Sediar as Olimpíadas não é mais tão popular quanto costumava ser. No final de julho, a cidade de Boston desistiu de ser candidata à sede das Olimpíadas de 2024. A cidade foi obrigada a cancelar sua candidatura por causa da pressão da população, que se manifestou contra “o endividamento, as remoções e a militarização do espaço público” que os jogos olímpicos impõem a todas as cidades-sede.
Basicamente, os cidadãos e pagadores de impostos da cidade de Boston não estavam interessados em arcar com as contas de uma enorme farra que seria feita em prol dos mais ricos e mais poderosos grupos de interesse de Boston: as empreiteiras que fariam as obras (provavelmente com algum superfaturamento), os políticos que receberiam os “agrados” dessas empreiteiras, as redes de hotéis e a própria mídia.
Ao passo que, em outras épocas, os jogos olímpicos realmente representavam o esporte e a camaradagem internacional, eles rapidamente se transformaram em um bastião do corporativismo, também chamado de “capitalismo de compadrio”. O colunista britânico Peter Hitchens afirma que essa transformação começou a ocorrer ainda quando Hitler e Goebbels transformaram os jogos olímpicos “em um espetáculo pomposo, com a cerimônia da tocha e tudo mais”. Desde então, o Comitê Olímpico Internacional vem se mostrando muito à vontade em manter esse ritual.
Hoje, as Olimpíadas se transformaram em uma maneira de obter favores diplomáticos e de exibir a riqueza e a influência dos governos nacionais. Com efeito, não é de se estranhar que as futuras cidades-sede das Olimpíadas exibam uma propensão ao autoritarismo, com a China e a Rússia competindo entre si para sediar futuros eventos. O Comitê Olímpico Internacional (COI) irá, em breve, escolher entre Cazaquistão e China para sediar os jogos de inverno de 2022. (Oslo, na Noruega, recentemente cancelou sua candidatura após os pagadores de impostos do país protestarem contra as exigências — “típicas de uma diva de cinema”, segundo a impressa norueguesa — feitas pelos membros do COI, que queriam benesses financiadas integralmente por impostos).
E faz sentido que regimes autoritários e nacionalistas sejam bem-sucedidos em suas candidaturas para sediar as Olimpíadas. Quanto menos um regime tem de se explicar aos cidadãos pagadores de impostos que arcam com a fatura do evento, maior é a sua facilidade em satisfazer as onerosas exigências do COI; maior é a sua facilidade de fazer as dispendiosas obras e de fornecer as “garantias” exigidas pelo COI, sempre financiadas por impostos.
As ruínas dos últimos jogos olímpicos
Enquanto isso, os pagadores de impostos dos países desenvolvidos já acordaram para os altos custos e para os parcos benefícios de se sediar as Olimpíadas. Muitos já viram estas fotos do jornal britânico The Guardian, que mostram o atual estado das instalações olímpicas construídas para os jogos de Atenas de 2004. Os bilhões de impostos que foram gastos pelo governo grego na construção dessas instalações se evaporaram completamente, e tudo o que restou foram estádios decrépitos e piscinas olímpicas cheias de lama.
Na época da escolha de Atenas, os gregos foram assegurados de que sediar as Olimpíadas representaria a entrada do país em uma nova era de grande prestígio internacional e de sucesso econômico. Desnecessário dizer que tal futuro róseo nunca se materializou.
Ainda menos tempo se passou desde as Olimpíadas de 2008 em Pequim; porém, como mostram estas fotos, as já abandonadas instalações de Pequim terão, daqui a alguns anos, uma aparência muito semelhante às instalações de Atenas.
E enquanto o Brasil espera o início dos jogos olímpicos de 2016, os brasileiros já estão tendo um vislumbre do que ocorrerá futuramente com as instalações olímpicas que estão sendo construídas: os estádios da Copa do Mundo, construídos ainda no ano passado, já se tornaram gigantescos (e caros) elefantes brancos, como mostra essa reportagem. Um enorme estádio construído para a Copa [o Mané Garrincha, em Brasília] funciona hoje como um estacionamento para ônibus. Vários outros estão simplesmente se deteriorando sob o quente e úmido ar brasileiro.
O alto custo de eventos esportivos
Vários pesquisadores sérios (isto é, pessoas que não estão ali apenas para produzir “declarações impactantes” em prol do governo) já vêm há anos demonstrando que sediar grandes eventos esportivos não produz riqueza para as economias locais.
“Se há uma área na economia em que há consenso entre os economistas, é esta”, disse Michael Leeds, um economista da Temple University. “Não há impacto substantivo”.
“Por exemplo, se todos os times esportivos de Chicago repentinamente desaparecessem, o impacto sobre a economia de Chicago seria uma fração de 1%”, disse Leeds.
Mas grandes eventos esportivos como as Olimpíadas são muito piores, pois eles inevitavelmente geram pesados transtornos para a população local: o comércio local é fechado e há uma pesada militarização da polícia local para propósitos de “segurança”. Aqueles que já tiveram a infelicidade de morar próximo a estes eventos sabem que o trânsito pode ficar interrompido por vários dias seguidos, e o comércio dentro do perímetro de segurança perde todos os seus clientes.
Quando o evento acaba e todos os visitantes vão embora, o comércio local não vê nenhum benefício que compense o maciço fardo tributário e o enorme endividamento gerados pelo evento.
Adicionalmente, o Journalist’s Resource compilou uma prestativa lista de sérios estudos sobre os impactos de grandes eventos como os jogos Olímpicos. Conjuntamente, os estudos revelam uma grande ausência de benefícios econômicos em se sediar as Olimpíadas e eventos similares. Há um enorme abismo separando as promessas grandiosas feitas por políticos antes do evento e os benefícios concretos que podem ser observados após o evento. Em todos esses estudos, vê-se repetidamente frases como estas:
“Os efeitos econômicos de longo prazo do legado dos eventos parecem ser bastante modestos.”
“O impacto do êxito dos atletas nacionais sobre a felicidade da nação … é estatisticamente insignificante.”
“As Olimpíadas de Pequim conseguiram apenas impactos limitados sobre a imagem da cidade.”
“Os resultados indicam que não houve impacto de longo prazo sobre o comércio ou sobre o emprego.”
A politicagem por trás dos eventos: quem realmente se beneficia
Não é de se estranhar que os brasileiros — muitos dos quais vivem sem uma infraestrutura urbana decente, como rede de saneamento — tenham protestado em 2014 contra o uso de bilhões de reais de impostos para a construção de estádios que iriam beneficiar apenas um ínfimo número de brasileiros ricos.
Assim como os noruegueses, e agora dos bostonianos, os brasileiros sabem a quem esses grandes eventos internacionais — muito especialmente as Olimpíadas — realmente interessam: tudo se resume a prestígio e diversão para a classe política. Os eventos são um parque de diversões para políticos, empreiteiras e grandes empresários, os quais irão se beneficiar imensamente dos lucrativos contratos para construir os estádios, as piscinas e as luxuosas edificações, nas quais farão festinhas privadas com os ricos e famosos.
Por maiores que sejam seus defeitos, os políticos da Noruega ao menos responderam positivamente às demandas dos pagadores de impostos noruegueses, cancelaram a candidatura para sediar os jogos de inverno de 2022. Os políticos de Boston também foram forçados a fazer o mesmo, não sem antes terem tentado ridicularizar as vozes dissonantes – o prefeito de Boston disse que os opositores à candidatura eram apenas “dez pessoas no twitter” — e dito as platitudes de sempre sobre os supostos benefícios oriundos de obrigar os pagadores de impostos a arcar com mais um projeto político vaidoso.
Após a cidade de Boston ter sido forçada a retirar sua candidatura, o jornal local The Nation corretamente diagnosticou a façanha como sendo “uma vitória dos ativistas e uma derrota para os grandes grupos de interesse da cidade”.
Negócios corporativistas como as Olimpíadas ajudam a nos lembrar que há uma grande — aliás, intransponível — diferença entre defender o livre mercado e defender grandes empresas. Empreiteiras e outras grandes empresas sempre estarão muito à vontade em espoliar os pagadores de impostos caso saibam que esse dinheiro irá para seu bolso ou para subsidiar projetos do seu interesse.
Por outro lado, empreendedores, empregadores e pagadores de impostos que não possuem poder organizacional, que não fazem lobby e que não têm políticos em sua folha de pagamento não têm importância nenhuma para esses “líderes” empresariais que influenciam políticos e suas políticas.
Para a infelicidade destes, muitas pessoas educadas já começaram a perceber o esquema e as negociatas. Estádios bonitos e instalações vistosas, e mega-eventos globais sem dúvida nenhuma são ótimos para as contas bancárias dos ricos e poderosos. Mas aqueles que arcam com a fatura disso tudo não melhoram em nada sua situação.