26. Entrevista concedida ao The Daily Bell

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I. Introdução

Dr. Hans-Hermann Hoppe, nascido em 1949 em Peine, Alemanha Ocidental, estudou filosofia, sociologia, economia, história e estatística na Universidade de Saarland, em Saarbrücken, na Universidade Johann Wolfgang Goethe, em Frankfurt am Main, e na Universidade Universidade de Michigan, em Ann Arbor. Ele recebeu seu doutorado (Filosofia, 1974, sob Jürgen Habermas) e seu grau de “Habilitação” (Fundamentos de Sociologia e Economia, 1981) ambos pela Universidade Goethe em Frankfurt.

Em 1985, Hoppe mudou-se para Nova York para trabalhar com Murray N. Rothbard (1926-1995), o aluno americano mais proeminente do economista austríaco Ludwig von Mises (1881-1973). Em 1986, Hoppe acompanhou Rothbard em sua ida para a Universidade de Nevada, Las Vegas, onde atuou como Professor de Economia até sua aposentadoria em 2008. Após a morte de Rothbard, Hoppe também atuou por muitos anos como editor do Quarterly Journal of Austrian Economics e do periódico interdisciplinar Revista de Estudos Libertários. Hoppe é Distinguished Fellow do Ludwig von Mises Institute, em Auburn, Alabama, e fundador e presidente da Property and Freedom Society. Atualmente vive com sua esposa, Dra. Gülçin Imre, uma colega economista, em Istambul, Turquia.

Hoppe é autor de oito livros – o mais conhecido deles é Democracia – o deus que falhou – e mais de 150 artigos em livros, periódicos acadêmicos e revistas de opinião. Como um economista da Escola Austríaca de destaque internacional e filósofo libertário, ele deu palestras em todo o mundo e seus escritos foram traduzidos para mais de vinte idiomas.

Em 2006 Hoppe foi agraciado com o Prêmio Gary S. Schlarbaum pelo conjunto de sua obra pela Causa da Liberdade, e em 2009 ele recebeu o Prêmio Memorial Franz Čuhel da Universidade de Economia de Praga. Por ocasião de seu 60º aniversário, em 2009, foi publicado um Festschrift em sua homenagem: Jörg Guido Hülsmann e Stephan Kinsella (eds.), Propriedade, Liberdade & Sociedade: Ensaios em homenagem a Hans-Hermann Hoppe. O site pessoal de Hoppe é www.HansHoppe.com. Lá, a maior parte de seus escritos acadêmicos e populares, bem como muitas gravações de palestras públicas, estão disponíveis eletronicamente.

 

II. Entrevista

Daily Bell: Por favor, responda a essas perguntas como se nossos leitores não estivessem familiarizados com sua grande obra e com suas opiniões já formadas.  Vamos direto ao ponto.  Por que a democracia é o “deus que falhou“?

Hoppe: A forma tradicional do estado, anterior a essa atual, era a da monarquia (absolutista).  O movimento democrático foi um movimento direcionado contra os reis e contra as classes de nobres hereditários.  A monarquia era criticada como sendo incompatível com o princípio básico de “igualdade perante a lei”.  Ela se baseava em privilégios e era injusta e exploradora.  Logo, a democracia supostamente deveria representar uma solução para essa situação.  Ao permitir a participação e a livre entrada no aparato estatal para todas as pessoas em termos iguais — alegaram os defensores da democracia —, a igualdade perante a lei tornar-se-ia uma realidade, e a genuína liberdade reinaria.  Porém, toda essa premissa está imensamente equivocada.

É verdade que, sob a democracia, qualquer um pode se tornar rei, por assim dizer, e não apenas um círculo privilegiado de pessoas.  Assim, em uma democracia, em teoria, privilégios pessoais não existem.  Entretanto, privilégios funcionais e funções privilegiadas existem copiosamente.  Os funcionários públicos, ao agirem dentro de seus ditames, são governados e protegidos pela “lei pública” — isto é, por leis válidas para o que é público —, e consequentemente ocupam uma posição privilegiada em relação às pessoas que vivem sob a autoridade da “lei privada” — isto é, das leis válidas para o que é privado.

Mais especificamente, os funcionários do estado têm permissão para financiar ou subsidiar suas próprias atividades por meio de impostos.  Ou seja, eles podem praticar e viver à custa de atitudes que, em âmbito privado, nas relações entre cidadãos comuns, são proibidas e consideradas “assalto” e “espoliação”.  Consequentemente, os privilégios e a discriminação legal — bem como a distinção entre soberanos e súditos — não desaparecem na democracia.

Pior ainda: sob a monarquia, a distinção entre soberanos e súditos é clara.  Eu sei, por exemplo, que eu jamais me tornarei um rei, e exatamente por isso eu vou oferecer resistência a toda e qualquer tentativa do rei de aumentar impostos.  Já sob a democracia, a distinção entre soberanos e súditos se torna obscura.  Surge a ilusão de que “nós governamos a nós mesmos”, fazendo com que a resistência contra o aumento da tributação seja correspondentemente diminuída.  Eu posso até terminar do lado recebedor — alguém que recebe dinheiro de impostos ao invés de alguém que paga impostos.  Nesse caso, é claro que verei a tributação de maneira bem mais favorável.

E mais ainda: sendo um monopolista hereditário, um rei considera o território de seu país e as pessoas sob seu domínio como sua propriedade pessoal.  Consequentemente, ele irá incorrer em uma exploração monopolística dessa “propriedade”.  Sob a democracia, o monopólio e a exploração monopolística não desaparecem.  Ao contrário, o que ocorre é o seguinte: ao invés de um rei e de uma aristocracia que consideram o país sua propriedade privada, coloca-se um zelador temporário no comando monopolista do país.  Ele não é o proprietário do país, porém, enquanto ele estiver no poder, ele poderá utilizá-lo legalmente para benefício seu e de seus favoritos.  Ele está no comando, podendo usufruir o poder, mas ele não é o dono do estoque de capital do país.  Isso logicamente não vai eliminar a exploração.  Pelo contrário: fará com que a exploração seja menos calculista e executada com pouca ou nenhuma consideração para com o estoque de capital (riqueza) do país – ou seja, os regentes inevitavelmente terão uma visão imediatista das coisas.  A exploração será ainda mais intensa, e o consumo de capital será sistematicamente promovido.

Daily Bell: Se a democracia fracassou, o que o senhor colocaria em seu lugar?  Qual a sociedade ideal?  O anarcocapitalismo?

Hoppe: Prefiro o termo “sociedade de leis privadas”.  Em uma sociedade de leis privadas (isto é, leis válidas para o que é privado), cada indivíduo e cada instituição estão sujeitos ao mesmo e único arranjo de leis.  Nenhuma lei pública concedendo privilégios a pessoas ou cargos específicos existiria nessa sociedade.  Haveria apenas a propriedade privada e as leis aplicáveis para o que é privado, sendo que as leis são igualmente aplicáveis para absolutamente todos os indivíduos.  Ninguém poderia legalmente adquirir propriedade por meios que não fossem a produção, as trocas voluntárias ou a apropriação original de recursos naturais que ainda não possuíssem donos legítimos.  Ninguém possuiria o privilégio de tributar e expropriar.  Ademais, ninguém poderia proibir outra pessoa de utilizar sua propriedade para entrar em qualquer setor da economia que ela desejasse para poder concorrer no mercado contra quem ela quisesse.

Daily Bell: Como a lei e a ordem seriam ofertadas nessa sociedade?  Como seu sistema ideal de justiça funcionaria?

Hoppe: Em uma sociedade de leis privadas, a produção de lei e ordem — de segurança — seria feita por indivíduos e agências livremente financiados, concorrendo entre si por uma clientela disposta a pagar (ou a não pagar) voluntariamente por tais serviços — exatamente como ocorre com a produção de todos os outros bens e serviços.  Como esse sistema funcionaria é algo que pode ser melhor compreendido ao contrastarmos tal sistema com o funcionamento do nosso atual e totalmente conhecido sistema estatista.  Se quisermos resumir em uma única palavra a diferença (e a vantagem) decisiva entre uma indústria de segurança operando em ambiente concorrencial e a atual prática estatista, essa palavra seria: contrato.

O estado opera em um vácuo jurídico.  Não existe nenhum contrato entre o estado e seus cidadãos.  Não está determinado contratualmente o que de fato pertence a quem; consequentemente, não está determinado o que deve ser protegido.  Não está determinado qual serviço o estado deve fornecer, nem o que deve acontecer caso o estado falhe em cumprir seu dever, e nem qual preço o “consumidor” de tais “serviços” deve pagar.  Ao contrário: o estado determina unilateralmente as regras do jogo, podendo mudá-las, por mera legislação, durante o jogo.

Obviamente, tal comportamento seria inconcebível para fornecedores de serviços de segurança financiados livremente.  Apenas imagine um fornecedor de serviços de segurança — seja uma polícia, uma seguradora ou um tribunal de arbitragem — cuja oferta consistisse em algo mais ou menos assim: “Eu não vou contratualmente garantir nada a você; não irei lhe dizer o que estou obrigado a fazer caso você não fique satisfeito com meus serviços.  Porém, mesmo assim, eu me reservo o direito de determinar unilateralmente o preço que você deve me pagar por tais serviços indefinidos.”  Qualquer fornecedor de serviços de segurança desse tipo iria imediatamente desaparecer do mercado em decorrência de uma total falta de clientes.

Ao invés de agir assim, cada produtor de serviços de segurança, sempre financiado livremente, teria de oferecer um contrato aos seus clientes em potencial.  E esses contratos — a fim de serem considerados aceitáveis para consumidores que estão pagando voluntariamente por eles — devem conter cláusulas e descrições totalmente claras, bem como serviços e obrigações mútuas claramente definidos.  Cada uma das partes do contrato, ao longo de sua duração e até o vencimento do contrato, estaria vinculada a ele de acordo com seus termos e condições; e qualquer mudança nos termos ou nas condições iria requerer o consentimento unânime de todos os lados envolvidos.

Mais especificamente, para serem tidos como aceitáveis por seus potenciais compradores, esses contratos teriam de conter cláusulas especificando o que será feito no caso de um conflito ou desavença entre a agência de segurança (ou seguradora) e seus segurados, bem como no caso de um conflito entre diferentes agências de proteção e seus respectivos clientes.  E, nesses casos, apenas uma solução mutuamente acordada é possível: os lados em discórdia concordariam contratualmente em recorrer a um tribunal de arbitragem comandado por algum agente que seja independente e que goze da confiança mútua desses dois lados.

E quanto a esse agente, ele também deve ser financiado no livre mercado, além de sofrer a concorrência de vários outros arbitradores e agências de arbitragem.  Seus clientes — isto é, as seguradoras e os segurados — esperam que ele dê um veredito que seja reconhecido por todos como sendo justo e imparcial.  Somente arbitradores capazes de dar vereditos justos e imparciais terão êxito no mercado de arbitramento.  Arbitradores incapazes disso, e consequentemente vistos como parciais ou tendenciosos, irão desaparecer do mercado.

Daily Bell: Então o senhor está negando que precisamos do estado para nos defender?

Hoppe: Sim.  O estado não nos defende; ao contrário, o estado nos agride, confisca nossa propriedade e a utiliza para se defender a si próprio.  A definição padrão do estado é essa: o estado é uma agência caracterizada por duas feições exclusivas e logicamente conectadas entre si.  Primeiro, o estado é uma agência que exerce o monopólio compulsório da jurisdição de seu território; o estado é o tomador supremo de decisões.  Ou seja, o estado é o árbitro e juiz supremo de todos os casos de conflito, incluindo aqueles conflitos que envolvem ele próprio e seus funcionários.  Não há qualquer possibilidade de apelação que esteja acima e além do estado. Segundo, o estado é uma agência que exerce o monopólio territorial da tributação.  Ou seja, é uma agência que pode determinar unilateralmente o preço que seus súditos devem pagar pelos seus serviços de juiz supremo.  Baseando-se nesse arranjo institucional, você pode seguramente prever quais serão as consequências.

Primeiro, ao invés de impedir e solucionar conflitos, alguém que possua o monopólio da tomada suprema de decisões irá gerar e provocar conflitos com o intuito de resolvê-los em benefício próprio.  Isto é, o estado não reconhece e protege as leis existentes, mas as distorce e corrompe por meio da legislação.  Contradição número um: o estado é um infrator protetor das leis.

Segundo, ao invés de defender e proteger alguém ou alguma coisa, um monopolista da tributação irá invariavelmente se esforçar para maximizar seus gastos com proteção e ao mesmo tempo minimizar a real produção de proteção.  Quanto mais dinheiro o estado puder gastar e quanto menos ele tiver de trabalhar para obter esse dinheiro, melhor será a sua situação.  Contradição número dois: o estado é um expropriador protetor da propriedade.

Daily Bell: Existe alguma lei ou regulamentação boa?

Hoppe: Sim.  Existem algumas leis simples e boas que praticamente todo mundo reconhece intuitivamente, e as quais podemos demonstrar serem leis “verdadeiras” e “boas”.

Primeiro: se não houvesse conflitos entre indivíduos e todos nós vivêssemos em perfeita harmonia, não haveria nenhuma necessidade de leis ou normas.  O propósito de leis ou normas é justamente o de ajudar a evitar conflitos que de outra forma seriam inevitáveis.  Somente as leis que atingem esse objetivo podem ser chamadas de leis boas.  Uma lei que gera conflitos ao invés de ajudar a evitá-los é contrária ao propósito intrínseco de qualquer lei — ou seja, trata-se de uma lei ruim, disfuncional e corrupta.

Segundo: conflitos ocorrem porque vivemos em um mundo de escassez, onde os bens são escassos.  As pessoas entram em choque porque querem utilizar exatamente o mesmo bem de maneiras distintas e incompatíveis.  Ou eu venço a briga e utilizo tal bem do meu jeito, ou você vence e utiliza tal bem do seu jeito.  É impossível que nós dois saiamos “ganhadores”.  No caso de bens escassos, portanto, são necessárias regras ou leis que nos ajudem a solucionar reivindicações rivais e conflituosas.  Em contraste, bens que são “gratuitos” — isto é, bens que existem em superabundância, que são inesgotáveis ou infinitamente reproduzíveis — não são e nem podem ser fonte de conflito.  Quando eu utilizo um bem não escasso, isso de modo algum implica a diminuição da quantidade disponível deste bem para você.  Posso fazer o que eu quiser com este bem ao mesmo tempo em que você também pode fazer o que quiser com ele.  Não há perdedores.  Ambos saímos ganhadores.  Portanto, no que diz respeito a bens não escassos, nunca haverá a necessidade de qualquer tipo de lei.

Terceiro: todos os conflitos relacionados ao uso de bens escassos, portanto, poderão ser evitados apenas se cada bem for propriedade privada, isto é, se cada bem escasso for exclusivamente controlado por um indivíduo (ou grupo de indivíduos) específico — e não por vários indivíduos não especificados —, e sempre for deixado claro qual bem é propriedade de quem, e qual não é.  E, para que os conflitos fossem evitados desde o início da humanidade, por assim dizer, seria necessário ter uma regra determinando que a primeira apropriação original de algum recurso escasso e até então sem dono configuraria propriedade privada.

Em suma, portanto, existem essencialmente três “leis boas” que podem garantir uma interação humana sem a ocorrência de conflitos (ou a “paz eterna”):

  1. a) aquele que se apropria de algo até então sem dono torna-se o seu proprietário exclusivo (na condição de primeiro proprietário, ele logicamente não entrou em conflito com ninguém, dado que todas as outras pessoas apareceram em cena apenas mais tarde);
  2. b) aquele que produz algo utilizando tanto o seu próprio corpo quanto os bens dos quais se apropriou originalmente torna-se o proprietário único e legítimo do produto de seu trabalho — desde que ele, nesse processo, não danifique a integridade física da propriedade de terceiros; e
  3. c) aquele que adquire um bem de algum proprietário por meio de uma troca voluntária — isto é, uma troca considerada a priori como mutuamente benéfica — torna-se o novo proprietário desse bem.

Daily Bell: Como então podemos definir a liberdade? Seria a ausência de coerção estatal?

Hoppe: Uma sociedade é livre quando reconhece que cada indivíduo é o proprietário exclusivo de seu próprio (e escasso) corpo físico; quando os indivíduos são os donos exclusivos do fruto de seu próprio trabalho; quando os indivíduos são livres para se tornarem proprietários de bens até então sem donos definidos, tornando-os propriedade privada; quando qualquer indivíduo é livre para utilizar seu corpo e seus bens apropriados originalmente para produzir qualquer coisa que ele queira produzir (sem com isso danificar a integridade física da propriedade de terceiros); e quando todos os indivíduos são livres para fazerem contratos com outros indivíduos envolvendo as suas respectivas propriedades da maneira como acharem mais mutuamente benéfica.  Qualquer interferência nesses arranjos constitui um ato de agressão.  O grau de liberdade de uma sociedade pode ser medido na intensidade com que ela pratica tais agressões.

Daily Bell: Qual a sua posição a respeito de direitos autorais?  O senhor também crê que propriedade intelectual é algo que não existe, como argumentou seu amigo Stephan Kinsella?

Hoppe: Eu concordo com meu amigo Kinsella.  A ideia de direitos de propriedade intelectual não apenas é errada e confusa, como também é muito perigosa.  E eu já comentei por que é assim.  Ideias — receitas, fórmulas, declarações, argumentações, algoritmos, teoremas, melodias, padrões, ritmos, imagens etc. — certamente são bens (na medida em que são bons e úteis), mas não são bens escassos.  Tão logo as ideias são formuladas e enunciadas, elas se tornam bens não escassos, inexauríveis.  Suponha que eu assobie uma melodia ou escreva um poema, e você ouça a melodia ou leia o poema e, ato contínuo, os reproduza ou copie.  Ao fazer isso, você não expropriou absolutamente nada de mim.  Eu posso assobiar e escrever como antes.  Com efeito, o mundo todo pode copiar de mim e, ainda assim, nada me foi tomado.  (Se eu não quiser que ninguém copie minhas ideias, tudo que eu tenho de fazer é mantê-las par mim mesmo, sem jamais expressá-las.)

Agora, imagine que eu realmente possua um direito de propriedade sobre minha melodia de tal modo que eu possa proibir você de copiá-la ou até mesmo exigir um royalty de você caso o faça.  Primeiro: isso não implica, por sua vez, que eu também tenha de pagar royalties para a pessoa (ou para seus herdeiros) que inventou o assobio e a escrita?  Mais ainda: para a pessoa (ou seus herdeiros) que inventou a linguagem e a criação de sons?  Quão absurdo é isso?

Segundo: ao impedir que você assobie minha melodia ou recite meu poema, ou ao obrigá-lo a pagar caso faça isso, estou na realidade me transformando em seu proprietário (parcial): proprietário parcial de seu corpo, de suas cordas vocais, de seu papel, de seu lápis etc. porque você não utilizou nada exceto a sua própria propriedade quando me copiou.  Se você não mais pode me copiar, então isso significa que eu, o dono da propriedade intelectual, expropriei de você a sua “real” propriedade.  Donde se conclui: direitos de propriedade intelectual e direitos de propriedade real são incompatíveis, e a defesa da propriedade intelectual deve ser vista como um dos mais perigosos ataques à ideia de propriedade “real” (sobre bens escassos).

Daily Bell: Já sugerimos certa vez que, se as pessoas quiserem impingir direitos autorais hereditários, então que elas façam por conta própria, assumindo os custos de tal empreitada e tentando, por vários meios, confrontar os violadores dos direitos autorais com seus próprios recursos.  Isso colocaria o ônus da coerção e da fiscalização no bolso do próprio indivíduo reclamante.  Seria essa uma solução viável — deixar que o próprio mercado decida essas questões?

Hoppe: Isso já seria um grande avanço na direção correta.  Algo ainda melhor: um número cada vez maior de tribunais em cada vez mais países, especialmente países fora da órbita do cartel de governos ocidentais, todos dominados pelos EUA, deixaria explícito que esses países não mais se importam com casos de direitos autorais e de violação de patentes, pois consideram tais reclamações um artifício utilizado por grandes empresas ocidentais — todas com boas conexões com seus respectivos governos, tais como as empresas farmacêuticas — para enriquecerem à custa de outras pessoas.

Daily Bell: O que você acha da afirmação de Ragnar Redbeard de que Might Is Right (O poder determina o direito)?

Hoppe: Você pode dar duas interpretações muito diferentes a esta afirmação. Não vejo dificuldade com a primeira. É: eu sei a diferença entre “poder” e “direito” e, por uma questão de fato empírico, o poder é de fato frequentemente o direito. A maioria, se não todo o “direito público”, por exemplo, pode se passar por direito. A segunda interpretação é: eu não sei a diferença entre “poder” e “direito”, porque não há diferença. O poder é direito e o direito é poder. Esta interpretação é auto-contraditória. Porque se você quiser defender essa afirmação como uma afirmação verdadeira em uma discussão com outra pessoa, você está de fato reconhecendo o direito de propriedade de seu oponente em seu próprio corpo. Você não agride contra ele para convencê-lo do insight correto. Você permite que ele chegue ao insight correto por conta própria. Ou seja, você admite, pelo menos implicitamente, que sabe a diferença entre o certo e o errado. Caso contrário, não haveria propósito em discutir. O mesmo, aliás, é verdade para o famoso ditado de Hobbes de que um homem é o lobo de outro homem. Ao afirmar que esta afirmação é verdadeira, você realmente prova que ela é falsa.

Daily Bell: Foi sugerido que a única maneira de reorganizar a sociedade é por meio de um retorno aos clãs e tribos que caracterizaram as comunidades do Homo sapiens por dezenas de milhares de anos? É possível que, como parte dessa devolução, a justiça do clã ou da tribo possa ser reenfatizada?

Hoppe: Eu não acho que nós, no mundo ocidental, podemos voltar para clãs e tribos. O estado moderno e democrático destruiu clãs e tribos e suas estruturas hierárquicas, porque eles estavam no caminho do estado em direção ao poder absoluto. Sem clãs e tribos, devemos buscar o modelo de sociedade de direito privado que descrevi. Mas onde quer que existam estruturas tradicionais e hierárquicas de clãs e tribos, elas devem ser apoiadas e as tentativas de “modernizar” sistemas de justiça “arcaicos” ao longo das linhas ocidentais devem ser vistas com extrema suspeita.

Daily Bell: O senhor também já escreveu amplamente sobre moeda e questões monetárias.  Um padrão-ouro é necessário para uma sociedade livre?

Hoppe: Em uma sociedade livre, o mercado produziria dinheiro assim como produz todos os outros bens e serviços.  Caso o mundo fosse perfeitamente certo e previsível, não haveria necessidade de existir algo como o dinheiro.  Porém, como vivemos em um mundo sujeito a contingências imprevisíveis, as pessoas passam a valorar os bens de acordo também com sua vendabilidade ou capacidade de ser comercializado — ou seja, como um meio de troca.  E dado que um bem que seja mais facilmente e amplamente vendável é preferível como meio de troca a um bem que seja menos facilmente e amplamente vendável, há uma inevitável tendência no mercado para que surja uma única commodity que se distinga de todas as outras justamente por ser a mais facilmente e amplamente vendável dentre todas.  Essa commodity passa a ser chamada de dinheiro.

Sendo o ‘mais vendável dentre todos os bens’, a moeda fornece ao seu portador a melhor proteção humanamente possível contra incertezas — ela pode ser utilizada para a satisfação instantânea da mais ampla gama de necessidades possíveis.  A teoria econômica nada tem a dizer a respeito de qual commodity irá adquirir o status de dinheiro.  Historicamente, tal commodity foi o ouro.  Porém, caso a composição física do nosso mundo fosse diferente ou venha a se tornar diferente de como é hoje, alguma outra commodity teria se tornado ou poderia vir a se tornar dinheiro.  O mercado irá decidir.  Em todo caso, não há absolutamente nenhuma necessidade de o governo se envolver nessa área.  O mercado já forneceu e irá fornecer novamente dinheiro-commodity, e a produção dessa commodity, qualquer que venha a ser ela, está sujeita às mesmas forças de oferta e demanda que determinam a produção de todos os outros bens e serviços no mercado.

Daily Bell: E quanto ao paradigma do sistema bancário livre?  O sistema bancário de reservas fracionárias deve ser tolerado ou é um crime?  Quem deveria colocar as pessoas na cadeia pela prática de reservas fracionárias no sistema bancário?

Hoppe: Suponha que o ouro seja a moeda de troca.  Em uma sociedade livre, você teria livre concorrência na mineração de ouro, você teria livre concorrência na cunhagem de ouro, e você teria bancos concorrendo livremente entre si.  Os bancos ofereceriam vários serviços financeiros: custódia de dinheiro, compensação de cheques, e a mediação entre poupadores e investidores/tomadores de empréstimos.  Cada banco emitiria sua própria marca de “cédulas” ou “certificados de depósito”, documentando as várias transações e as resultantes relações contratuais entre o banco e o cliente.  Essas cédulas bancárias — o dinheiro — seriam livremente comercializáveis no mercado.  Até aqui, tudo bem.

A controvérsia com os defensores das reservas fracionárias está apenas no status do sistema bancário de reservas fracionárias para os depósitos.  Digamos que A deposita 10 onças de ouro em um banco e receba uma cédula (um certificado de depósito que funciona como um substituto monetário) redimível sob demanda ao seu valor de face.  Baseando-se nesse depósito feito por A, o banco empresa 9 onças de ouro para C, emitindo uma cédula com esse mesmo valor, a qual também é redimível sob demanda ao seu valor de face.

Isso deveria ser permitido?  Creio que não.  Pois agora existem duas pessoas, A e C, que são as proprietárias exclusivas da mesma e única quantidade de dinheiro.  Uma impossibilidade lógica.  Ou, colocando de maneira diferente, existem apenas 10 onças de ouro, porém A possui um título de posse sobre 10 onças e C possui um título de posse sobre 9 onças.  Ou seja, há mais títulos de propriedade do que propriedade em si.  Obviamente, isso constitui uma fraude, e em todas as áreas da economia — exceto na questão monetária — os tribunais teriam considerado tal prática como um ato fraudulento e teriam punido os transgressores.

Por outro lado, não haveria problema algum caso o banco dissesse a A que iria lhe pagar juros sobre seu depósito, investindo-o, por exemplo, em fundos de investimento formados por papeis de curto prazo e de alta liquidez, prometendo se esforçar para restituir a A — quando este demandasse seu investimento de volta — uma quantia fixa de dinheiro.  Tais fundos de investimento poderiam se tornar muito popular, e muitas pessoas poderiam querer colocar seu dinheiro neles ao invés de em contas-correntes normais.  Porém, enquanto estivesse aplicado nesses fundos de investimento, tal dinheiro jamais funcionaria como um meio de troca.  Nessa condição, ele jamais seria a commodity mais facilmente e amplamente vendável dentre todas.

Daily Bell: Qual a posição do senhor a respeito do paradigma dos atuais bancos centrais?  É certo dizer que os bancos centrais, no atual modelo em que estão concebidos, são o desastre da nossa era?

Hoppe: Bancos centrais certamente são os principais promotores da desordem da atualidade.  Eles, e em particular o Fed, foram os responsáveis pela destruição do padrão-ouro, que sempre foi um obstáculo para as políticas inflacionárias, e por sua substituição, desde 1971, por um padrão monetário de papel-moeda puro e de curso forçado.  Desde então, os bancos centrais podem criar dinheiro virtualmente do nada.  Uma maior quantidade de dinheiro de papel não pode tornar a sociedade mais rica, é óbvio — afinal, trata-se apenas de mais papel impresso.  Caso contrário, por que ainda haveria países pobres e pessoas pobres no mundo?  Porém, a criação de mais dinheiro tem uma função primordial: enriquecer seu produtor monopolista (o banco central) e todos aqueles que primeiramente recebem esse dinheiro (o governo, os grandes bancos e seus principais clientes), tudo à custa do empobrecimento daqueles que recebem este novo dinheiro por último, quando todos os preços já aumentaram.

Graças ao ilimitado poder de imprimir dinheiro do qual goza um banco central, os governos podem incorrer em déficits orçamentários cada vez maiores e se endividar continuamente para financiar guerras que, caso contrário, seriam de impossível financiamento, além de incorrer em um infindável fluxo de atividades inúteis.  Graças ao banco central, vários “especialistas monetários” e “proeminentes macroeconomistas” podem ser colocados em sua folha de pagamento e consequentemente transformados em propagandistas do governo com a função de “explicar”, como alquimistas, como pedras (dinheiro de papel) podem ser transformadas em pães (riqueza).

Graças ao banco central, as taxas de juros podem ser artificialmente reduzidas a zero, canalizando crédito para projetos e pessoas insolventes (ao mesmo tempo em que escasseia o crédito genuíno para projetos e pessoas solventes e realmente dignos de crédito), provocando investimentos cada vez maiores em bolhas insustentáveis, as quais, ao estourarem, geram colapsos econômicos cada vez mais espetaculares.  E graças ao banco central, somos confrontados com uma ameaça dramaticamente crescente de uma iminente hiperinflação.

Daily Bell: Frequentemente afirmamos que as Sete Colinas de Roma eram inicialmente sociedades independentes, assim como o eram as cidades-estados italianas durante o Renascimento e as 13 colônias da República dos EUA.  Parece que grandes impérios sempre começam como comunidades individuais, em que as pessoas podem sair de uma comunidade caso se sintam oprimidas e ir para outra onde podem começar de novo.  Qual é a força-motriz por trás desse processo de centralização?  Como se formam os pilares do Império?

Hoppe: Todos os estados necessariamente começam pequenos.  Isso facilita a saída de pessoas, as quais podem emigrar imperturbadamente.  Entretanto, os estados são por natureza agressivos, como já expliquei.  Eles podem externalizar o custo de suas agressões mandando a conta para seus cidadãos pagadores de impostos.  Os estados não gostam de ver pessoas produtivas indo embora.  Sendo assim, eles tentam capturar essas pessoas por meio da expansão de seu território.  Quanto mais produtivas as pessoas que o estado conseguir controlar, melhor ele estará.  Mas nesse desejo expansionista, um estado vai encontrar a oposição de outros estados.  E pode haver apenas um monopolista supremo da jurisdição e da tributação em um dado território.  Isto é, a concorrência entre diferentes estados é eliminatória.  Ou A vence e controla um território, ou B.  Quem vai vencer?  Ao menos no longo prazo, o estado que irá vencer — e apoderar-se do território de outro ou estabelecer uma hegemonia sobre ele, obrigando-o a pagar tributos — será aquele que puder parasitar sobre a economia comparativamente mais produtiva.  Ou seja, tudo o mais constante, os estados cujas economias são mais liberais tenderão a conquistar os estados menos liberais, ou seja, os estados mais opressivos e economicamente regulados.

Analisando a história moderna, podemos desta forma explicar primeiro a ascensão da liberal Grã-Bretanha ao topo da lista do primeiro império mundial.  Depois, a subsequente ascensão dos EUA.  E podemos assim compreender um aparente paradoxo: por que as potências imperiais que são internamente liberais, como os EUA, tendem a ser mais agressivas e beligerantes em sua política externa do que as potências internamente opressivas, como a finada União Soviética.  O liberal império americano tinha a certeza de que iria vencer, com suas guerras e aventuras militares estrangeiras, ao passo que a opressiva União Soviética tinha medo de que poderia perder.

Porém, construir impérios é algo que carrega consigo as sementes de sua própria destruição.  Quanto mais perto um estado chega de seu objetivo supremo — a dominação mundial e a constituição de um governo mundial único —, menos motivos há para manter seu liberalismo interno e mais motivos há para fazer justamente aquilo que todos os estados estão propensos a fazer de qualquer jeito: adotar a linha dura e aumentar a exploração sobre todas as pessoas produtivas que ainda remanesceram.

Com o tempo, sem pessoas adicionais para serem tributadas e com a produtividade doméstica estagnada ou em queda, as políticas internas do império — políticas de pão e circo — não mais poderão ser mantidas.  A crise econômica se estabelece, e um iminente colapso econômico começa a estimular tendências descentralizadoras, com movimentos separatistas e secessionistas, o que leva ao fim do império.  Já vimos isso acontecer com a Grã-Bretanha e estamos vendo agora o mesmo acontecer com os EUA, com seu império aparentemente adentrando o suspiro final.

Há também um importante aspecto monetário nesse processo.  O império dominante tipicamente fornece a moeda internacional de reserva: primeiro a Grã-Bretanha com a libra esterlina e depois os EUA com o dólar.  Com o dólar sendo utilizado como moeda de reserva internacional pelos bancos centrais estrangeiros, os EUA podem incorrer em déficits permanentes “sem sofrimento”.  Ou seja, os EUA não precisam pagar pelo seu excesso de importação em relação às exportações — como seria o normal entre parceiros “iguais” — tendo de exportar uma quantia crescente de bens para o exterior (as exportações pagando pelas importações).  Ao contrário: os governos estrangeiros e seus bancos centrais, ao invés de permitir que seus cidadãos utilizem a receita de suas exportações para comprar produtos americanos, utilizam suas reservas em dólares para comprar títulos do governo americano com o intuito de ajudar os americanos a continuarem consumindo muito além de suas posses.  Um típico sinal de vassalismo perante o império dominante.

Não conheço muito sobre a China para entender por que aquele país está utilizando suas imensas reservas em dólares (acumuladas via exportação) para continuar comprando títulos do governo americano.  Talvez seus governantes tenham lido muitos livros-textos de economia americanos e passaram a acreditar em alquimia também.  Porém, se a China se desfizer de seus títulos americanos e começar a acumular reservas em ouro, isso acabaria com o império americano e com o dólar como o conhecemos.

Daily Bell: É possível que um número ínfimo de famílias incrivelmente ricas estabelecidas no centro financeiro de Londres seja parcialmente responsável por tudo isso?  Essas famílias e seus líderes podem realmente estar em busca do governo mundial comandado pelas elites?  Ou é tudo uma conspiração?  O senhor vê o mundo nesses termos: como uma batalha entre os impulsos centralizadores das elites dominantes e os impulsos mais democráticos do resto da sociedade?

Hoppe: Não estou certo se conspiração ainda é a palavra certa, pois, nesse meio tempo, graças a pessoas como Carroll Quigley [historiador especialista em sociedades secretas], por exemplo, muito já se sabe sobre o que está acontecendo.  Em todo caso, é certamente verdade que existem essas famílias incrivelmente ricas, residindo em Londres, Nova York, Tel Aviv e em outros lugares, que já perceberam o imenso potencial de enriquecimento pessoal que há no processo de construção de um império e de um estado mundial.  Os presidentes dos grandes bancos tiveram um papel central na criação do Fed, pois eles haviam entendido que um banco central iria permitir que seus próprios bancos inflacionassem e expandissem o crédito em cima de todo o dinheiro e crédito já criados pelo banco central, e que um “emprestador de última instância” era essencial para permitir que eles colhessem lucros privados enquanto as coisas estivessem indo bem e socializassem os prejuízos quando as coisas começassem a ir mal.

Eles perceberam que o padrão-ouro clássico representava um empecilho natural à inflação e à expansão do crédito, e assim eles ajudaram primeiramente a criar um padrão-ouro falso (o padrão ouro-câmbio), e depois, após 1971, um regime de papel-moeda puro.  Eles compreenderam que um sistema de moedas nacionais de papel flutuando livremente entre si ainda era imperfeito no que tange aos desejos inflacionistas, uma vez que a supremacia do dólar ainda poderia ser ameaçada por outras moedas concorrentes, como o forte marco alemão, por exemplo.  Assim, com o intuito de reduzir e enfraquecer essa concorrência, eles apoiaram esquemas de “integração monetária”, como a criação do Banco Central Europeu (BCE) e o euro.

E eles perceberam que seu sonho supremo — um ilimitado poder de criação de dinheiro — poderia se tornar realidade apenas se eles obtivessem êxito em criar um banco central mundial dominado pelos EUA, o qual emitiria uma moeda mundial de papel, tal como o bancor (nome proposto por Keynes) ou o phoenix; e assim eles ajudaram a criar e a financiar uma profusão de organizações globalistas, como o Council on Foreign Relations, a Comissão Trilateral, o Grupo Bilderberg etc., para promover esse objetivo.  Da mesma forma, proeminentes industrialistas reconheceram as tremendas oportunidades de lucros criadas por monopólios concedidos pelo estado, por subsídios do estado e por contratos de terceirização que os eximiria ou protegeria da concorrência.  E assim eles, também, se aliaram ao estado, muitas vezes se infiltrando nele.

Existem “acidentes” na história, e existem ações cuidadosamente planejadas que produzem consequências inesperadas e não premeditadas.  Porém, a história não é apenas uma sequência de acidentes e surpresas.  Grande parte dela é planejada, almejada e concebida.  Não por pessoas comuns, é claro, mas pelas elites poderosas que estão no controle do aparato estatal.  Se quisermos evitar que a história siga seu atual e previsível curso rumo a um desastre econômico sem precedentes, é realmente imperativo sacudir e estimular a indignação pública expondo — implacável, incessante e inflexivelmente — os perversos motivos e as maléficas maquinações dessas elites poderosas, não apenas daquelas que trabalham no aparato estatal, mas principalmente também daquelas que estão fora de cena, por trás das cortinas, controlando os bastidores.

Daily Bell: Uma de nossas argumentações é a de que, assim como a prensa criada por Gutenberg destruiu as estruturas sociais existentes em sua época, a internet está fazendo o mesmo hoje.  Acreditamos que a internet pode estar antecipando uma nova Renascença após a Idade das Trevas do século XX.  Concorda?  Discorda?

Hoppe: Certamente é verdade que ambas as invenções revolucionaram a sociedade e aprimoraram enormemente nossas vidas.  É difícil imaginar como seria voltarmos à era pré-internet ou à era pré-Gutenberg.  Sou cético, entretanto, quanto à capacidade de revoluções tecnológicas, por si sós, trazerem progresso moral e um avanço rumo a mais liberdade.  Estou mais propenso a crer que a tecnologia e os avanços tecnológicos são “neutros” quanto a esse aspecto.  A internet pode ser utilizada tanto para revelar e disseminar a verdade quanto para difundir mentiras e confusão.  Ela nos deu possibilidades fantásticas de evadirmos e sobrepujarmos nosso inimigo, o estado; mas ela também deu ao estado possibilidades inéditas de nos espionar e nos arruinar.  Somos mais ricos hoje, com a internet, do que éramos, digamos, em 1900, sem ela (e estamos mais ricos não por causa do estado, mas apesar dele).  Porém, eu negaria enfaticamente que somos mais livres hoje do que éramos em 1900.  Muito pelo contrário.

Daily Bell: Algumas considerações finais?  O senhor poderia nos dizer em que livro está trabalhando agora?  Gostaria de recomendar alguns livros ou websites?

Hoppe: Certa vez afastei-me de um princípio que havia estabelecido para mim mesmo: o de não falar sobre meu trabalho até ele estar concluído.  Lamento até hoje esse desvio.  Foi um erro que não mais cometerei novamente.  Quanto a recomendações de livros, recomendo acima de tudo a leitura das grandes obras de meus dois mestres, Ludwig von Mises e Murray Rothbard, não apenas uma vez, mas repetidas vezes, de tempos em tempos.  A obra de ambos é incomparável e permanecerá insuperável por um tempo bastante longo.  Quanto a websites, visito regularmente mises.org e lewrockwell.com.  Quanto a outros sites, já fui chamado de extremista, reacionário, revisionista, elitista, supremacista, racista, homófobo, antissemita, direitista, teocrata, ateu, cínico, fascista e, é claro, o epíteto indispensável para todo alemão, nazista.  Portanto, é de se esperar que eu tenha uma preferência por sites politicamente incorretos que todo homem “moderno”, “decente”, “civilizado”, “tolerante” e “iluminado” deveria ignorar e evitar.

Daily Bell: Muito obrigado por nos conceder seu tempo para responder às nossas perguntas, professor Hoppe.  Foi uma honra especialmente distinta abordá-las dentro do contexto de sua extraordinária obra.

Hoppe: Foi um prazer.

 

III. Conclusão

Que ótima entrevista. Dizemos isso sem modéstia porque com algumas exceções (sendo notáveis ​​o sistema bancário livre e a moeda competitiva), o Dr. Hans-Hermann Hoppe, um dos melhores pensadores e educadores libertários do mundo hoje, na verdade parecia concordar com algumas das coisas que temos proposto nestas modestas páginas durante vários anos. Não acredite em nossa palavra. Releia a entrevista se desejar. Ter alguém do calibre mental do Dr. Hoppe endossando e elaborando percepções fundamentais, como as que promovemos, é incrivelmente compensador e até (não nos importamos de admitir) intelectualmente satisfatório.

Em uma nota menos frívola, o que aparece na entrevista é que o Dr. Hoppe é um daqueles indivíduos peculiares que, tendo vislumbrado a verdade oculta para maioria das pessoas, é incapaz, devido a seu temperamento, de contemporizar sobre sua validade. Vê-se essa característica refletida na obra e nas narrativas de Murray Rothbard e Ludwig von Mises para citar dois pensadores brilhantes que vêm à mente. A incapacidade de evitar as conclusões (ou de evitar expressá-las) desenvolvidas a partir do sistema de crenças de alguém é um sinal revelador de coragem intelectual e até mesmo, podemos dizer, grandeza.

De fato, é raro ter o privilégio de dialogar com um intelecto verdadeiramente esclarecido, alguém de fato com um quadro de referência impiedosamente ressonante. Se você ler a entrevista com atenção, você pode realmente ver (ou ouvir) a abordagem disciplinada com que o Dr. Hoppe aborda as questões sobre as quais ele comenta. Cada posição é desenvolvida racionalmente e cada conclusão evolui incansavelmente a partir de evidências descritas.

Não escreveremos muito mais porque, como uma grande composição musical, esta entrevista a nosso ver é melhor apreciada por si só. Nosso comentário desajeitado provavelmente só diminui sua força e austeridade elegante. Claro, você pode não apreciar nossos esforços, caro leitor, mas por favor, reconheça a cortesia, sabedoria e coragem intelectual de um dos maiores pensadores do livre mercado do mundo, Dr. Hans-Hermann Hoppe.

 

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