Aula XVIII – Tributação

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Embora os economistas austríacos costumem empregar os termos “imposto” e “tributo” como sinônimos, tais nomes indicam na verdade coisas diferentes. Você deve saber que tributo é gênero do qual imposto é espécie.

Segundo o Código Tributário Nacional,

Art. 3º Tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada.

Ou seja, tributo é uma prestação pecuniária que o Estado, mediante lei, obriga o cidadão a pagar. Essa prestação pecuniária pode ser de cinco tipos, de acordo com a doutrina majoritária (teoria pentapartida), quais sejam: imposto, taxa, contribuição de melhoria, empréstimo compulsório e contribuição especial.[1] Neste curso não discutiremos os efeitos de cada tributo específico, restringindo-nos a apresentar os efeitos em geral da tributação. No entanto, na próxima aula abriremos uma exceção para o imposto de renda, que é um dos maiores e mais invasivos do seu gênero.

Cabe mencionar também a definição de Hoppe para tributo:

Tributação é uma transferência coercitiva e não contratual de um determinado patrimônio físico (hoje principalmente, mas não exclusivamente, dinheiro) e do valor nele incorporado, de uma pessoa ou grupo de pessoas que por primeiro mantinham esses bens e que com eles podiam produzir alguma receita, para outros, que agora os possuem e que, portanto, deles derivam uma receita.[2]

Dessa forma, vê-se que tributação é uma forma não voluntária de transferência de riqueza. Segundo Rothbard, não há diferença praxeológica entre a tributação legal praticada por um Estado constitucional e um assalto cometido por um bandido de beira de estrada – com a diferença, acrescentaria Lysander Spooner, que o bandido é mais honesto.[3] Isso porque em ambos os casos o fenômeno é o mesmo, havendo apenas uma diferença de grau. Assim também sucede entre inflação e falsificação de moeda.

Devemos entender que, praxeologicamente, não há diferença entre a natureza e os efeitos da tributação e inflação, de um lado, e de outro, roubos e falsificação. Ambos interferem, coercitivamente, no mercado para beneficiar um conjunto de pessoas em detrimento de outro.[4]

Porém, a identidade entre roubo e tributação não se verifica apenas em âmbito praxeológico. Historicamente tal relação também existe. Segundo Frank Chorodov, citado por Rothbard:

Um estudo histórico da tributação conduz, inevitavelmente, a pilhagem, tributo e resgate – o objetivo econômico de conquista. Os barões que levantaram barreiras de pedágio junto ao Reno eram cobradores de impostos. Eram, portanto, as gangues que “protegiam”, por uma tarifa forçada, as caravanas que se dirigiam aos mercados. Os dinamarqueses que regularmente se convidavam para ir à Inglaterra, permaneciam como visitas indesejadas até saldarem as dívidas e chamavam a tarifa de Danegeld [literalmente, “a dívida dos dinamarqueses”]; por um bom tempo essa foi a base dos impostos ingleses sobre propriedade. Os colonizadores romanos introduziram a ideia de que o que fosse coletado dos povos submetidos a eles era apenas um pagamento para manter a lei e a ordem. Durante muito tempo, os colonizadores normandos coletaram tributos dos ingleses de todos os modos possíveis, mas quando, por processos naturais, a mistura dos dois povos resultou em uma nação, as coletas foram regularizadas pelo costume e pela lei e foram chamadas de impostos.[5]

 

 

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Segundo Hoppe, existem três, e somente três, formas de se produzir riqueza: a) pela apropriação original, isto é, tomando para si um bem anteriormente não apropriado por ninguém, como quando colhemos uma fruta na floresta ou achamos dinheiro na rua; b) por produção, ou seja, pela transformação de um bem em outro bem de maior valor, como quando pintamos um quadro ou fabricamos um automóvel; e c) pela troca voluntária (celebração de contrato), em que um sujeito transfere para o outro os títulos de propriedade sobre um determinado bem, numa operação contratual.[6] A doação entra nesta última categoria.

Na primeira operação, o sujeito descobre ou percebe um valor antes não percebido. Na segunda, o sujeito transforma algo em algo mais valioso. Na terceira, dois sujeitos trocam entre si um bem por outro que consideram maior – do contrário não realizariam a troca. Nas três operações, a riqueza aumenta, e não se pode conceber nenhuma outra forma de aumentar a riqueza.

Dado isso, Hoppe conclui que a instituição de tributos reduz o estímulo à execução dessas três operações criadoras de riqueza. Isso acontece porque, uma vez que o indivíduo saiba que parte da sua riqueza lhe será tomada, seu incentivo para produzi-la decai. Em contrapartida, seu estímulo para atividades não produtivas aumenta, o que é lógico, uma vez que o contrário de produzir é não produzir. Em suas palavras, a utilidade marginal da apropriação, da produção e da celebração de contratos é diminuída, e a utilidade marginal do consumo e do lazer é aumentada.[7] “Apenas aumente suficientemente a tributação”, ele completa, “e terá a humanidade reduzida ao nível das feras animais bárbaras”.[8]

Henry Hazlitt, numa abordagem mais empírica e concreta, enfatiza que a imposição de tributos significa um grande desincentivo para a expansão das atividades das empresas, porque elas passam a preferir não assumir muitos riscos.[9] Pelo mesmo motivo, empreendedores em potencial deixam de empreender, o que significa menos criação de riqueza e de empregos. Assim, a tributação solapa o aumento das cadeias produtivas, reduz a riqueza disponível na sociedade e prejudica a criação de empregos.[10]

Passemos agora à breve análise de Rothbard. De acordo com esse autor, a implementação de tributos, por reduzir a renda das pessoas, faz com que elas tenham menos poder de satisfazer seus desejos, o que diminui o padrão geral de vida.[11] Além disso, tal imposição distorce o padrão de produção do mercado, que passa a focar menos na satisfação dos desejos dos consumidores e mais na satisfação dos objetivos do governo.[12] Por fim, ele demonstra que o estabelecimento de um “imposto neutro” (isto é, de um tributo que não acarrete distorções alocacionais no mercado) é uma impossibilidade, de modo que toda espécie de tributo sempre vai possuir o efeito de empobrecer a sociedade, variando apenas para mais ou para menos, a depender da quantidade de tributos cobrados.[13]

Podemos finalizar com estudos que muito agradarão aos empiristas, conquanto diante da praxeologia tais estudos sejam tão inúteis quanto medir o espaço entre dois pontos para averiguar se realmente a menor distância é uma linha reta.

25 anos de estudos pelos pesquisadores do Índice de Liberdade Econômica da Heritage Foundation demonstraram em 2019 que baixa tributação está diretamente relacionada a maior crescimento econômico.[14] Estudos realizados pela Fraser Institute chegaram a uma conclusão semelhante.[15]

Ainda nessa perspectiva, Juan Ramón Rallo comenta o estudo feito por dois professores de Harvard, Alberto F. Alesina e Silvia Ardagna, acerca do impacto da política fiscal sobre a economia. Esses pesquisadores tomaram dados de 21 países da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), dentre eles os Estados Unidos, Holanda, Nova Zelândia, Alemanha, França e Finlândia, para um espaço de tempo de 37 anos, de 1970 a 2007, e seguem as conclusões de Alesina e Ardagna, citados por Rallo:

Nossos resultados sugerem que, no caso dos estímulos fiscais, as reduções de impostos são mais expansivas em termos de crescimento econômico do que o aumento de gastos. Já no caso de ajustes fiscais, os cortes de gastos são muito mais eficazes do que os aumentos de impostos tanto para estabilizar a dívida quanto para sair de recessões econômicas. Com efeito, descobrimos vários episódios em que a redução do gasto público com o intuito de reduzir o déficit gerou períodos de crescimento econômico, e não recessões.[16]

Desse modo, podemos concluir que tanto o raciocínio praxeológico quanto a investigação empírica demonstram que a imposição de tributos só tem a desfavorecer economicamente a sociedade, prejudicando a formação de riqueza e reduzindo o padrão geral de vida.

 

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Notas

[1] É interessante notar que os nomes dados a essas espécies de tributo pouco correspondem à sua real natureza. Faríamos talvez mais jus à sua realidade se os chamássemos respectivamente de: Roubo, Roubinho, Roubo de Melhoria, Empréstimo Roubado e Roubo Especial.

[2] Hoppe, The Economics and Ethics of Private Property, p. 35.

[3] Rothbard, Governo e Mercado, p. 238.

[4] Idem, p. 105

[5] Idem, p. 106

[6] Hoppe, Democracia – O Deus que Falhou: A economia e a política da monarquia, da democracia e da ordem natural, p. 155.

[7] Hoppe, The Economics and Ethics of Private Property, p. 36.

[8] Idem, pp. 36-37.

[9] Henry Hazlitt, Economia Numa Única Lição, p. 44.

[10] Idem, p. 44.

[11] Rothbard, Poder e Mercado, p. 108.

[12] Idem, p. 109.

[13] Idem, p. 109.

[14] 2019 Index of Economic Freedom: 25th Anniversary Edition. p. 2.

[15] Felipe Lungov, “A Liberdade Econômica no Mundo em 2018”. Disponível em: < https://mises.org.br/article/3000/a-liberdade-economica-no-mundo-em-2018>.

[16] Juan Ramón Rallo, “Qual o Tipo de Ajuste Fiscal Mais Propício ao Crescimento Econômico? Teoria e Empiria Convergem”. Disponível em: <https://mises.org.br/article/2943/qual-o-tipo-de-ajuste-fiscal-mais-propicio-ao-crescimento-economico-teoria-e-empiria-convergem#:~:text=03%2F04%2F2023-,Qual%20o%20tipo%20de%20ajuste%20fiscal%20mais%20prop%C3%ADcio%20ao%20crescimento,Teoria%20e%20empiria%20convergem&text=Se%20o%20governo%20gasta%20mais,ele%20ter%C3%A1%20de%20se%20endividar.>.

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