Um reacionário radical: O pensamento político de Murray N. Rothbard

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“Então, como devemos chamar a nós mesmos? Não tenho uma resposta fácil, mas talvez poderíamos dizer que somos ‘reacionários radicais’ ou ‘direitistas radicais’, o rótulo que nos foi dado por nossos inimigos nos anos 1950. Ou, se existe demasiada objeção ao temido termo ‘radical’, podemos seguir a sugestão de alguns de nosso grupo de nos chamarmos ‘a direita linha dura’. Qualquer desses termos é preferível a ‘conservador’, e também serve para a função de separar a nós mesmos do movimento conservador oficial que, como vou assinalar em um minuto, foi tomado por nossos inimigos”.

— Murray N. Rothbard. “A Strategy for the Right!” [1]

rothbard-anarco-capitalismoO pensamento político de Murray Rothbard ainda não foi suficientemente estudado. Neste artigo pretendemos analisar os principais pontos de seu ideário como a sua teoria predatória do estado, seu isolacionismo e sua teoria das classes sociais. Nosso objetivo é mostrar como o pensamento de Rothbard é fruto da síntese da Escola Austríaca de Economia e da tradição libertária dos postulados teóricos da Old Right norte-americana.

Introdução

O pensamento político de Murray N. Rothbard já começa a ser bem conhecido entre nós graças ao ressurgir da Escola Austríaca de Economia (Huerta de Soto, 2000), da qual Rothbard foi um dos mais destacados membros, e à tradução para o espanhol de algumas de suas obras principais, como sua monumental obra póstuma História del Pensamiento Económico (Rothbard, 1999a).[2] Assim, seu pensamento político foi injustamente negligenciado entre nós a notas de rodapé dos manuais de teoria política,[3] apesar de ter contribuido com uma das tradições mais férteis da direita norte-americana: o anarcocapitalismo ou libertarianismo radical (Zoll, 1971; Gottfried, 1993), sintetizando em uma obra de profunda originalidade elementos extraídos da economia austríaca, a teoria política lockeana e a filosofia jusnaturalista (Barry, 1983; 1986). Rothbard foi um cientista social interdisciplinar que abordou de forma interrelacionada o estudo da economia, política, história e filosofia das ciências sociais como ciências da ação humana rejeitando por sistema em todo momento a pretensão de estudá-las a partir de paradigmas metodológicos formais provenientes das ciências naturais (Rothbard, 1997a; 1997b; 1997c). Seu pensamento político é de uma grande coerência ao longo do tempo, centrando sempre sua crítica da natureza essencialmente predatória e coercitiva do estado, seu isolacionismo em política exterior, sua visão elitista das relações entre estado e sociedade e seu libertarianismo radical, que o levou a idealizar uma ordem política libertária. Assim foi a sua prática política, oscilando de direita à esquerda, passando por sua decisiva participação na fundação do Libertarian Party norte-americano, voltando a apoiar no fim de sua vida plataformas de direita linha dura, mas sempre defendendo as mesmas ideias e sendo, em suas próprias palavras, mais radical a cada dia em sua defesa (Raimondo, 2000).

Neste trabalho pretendemos realizar uma aproximação aos aspectos mais originais de seu pensamento político, sem pretender abordar aqui, pelas características deste trabalho, o estudo nem as suas contribuições à ciência econômica e nem as raízes filosóficas, que já foram tratadas, com precisa animosidade [4] na obra de Sciabarra (Sciabarra, 2000) ou com mais simpatia no trabalho de Powell e Stringham (Powell and Stringham, 2004). Rothbard não precisa de introduções para ser lido (ele mesmo disse em uma entrevista, que agora não consigo localizar, que a diferença entre Mises e Keynes era que o segundo precisa de livros introdutórios para ser entendido enquanto que Mises pode ser lido diretamente por uma pessoa culta, o que provaria sua superior claridade de ideias) pois a sua prosa é assombrosamente clara, inclusive para um leigo nessas matérias, pelo que este trabalho pretende unicamente chamar a atenção sobre um dos pensadores políticos, a meu entender, mais importantes do século XX e buscar que suas ideias entrem no debate acadêmico hispânico.

A ordem libertária de Rothbard

O anarquismo norte-americano em que Rothbard se inspirou [5] permaneceu unido até as últimas três décadas do século XIX, no qual a violência desencadeada pelos anarquistas de esquerda levou os libertários individualistas a romper com o movimento anarquista internacional e a constituir uma tradição própria (McElroy, 2000), centrada na crítica radical do estado, mas a partir de postulados não coletivistas e defendendo a ordem de mercado como base para uma sociedade anarquista. Autores norte-americanos como Josiah Warren, Voltairine de Cleyre, Lysander Spooner, Albert Jay Nock e Benjamin Tucker ou europeus como Herbert Spencer ou Gustave de Molinari (Zanotto, 2001; Hart, 1981a) formularam no final do século XIX e nas primeiras décadas do século XX duras críticas ao estatismo em todas as suas formas [6] e descreveram os princípios e instituições de uma sociedade sem estado, mas coordenada através do mercado e instituições capitalistas (Cubbedu, 1999). Destaca-se entre estes a obra de Gustave de Molinari, um economista belga que estabelece uma sociedade na qual até a defesa era feita por agências de segurança privadas e em que a plena propriedade privada seria a instituição que permitiria definir e ordenar os deveres e obrigações sociais.[7] A partir dos seus antecessores, Rothbard constrói seu sistema libertário individualista primeiro através do esboço de uma ordem política libertária, expressa em seu manifesto For a New Liberty (Rothbard, 1978) e segundo através da sua diferenciação do conservadorismo clássico, do qual extrai muitos temas, mas que critica como estatista em vários artigos publicados ao longo de vários anos na revista conservadora Modern Age (Rothbard, 1961; 1980; 1981). Além da sua teoria dos direitos naturais, derivada das velhas ideias tomistas do direito natural, o mais interessante do libertarianismo é a descrição das instituições de mercado que supririam os serviços agora desempenhados pelo estado. Na educação Rothbard propõe uma privatização radical do ensino (Rothbard, 1978; 1999b) sem admitir sequer fórmulas intermediárias como os vouchers, que ele considera estatistas. Rothbard parte da ideia de que não se pode definir objetivamente um conjunto de conteúdos mínimos que devam ser aprendidos pelos estudantes, considerando portanto que boa parte da aprendizagem escolar é doutrinamento em valores funcionais aos governantes vigentes. A escola é uma fonte interminável de guerras culturais (oração, evolucionismo, nacionalismo, bandeira…) que só poderão ser resolvidas permitindo-se aos pais comprar a quantidade e qualidade que eles, únicos legitimados para educar, conforme Rothbard, desejem de educação e nos valores e crenças que eles escolherem. Nosso autor é também muito crítico com a instituição escolar, seguindo a linha de outros libertários como Paul Goodman, pois a considera apta como depósito de criança ou instrumento de engenharia social, e não a instituição mais adequada para a aprendizagem, pois padronizaria o conhecimento deixando insatisfeito e frustrado quem se afasta da média, se é assim que se pode falar de alunos médios.

No que se refere ao estado de bem-estar, Rothbard clama a sua completa desaparição e substituição para atender casos extremos de pobreza pelo recurso de organizações privadas de caridade, sejam elas laicas, sejam religiosas, como as dos mórmons ou as católicas. Sua crítica ao estado de bem-estar se concentra principalmente em dois argumentos. O primeiro é a existência de direitos sociais. Os direitos sociais não são verdadeiros direitos derivados da natureza humana, mas  são direitos arbitrariamente estabelecidos por políticos e juristas. São direitos de conteúdo ambíguo e que implicam coerção sobre outros para serem financiados. Em segundo lugar, Rothbard usa um argumento de tipo econômico para criticar as políticas sociais. Segundo ele, quando um determinado comportamento se subsidia, diminui o desinteresse em deixar de praticá-lo e aumenta o incentivo em praticá-lo. Desta forma se se subvenciona o desemprego ou uma situação de marginalidade, diminuindo o desejo de abandonar essas práticas, pois a situação objetiva melhorará, alterando as preferências relativas a outro tipo de conduta. A guerra contra a pobreza não melhora a situação dos pobres, mas aumenta a pobreza, é a conclusão que tem Rothbard dos programas sociais.[8] Mas talvez o mais chamativo de Rothbard são suas radicais propostas em temas sobre a segurança, justiça e meio ambiente, pois as suas propostas de não intervenção do estado na vida econômica não são novas no pensamento econômico. Rothbard propõe a substituição dos exércitos e polícias estatais por agências de segurança privadas, ao estilo das agências de detetives existentes no oeste americano durante o século XIX (Anderson e Hill, 1979), por companhias de seguros (Osterfeld, 1989) e pela autodefesa, com plena liberdade de posse de armas. A justiça privada fará uso habitual de árbitros e juízes privados, ao estilo da weberiana justiça do cadí e estará baseada na restituição à vítima pelo dano feito pelo agressor, inspirando-se nas práticas consuetudinárias presentes na Islândia ou na Irlanda medievais.[9] Com relação ao meio ambiente, Rothbard começa por dissertar sobre o valor que tem a natureza, que é muito distinto do que para os ecologistas,[10] e depois passa a afirmar que, se se tem de conservar um meio ambiente impoluto, então os mecanismos do mercado são os mais adequados para garantir tal conservação. As cotas de caça mantiveram virgens muitos lugares e garantiram a conservação da fauna sem impor custos a terceiros; os bosques privados garantiram a massa florestal devido ao interesse dos madeireiros em manter constante o estoque de árvores e em incrementar o valor de suas terras; a compra de terras para mantê-las virgens ou para explorá-las turisticamente é a solução mais adequada para manter a beleza dos lugares naturais. Rothbard confia plenamente na eficácia dos mercados para manter limpo o meio ambiente e atribui ao estado o fracasso claro na conservação do ar, água e terra submetida há anos ao domínio público,[11] sendo este que deve prestar contas de sua má gestão, não o mercado.

Mas, além da sua original descrição institucional, Rothbard gostava de eliminar equívocos sobre o libertarianismo. Ele era um conservador cultural e estava cômodo nos ambientes culturais da direita,[12] por isso buscava bem delimitar seu pensamento de forma negativa, isto é, criticando os mitos existentes sobre o movimento. Rothbard tomava o cuidado de dissociar o libertarianismo da libertinagem,[13] associado com o anteriormente dito. A filosofia libertária (Rothbard, 1980) não estabelece nenhuma pauta de conduta, só a liberdade de que cada um pratique a forma devida que deseje. Existem libertários libertinos e libertários burgueses, e o ponto em comum é a sua oposição à imposição estatal de formas de vida. Tampouco têm os libertários uma postura definida sobre a religião ou os aspectos espirituais da vida, nem a favor e nem contra, ao ser estes os aspectos que cabe a cada indivíduo determinar. Os libertários consideram que cada indivíduo é o melhor juiz de seus próprios interesses e que as pessoas que dirigem o estado não têm capacidade nem legitimidade para impor suas visões sobre a vida humana ou sobre a sociedade a um indivíduo adulto e racional.

Como sucintamente acabamos de ver, o pensamento libertário de Rothbard é de uma grande originalidade, suas análises são rigorosas e coerentes logicamente, mas adoecem de um grave defeito, o carecer de uma estratégia adequada para a levarmos a cabo. Falta no pensamento de Rothbard, e em geral no pensamento libertário,[14] uma reflexão sobre a democracia, isto é, se um governo eleito democraticamente pode acabar sem possibilidade de reversão com o sistema político existente, sobre se uma proporção de votos seria necessária, e falta definir se um país pode abolir seu estado unilateralmente ou se devem fazê-lo todos por vez. A transição à sociedade anarquista apresenta problemas muito semelhantes aos da transição ao socialismo, como bem apontou um acadêmico próximo a essas posturas (Kukathas, 2003).

A Política externa na Old Right

Rothbard se criou intelectualmente no ambiente da Old Right (Rothbard, 1999c) norte-americana e permaneceu sempre fiel aos seus postulados isolacionistas. A Old Right estava formada por um heterogêneo conjunto de intelectuais, de uma procedência ideológica muito diversa, mas unidos por sua radical oposição às intervenções militares norte-americanas fora de suas e mais especificamente às políticas estatistas do New Deal (Richman, 1996). O movimento tem suas raízes na oposição à guerra de Cuba e sobre tudo na oposição à Primeira Guerra Mundial [15] (Raimondo, 1999) principalmente com individualistas de direita como Mencken e Jay Nock aos escritores de ideologias similares como o discípulo de Mencken, Frank Chodorov, ou as escritoras Isabel Paterson ou Rose Wilder Lane, agricultores e populistas do sul ou do meio-oeste como o escritor Louis Bromfield ou o coronel McCormickm e inclusive liberais [16] desiludidos com Roosevelt como John T. Flynn ou Charles Beard (Raimondo, 1993; Philbin, 2000). Rothbard desde sua juventude simpatizava com as ideias de Mencken e se introduz no ambiente intelectual da nova direita, cujo ideário não assume como próprio, convertendo o isolacionismo em política internacional como o eixo sobre o qual gira toda a sua atuação política.[17] O Rothbard isolacionista não estava preocupado com modelos teóricos abstratos senão por influir na vida política de seu tempo. É um Rothbard que abandona em parte seu anarquismo e pensa na chave americana. Suas visões sobre o isolacionismo se mantiveram em numerosos panfletos partidaristas e ensaios de protestos, mas também em ensaios acadêmicos (Rothbard (1978b; 1999d) que nos dão uma visão teórica mais elaborada do seu pensamento a respeito e que ficam mais coerentes com sua visão geral da política. Suas visões teóricas sobre a política externa podem se sintetizar com seus principais argumentos, muito enlaçados, como dissemos, com o restante do seu pensamento político. Primeiro se opõe à guerra porque, usando uma frase do Rudolph Bourne,[18] a guerra é a saúde do estado. Isto é, em tempos de guerra o governo pode implementar políticas que não ousaria fazer em tempos de paz e pode, portanto, aumentar  espetacularmente o seu tamanho e seu poder aproveitando as épocas de crise.[19] Em época de guerra e aproveitando o estado de ânimo da população, os governos sobem os impostos, reduzem as liberdades, recrutam cidadãos à força para os exércitos, impõe controles de preços e manipulam a moeda e o crédito. Um anti-intervencionista como Rothbard não pode ao menos que suspeitar do uso político das guerras por parte dos governantes e portanto sua radical oposição às guerras no exterior. Mas isso não quer dizer que Rothbard seja um pacifista, pois sua oposição é somente contra as guerras das quais não existem ameaças claras contra o território americano ou às pessoas que vivem sem condições de se defender de agressões do próprio estado contra os seus cidadãos. Não crê, portanto, em guerras por ideais abstratos como a liberdade ou a democracia e, sim, em guerras em defesa dos direitos civis agredidos, como as guerras justas que cita, a da Independência dos EUA e da Secessão, do ponto de vista do sul. Ambas são, na sua opinião, guerras por motivos fiscais e guerras de secessão, na qual um grupo de indivíduos decide separar-se de um estado e estabelecer outra unidade política.[20] A segunda das razões pelas que Rothbard defende a não ingerência nos assuntos internos de outros países é uma valoração da neutralidade como algo positivo, seguindo a doutrina clássica das relações internacionais. As relações internacionais atualmente quase obrigam a tomar partido nos conflitos internacionais e a se envolver neles quando isso só conduz a extensão e generalização dos conflitos, como foi o caso da Primeira Guerra Mundial. A intervenção dos conflitos localizados gera pazes precárias e não resolve a raiz dos problemas, além de tornar vulnerável o princípio tão querido por Rothbard do direito à autodeterminação dos povos. O tema da política externa é vital para Rothbard. De fato, a principal explicação do aleijamento de Rothbard da corrente principal do conservadorismo norte-americano ou neoconservadorismo [21] (Nash, 1996; Gottfried, 1993; Oliet, 1993) é o apoio destes últimos e especialmente de seu líder William Buckley, editor da National Review, a revista conservadora mais influente da América do Norte, às políticas de contenção do comunismo derivados da Guerra Fria e, para completar, a Guerra da Coreia.[22]

A teoria do estado de Rothbard: elitismo e predação

A teoria do estado de Rothbard se expressa em uma série de textos sobre a natureza do estado e suas polêmicas com outros filósofos políticos, recolhidos posteriormente em um livro, A Ética da Liberdade (Rothbard, 1995a) e em um ensaio sobre as elites (1995b) nos quais expõe sua peculiar visão do estado e das classes que o dirigem. Rothbard parte da natureza essencialmente coercitiva do estado. Rothbard, influenciado pelo sociólogo alemão Franz Oppenheimer [23] (Oppenheimer, 1972) distingue os meios políticos e os meios econômicos na hora de estabelecer interrelações sociais e econômicas. Os meios econômicos se baseiam nas trocas e implicam relações pacíficas e cooperativas das quais ambas as partes se beneficiam. Os meios políticos, nas trocas, implicam sempre algum grau de coerção por parte de algumas das partes sobre as outras. Rothbard vê no estado o paradigma do uso dos meios políticos, como um ente imoral por natureza, pois sua mera existência implica coerção, seja impedindo alguma pessoa de fazer o que deseja com a sua propriedade, obrigando algum indivíduo a realizar uma determinada prestação monetária ou pessoal em benefício do estado ou impedindo que duas pessoas cheguem a acordos livremente para beneficiar uma terceira que é protegida pelo estado.[24] Rothbard vê o estado imoral desde o início, o que o levou a duras discussões com minarquistas [25] como Nozick, a quem critica em um capítulo de A Ética da Liberdade por ignorar o vício de origem do estado, o seu caráter coercitivo.

Ao caráter coercitivo do estado, Rothbard acrescenta o seu caráter predatório. Rothbard soma àqueles autores que veem sua origem na predação.[26] Segundo essa visão compartilhada por autores de muitas variedades ideológicas, o estado nasce da conquista de um território com seus agentes por parte de uma minoria guerreadora que primeiro se instala como dominadora impondo um domínio direto e cobrando tributos em troca de “proteção” e depois com o tempo institucionaliza e consegue aproveitar  alguma oportunidade de legitimação religiosa ou intelectual [27] para o seu domínio conseguindo pouco a pouco que seja considerado como algo imprescindível na vida das pessoas. Rothbard descreve a face mais brutal do estado ao afirmar que o estado não é mais que uma máfia ou grupo de bandidos protegidos por ideologias legitimadoras que lhe dão respeitabilidade.

Desta visão do estado Rothbard desenvolve uma teoria das classes sociais que curiosamente converge suas origens com a teoria marxista do estado (Raico, 1993; Stromberg, 2001), embora não suas conclusões, Rothbard e Marx compartilhem a influência dos liberais franceses do Século XIX, Say, Comte e Dunoyer em sua visão dicotômica das classes sociais,[28] segundo a qual em toda sociedade existem duas grandes classes, uma exploradora e outra explorada. A diferença é que para Rothbard e os liberais clássicos [29] as classes se definem em relação ao estado, enquanto que Marx se definem em relação à posse dos meios de produção. A teoria libertária das classes tal como é exposta por Rothbard define uma elite que é legitimada intelectualmente para governar que usa o aparato do estado em seu proveito às custas dos cidadãos, mas de uma forma bem sofisticada e elaborando políticas que favoreçam tal legitimação. Sua visão é bem sofisticada e focada nas sociedades capitalistas avançadas distinguindo vários níveis na tomada de decisões (Grinder e Hagel, 1977) desde a decisão final à gestão política diária, mas sempre tendo em conta que o beneficiário final do sistema é a elite econômico-financeira que dirige o país. Rothbard em seus livros, especialmente os referentes ao sistema bancário (Rothbard, 1983), explica como a elite econômico-financeira, que ele associa especialmente com a família Rockfeller, manipula a moeda e o crédito para defender os interesses do sistema bancário ou realiza intervenções externas em benefício dos seus próprios interesses prejudicando com tais medidas os cidadãos comuns. De fato, sua análise sobre o FED norte-americano (Rothbard, 1944) nos mostra um banco central estabelecido em defesa dos interesses bancários da oligarquia e sempre disposto a sair em sua defesa quando as circunstâncias são adversas. Tal elite seria a beneficiária para levar a cabo seus propósitos. Haveria então duas classes, uma claramente beneficiada pelo estado e outra claramente prejudicada. Como vemos a visão rothbardiana das classes, muito influenciada por autores esquerdistas como Mills (Mills, 1960) e Domhoff (Dohmhoff, 1969) e elitistas clássicos como Pareto,[30] descreve uma elite unida por laços familiares e educativos aliada a uma nova classe [31] de intelectuais que contribuíram para a sua hegemonia político-intelectual.

Seus escritos se encaminham à crítica desta classe defendendo os únicos, que a seu entender, podem impedir a sua ascensão, os populistas. Rothbard defende em suas obras mais panfletárias (Rothbard, 2002) os movimentos populistas, por simpatia aos seus postulados, sem chegar nunca a elaborar uma análise política elaborada como fizeram autores próximos a ele neste aspecto [32] (Taguieff, 1995; Bresler, 1995), mas mostrando sua preferência por movimentos políticos próximos ao homem comum. Rothbard abomina o dirigismo estatista das elites e das reformas culturais (multiculturalismo, ação afirmativa, integração escolar) e defende ideias próximas ao homem comum, encarnado nos habitantes do sul e do meio-oeste norte-americano. Defende redução de impostos, isolacionismo, liberdade de porte de armas, boicotes aos negócios e interesses da nova classe e o que se conhece como grass root politics, isto é, política feita desde a base, não desde os despachos dos dirigentes dos grandes partidos.[33]

O pensamento de Rothbard sobre o estado e as classes é totalmente original e tem a virtude de chamar a atenção sobre o liberalismo francês do Século XIX e sobre a teoria das elites contemporâneas ao sintetizá-las em um discurso coerente, mas no entanto é também uma das partes do seu pensamento que pior se encaixa dentro de seu sistema. Rothbard, como bom subjetivista, não pode determinar tão tangentemente, quem são os beneficiados ou os prejudicados pela ação do estado, primeiro porque satisfação ou insatisfação para ele é algo subjetivo e dificilmente medível [34] e segundo porque não se pode saber com exatidão quanto é o saldo líquido para cada indivíduo de sua relação com o estado. É mais correto e inteligente afirmar como Bastiat, autor que Rothbard admirava muito, que o estado é uma ficção em que todos pretendem viver às custas dos outros que tratar de determinar quem são os beneficiados e quem são os prejudicados pelo estado e sobre tudo se existe uma consciência de ser ele que permita a ação política consciente. O jogo político atual está cheio de transferências cruzadas que não permitem a priori determinar a existência de grupos conscientes de processos de redistribuição originados direta ou indiretamente pelo estado.

Conclusão

Murray Rothbard gostava de se considerar a si mesmo, como vemos na citação que encabeça o artigo, como um reacionário radical, no sentido de que queria voltar à América de antes de 1910, na qual o estado tinha poucas funções, os impostos eram baixos, a moeda sólida e nação vivia em feliz isolamento protegida por dois oceanos. Seu ódio pelo estado foi absoluto e quanto mais crescia este, mais radical se tornava em seu combate. Sua teoria é o reflexo de uma paixão e como toda obra inspirada pela paixão impacta o leitor e não o deixa indiferente. É uma obra essencialmente original e extraordinariamente imaginativa, especialmente suas soluções de mercado à justiça ou à segurança, que se encaixam de forma magistral na teoria libertária e a ética jusnaturalista com o rigor econômico da Escola Austríaca.[35] Acerta também em suas referências à imoralidade da origem do estado e do contratualismo [36] e no elitismo com que se formam muitos políticos, mas falha ao explicar qual estratégia seria adequada para levar a cabo os seus projetos políticos sem incorrer em muitos dos males que ele mesmo critica. De qualquer modo, para o estudioso da teoria política, a obra de Rothbard é um filão de ideias e de temas novos de investigação e o obrigará a replantar muitas das certezas com as que habitualmente operava.

 

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Traduzido por Luciano Takaki

Artigo original aqui.

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Notas

[1] Este ensaio se encontra extraído na compilação póstuma de artigos que Lew Rockwell fez (Rockwell, 2000).

[2] O pensamento de Rothbard é raramente citado entre nós. Além dos trabalhos do professor Huerta de Soto, que também divulga sua obra em nosso país e tem construído um gigantesco edifício intelectual, destacando-se seu monumental livro de raiz rothbardiana sobre banco e dinheiro (Huerta de Soto, 2002b) sob um ponto de vista politológico, um dos poucos trabalhos espanhóis que fazem referência à obra rothbardiana é o trabalho de Pedro Puy Fraga sobre a economia política do estado constitucional que, apesar de não seguir seu método, conhece e estuda a obra do nosso autor (Puy, 1996). Ver também Molina (2004).

[3] O único ensaio que conheço dedicado exclusivamente ao estudo do pensamento político de Rothbard é o de Roberta Modugno (Modugno, 2000). A maioria dos estudos sobre Rothbard estudam bem sua filosofia, assim como seu pensamento econômico, referindo-se só tangencialmente a sua teoria política. O trabalho mais completo sem dúvida é o de Sciabarra (Sciabarra, 2000) mas só lhe dedica uma parte do livro e dedica a maior parte do espaço ao seu pensamento filosófico.

[4] Sciabarra é um objetivista seguidor da filosofia de Ayn Rand. Rothbard se afastou desse movimento na sua juventude, por razões pessoais e metodológicas. Escreveu uma crítica dura contra os objetivistas (Rothbard, 1972) e desde então ambas as correntes do pensamento libertário, a anarcocapitalista e a objetivista, se encontram confrontadas, mesmo conservando traços em comum.

[5] Rothbard não só se inspira no anarquismo norte-americano. Em seu monumental Historia del Pensamiento Económico (Rothbard, 1999) relata o movimento libertário da China antiga até os dias de hoje. No entanto, suas principais influências não contemporâneas foram os comentadores da monarquia franceses do Século XIV, a obra de Étienne de La Boétie, O Discurso da Servidão Voluntária, a obra de Juan de Mariana (a quem admirava muito) Del rey y de la institución regia, os tratados de Locke e os igualitaristas  britânicos.

[6] As críticas ao estado mais duras são as de Spooner (Spooner, 1965), que compara o estado a um grupo criminoso, considerando o grupo criminoso como mais honrado, e de Spencer (Spencer, 1999).

[7] Molinari em seus primeiros trabalhos defendeu a anarquia completa, no entanto em sua obra mais tardia The society of tomorrow voltou atrás em sua anarquia e reconhece a necessidade do estado para algumas funções como a defesa. Molinari é sem dúvida a principal influência na descrição do anarcocapitalismo rothbardiano. O pensamento de Molinari foi estudado por David Hart em três artigos publicados no Journal of Libertarian Studies, (Hart 1981a, 1981b, 1982), mas é um completo desconhecido entre nós.

[8] É também a conclusão de Charles Murray (Murray, 1994) em seus estudos sobre a luta contra a pobreza de Lyndon B. Jonson.

[9] É também conhecida a admiração dos libertários norte-americanos pelas sociedades medievais da Irlanda e Islândia. Veja os trabalhos de Joseph Peden (Peden, 1977), que inspiraram a obra de Rothbard e mais recentemente a de Bruce Benson (Benson, 2000).

[10] Rothbard era uma pessoa que amava a civilização e a vida urbana moderna. Gostava de ficar rodeado das comodidades e facilidades da vida moderna e não apreciava especialmente os encantos da natureza.

[11] A poluição e em geral as externalidades se devem a uma má gestão estatal das competências sob seu domínio e a uma definição dos direitos de propriedade sobre esses elementos.

[12] Rothbard, quando abandonou nos anos 1960 as plataformas conservadoras, por culpa do apoio da maioria destas à guerra do Vietnã, realizou alianças táticas com grupos de extrema-esquerda, pois eram os únicos opositores à guerra, mas nunca esteve cômodo em tais ambientes. O mesmo lhe aconteceu quando fundou o Libertarian Party, que de pronto se viu povoado de hippies antissistema focados na liberação das drogas e em propor modos de vida alternativos, direitos que ele defendia mas que nunca foram o foco de seu interesse político. Era uma pessoa de ordem, com uma mulher muito religiosa, e ele, sendo um judeu agnóstico, por toda a sua vida preferia os ambientes conservadores para suas relações.

[13] Walter Block também contribuiu com essa diferenciação (Block, 1994).

[14] Para ser justo, Rothbard escreveu uma vez um livro, que permaneceu inédito, sobre alguns desses aspectos, e um artigo (Rothbard, 1965). Os que leram o manuscrito do livro dizem que combina ideias gramscianas sobre agitação cultural com elementos de estratégia extraídos dos grandes revolucionários do século XX (Raimondo, 2000). Também há algumas referências a esses temas em um ensaio de Jesús Huerta de Soto (Huerta de Soto, 2002a).

[15] O movimento desaparece temporariamente após o ataque ao Pearl Harbor e volta a aparecer renovado, porém bem enfraquecido na Guerra da Coreia e durante a Guerra Fria. Atualmente se chama paleoconservadores ou paleolibertários aqueles que reivindicam uma política externa norte-americana e mais precisamente uma política social inspirada nas ideias da Old Right (Woltermann, 1993; Scotchie, 1999; Scotchie, 2002).

[16] No sentido americano da palavra estes são esquerdistas ou social-democratas.

[17] Recordemos que Rothbard não hesitou em trocar de partido ou em deixar de colaborar com prestigiosas revistas como a National Review só pelas visões intervencionistas que estas defendiam a respeito da política externa.

[18] Bourne era um jornalista isolacionista que se opôs com firmeza à Primeira Guerra Mundial e que faleceu em plena juventude deixando poucas obras escritas.

[19] Esta tese foi mais elaborada por Higgs em um livro entitulado Crisis and Leviathan (Higgs, 1987).

[20] Para os libertários, o direito de secessão, seja de um indivíduo ou de um grupo deles unidos voluntariamente é direito humano irrenunciável. Nele se lê o fato de que prefiriam as nações pequenas às grandes, seja porque o governo está mais próximo e mais responsável pelo cidadão, seja porque as nações pequenas tendem a ser menos protecionistas que as grandes. Rothbard simpatiza em geral com os movimentos secessionistas (Rothbard, 1998; 2000). Esse tema foi aprofundado por alguns dos seguidores de Rothbard (Hoppe, 1998; Hülsmann, 2003).

[21] O principal inimigo de Rothbard e em geral do movimento libertário que ele ajudou a formar são os chamados neoconservadores, pensadores políticos nacionalistas que defendem o estado de bem-estar e são partidários de uma política externa intervencionista. A visão libertária sobre os neoconservadores pode ser visto nos artigos arquivados sobre o tema em http://www.lewrockwell.com.

[22] Rothbard odiava tanto o imperialismo norte-americano que chegou a afirmar em For a New Liberty que a URSS era pouco menos que um estado pacífico que praticamente nunca havia realizado nenhum ato agressivo contra os seus vizinhos. Isto claro, lhe rendeu duríssimas críticas inclusive dentro do movimento libertário (Reisman).  Para um desconhecedor dos embaraços da Old Right e da sua filosofia pode parecer pitoresco que uma pessoa tão direitista em tantos aspectos possa ter um um discurso tão radical sobre estes temas. Tenhamos sempre presente que  para os membros da Old Right o principal issue com muita diferença é o do isolacionismo, que é o que os configura como grupo.

[23] Franz Oppenheimer foi um sociólogo alemão de orientação esquerdista que escreveu um tratado geral sobre o processo social, sendo o volume sobre o estado parte desse tratado, embora tenha publicado de forma independente. Sobre Oppenheimer ver o livro de Francisco Ayala (Ayala, 1949) e o artigo de Heimann, 1944).

[24] Rothbard define respectivamente a casa um dos três tipos de intervenção como autista, binária e triangular. Em seu livro Governo e Mercado (Rothbard, 1977) desenvolve esta tipologia da intervenção descrevendo todas e cada uma das possíveis intervenções, partindo sempre da sua imoralidade e injustiça de origem.

[25] Os minarquistas são aqueles liberais ou libertários que defendem a existência de um estado bem reduzido, mas que reconhecem a necessidade de sua existência.

[26] Além de Oppenheimer existem muitos autores que veem na origem do estado não um contrato ou um acordo tácito, mas a conquista de grandes coletivos humanos por pequenas minorias predadoras que começam a cobrar tributos a troco de proteção e logo terminam por institucionalizar a relação. Entre eles destacam autores tão diversos ideologicamente como Gumplowicz (Gumplowicz, 1890), Levi (Levi, 1983), Tilly (Tilly, 1985; 1992) ou mais recentemente Martin Van Creveld (Van Creveld, 1999), que prediz um difícil futuro para os estados, devido a sua incapacidade de proteger as populações das novas ameaças a que enfrentam, tais como as novas formas de terrorismo.

[27] Um dos temas mais recorrentes de Rothbard é a denúncia do papel dos intelectuais de corte na legitimação da figura do estado, pois sem estes o estado se apresentaria na sua pior face e seu domínio ficaria mais difícil. Rothbard analisa, por exemplo, o papel interpretado pelos intelectuais na santificação de guerras ou nas origens do estado de bem-estar norte-americano (Rothbard, 1989; 1996).

[28] Somos conscientes da complexidade da análise das classes em Marx e sabemos que este, em algumas ocasiões, oferece uma visão dicotômica, como seria no Manifesto Comunista, enquanto que em sua obra histórica oferece uma visão mais elaborada e mais complexa do fenômeno das classes. Nós aqui seguiremos ao Marx dicotômico.

[29] Esta teoria está formulada também na obra de John Calhoun (Calhoun, 1996) um pensador conservador norte-americano de convicções sulistas, quem formulou a tese de que em toda sociedade existem quem paga impostos e quem se beneficia dos impostos (Calhoun).

[30] A obra de Pareto em relação à plutocracia é analisada, entre muitos outros trabalhos de Finer (Finer, 1968), Carreras (Carreras, 1991), Morán (Morán, 1993).

[31] O estudo e a descrição da nova classe se deve em primeiro lugar à obra de James Burham (Burham, 1962), um trotskista renegado abandeirado a partir dos anos 1950 do movimento neoconservador, que descreve os mecanismos de poder aos seus conhecimentos técnicos. São interessantes também as análises que realiza Gouldner (Gouldner, 1985) em seu livro sobre a nova classe assim como numerosos artigos publicados na revista Telos a respeito.

[32] A revista Telos publicou e debateu nos últimos anos numerosos artigos, dos quais os citados são uma amostra, nos que mostram posições políticas próximas às esboçadas por Rothbard e, naturalmente, também visões críticas.

[33] De fato, a diferença da maioria dos seus contemporâneos direitistas que simpatizavam com os fins de McCarthy mas com os meios, e ele gostava dos meios, isto é, o boicote ao cinema comunista, mas não os seus fins, isto é, a proibição das ideias comunistas por via censura estatal.

[34] O próprio Rothbard reconhecia em seus escritos sobre economia de bem-estar a impossibilidade de medir e comparar valores agregados e criticava a pretensão de comparar utilidades entre coletivos. Podem medir monetariamente as quantidades que um grupo recebe de outro, mas não medir objetivamente a utilidade ou desutilidade relativa de cada indivíduo. O próprio Rothbard poderia pertencer a uma dessas classes beneficiadas economicamente pelo estado, mas ainda assim considerava o estado como um mal, que não compensa os benefícios que lhe reportava e que contraria um prejudicado definido em termos econômicos ao ser recompensado por patriotismo ou por outro fator. A consciência de benefício ou prejuízo é uma questão de ideias e valores, não algo objetivo.

[35] Recordemos que a Escola Austríaca é uma escola de pensamento econômico metodologicamente livre de valores e não tem em princípio que postular um modelo determinado de sociedade.

[36] Um contrato para Rothbard só é moralmente válido para quem o realiza não para terceiros sem relação com os contratantes.

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Miguel Anxo Bastos
é profesor titular do Departamento de Ciencia Política y de la Administración da Universidad de Santiago de Compostela, onde leciona as disciplinas de Políticas públicas e Instituições políticas e movimentos sociais contemporâneos. É formado em Ciencias Económicas e doutor em Ciencias Económicas y Empresariales pela Universidad de Santiago de Compostela, e também formado em Ciencias Políticas pela UNED.

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