Em todo país, sempre é e deve ser do interesse da grande massa do povo comprar tudo que deseja daqueles que vendam mais barato.
Adam Smith
O protecionismo se baseia na ideia de proteger a indústria nacional dos produtos mais baratos do exterior. De acordo com o raciocínio protecionista, dificultar a entrada de produtos importados favoreceria o mercado interno na medida em que os consumidores seriam estimulados a comprar dos fabricantes nacionais, dado o preço maior das mercadorias estrangeiras.
As duas principais formas de políticas protecionistas são: a) o estabelecimento de tarifas de importação e b) a desvalorização cambial. Na primeira forma, o governo tributa os produtos externos de modo a encarecê-los em relação aos internos. Na segunda forma, o governo promove políticas inflacionárias para que a moeda nacional se desvalorize em relação às moedas estrangeiras, o que barateia os produtos nacionais para os outros países, aumentando assim as taxas de exportação.
Os protecionistas acreditam que o estabelecimento de tarifas de importação, ao encarecer os produtos estrangeiros e fazer, por consequência disso, os consumidores se voltarem para os produtos de origem doméstica, enriquece a indústria nacional, o que por sua vez aumenta a riqueza do país. Quanto à defesa da desvalorização da moeda, esta alegadamente se baseia no seguinte raciocínio: ao desvalorizar a própria moeda, o país barateia os seus produtos para os outros países, que por sua vez importam mais, enriquecendo a indústria nacional e, por conseguinte, o próprio povo. Eles acreditam que a balança comercial tem de sempre ser “favorável”, isto é, conter mais exportações do que importações, para que o país enriqueça.
Vamos refutar esse ponto de vista demonstrando que ele não atinge o objetivo almejado, a saber: aumentar a riqueza nacional.
Contudo, antes disso, é necessário dizer que tais motivações das políticas protecionistas são apenas engodos para enganar pessoas ingênuas e ignorantes. Nenhum político está preocupado com o enriquecimento da nação, mas sim em manter-se no poder. O real motivo da implementação de políticas protecionistas é o favorecimento de um pequeno grupo (dado que o grupo dos exportadores e empregados dessa área representa apenas uma diminuta parcela da população) em troca de dinheiro e poder. Segundo Fabio Barbieri:
Os privilégios legais obtidos pelos produtores são trocados por favores aos políticos, como doações das firmas para campanhas eleitorais dos partidos e por recursos lícitos e ilícitos transferidos aos burocratas. A competição entre produtores por privilégios legais, denominada atividade de rent-seeking, desvia recursos escassos que poderiam ser empregados de forma produtiva.[1]
Gary North também denuncia essa realidade:
Utilizar o poder estatal para subsidiar uma pequena porcentagem da população doméstica (os exportadores, cujo lobby é poderoso em qualquer nação do mundo) ao mesmo tempo que se prejudica a esmagadora maioria da população (os consumidores, que não têm lobby em nenhuma nação do mundo) é a norma atual em todas as grandes economias do globo. E a retórica utilizada também é a mesma: beneficiar alguns poucos em detrimento de todo o resto é algo que se faz em nome do fortalecimento da nação.[2] (grifo do autor)
Frédéric Bastiat chega a comentar o mesmo infortúnio, dizendo:
O protecionismo serve apenas para encarecer produtos, proteger poderosos contra a concorrência estrangeira, reduzir a acumulação de capital e solapar a divisão do trabalho.[3] (grifo nosso)
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Refutaremos o protecionismo de trás para frente e de frente para trás, começando por levá-lo às suas últimas consequências através de um reductio ad absurdum e depois empreendendo o caminho inverso, isto é, partindo do absurdo para demonstrar o natural, que é a superioridade do livre comércio em relação ao mercantilismo.
Suponha uma tarifa protecionista imposta sobre toda a Terra, aumentando o preço dos produtos importados de outros planetas. Essa tarifa, em não havendo comércio interplanetário, é absolutamente insignificante. Ela não muda em nada a economia doméstica da Terra. Agora suponha uma tarifa sendo implementada entre os nossos continentes. Isso já prejudicaria bastante a movimentação de capitais, mas os países de um mesmo continente poderiam realizar trocas entre si, de modo que tarifas intercontinentais, embora ruins, não aniquilariam o comércio. Porém, dê mais um passo e imponha tributos sobre trocas entre países do mesmo continente. Isso diminuiria ainda mais o comércio, embora muitos considerem essa medida como algo desejável e benéfico. Entretanto, se de fato fosse benéfico restringir o intercâmbio comercial entre países, mantendo assim a riqueza “dentro de casa”, por que não seria igualmente benéfico, ou até mais, restringir o intercâmbio comercial entre estados dentro de um mesmo país, entre cidades dentro de um mesmo estado, entre bairros dentro de uma mesma cidade e entre pessoas dentro de um mesmo bairro? O que torna benéfico fechar um país não deveria também, pelo mesmo motivo, tornar benéfico fechar-se em si mesmo em nome da autossuficiência individual? Esse é o resultado a que nos conduz o raciocínio protecionista.
Resumindo: a consequência lógica do protecionismo é o isolamento comercial de todos os indivíduos, que regrediriam a um modo de vida baseado na “autossuficiência selvagem”.[4] Se a autossuficiência isolada, cada homem trabalhando por si, diminui extraordinariamente as possibilidades e a riqueza de que cada indivíduo dispõe, por que o mesmo não sucederia em havendo uma restrição comercial entre bairros, entre cidades, entre estados ou entre nações, com uma diferença apenas de grau entre um caso e outros? De fato, “O impacto de uma tarifa é claramente maior quanto menor for a área geográfica dos comerciantes que abrange”.[5]
Agora façamos o caminho de volta: por que os indivíduos rejeitam esse modo isolado e autossuficiente de produção? Isso pode ser suficientemente explicado pela Lei de Associação de David Ricardo, também conhecida como Lei das Vantagens Comparativas.[6]
Essa lei diz que, havendo dois ou mais indivíduos, cada um sabendo produzir dois ou mais tipos de bens, e sendo um superior aos outros na produção de todos esses bens, ainda assim a produtividade geral é maior quando todos focam apenas naquela produção em que se saem melhor. Jörg Guido Hülsmann ilustra essa lei oferecendo o seguinte exemplo:
João e José trabalham isolados um do outro. Ambos gastam todo o seu tempo colhendo frutas e caçando coelhos. Todos os dias, João gasta 8 horas para capturar 1 coelho, e outras 2 horas para colher 3 kg de frutas. Já José gasta 6 horas para capturar 3 coelhos, e outras 4 horas para colher 7 kg de frutas. Observe que José é superior em ambas as atividades.
Agora eles resolvem se juntar e coordenar suas atividades. Desta forma, eles facilmente podem encontrar uma maneira de dividir suas tarefas de modo que ambos se beneficiem. Por exemplo, José pode dedicar todo o seu tempo para a caça de coelhos, ao passo que João dedica todo o seu tempo à coleta de frutas. O produto agregado da economia dessa ilha antes e depois da divisão do trabalho será o seguinte:
Antes: 4 coelhos, 10 kg de frutas
Depois: 5 coelhos, 15 kg de frutas
João e José têm agora, por dia, um coelho e cinco quilos de frutas a mais do que teriam caso não tivessem juntado forças. Não importa como eles dividam esse excedente, o fato é que cada um deles estará melhor do que antes.[7]
Exemplo ainda mais didático e simples é este, oferecido por Mises: para um cirurgião, é vantajoso contratar um assistente que limpe sua sala de cirurgia ainda que este seja muito pior que aquele na execução da tarefa.[8]
A lei da associação é um dos fatos que, segundo Mises, explicam a existência da divisão de trabalho e até da sociedade em si. Os outros fatos seriam: a) a desigual distribuição dos recursos naturais sobre a superfície da Terra e b) a desigualdade de capacidades e talentos entre os homens.[9] Desse modo, temos o seguinte: uma vez que os recursos naturais sejam desigualmente distribuídos pela Terra, que os homens sejam diferentemente fornidos de atributos e capacidades, e que, por fim, eles percebam a maior produtividade da cooperação em relação ao trabalho isolado, então surge o fenômeno da divisão de trabalho. Ainda segundo Mises, esse fenômeno seria o fenômeno social básico, aquele que explicaria, em última instância, o fato de o homem viver em sociedade.[10]
Assim, dada a superioridade da divisão de trabalho em comparação com a autossuficiência isolada, este princípio se aplica tanto a homens quanto a nações (que não passam de grupos territoriais de homens). A ideia de comércio entre nações, embora seja relevante em certos contextos, esconde o fato de que toda troca só acontece entre indivíduos ou grupos determinados. Dizer que o Brasil exportou minério para a Austrália significa dizer que tais e tais empresas específicas localizadas no Brasil venderam minério para tais e tais empresas específicas localizadas na Austrália. Do mesmo modo, não são países que importam produtos, e sim pessoas e empresas dentro desses países que compram produtos de pessoas e empresas que estão dentro de outros países – porque consideram menos custoso. Logo, restringir o país comercialmente significa impedir que seus cidadãos comprem mais barato apenas em benefício de uma ínfima minoria que trabalha vendendo os mesmos produtos – configurando uma reserva de mercado. Como disse Henry George, citado por Rothbard: “A causa eficiente do comércio que nossa tarifa deseja impedir é o desejo dos norte-americanos de comprar bens estrangeiros, não o desejo dos produtores estrangeiros de vendê-los”.[11]
Além disso, se, como vimos, toda ação tende a um aumento da utilidade, não faz sentido pensar em “balança comercial desfavorável”, uma vez que toda troca pressupõe um aumento ex ante de riqueza. Toda operação comercial é sempre ex ante favorável, seja uma importação, seja uma exportação. E como riqueza não se resume a quantidade de dinheiro em caixa, mas ao conjunto total bens, toda forma de comércio exterior enriquece o país. Quando alguém compra um headphone dos Estados Unidos, essa pessoa aumenta a sua riqueza na medida em que considera que o bem comprado vale mais que o dinheiro oferecido em troca – do contrário não teria realizado a compra.
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Se um país se abrir comercialmente, isso não resultará na evasão de toda a sua riqueza para países estrangeiros. Isso significará, primeiro, que seus cidadãos poderão obter produtos melhores e mais baratos de países que os produzem de modo mais eficiente. Depois, uma vez que isso prejudique as empresas desses setores, que agora não mais gozam de proteção alfandegária, os recursos serão realocados para áreas mais necessitadas, onde serão mais bem empregados. O dinheiro economizado na compra de produtos mais baratos também será redirecionado para outras indústrias, favorecendo-as. Os outros países, então, se ajustarão à nova demanda, realocando os recursos conformemente. Ou seja, é a lei de associação ricardiana aplicada ao contexto internacional: cada país se dedicando àquilo que faz melhor. E se um país for constituído de tal maneira que nenhuma riqueza possa ser nele criada e não disponha senão de campos inférteis, um tal país de fato não existiria, e seria como as regiões desérticas e polares, totalmente despovoado.
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Notas
[1] Fabio Barbieri, A Economia do Intervencionismo, p. 22.
[2] Gary Noth, “Qual o benefício de exportar mais do que importar?”. Disponível em: <https://rothbardbrasil.com/qual-o-beneficio-de-exportar-mais-do-que-importar/>.
[3] Frédéric Bastiat, “O protecionismo pode elevar os salários?”. Disponível em: <https://rothbardbrasil.com/o-protecionismo-pode-elevar-os-salarios/>.
[4] Rothbard, Governo e Mercado, p. 70.
[5] Idem, p. 69.
[6] Mises, Ação Humana, p. 199.
[7] Hülsmann, “Em defesa do livre comércio e da livre mobilidade de capitais”. Disponível em: <https://rothbardbrasil.com/em-defesa-do-livre-comercio-e-da-livre-mobilidade-de-capitais/>.
[8] Mises, idem, p. 202.
[9] Idem, p. 198.
[10] Idem, p. 198.
[11] Rothbard, Governo e Mercado, p. 70.