O capitalismo de estado tem de ser diariamente combatido

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delcidio-e-esteves-negociavam-dinheiro-para-evitar-delacao-premiada-de-cerveroQuanto maior e mais poderoso um governo, quanto mais leis e regulamentações ele cria, mais os empresários poderosos e com boas conexões políticas irão se aglomerar em torno dele para obter privilégios.

Quanto maior e mais poderoso um governo, quanto mais leis e regulamentações ele cria, mais brechas ele abre para que empresários poderosos se beneficiem à custa dos concorrentes e da população como um todo.

Tais empresários irão, por meio de favores pessoais ou de propinas, burlar estas leis e regulamentações (com o aval de políticos) ao mesmo tempo em que defenderão a imposição destas leis e regulamentações sobre seus concorrentes.

Isso, obviamente, não é capitalismo genuíno, mas sim uma variação do mercantilismo. Trata-se de um capitalismo mercantilista, um capitalismo de compadrio, um capitalismo regulado em prol dos regulados e dos reguladores, e contra os consumidores.

Neste sistema econômico, o mercado é artificialmente moldado por uma relação de conluio entre o governo, as grandes empresas e os grandes sindicatos.  Políticos concedem a seus empresários favoritos uma ampla variedade de privilégios que seriam simplesmente inalcançáveis em um genuíno livre mercado.

Há a criação de privilégios legais, que vão desde restrições de importação, subsídios diretos, tarifas protecionistas, empréstimos subsidiados feitos por bancos estatais, e agências reguladoras criadas com o intuito de cartelizar o mercado e impedir a entrada de concorrentes estrangeiros, até coisas mais paroquiais como a obrigatoriedade do uso de extintores e do kit de primeiros socorros nos automóveis e a obrigatoriedade do uso de canudinhos plastificados (devidamente fornecidos pela empresa lobbista) em bares e restaurantes.

E há a criação de privilégios ilegais, que vão desde fraudes em licitações e superfaturamento em prol de empreiteiras (cujas obras são pagas com dinheiro público) a coisas mais paroquiais como a concessão de bandeiras de postos de combustíveis para empresários que pagam propina a determinados políticos (bandeiras essas negadas para empresários honestos e menos poderosos).

Em troca, os empresários beneficiados lotam os cofres de políticos e reguladores com amplas doações de campanha e propinas. A criação destes privilégios pode ocorrer ou abertamente, por meio de lobbies e da atuação grupos de interesse, ou na surdina, por meio do suborno direto.

Em ambos os casos, empresários poderosos e grupos de interesse conseguem obter privilégios mediante o uso da coerção estatal.  E isso só é possível porque há um estado grande que a tudo controla e tudo regula.

Um estado grande sempre acaba convertendo-se em um instrumento de redistribuição de riqueza: a riqueza é confiscada dos grupos sociais desorganizados (os pagadores de impostos) e direcionada para os grupos sociais organizados (lobbies, grupos de interesse e grandes empresários com conexões políticas.

A crescente concentração de poder nas mãos do estado faz com que este se converta em um instrumento muito apetitoso para todos aqueles que saibam como manuseá-lo para seu benefício privado.

Os libertários, obviamente, se opõem radicalmente a ambos esses arranjos, tanto o legal quanto o ilegal.

E a receita que propõem é bem simples: se os lobbies, os grupos de interesse e as propinas surgem porque o estado detém um grande poder regulatório e decisório, então nada mais lógico do que reduzir o estado a uma mínima expressão.

O problema é que esta receita rapidamente gera algumas dúvidas e suspeitas legítimas entre aqueles que estão dispostos a fazer um debate racional (e não um emocional e ideologizado): se por acaso o estado fosse reduzido a uma expressão mínima, os lobbies e grupos de interesse não acabariam tendo muito mais poder do que têm hoje?  Será que não necessitamos de um estado forte justamente para que ele mantenha os grupos de interesse dominados (muito embora a empiria confirme que os lobbies e os grupos de interesse prosperam justamente com estados fortes)? A diminuição do estado não levaria à criação de uma oligarquia capaz de nos impor unilateralmente suas vontades?

A resposta a todas essas perguntas sensatas é um sonoro ‘não’, e o motivo está vinculado ao conceito de autoridade política.

A autoridade política

Por que a maioria das pessoas aceita e legitima que o estado faça coisas que, caso fossem feitas por agentes privados, seriam vistas com horror?

Por exemplo, a maioria das pessoas vê com naturalidade que o estado cobre impostos dos trabalhadores e distribua esse dinheiro para ONGs, artistas e movimentos sociais, mas consideraria uma aberração caso uma turba invadisse uma casa, tomasse a carteira do morador e desse esse mesmo dinheiro para ONGs, artistas e movimentos sociais.  Igualmente, a maioria das pessoas vê com naturalidade que o estado restrinja — por meio da burocracia, da alta carga tributária e das licenças ocupacionais — a liberdade de empreendimento das pessoas, mas consideraria uma aberração caso um grupo qualquer, de maneira idêntica, também coibisse outras pessoas de empreender.

Por fim, a maioria das pessoas vê com naturalidade que o estado conceda monopólios e reservas de mercado (via agências reguladoras) para grandes empresas, mas consideraria uma aberração caso empresários se auto-arrogassem esses privilégios.

Por que então toleramos que o estado incorra em atividades que condenaríamos de imediato caso fossem executadas por indivíduos?

Porque, como bem explicou o filósofo Michael Huemer no livro  The Problem of Political Authority, o estado usufrui autoridade política.  Autoridade política seria a legitimidade política socialmente reconhecida ao estado para impor leis e usar a coerção sobre a sociedade (sociedade esta que, por sua vez, tem a obrigação política de obedecê-lo).  Segundo Huemer, embora a autoridade política seja limitada territorialmente (um estado possui autoridade política somente dentro de seu território), ela é total dentro deste território (todos, ou quase todos, os cidadãos são obrigados a obedecer ao estado).  Adicionalmente, o estado teria a legitimidade para legislar sobre diversas questões e o conteúdo dessas legislações seria quase ilimitado.  Por fim, trata-se de uma exercício de supremacia, pois, dentro deste território, não há nada que esteja hierarquicamente acima do estado.

Neste sentido, podemos definir o estado como aquele ente ao qual a imensa maioria dos cidadãos concede e reconhece autoridade política.  O estado, portanto, pode fazer o que faz porque o conjunto da sociedade aceita lhe conceder um vasto poder discricionário — poder este que a sociedade concede somente ao estado.

Os políticos “patrimonializam” autoridade política

Ao menos no Ocidente, os lobbies, os grupos de interesse e os empresários carecem de autoridade política.  Se a possuíssem, poderiam atuar à margem do estado, e consequentemente não teriam de exercer essa onerosa intermediação sobre o estado.  Se a possuíssem, poderiam por conta própria fechar mercados, criar monopólios, impor tarifas de importação, estipular licenças ocupacionais, e auferir subsídios para si próprios.

Obviamente, portanto, os lobbies, os grupos de interesse e os empresários carecem de autoridade política para exercerem, sozinhos, todos estes despautérios.  A sociedade não aceitaria que nenhuma empresa ou associação de pessoas se arrogassem tais poderes.  E, justamente por carecerem de autoridade política própria, os lobbies, os grupos de interesse e os empresários encontram apenas uma única via para exercê-la em proveito próprio: valendo-se da autoridade política que possui o estado.

E é exatamente a isso que se dedicam: a exercer pressão sobre os mandatários, a quem os cidadãos reconhecem autoridade políticas.  Em outras palavras, os políticos terceirizam os direitos de uso de sua autoridade política no mercado negro dos lobbies e das propinas: aquele grupo de interesse ou aquele empresário mais pujante receberá o favor do político correspondente.

A estratégia dos políticos, portanto, consiste em “patrimonializar” a autoridade política que a população lhe concedeu.  O político capitaliza essa sua autoridade e a arrenda a quem oferecer mais.

A solução libertária?  Limitar enormemente (ou até mesmo eliminar) a autoridade política que socialmente concedemos e reconhecemos ao estado.

E se o estado não possuísse (tanta) autoridade política?

Se o estado deixa de dar subvenções aos lobbies, aos grupos de interesse e aos empresários bem conectados, estes não irão adquirir autoridade política para cobrar privilégios da sociedade.  A sociedade é perfeitamente capaz de se auto-coordenar perfeitamente neste quesito.  Não é necessário haver uma “autoridade política que determine a transferência de renda de grupos menos organizados para grupos mais organizados”.

O mesmo é válido para todas as hiper-regulamentações estatais que atualmente beneficiam grandes empresas e grupos de interesse.

Em definitivo, minimizar o tamanho do estado — deixar de lhe reconhecer autoridade política sobre várias atividades que hoje ele exerce — não implica maximizar o poder dos lobbies, dos grupos de interesse e dos grandes empresários, mas sim minimizá-lo por igual: tais grupos carecem de autoridade política para exercer coerção sobre a sociedade e, por isso, têm de instrumentalizar o estado (que no momento usufrui essa autoridade) a seu favor.

Diminuir drasticamente o estado não é sinônimo de repartir o poder político, mas sim de diminuí-lo.  A sociedade livre pode se autocoordenar internamente por meio da propriedade privada individual, das co-propriedades coletivas e dos contratos voluntários.  Se muito, pode-se ter uma autoridade política ultralimitada que se encarregue exclusivamente de velar pelo respeito aos contratos, mas nada mais.

Esse é, portanto, o caminho para se lutar contra a corrupção, contra os grupos de interesse e contra os lobbies empresariais: reduzir ao máximo o tamanho do estado para que se permita a pacífica, cooperativa e espontânea coordenação interna de uma sociedade.

Com estado grande, intervencionista e ultra-regulador, lobbies, grupos de interesse e subornos empresariais sempre serão a regra.

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Juan Ramón Rallo, diretor do Instituto Juan de Mariana e professor associado de economia aplicada na Universidad Rey Juan Carlos, em Madri.  É o autor do livro Los Errores de la Vieja Economía.

Leandro Roque é o editor e tradutor do site do Instituto Ludwig von Mises Brasil.

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