O cálculo do PIB tem o propósito de mensurar a atividade econômica. Só que ele não mensura — e nem tem como mensurar — a qualidade, a lucratividade, a profundidade, a amplitude, as melhorias e os avanços dos bens e serviços produzidos. E é isso o que realmente importa para uma economia.
Por exemplo, se um navio — construído a custos altos — estiver navegando sem passageiros, sem cargas, e sem conseguir pescar nada, ainda assim sua construção terá contribuído para o crescimento do PIB. Não importa se tal navio foi lucrativo para os investidores ou se ele atolou na areia; ele contribuiu para aumentar o PIB. Navegando nos mares ou enferrujando abandonado em um estaleiro, o PIB do país cresceu por causa de sua construção.
Colocando de outra maneira, o PIB não avalia corretamente o valor dos bens e serviços fornecidos por uma economia, e, consequentemente, é incapaz de estimar o padrão de vida de uma sociedade. O PIB é uma régua com uma métrica totalmente irregular; é um relógio com um tic-tac errático.
Como evidência empírica, veja essa absurdidade: em 1990, o PIB soviético equivalia à metade do PIB americano, de acordo com o CIA Factbook de 1991. Só que ninguém que visitasse a União Soviética em 1990 iria acreditar que a economia deles sequer chegasse perto de ter 50% da qualidade e da quantidade dos bens e serviços produzidos nos EUA. As estatísticas de produção definidas pelo PIB podiam ser robustas, mas construir estradas que vão do nada a lugar nenhum, fundir aço que não será utilizado na fabricação de nenhum produto, e fazer pães intragáveis é forçar demais a definição de “produção”.
E isso descreve apenas os bens que foram realmente produzidos. Não há como contabilizar todo o custo de oportunidade perdido; não há como contabilizar os bens e serviços essenciais que não puderem ser produzidos porque recursos escassos foram utilizados para produzir bens e serviços que não estavam sob demanda.
E por que é assim? Por que o cálculo do PIB não reflete o real tamanho e a real vitalidade de uma economia?
A maneira tradicional de calcular o PIB de um país é por meio da seguinte (e extremamente simples) equação:
C representa os gastos do setor privado, I representa o total de investimentos realizados na economia, G representa os gastos do governo, X é o total de exportações e M, o de importações.
Há três conceitos amplamente falaciosos embutidos nessa “mensuração” do PIB:
(1) bens intermediários (por exemplo, aço) são eliminados dos cálculos para evitar a “contagem dupla”;
(2) gastos governamentais são considerados atividades econômicas viáveis; e
(3) importações são consideradas negativas, e são subtraídas das exportações, que são consideradas positivas.
A importância exagerada dada ao consumismo
Quais transações deveriam ser incluídas no cálculo do PIB? Dado que a maioria dos produtos foi produzida utilizando outros produtos que já haviam sido produzidos, os arquitetos do cálculo do PIB tentam evitar essa “dupla contagem” incluindo na equação apenas bens e serviços finais.
Por esse método, a produção de um carro é contabilizada (como um aumento nos estoques), mas os metais, as borrachas e os plásticos comprados durante o processo de produção do carro são desconsiderados.
Adicionalmente, as regras que estipulam que uma determinada transação seja considerada “final” ou “intermediária” são arbitrárias. Tal lógica poderia perfeitamente incluir apenas a venda do carro para o consumidor e desconsiderar todo o processo de produção anterior. No que mais, qualquer transação “final” ocorrida durante um dado período de tempo não necessariamente inclui bens intermediários produzidos naquele mesmo período de tempo: metais, borrachas e plásticos comprados hoje muito provavelmente serão utilizados na fabricação de um carro que só será vendido em outro período de tempo (no futuro).
Mas, independentemente da natureza arbitrária de se determinar as vendas finais, e não obstante o problema da não-correspondência temporal entre bens intermediários e a venda dos bens finais produzidos pelos bens intermediários, a exclusão de determinadas transações “intermediárias” simplesmente exclui volumes significativos da atividade econômica. Sendo assim, o PIB simplifica em demasia a real situação da economia ao superestimar o consumo em detrimento dos investimentos produtivos.
Só que variações no investimento e nas cadeias produtivas influenciam muito mais a economia do que variações no consumo.
Exatamente por isso, uma melhor maneira de mensurar a produção geral da economia foi criada em 2014, quando o Departamento de Comércio dos EUA começou a publicar a Produção Bruta, a qual incorpora transações intermediárias. Utilizando a Produção Bruta, a estatística do consumo, que atualmente responde por 70% da economia americana, despenca para apenas 40%.
A abordagem dos gastos do governo como se fossem produtivos
Se o PIB tem o objetivo de mensurar atividades econômicas que beneficiam a sociedade, então a inclusão dos gastos do governo é dúbia. O PIB “produzido” pelo governo da União Soviética não é diferente do PIB “produzido” por qualquer outro governo — a diferença é só de escala.
[Nota do IMB: Todos os gastos do governo representam investimentos errôneos de algum tipo. Os gastos do governo são, sob qualquer aspecto e em qualquer situação, um fardo para toda a economia de um país. Para financiar os gastos do governo, são necessários impostos e contínuos endividamentos do Tesouro (os quais, por sua vez, serão quitados ou com novos impostos ou com inflação monetária).
A tributação nada mais é do que uma destruição de riquezas. Parte daquilo que o setor privado produz é confiscado pelo governo e desperdiçado em salários de políticos, agrados a lobistas e empreiteiras que fazem obras de cunho político, e em péssimos serviços públicos (para não falar dos desvios na corrupção). Esse dinheiro confiscado não é alocado em termos de mercado, o que significa que está havendo uma destruição da riqueza gerada.
Adicionalmente, impostos nada mais são do que um preço que o governo coloca sobre a produtividade; uma penalidade impingida ao trabalho. Quanto maior a quantidade de impostos, menores serão os incentivos ao investimento e à produção.
Já o aumento da oferta monetária gera a inflação de preços que distorce toda a economia, além de ser o fator causador dos ciclos econômicos. E a emissão de títulos gera o aumento da dívida do governo, cujos juros serão pagos ou por meio de mais impostos ou por meio da inflação monetária ou por meio de mais lançamento de títulos (que é o que chamam de “rolar a dívida”).
Logo, quanto maiores forem os gastos do governo, maiores terão de ser os impostos e a inflação monetária. Quanto maiores forem os impostos, menores serão os incentivos ao investimento e à produção; quanto maior for a inflação monetária, maior será o estrago sobre a estrutura de produção da economia].
Adicionalmente, como disse Murray Rothbard:
Gastos só podem mensurar o valor da produção na esfera da economia privada, pois se trata de um gasto feito voluntariamente em troca de bens e serviços prestados. No que tange ao governo, a situação é totalmente diferente … os gastos do governo não necessariamente têm relação com os serviços que ele presta compulsoriamente à população. Com efeito, é simplesmente impossível mensurar estes serviços.
A ausência de uma ação voluntária nos gastos do governo faz com que os preços e custos desses gastos se tornem sem significado; e sem uma genuína ação empreendedorial de descoberta de preços, os benefícios dos gastos não podem ser mensurados.
Isso não significa que todos os bens e serviços produzidos pelo governo não existiriam; ao contrário, boa parte dessa produção (por exemplo, hospitais, escolas e estradas) seria feita pelo setor privado. Se há demanda por eles, haverá oferta. Considerando-se que os gastos do governo em bens e serviços seria efetuados pelo livre mercado, a verdadeira contribuição do governo ao PIB até pode ser positiva, mas certamente está superestimada (nos EUA, por exemplo, os gastos do governo representam 20% do PIB; no Brasil, representam incríveis 40,4% do PIB).
Uma descrição mais acurada da atividade econômica seria eliminar os gastos do governo do cálculo do PIB. Ou, indo mais além, deduzir do PIB todos os gastos do governo, uma vez que todo o gasto governamental representa uma clara depredação, e não uma adição, à atividade econômica. Veja mais detalhes sobre esse método aqui.
Os problemas de subtrair as importações das exportações
O cálculo do PIB considera que as importações subtraem da economia. Ao fazer isso, o PIB seriamente subestima a contribuição do comércio para a atividade econômica como um todo.
Para saber, uma economia que exporta $1 e importa $1 terá a mesma contribuição ao PIB (zero) que uma economia que exporta $100 bilhões e que importa $100 bilhões.
Obviamente, esta última economia ficaria em uma situação muito pior caso ocorresse uma súbita interrupção no comércio mundial.
[Nota do IMB: não faz nenhum sentido as importações contribuírem para o decréscimo do PIB, como mostra a equação.
Se a economia está importando maquinário e bens de capital, isso irá torná-la mais produtiva, e não menos, que é o que a equação sinaliza. Porém, olhando-se estritamente do ponto de vista contábil, as importações são subtraídas porque o PIB está preocupado apenas com aquilo que é transacionado dentro da fronteira brasileira, sem se importar com a nacionalidade do produtor.
Assim, um Audi fabricado no Paraná gera um aumento no PIB; porém, se uma empresa brasileira atuando no exterior vendesse para o Brasil um produto seu fabricado lá fora, mesmo que fosse um bem de capital que aumentasse a produtividade da economia, tal transação diminuiria o PIB.]
O PIB segue a mentalidade mercantilista de tratar as exportações como algo positivo e as importações como algo negativo. Ora, por que as exportações adicionam ao PIB mas as importações deduzem do PIB? Se o objetivo do PIB é mensurar os bens e serviços fornecidos às pessoas que vivem dentro de uma região geográfica, então as importações — e não as exportações — é que são benéficas.
[Nota do IMB: Um aumento das importações indica que o poder aquisitivo população aumentou; indica que o bem-estar da população aumentou. Já um aumento das exportações indica que a população agora possui menos bens ao seu dispor, pois estes foram enviados para fora. Pode também indicar que o poder de compra da população está em queda, o que significa que a exportação foi a maneira de as empresas se livrarem de seus excedentes não consumidos. Em ambos os casos, o padrão de vida da população diminuiu].
O PIB foi criado com o intuito de avançar a agenda keynesiana
O russo Simon Kuznets (1901-1985) foi quem revolucionou a econometria e padronizou a mensuração do PIB. Após ter afiado suas habilidades estatísticas na Rússia bolchevista, ele se mudou para os EUA para continuar suas pesquisas, as quais culminaram em seu livro, lançado em 1941, chamado National Income and Its Composition, 1919–1938 (A Renda Nacional e sua Composição, 1919—1938).
Embora não fosse um keynesiano per se, a natureza e o momento exato de suas pesquisas serviram para aditivar a revolução keynesiana, uma vez que o planejamento central requer estatísticas econômicas.
Como observou Murray Rothbard:
As estatísticas são os olhos e os ouvidos do burocrata, do político, do reformador socialista. É somente pelas estatísticas que eles conseguem descobrir, em toda a economia, quem “necessita” do quê, e quanto de dinheiro o governo deve gastar para fazer isso acontecer.
As instáveis bases teóricas do PIB, bem como sua aceitação politicamente conveniente, distorcem o desempenho e a natureza de uma economia ao mesmo tempo em que são incapazes de estimar de maneira satisfatória o real padrão de vida de uma sociedade. Com efeito, o próprio Kuznets entendeu isso. Em seu primeiro relatório ao Congresso americano, em 1934, ele disse que “o bem-estar de uma nação dificilmente pode ser inferido de uma mensuração da renda nacional”.
Ainda assim, o uso cego e fanatizado do PIB persiste até hoje. O fato de que sua existência e persistência serve apenas às políticas keynesianas de estimular o consumismo, defender aumentos dos gastos governamentais, incentivar as exportações por meio de desvalorizações cambiais e restringir as importações por meio de tarifas protecionistas não é algo que deve ser considerado uma mera coincidência.
Infelizmente, as consequências de tudo isso — estagnações econômicas, aumento do endividamento e inflação de preços — são tão inevitáveis quanto previsíveis.