhor das hipóteses, o governo faz coisas ignaras; na pior, faz coisas indescritivelmente horríveis.
Apenas pense nas coisas que você tem de tolerar resignadamente quando lida com operações estatais, seja nas repartições públicas, seja nos aeroportos, seja com os Correios, seja com a Polícia Federal, seja com a Alfândega, seja com o DETRAN, seja com a Receita Federal. Pense também nas estultícias que você tem de tolerar para cumprir todos os ditames impostos pelos ministérios do Trabalho, da Saúde, dos Transportes e da Cultura, para não mencionar em todo o inferno gerado pelas leis e regulamentações impostas pelas agências reguladoras, cuja única função é tolher a livre iniciativa dos cidadãos e restringir o mercado em prol de poucas empresas favorecidas, sempre em detrimento de nós consumidores.
Eis a questão. A característica distintiva do estado é a sua arrogância, a presunção de estar sempre no controle de tudo, e a maneira como ele utiliza a força para exercer esse controle. Porém, este não é todo o problema com o estatismo. Tal característica leva a várias outras feições que fazem parte daquilo que podemos chamar de ‘maneira estatista de pensar’. Tudo se resume a um estilo de comportamento permitido pelo poder absoluto, o que significa a total ausência de qualquer restrição ou de medidas corretivas.
O mercado e a ordem voluntária possuem embutidos em si estruturas que impedem que os vícios e a inerente estupidez humana dominem o sistema. O mesmo não é válido para o governo. O governo constrói ao redor de si várias muralhas protetoras que proíbem o ingresso de medidas que manteriam ideias totalitárias e estúpidas totalmente acuadas.
Portanto, quais são as características desta maneira estatista de pensar, a qual parece ser generalizada nas instituições governamentais? Baseando-me em minhas influências habituais (Nock, Mises, Rothbard, Hayek), vejamos como você também pode pensar como se fosse o estado.
1. Presuma que todas as coisas importantes e valiosas já são conhecidas. Isso inclui os objetivos e as maneiras de se atingir este objetivo. O estado apenas pressupõe que a sociedade deveria funcionar de uma certa maneira e então imagina um formato predeterminado para ela. E ele sabe disso com absoluta certeza. Não há nenhum processo, nenhum desenrolar que gere resultados inesperados. O estado está tão certo de qual deve ser a meta a ser alcançada pela ordem social, que ele nunca tem de explicar ou justificar sua percepção.
Ele sabe a correta distribuição de renda entre as classes, o número exato de empresas que cada área da economia deve ter, o tamanho que cada uma pode ter, o preço correto de cada bem e serviço, o que você pode ingerir, o que é justo e o que é injusto. Ele sabe quando a economia está crescendo muito e quando está crescendo pouco. Ele sabe quais indústrias devem receber subsídios, quais devem ser protegidas para sempre e quais devem estar sujeitas à concorrência. Ele sabe o que é bom para você e o que não é.
Como não há incertezas na mente estatista, não há por que se esforçar, buscar descobertas ou ter imaginação, coisas que só se revelam ao longo do tempo por meio de processos de tentativa e erro. Não há necessidade de escutar, aprender e se adaptar. O estado jamais duvida possuir os meios para se alcançar tais objetivos. Apenas desejá-los já basta para que eles ocorram. Sua onisciência é acompanhada da onipotência.
É por isso que não há arrogância no mundo igual à arrogância estatal. Por outro lado, qualquer indivíduo ou instituição também pode adotar este lamentável hábito mental: administradores, pais, familiares, clérigos, profissionais liberais e trabalhadores assalariados. No entanto, fora do estado e das muralhas de proteção que ele constrói ao redor de si, a realidade sempre revida e pune. A realidade é incerteza, mudança, surpresa, inovação, adaptação. Os mercados dão vida a estas forças, ao passo que o estado, de forma absoluta e por total necessidade, as esmaga.
2. Presuma que o caminho para a vitória deve ser pavimentado pela coerção. Esta característica da mentalidade estatista é explícita em todo e qualquer grande programa estatal de alcance nacional. Discordar é ser a favor do atraso. Desnecessário dizer que nunca há nada de errado com os planos e políticas estatais. A única coisa que pode afetá-los e atrapalhar os resultados são aqueles indivíduos e empresas insolentes que se atrevem a não mostrar o devido respeito aos planos dos burocratas e à inquestionável autoridade destes. Sendo assim, só há uma forma de fazer com que todos ajam da maneira esperada: mostrando aos inferiores quem é que manda.
Todas as agências e ministérios estatais pensam assim. Sem exceção. A coisa vale tanto para a economia quanto para hábitos pessoais. Se algo é ruim, como utilizar drogas ou beber, então a solução parece óbvia: aumentar as penalidades para os infratores. Nenhuma punição jamais será excessiva. Quanto mais dura for a punição, maior será o desestímulo aos novos infratores — ou assim crê o estado. Da mesma maneira, nunca haverá autoritarismo o bastante, nunca haverá um suficiente número de burocratas encarregados de fazer as pessoas obedecerem ao estado. Se o governo determina que as empresas devem contratar indivíduos de determinadas características, ou que elas não podem demitir sob certas circunstâncias, as punições para os dissidentes devem ser severas.
Mas será que este caminho pode gerar consequências inesperadas? Podem estas imposições fazer com que os problemas piorem e criem reações adversas, revoltas e mercados negros? Será que a aspereza pode acabar estimulando mais pessoas a se juntarem às fileiras dos rebeldes, desestimulando assim a manutenção das leis? Na maneira estatista de pensar, nada disso é possível. Leis e regulamentações são a voz dos deuses, ponto. E o deus estatal nunca está errado. Certamente, este deus nunca, sob hipótese alguma, admite qualquer erro.
3. Presuma que todas as discordâncias ao governo equivalem a “torcer contra o país” e ser antipatriótico. Este ponto advém diretamente dos dois acima. Dado que você sabe de tudo e sabe que absolutamente tudo é possível por meio da força e da coerção, então resta óbvio que, caso alguém ouse questionar ou — pior ainda — criticar suas políticas, tal pessoa só pode ser uma inimiga do estado, do progresso e dos desvalidos.
Você é contra políticas industriais? Então você é um inimigo do bem-estar da nação. Você é contra medidas autoritárias que visam exclusivamente à “segurança” da população? Então você claramente é um encrenqueiro que quer apenas chamar a atenção e desafiar as autoridades legítimas.
Você tem dúvidas quanto à eficácia das políticas de confisco e subsequente redistribuição da riqueza alheia? Acha que políticas de interação forçada, como quotas, podem gerar consequências adversas? Então é óbvio que você faz parte do problema e não da solução.
Na mentalidade estatista, existem somente dois modelos possíveis de cidadãos bons e decentes: o servo e o bajulador. Se você não se enquadra em nenhuma destas duas categorias, então você ou é um rebelde que deve ficar sob estrita vigilância ou é um traidor que tem de ser esmagado pelas forças justas e apaziguadoras do estado.
Para o estado, existe apenas um caminho a ser seguido. Para ele, todas as coisas funcionam bem porque apenas uma vontade prepondera sobre todos os humanos. Com efeito, é exatamente assim que pensa qualquer pessoa que raciocina como o estado. Se não houver um ditador, a sociedade certamente entrará em colapso, e o caos e a brutalidade reinarão supremos.
O estado é incapaz de conceber uma verdade sobre a sociedade, aquela que a velha tradição liberal revelou: a sociedade funciona exatamente porque ela não pode ser governada por uma vontade suprema. É o conhecimento descentralizado, disperso entre vários indivíduos, o que cria a ordem no mundo. É a multiplicidade de planos, todos coordenados por meio de instituições, o que cria esta organizada ordem social que possibilita a existência da civilização, e que a permite se desenvolver e progredir de maneiras sempre inesperadas. A sociedade não precisa de dirigentes.
4. Presuma que o mundo material vale mais do que ideias. De novo, isso advém dos três pontos acima. A característica distintiva do estado é o seu controle sobre a propriedade física. Ele controla todo o espaço dentro daquelas linhas do mapa chamadas de fronteira. Dentro deste espaço, o estado e seus homens armados confiscam a riqueza de seus súditos. Dentro deste espaço, a vontade do estado deve reinar suprema, sempre com a devida punição aos dissidentes.
Seu amor às questões físicas é tão intenso, que em todas as cidades o estado constrói enormes e imponentes prédios para seus burocratas, além de imponentes monumentos que glorificam a si próprio. Ele se refestela em teorias que giram primordialmente em torno de coisas físicas.
Ele depende da propaganda e da manipulação cultural, mas tais empreitadas nem sempre são bem-sucedidas. O estado não pode controlar as mentes humanas. Estas são e sempre serão exclusivamente nossas. Até mesmo em campos de concentração os prisioneiros são livres para pensar o que quiserem. Todos nós somos, se assim o desejarmos. Sempre. É por isso que o estado odeia a mente humana e tudo o que ela produz. A mente humana e todo o mundo das ideias estão, em última instância, fora do seu alcance.
Ainda mais incrível é o fato de que todo o mundo físico construído pelo homem começou com ideias. Da mesma maneira, as ideias que hoje seguimos são o presságio do mundo de amanhã. E é exatamente por isso que a maneira estatista de pensar se sente apavorada ao se defrontar com indivíduos de ideias próprias, indivíduos livres, indivíduos que não fazem concessão aos modismos politicamente corretos em voga. E é por causa desse pavor que o estado não consegue pensar visando ao longo prazo.
5. Oponha-se a toda e qualquer mudança não autorizada de planos. Isto é consequência dos quatro pontos acima. A meta a ser alcançada pela ordem social já é sabida pelo estado. Ela pode ser alcançada pela imposição e pela supressão de dissidentes e pela destruição de ideias novas. A mentalidade estatista não admite surpresas. Portanto, o melhor a se fazer é se certificar de que não ocorra nenhuma mudança que não esteja prevista no modelo.
Pensar como o estado, portanto, significa deleitar-se no conteúdo de tudo aquilo que foi imposto no passado e que continua existindo até hoje. Se algo sempre foi uma lei, então é inquestionável que continue sendo uma lei. Se algo sempre foi impingido à força, então deve continuar sendo assim para sempre. Sempre olhe para trás e mantenha toda a sua estrutura arcaica (ou uma versão mítica dela), e nunca para frente, imaginando como as coisas poderiam ser. O estado ama a sua própria história: seus líderes, suas guerras, suas lendas e suas imposições.
Leis estatais |
Esta propensão para o atraso é algo profundamente arraigado no estado. O grosso de suas leis e regulamentações diariamente impingidas à sociedade nada tem a ver com os atuais políticos (contrariamente ao que prometem as eleições). Elas datam de décadas ou até mesmo séculos atrás. Leis não desaparecem dos livros. Elas apenas recebem acréscimos e vão se acumulando, como aqueles anéis no tronco de uma árvore. Reforçar o que já existe e colocar esparadrapos no que é necessário é muito mais importante para o estado do que admitir e reverter seus erros do passado.
Tão arraigada é esta ideia que, leis recém-criadas, caso tenham um prazo de validade, já vêm com uma cláusula que explicita as condições para seu futuro prolongamento, e esta cláusula normalmente é adicionada apenas para comprar votos. E, praticamente sem exceção, quando a data da expiração chega, a lei a renovada. Quando, por algum milagre, uma política ruim, que nunca sequer deveria ter sido criada, é abolida, trata-se de um evento grandioso. Os súditos comemoram o fim de algo cuja criação não teria sido tolerada por nenhum ser realmente livre. Pense na significância épica do fim da escravidão ou da lei seca. Estas são exceções que apenas confirmam a regra.
Esta última feição do pensamento estatista é a mais mortal para a civilização. Mudanças são a fonte da vida e do desenvolvimento de uma sociedade. Com o tempo, surgem novas pessoas, novas ideias, novos gostos, novas preferências, novos estilos de vida, novas tecnologias. A humanidade tem uma propensão a querer aprimoramentos, e isso requer jogar fora tudo o que é antigo, ruim e que não presta. Já o estado utiliza todo o seu poder para sustentar e reforçar o passado, e, para isso, invoca uma batalha diária contra o progresso.
Se você de fato compreende as características acima citadas, então você de maneira alguma se surpreende com todos os aborrecimentos, frustrações e chateações impostas diariamente por reguladores, burocratas e políticos. O estado possui um distúrbio de personalidade, distúrbio este oriundo de seu status monopolista e de suas táticas coercitivas. Este distúrbio não é exclusivo do estado. Você provavelmente reconhece ao menos alguns destes traços em algumas pessoas que você conhece. Você pode até mesmo reconhecê-los em você próprio.
É ótimo atacar e criticar burocratas, mas também há alguns motivos para termos pena deles, bem como de todas as pessoas cujas vidas dependem da máquina estatal. A diferença entre nós e o estado é que, quando estes distúrbios de personalidade surgem, nós somos capazes de mudá-los, e temos todos os incentivos para fazermos isso. Já o estado, por sua vez, não apenas os mantém como também os incorpora em definitivo, mesmo depois de eles já terem se tornado completamente irrelevantes para qualquer coisa que seja importante.
E assim termina a lição sobre como pensar como o estado. Trata-se de uma receita garantida para ser um completo fracassado na vida.