Husain Haqqani foi embaixador do Paquistão nos EUA entre 2008 e 2011. Atualmente, ele é membro do Hudson Institute, em Washington. Eis um trecho de um artigo seu na imprensa britânica:
A interpretação fundamentalista do Islã não é um pensamento comum para a maioria dos muçulmanos, especialmente em épocas mais recentes. No entanto, tal interpretação está claramente conduzindo a agenda política em países muçulmanos. E nem todos os muçulmanos modernos estão dispostos a confrontar as crenças anti-ocidentais e anti-semitas que alimentam a narrativa islâmica. Os islâmicos radicais estão dominando o discurso dentro do mundo muçulmano assassinando os leigos e obrigando vários deles a deixar seus respectivos países.
Com mais de 1,4 bilhão de muçulmanos ao redor do globo, o inchaço dos jihadistas fundamentalistas é um sério problema. Se apenas 1% dos muçulmanos de todo o mundo aceitar essa versão intransigente da ideologia, e se apenas 10% deste 1% (ou seja, 0,1%) decidir se comprometer com essa agenda radical, ainda assim teremos um milhão de muçulmanos radicais decididos a servir de recrutas para grupos como al-Qaeda, ISIS e qualquer que seja o próximo.
Somente uma campanha ideológica conjunta contra essa versão medieval da ideologia islâmica, como a campanha que foi feita para desacreditar e conter o comunismo, poderia reverter essa tendência.
Quem, exatamente, irá conduzir essa campanha ideológica? Certamente não serão os líderes políticos do Ocidente. Também não serão os líderes políticos da Arábia Saudita. Quem irá financiá-la? Quem irá ensiná-la? Onde ela será ensinada? Principalmente: por que esse 0,1% do islã irá prestar qualquer atenção a estas instruções? Se a propaganda vier do Ocidente, ela será imediatamente rejeitada, pois será vista como doutrinação dos infiéis.
Quando há um milhão de pessoas que são potenciais recrutas radicais — dentre os quais há mulheres —, não se está falando de um movimento político pequeno e marginal. Se estas pessoas estiverem sendo financiadas, e dado que elas não têm medo de morrer, então não há virtualmente nada que as democracias ocidentais possam fazer para se defender. Os governos não conseguem nem sequer conter o fluxo de armas que abastecem esses grupos. Eles podem até tentar, mas, ao simplesmente tentarem, irão aumentar enormemente os custos de se defender contra terroristas.
No que mais, terroristas não obedecem a leis sobre porte de armas. Terroristas não são muito adeptos do desarmamento. Os terroristas que massacraram quase 100 pessoas na casa de shows Bataclan, em Paris, tinham Kalashnikovs (arma russa popularmente conhecida como AK-47). Obviamente, eles não conseguiram aquelas Kalashnikovs em uma loja de penhor em Paris.
Segundo relatos dos sobreviventes, os terroristas armados calmamente recarregaram suas armas várias vezes, sem serem molestados. E, após cada tiro, enfiavam facas no estômago das vítimas para se certificar de que estavam mortas. Em nenhum momento se preocuparam com a hipótese de haver alguém armado dentro da casa de shows. Uma única pessoa com uma pequena .45 poderia ter mudado a história.
O presidente da França pode dizer que isso é um ato de guerra, e ele pode ordenar ataques aéreos sobre o ISIS, mas isso não irá solucionar o problema domesticamente. Os guetos muçulmanos de Paris são impenetráveis. Há distritos em Paris em que nem a própria polícia entra à noite.
Eis o fato aterrador: quando indivíduos estão dispostos a morrer em uma missão suicida, não há essencialmente nada que as polícias e as operações militares do Ocidente possam fazer para proteger o público.
Isso significa que o público terá de se proteger por conta própria. Os políticos da Europa preferem ver seus cidadãos desprotegidos a permitir que eles possam portar armas. Os políticos têm muito mais medo de ver cidadãos europeus armados para se defender de terroristas muçulmanos do que dos próprios terroristas muçulmanos. O mesmo raciocínio também é válido para o presidente americano. No entanto, a sorte dos americanos é que o Congresso pensa diferente.
Já está óbvio para qualquer americano que possui uma arma que a Europa já perdeu sua fibra. Já está claro para os americanos que os cidadãos europeus foram tornados simplesmente incapazes de se defender contra terroristas. Políticos europeus podem falar o quanto quiserem sobre estarem em guerra; todos sabem que eles não irão conduzir uma guerra contra terroristas muçulmanos. Eles irão, isso sim, continuar conduzindo uma guerra contra a possibilidade de seus cidadãos se armarem. Essa é uma guerra na qual os governos europeus estão envolvidos há um século.
Terroristas muçulmanos constrangem políticos europeus porque terroristas armados com Kalashnikovs demonstram claramente a ineficácia das leis desarmamentistas para os terroristas. Os atentados de Paris também deixaram claro que as leis desarmamentistas foram muito eficazes entre os cidadãos europeus. Eles estão totalmente indefesos; já os terroristas não. Os terroristas estão no controle, pois eles conseguem obter Kalashnikovs e também estão dispostos a morrer por sua causa. Esses dois fatores colocam os terroristas no controle da agenda.
Mas não é assim que Obama irá ver a situação. E não é assim que François Hollande entenderá a situação. Também não é assim que Angela Merkel irá interpretar tudo. Mas aqueles que entendem de armas entendem perfeitamente até que ponto os terroristas estão em vantagem e ganharam uma espécie de carta branca.
[N. do E.: recentemente, no Texas, um bandido invadiu uma igreja. O pastor, que estava armado, atirou nele. O bandido ficou ferido e, enquanto aguardava a polícia e os paramédico, o pastor orou ao lado do baleado.
Também no Texas, houve um concurso em que pessoas atiravam em desenhos do profeta Maomé. Dois homens do Isis, fortemente armados, tentaram invadir o local. Foram mortos. Nenhum inocente morreu.
Em Ohio, um homem portando uma arma evitou uma chacina. Várias vítimas foram salvas, incluindo uma criança de um ano. Ninguém morreu e o maluco foi preso.]
Em Israel, terroristas podem utilizar facas para assassinar suas vítimas. Eles estão utilizando facas, mas isso não recebe a mesma publicidade que chacinas. Houve um que utilizou um machado, e foi prontamente morto por um cidadão armado.
O Ocidente agora tem de tentar pegar o tigre pelo rabo. A jaula está aberta e o tigre já está fugindo. No entanto, esse problema é muito maior na Europa do que nos EUA. Caso esse problema chegue aos EUA, a reforma não ocorrerá nas mentes dos terroristas. Ela ocorrerá nas mentes dos americanos, principalmente dos mais progressistas que moram nas grandes cidades, os quais finalmente terão de decidir se já não é chegada a hora de portar uma arma. Isso será uma ótima notícia para a liberdade, e péssima notícia para o governo.
Intervenções externas
A França não foi escolhida aleatoriamente. Há um longo histórico de intervenções do governo francês — ainda mais violentas que as do governo americano — na Síria, no Líbano, no norte da África, e em demais localidades muçulmanas.
Uma recente reportagem da The Atlantic forneceu um ótimo resumo das intervenções do governo francês na África e no Oriente Médio nos últimos anos. Desde setembro de 2014, por exemplo, o governo francês já praticou 200 bombardeios aéreos no Oriente Médio. A Síria tem sido um alvo preferencial.
Somente o mais ingênuo dos observadores poderia afirmar que estes bombardeios, bem como outras operações militares, não afetaram a população civil e não causaram mortes de inocentes, mulheres e crianças. O governo francês vem bombardeando, matando e mutilando africanos e cidadãos do Oriente Médio há décadas.
E não nos esqueçamos de que o governo francês estava na vanguarda da guerra da Otan contra o governo da Líbia em 2011, intervenção esta que foi parte de um esforço dos poderes colonizadores europeus para readquirir o controle de uma região que estava ficando sob influência chinesa.
Estas infindáveis intervenções militares não apenas não deixaram os EUA e a Europa mais seguros, como ainda geraram as famosas consequências não-premeditadas: a população cristã destes países bombardeados, que até então vivia relativamente segura e protegida pelos governos seculares do Iraque, da Síria e da Líbia, hoje está sendo massacrada e expulsa por fundamentalistas islâmicos, fazendo com que o cristianismo esteja à beira da extinção no Oriente Médio.
Várias das armas enviadas pelos EUA, pela França e por demais aliados para os “rebeldes moderados” que tentavam derrubar o governo de Assad foram parar nas mãos dos jihadistas que hoje compõem o ISIS. Os grupos moderados se juntaram às facções radicais, levando consigo suas armas e seu treinamento, ambos fornecido pelo governo americano. Outros grupos moderados foram ou capturados ou mortos, com suas armas (fornecidas por EUA e França) sendo confiscadas pelos radicais. Consequentemente, as facções mais radicais se tornaram mais bem equipadas e mais bem treinadas, e ocasionalmente são atacadas por aviões de seus ex-mentores.
Conclusão
As políticas de intervenção externa para fazer “mudanças de regime” apenas pioraram a situação. É incrivelmente tola a ideia de que governos podem enviar armamento pesado para “os moderados” do Oriente Médio e acreditar que este equipamento não irá cair nas mãos de radicais.
Mais bombardeios não irão resolver o problema do Oriente Médio.
Eis uma alternativa: o Ocidente deveria se concentrar no comércio e nas relações amigáveis, parar de enviar armas para a região, abolir todas as políticas de “mudança de regime” e manipulações afins, respeitar a soberania nacional alheia, e manter uma forte defesa dentro das fronteiras nacionais.
As fracassadas políticas do passado devem ser rejeitadas, antes que seja tarde demais.
Se os governos ocidentais tirarem suas tropas dos países islâmicos, e pararem de bombardeá-los, isso já seria uma mudança positiva. O problema é que políticos adoram a noção de construir impérios.
A violência nunca acaba. Ela só se intensifica.
Os suíços é que sempre estiveram corretos. Sua população é extremamente armada e seu governo não pratica intervenções e bombardeios externos. Não houve nenhum ataque terrorista na Suíça.
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Ryan McMaken, editor do Mises Institute americano.
Gary North, ex-membro adjunto do Mises Institute, é o autor de vários livros sobre economia, ética e história.
Ron Paul, médico e ex-congressista republicano do Texas. Foi candidato à presidente dos Estados Unidos em 1988 pelo partido libertário e candidato à nomeação para as eleições presidenciais de 2008 e 2012 pelo partido republicano.
É autor de diversos livros sobre a Escola Austríaca de economia e a filosofia política libertária como Mises e a Escola Austríaca: uma visão pessoal, Definindo a liberdade, O Fim do Fed – por que acabar com o Banco Central (2009), The Case for Gold (1982), The Revolution: A Manifesto (2008), Pillars of Prosperity (2008) e A Foreign Policy of Freedom(2007).
O doutor Paul foi um dos fundadores do Ludwig von Mises Institute, em 1982, e no ano de 2013 fundou o Ron Paul Institute for Peace and Prosperity e o The Ron Paul Channel.