À medida que o primeiro-ministro do Japão vai transformando seu país em um laboratório de ideias keynesianas, a trajetória da economia do Japão tem muito a nos ensinar sobre o bom senso dessas políticas adotadas.
Dados divulgados na semana passada mostram que a economia japonesa voltou para a recessão após se contrair pelo segundo trimestre consecutivo. E, nos últimos quatro trimestres, a economia japonesa encolheu em três deles.
A conclusão apresentada pelos apologistas do keynesianismo é a de que os eventuais benefícios gerados pela inflação de preços — que saltou de zero para 3,1% ao ano, em decorrência das políticas expansionistas do Banco Central do Japão — foram contrabalançados, temporariamente, pelos efeitos negativos gerados por um aumento do imposto sobre vendas, ocorrido em abril deste ano.
Essa lógica tortuosa já deveria servir como um claro indicador de que as políticas eram ruins desde o início.
Embora a economia do Japão já apresente uma estagnação há mais de 20 anos, as coisas pioraram bastante desde dezembro de 2012, quando Shinzo Abe assumiu o governo e implantou sua cirurgia econômica radical, batizada de Abenomics. Desde o início, seu principal objetivo era desvalorizar o iene e criar inflação de preços. Nesse front, seu êxito foi absoluto: o iene se desvalorizou 23% em relação ao dólar e a inflação de preços, como dito acima, foi “exitosamente” elevada de zero para 3,1%, de acordo com as estatísticas do governo japonês.
Mas não há nenhum mistério e nenhuma grande dificuldade em criar inflação ou desvalorizar a moeda. Todo o necessário é o governo aumentar a quantidade de dinheiro em circulação ou — como ocorre na nossa era moderna — estimular os bancos a criar crédito eletronicamente, nem que seja para financiar os déficits orçamentários do governo. Esse “êxito” do governo japonês não deveria ser nenhuma surpresa quando se considera o tamanho relativo do programa de afrouxamento quantitativo implantado pelo Banco Central de Abe.
Durante os últimos dois anos, o Banco Central do Japão (BoJ) comprou títulos do governo em uma quantidade equivalente a 7 trilhões de ienes por mês, o que é igual a US$65 bilhões. Simultaneamente, o BoJ anunciou sua intenção de praticamente triplicar seu ritmo de aquisição de ações na bolsa de valores do Japão. De acordo com a Nikkei’s Asian Review, o BoJ detém em seu portfólio aproximadamente 7 trilhões de ienes em ações em ETFs de imóveis.
E o que todo esse ativismo financeiro do Banco Central do Japão logrou? Além de uma inflação de preços acima de 3% (algo que não acontecia no Japão desde 1990), de um iene enfraquecido (o que, dentre outras coisas, encarece sobremaneira as importações de petróleo), e de um rali na bolsa de valores (o que beneficia majoritariamente os mais ricos), esse ativismo financeiro aprofundou a recessão e aumentou a ameaça de uma estagflação.
Supostamente, um iene mais fraco deveria estimular as exportações e, com isso, ajudaria a balança comercial do Japão. Só que ocorreu exatamente o oposto. Em setembro, o país apresentou um déficit comercial de 958 bilhões de ienes (o equivalente a US$9 bilhões), o 27º mês consecutivo de déficits comerciais. A deterioração ocorreu não obstante o fato de os preços das importações terem encarecido substantivamente, o que deveria ter reduzido as importações e estimulado as exportações. Mas não há surpresa nenhuma nisso. Uma moeda desvalorizada encarece as importações de recursos essenciais e indispensáveis, como petróleo e matérias-primas. Um iene mais fraco logrou apenas encarecer os dispêndios com esses itens essenciais, afetando a balança comercial em vez de estimulá-la.
E enquanto alguns grandes conglomerados japoneses atribuem ao iene desvalorizado uma melhora em suas exportações, as pequenas e as médias empresas japonesas, que vendem majoritariamente para o mercado interno, estão sofrendo com vendas estagnadas ao mesmo tempo em que os preços dos combustíveis e das matérias-primas só fazem aumentar. Eis as maravilhas de uma desvalorização da moeda: ajudam os grandes e destroem os pequenos e médios.
No que mais, e ao contrário do que esperavam os keynesianos, a inflação de preços — surpresa! — não está estimulando os salários dos japoneses. Em agosto, o Japão relatou que seus salários reais (ou seja, ajustados pela inflação) caíram 2,6% em relação a 2013, o que representou o 14º mês seguido de declínio. Isso simplesmente significa que os consumidores japoneses hoje podem comprar menos do que podiam antes da implantação da Abenomics. Não creio que isso seja uma receita para a felicidade do povo.
Os consumidores japoneses também estão tendo de lidar com o extremamente impopular aumento no imposto sobre vendas, o qual subiu de 5% para 8% em abril deste ano. O imposto sobre vendas foi elevado com o intuito de impedir que o endividamento do governo aumentasse descontroladamente em decorrência dos enormes estímulos fiscais implantados pela Abenomics.
E isso gerou uma situação paradoxal, a qual ilustra perfeitamente o atual estado de descalabro que reina no debate econômico. Os economistas dizem que o aumento de preços gerado por esse aumento de impostos sobre as vendas foi o responsável pela forte queda no consumo. Correto. No entanto, e curiosamente, esses mesmos economistas não aplicam essa mesma lógica para um aumento de preços gerado por inflação monetária e desvalorização da moeda.
Segundo eles, um aumento dos preços gerado por desvalorização da moeda e por expansão do crédito irá gerar resultados distintos aos de um aumento de preços gerado por um aumento dos impostos sobre as vendas. Por quê? Eles não explicam.
Uma das pedras fundamentais do pensamento keynesiano é a de que uma queda nos preços gera recessão porque tal queda estimula os consumidores a adiar suas compras: eles apenas ficariam em casa esperando que os preços caíssem ainda mais. De acordo com essa teoria, até mesmo uma queda anual de 1% nos preços já seria o suficiente para dizimar a propensão dos consumidores a fazer compras.
Inversamente, os keynesianos acreditam que preços crescentes irão estimular o consumo, e consequentemente o crescimento econômico, uma vez que a carestia inspiraria as pessoas a comprarem agora antes que os preços subam ainda mais no futuro. Ora, mas se os consumidores japoneses foram claramente desanimados pelo aumento de preços em decorrência do aumento do imposto sobre vendas, por que iriam eles se sentir estimulados a consumir caso a carestia fosse decorrente de estímulos monetários?
Não procure por explicações; não haverá nenhuma. A realidade é que, como bem sabe todo e qualquer comerciante, consumidores compram quando os preços estão baixos, e ficam em casa quando os preços estão altos.
Não obstante os resultados desanimadores do Japão, Abe continua recebendo o amor de economistas ocidentais. Em uma entrevista concedida ao The Daily Princetonian no dia 6 de outubro, Paul Krugman, que se transformou na principal tiete de Shinzo Abe, respondeu a uma pergunta sobre a economia europeia dizendo que “a Europa precisa de algo como a Abenomics; só que apenas a Abenomics ainda seria pouco. A Europa precisa de algo realmente agressivo”.
Trata-se do procedimento padrão do keynesiano: se um estímulo não funcionou — aliás, se ele gerou resultados opostos ao esperado —, então é porque ele não foi agressivo o suficiente. O certo seria aprofundá-lo ainda mais.
Quantas outras notícias ruins geradas pelo experimento keynesiano japonês teremos de esperar até que os keynesianos mudem de ideia? Resposta: todas, pois eles não são suscetíveis à lógica.
Já aquelas pessoas que ainda não estão cegados pelo dogma intervencionista deveriam analisar bem o que ocorre no Japão para ver até onde a estrada dos estímulos permanentes pode levar.