Capítulo VI – NEGÓCIOS E COMÉRCIO – 6. O aproveitador

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Está claro que o lucro e tudo aquilo a ele associado vêm, há muito tempo, sendo objeto de críticas.  O que não está tão claro assim são as razões para esses ataques.  Pode-se distinguir vários padrões diferentes.  A objeção mais frequente é que o lucro, ao contrário de outras fontes de renda, como salários, aluguéis ou até mesmo juros (pagamento pelo risco da espera), não são ganhos.  Não há qualquer trabalho ou esforço honestos associados à obtenção do lucro, para justificar os benefícios.  A maioria das pessoas não entende o processo através do qual se alcançam lucros e presumem que há algo de errado acontecendo…  “Não é justo obter lucros sem ter trabalhado para isso.”

Uma outra objeção geralmente apresentada contra o lucro, em especial contra a obtenção de lucros desmedidos, é que esse lucro empobrece o restante da humanidade.  A noção é a de que existe apenas uma quantidade finita de riqueza, e, se os aproveitadores conseguem uma parte maior dessa riqueza, resta menos dela para todos os demais.  Assim, não só o lucro é “imerecido”, por não ter sido “ganho com o trabalho”, como também prejudica, de fato, as pessoas, por desviar fundos do resto da sociedade. 

Para muitos também parece que o lucro é obtido ao se tirar vantagem do desamparo de outrem.  Esse ponto de vista constitui um terceiro tipo de objeção e está refletido na expressão popular de desprezo com que se fala daqueles que obtém grandes lucros, dizendo que ganham sua renda “à custa da miséria dos outros”.  Quando o “desamparo” consiste de uma falta de conhecimento, os que criticam o lucro, são particularmente veementes em sua condenação.  Por exemplo, o caso de um lucro obtido unicamente porque o cliente não tem conhecimento de que a mesma mercadoria está sendo vendida a um preço mais baixo logo adiante, é particularmente vexatório.  Quando o cliente é pobre, o aproveitador é ainda mais redondamente condenado. 

As defesas usuais da ideia e da prática de obter lucros deixam muito a desejar.  Até hoje têm-se limitado a destacar que 1.  o lucro é patriótico, e condená-lo é antiamericano ou, talvez, uma forma de comunismo; 2.  ele não é muito grande, de forma alguma; e 3.  é usado, em muitos casos, para contribuições de caridade.  Desnecessário dizer, nenhuma dessas defesas é uma defesa formidável.  Devemos tomar em consideração a função do lucro, numa economia moderna, e fazer um esforço para fornecer uma defesa um tanto mais consistente à antiga e honrada vocação de lucrar. 

Antes de tudo, o lucro é obtido por empresários que percebem oportunidades que não estão facilmente aparentes para outras pessoas, e apoderam-se delas.  A oportunidade “agarrada” pelo empresário pode variar de caso para caso, mas em todos eles são oportunizados, às pessoas, negócios que estas admitem lhes serem vantajosos, e que não lhes seriam oportunizados, não fosse pelo empresário.  No caso mais comum, o empresário observa uma discrepância de preços – morangos a 25 dólares a caixa, em Nova Jersey, e a 45 dólares, em Nova Iorque.  Uma vez que os custos associados ao transporte de morangos (transporte, seguro, armazenamento, quebras, deterioração etc.) são menores do que o diferencial de preço de 20 dólares por caixa, o empresário empreendedor está em posição de fazer dois tipos de negócios.  Ele pode se dispor a comprar morangos em Nova Jersey por um preço ligeiramente superior aos preponderantes 25 dólares por caixa e, então, se dispor a vender morangos, aos nova-iorquinos, a um preço abaixo 45 dólares por caixa, que prevalece naquele mercado.  Em ambos os casos, se ele encontra vendedores e compradores, beneficia os que negociam com ele, tanto oferecendo, a uns, um preço mais alto do que estão habituados a receber por suas mercadorias, quanto dispondo-se a vender, aos outros, mercadorias por um preço mais baixo do que estes costumam pagar. 

Além da discrepância de preços intratemporal, há o caso intertemporal, em que se percebe uma discrepância de preços entre mercadorias no presente e no futuro.  Tomemos como exemplo os discos de arremesso.  Consideremos todos os fatores de produção – espaço físico, trabalho e capital – que estão incorporados no produto final “disco de arremesso” posto à venda.  Os fatores de produção são, eles próprios, um tipo de bem e, portanto, têm um preço.  Após considerar, de forma apropriada, o tempo que leva converter esses fatores no produto acabado, surgem três possibilidades: 1.  não há discrepância entre os preços dos fatores de produção e o preço da futura mercadoria; 2.  existe uma discrepância, e os preços dos fatores estão altos, em relação ao da mercadoria; e 3.  há uma discrepância, e o preço do produto final está alto, em relação aos preços dos fatores de produção. 

Se não há discrepância de preços, o empresário de sucesso não entra em ação.  Mas, se os preços dos fatores de produção estão relativamente altos, o empresário se retira dessa produção. Seria desperdício empregar recursos relativamente valiosos para um produto final que tivesse um valor relativamente menor.  Ele pode vender as ações que possui nas empresas que se dedicam a esse tipo de produção.  Ou, se não tem ações, pode negociar uma opção de vendê-las, no futuro, por seu elevado preço atual (que ainda não reflete o erro de produção de fabricar discos de arremesso com recursos que valem mais do que aquilo que os próprios produtos valerão).  Ele pode cobrir essas vendas de ações com compras da mesma quantidade de ações no futuro, quando, segundo estima, seu preço estará mais baixo, devido ao erro de produção.  Muitas pessoas ficam perplexas com esse processo, que costuma ser chamado de “venda a termo”.  Ficam imaginando como é possível vender, no futuro, algo que você não possui, mas ao preço de hoje.  Estritamente falando, não podemos vender algo que não possuímos.  Mas, certamente, é possível prometervender no futuro algo que ainda não possuímos, e entregá-lo no futuro, cumprindo o contrato de venda.  A fim de testar a compreensão deste conceito, podemos perguntar: quem concordaria em comprar ações no futuro ao preço atual? Pessoas que presumem que o preço subirá ainda mais, mas que não querem investir seu dinheiro agora. 

Se, por outro lado, o empresário acha que o preço do produto final provavelmente será maior do que os custos combinados de todos os fatores, ele adota o comportamento oposto.  Produz os discos de arremesso ou investe em empresas que se ocupam de sua produção. 

O terceiro tipo de oportunidade oculta que o empresário pode aproveitar não envolve quaisquer discrepâncias de tempo – nem inter, nem intratemporais.  Esse tipo de oportunidade envolve bens que ainda não foram produzidos, e que, portanto, ainda não têm qualquer preço. Consideremos, nesse sentido, o disco de arremesso antes de ter sido produzido ou inventado.  Não havia garantia, naquela época, de que o público o aceitaria.  Nesses casos, o empresário sentiu, achou ou adivinhou que existia algo, cuja falta podia nem sequer ser aparente para qualquer outra pessoa, a que os consumidores dariam grande valor, bastando que soubessem de sua existência e fossem convencidos de seus atributos benéficos.  Nessa situação, o empresário desempenha o papel de babá de uma ideia, inventando, financiando, anunciando e fazendo tudo o mais necessário para uma ideia ter a aceitação do público. 

Após termos considerado alguns dos tipos de atividades a que os empresários geradores de lucro provavelmente se dedicam, podemos avaliar os resultados da busca do lucro. 

Um resultado fica imediatamente aparente: a acumulação e disseminação de conhecimento.  O conhecimento de produtos anteriormente não produzidos é um exemplo óbvio e marcante, mas, como vimos, o conhecimento gerado pelo comportamento voltado à obtenção de lucro não está, de forma alguma, limitado a essas ocorrências raras.  No dia a dia, o caçador de lucros está constantemente trazendo ao mercado conhecimento sobre diferenciais de preços – tanto inter quanto intratemporais. 

Esse conhecimento é de grande benefício para todos os envolvidos.  Sem ele, as pessoas em Nova Jersey estariam comendo morangos que fariam bem melhor em vender, se pudessem encontrar alguém disposto a pagar mais de 25 dólares por caixa.  Ou seja, os de Nova Jersey somente comem os morangos por desconhecerem pessoas que dão mais valor do que eles a essa fruta.  Além disso, sem esse conhecimento, haveria pessoas em Nova Iorque que não comeriam morangos, por julgarem que a única forma de obtê-los seria pagar 45 dólares por caixa, quando, na verdade, poderiam ser obtidos por menos. 

Naturalmente, o caçador de lucros não dá esse conhecimento “de mão beijada”, como o faria um professor.  Ele não é alguém que vá sair pelo país explicitamente divulgando informação.  A bem da verdade, antes que seu trabalho esteja feito, nenhuma pessoa em Nova Jersey e Nova Iorque pode sequer ter conhecimento dos preços relativos do morango nesses mercados.  O que o caçador de lucros faz é assegurar que sejam sentidos os efeitos do conhecimento dos preços nas diferentes áreas.  O aproveitador não difunde, ele próprio, o conhecimento; meramente espalha os morangos que, na ausência do conhecimento de seus preços, não seriam distribuídos, dessa forma. 

É perfeitamente verdadeiro, então, que o aproveitador tira vantagem da ignorância de outras pessoas.  Se o relevante conhecimento fosse apresentado, dificilmente o empresário teria lucro mandando morangos de Nova Jersey para Nova Iorque.  Porém, embora verdadeiro, dificilmente isso é repreensível.  Qualquer um cuja função seja vender uma mercadoria tem de vendê-la àqueles a quem ela faz falta.  O fato da falta ser determinada pela ignorância não torna essa falta – ou necessidade – menos real.  O aproveitador “tira vantagem” da falta de conhecimento de seus clientes da mesma forma que o produtor rural “tira vantagem” da fome de seu cliente: fornecendo ao cliente aquilo que lhe falta. 

Os lucros do empresário, portanto, não são obtidos à custa de quaisquer outras pessoas.  Não é verdade que deva haver prejuízos, em outra parte da economia, equivalentes aos ganhos do empresário, porque não é verdade que o empresário deixa de criar alguma coisa.  Este cria, realmente.  Cria a possibilidade de cooperação entre grupos díspares e, em muitos casos, separados por grande distância.  Ele é um corretor ou intermediário de oportunidades, é o que diríamos.  Sua função é fazer que oportunidades mutuamente benéficas não sejam ignoradas.  O motivo pelo qual esse tipo de atividade deva ser escolhido para ser denegrido como um “trabalho não honesto” está além do horizonte da razão. 

Além de servir como ponto focal para a utilização de conhecimento, o empresário caçador de lucros beneficia as pessoas, proporcionando-lhes opções que, de outra forma, não teriam.  O caso em que o empresário presenteia o público com um produto inteiramente novo é, repetimos, um exemplo óbvio.  Mas o princípio pode se aplicar até mesmo ao caso mais comum de discrepâncias intertemporais de preços.  Pois a sociedade se beneficia, quando recursos de valor não são comprometidos na fabricação de produtos finais de menor valor do que os próprios recursos.  Esses recursos podem ser empregados na produção de produtos acabados de maior valor, quer dizer, na produção de produtos finais que os clientes valorizem mais. 

Deve-se ter em mente que todas as transações empresariais são estritamente voluntárias.  As pessoas com quem o empresário lida são livres, tanto para aceitar, quanto para rejeitar suas ofertas.  Portanto, se aceitam, só pode ser por sentirem que se beneficiam em negociar com ele. Podem se arrepender de sua decisão e desejar terem feito sua compra a um preço mais baixo ou vendido a um preço mais alto.  Mas isso não altera o argumento de que o empresário caçador de lucros oferece um negócio que, na ocasião em que é ofertado, é considerado benéfico por todos os que dele participam.  Essa é uma alegação que não se pode, por exemplo, fazer em relação às transações do governo, pois não se pode dizer que estas são totalmente voluntárias. 

Outro resultado do processo de obter lucro é que, depois de levado a efeito em qualquer dado mercado, há um horizonte menor para sua continuidade.  Seu sucesso lança as sementes para seu fim.  Uma vez que a oportunidade tenha sido identificada e consumada pelo empresário, a função deste está terminada.  Assim como o “policial solitário” de épocas passadas, que viajava sozinho, o “empresário solitário” tem de procurar outras pastagens para tornar mais verdes.  Entretanto, se pouco depois surgem desequilíbrios de preços, o caçador de lucros retorna. 

O incentivo por trás da tentativa do empresário de integrar partes díspares da economia é, naturalmente, o lucro que com isso ele espera obter.  Esse é um ótimo exemplo dos efeitos benéficos do sistema de lucros e perdas.  Pois o empresário bem-sucedido – o que obtém lucros – torna a economia integrada, ao reduzir as discrepâncias de preços.  Mas o empresário que compra quando deveria vender, ou vende quando deveria comprar (e que, ao invés de reduzir as discrepâncias de preço e integrar a economia, aumenta-os, desagregando a economia), perde dinheiro.  Quanto mais erros ele comete, menos capaz de persistir no erro ele se torna.  Não podemos esperar livrar completamente a economia de erros.  Mas um mecanismo que tende, automaticamente, a melhorar o desempenho da classe empresarial em qualquer dado momento, não deve, nem de leve, ser desprezado. 

Embora tenhamos apresentado uma defesa dos efeitos positivos do lucro, a atividade de obter lucros não foi mencionada.  É importante fazê-lo, pois há muitos que alegariam, dentro do espírito aristotélico do “significado do ouro”, que lucros moderados são aceitáveis, talvez até benéficos, mas que o extremismo na obtenção de lucros somente pode ser deletério. 

A expressão “obter lucros” tem sido usada sempre num contexto sujo.  “Lucros” mais “Odeio aquele filho da puta”, é igual a “obter lucros”, da mesma forma que “firmeza” mais “acho que ele está errado” é igual a “teimosia” (Bertrand Russel disse, ilustrando essa questão: “Eu sou firme, vocês são teimosos, e ele é um grande filho da puta.”).  Não temos uma expressão pejorativa para o assalariado que busca ganhar salários “exorbitantes” ou “inescrupulosos”.  Talvez porque a opinião pública (a mídia que comanda as massas) seja a favor de altos salários, mas não de altos lucros. 

Semântica à parte, nos pareceria que, se o lucro é um benefício a nossa sociedade, então a atividade de obter lucros é um benefício ainda maior.  A possibilidade de lucro, como demonstrado, é um sinal de que algo está errado na economia, indicando que as pessoas não estão fazendo proveito de transações mutuamente benéficas.  A concretização de lucros indica que algo está sendo feito com relação a essas oportunidades desperdiçadas (os empresários estão tratando de que “os morangos sejam adequadamente distribuídos”).  Mas, se a possibilidade de lucro indica algo que vai mal, então a possibilidade de agir para obter lucro indica falhas ainda maiores na malha econômica.  E, se menos lucros indica uma cura em andamento da economia, então a obtenção de lucro é um sinal de que algo de substancial magnitude está operando para corrigir a situação.  Ao invés de lucros moderados serem aceitáveis, e lucros em demasia serem “exploratórios”, podemos ver que, quanto maiores os lucros e maior a obtenção de grande lucros, em melhor situação fica a economia.  Uma analogia médica nos ocorre: se os curativos são bons, porque o corpo pode ser curado por eles, então uma cirurgia (“obtenção de lucros maiores”) é melhor, porque demonstra que pode curar um paciente muito mais necessitado. 

A defesa mais importante da obtenção de lucro baseia-se na liberdade política. 

Há basicamente duas formas de conduzir uma economia.  A primeira, através do voluntarismo, com descentralização e confiança de que o sistema de lucros e perdas proporciona a informação e o incentivo necessários.  A segunda, compulsoriamente, com planejamento, ordens e diretrizes econômicos centralizados, confiança na iniciativa dos ditadores econômicos e a obediência de todos os demais.  Estes dois sistemas são dois polos extremos.  Todos os outros sistemas econômicos são transmutações e combinações destes dois tipos “puros”. 

A economia compulsória ou autoritária é, ela própria, o paraíso da simplicidade.  Os líderes econômicos simplesmente decidem o que deve ser produzido, quem vai produzir e como, e quem vai colher os benefícios dessa produção. 

Contrastantemente, a economia voluntária ou de livre mercado é bastante complexa.  O indivíduo tem de decidir o quê e como produzir.  O incentivo é a satisfação que ele próprio pode ter com o produto, e o que pode obter comercializando-o com outras pessoas.  Em vez de ser coordenada por diretrizes econômicas, a economia de livre mercado, como vimos, é dirigida pelo mecanismo de lucros e perdas. 

Consideremos, agora, este paradoxo: os que geralmente são os críticos mais doentios dos que “obtêm grandes lucros” e, por extensão, do sistema todo de livre mercado, também são, em geral, veementes paladinos da descentralização e dos direitos do indivíduo em questões de ordem pessoal. Mais ainda: na medida em que atacam o “lucro” e a “obtenção de grandes lucros”, estão atacando, não só o direito dos indivíduos de atuarem livremente no domínio econômico, mas também o próprio fundamento da liberdade em todas as outras áreas da vida humana. 

Em suas críticas ao lucro e à obtenção de grandes lucros – e, por extensão, a tudo o que é “lucrativo” -, mostram-se seguidores de déspotas e ditadores. 

Se pudessem conseguir seu intento, e o lucro fosse severamente restrito ou declarado totalmente ilegal, o coletivismo coercivo ficaria fortalecido a esse ponto.  As liberdades pessoais seriam varridas por uma maré de ordens vindas do topo.  O indivíduo não poderia ser livre, se sua existência econômica estivesse baseada no decreto de um ditador econômico de cujas ordens não poderia recorrer.  Num mercado livre, se você sai de um emprego, um empregado deixa de trabalhar para você, um cliente se recusa a comprar de você ou um fornecedor se recusar a vender-lhe algo, existem outros chefes, empregados, clientes ou fornecedores, reais ou potenciais.  Mas, numa economia controlada, não há outras alternativas.  Desvios, excentricidades ou tendências não ortodoxas não são tolerados. 

Os que defendem as liberdades civis, têm uma visão singularmente brilhante e um ditado verdadeiramente humanitário, que assiduamente aplicam na área da moralidade sexual: “Tudo acontece entre adultos que nisso consentem, e (implicitamente) nada acontece, exceto o consentido por adultos.” Mas eles, constantemente, recusam-se a aplicar essa regra a qualquer outra área que não a da moralidade sexual! Especificamente, recusam-se a aplicá-la ao cenário econômico. Contudo, essa máxima humanitária deveria ser aplicada a todas as áreas da vida humana, inclusive tanto ao aproveitador quanto ao pervertido ou desviado sexual; tanto ao empresário quanto ao fetichista; tanto ao especulador quanto ao sado masoquista. 

Argumentar que os pervertidos, desviados e outros do gênero têm sido denegridos injustamente, é um dos objetivos principais deste livro.  Não podemos, portanto, ser acusados de ter jogado sujo com a comunidade dos desviados.  Mas, da mesma forma, é injusto tratar como párias membros da comunidade obtentora de lucros. 

Uma crítica recente à obtenção de lucros e ao livre mercado é a visão de que, no passado distante, quando havia uma economia agrária, e “a vida era mais simples”, talvez fosse viável um sistema de livre iniciativa.  Que o que poderia ser adequado para produtores rurais e pequenos comerciantes, simplesmente não é adequado ao mundo de hoje.  Que em nossa complexa sociedade industrial, não podemos nos dar ao luxo de deixar as coisas entregues às venetas anacrônicas dos indivíduos.  Que precisamos do firme controle central de um conselho de planejamento econômico e da eliminação do lucro e da obtenção de lucro em nossas transações. 

Esse ponto de vista é generalizado.  Em alguns círculos, é considerado óbvio.  Mas a análise do lucro como intimamente vinculado à falta de conhecimento deve levar ao ponto de vista oposto.  A instituição do lucro é uma ajuda inestimável na reunião e disseminação de conhecimento e de seus efeitos.  Se há algo que pode ser considerado um marco de “uma economia não agrária moderna e altamente complexa”, é essa mesma falta de conhecimento econômico e sua utilização.  Portanto, pareceria proceder que o sistema de lucro adquire mais valor à medida em que a economia se torna mais complexa! Pois, numa economia dessas, a informação provida pelo sistema de preço automático e lucros e perdas é essencial.  O ditatorialismo econômico, se é que seria viável – o que não é -, só poderia existir numa economia simples, em que as pessoas pudessem ser facilmente manejadas por um grupo de burocratas. 

Concluindo, deve-se fazer uma distinção precisa, firme e básica entre os lucros que podem ser obtidos nas atividades de mercado, e os que podem ser “obtidos” por meio de influência ou subsídios do governo; em resumo, através do sistema de capitalismo empresa-estado.  Nas atividades de mercado, todas as transferências de fundos têm de ser voluntárias.  Portanto, devem ser indicativas de soluções para os desejos da economia e oferecê-las.  Assim, a asserção de que a possibilidade de lucro mostra o horizonte de oportunidades de comércio não aproveitadas, e de que a efetiva obtenção de lucros indica que essas lacunas estão sendo preenchidas, aplica-se unicamente á economia de livre mercado. 

Essas afirmações não podem ser feitas na ausência do livre mercado.  Os lucros na economia “mista” (uma economia que possui tanto elementos do livre mercado como elementos de coerção) bem que poderiam dever-se a nada mais do que a proibição da concorrência.  Por exemplo, uma tarifa sobre importações faz com que cresça a demanda pelo produto nacional, e os lucros da indústria nacional aumentam.  Mas, disso, dificilmente pode-se concluir que qualquer informação nova tenha sido revelada ou que a satisfação do consumidor tenha, de alguma forma, aumentado. Quando muito, ocorre o oposto.  O elo entre o lucro e o bem-estar fica, assim, partido, e não mais podemos inferir o último do primeiro.

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